Resumo: Este trabalho tem por objetivo o estudo referente ao Neoconstitucionalismo e o Pós-Positivismo Jurídico, traçando linhas gerais referentes ao tema e reflexões a respeito deste novo modelo presente na sociedade atual, caracterizado como um novo sistema, aspecto e método da teoria jurídica. Onde a importância é demonstrada na nova sistemática do modelo jurídico e suas consequências para a sociedade, com a finalidade de promover um questionamento e reflexão sobre essa nova lógica presente na sociedade e no ordenamento jurídico.
Palavras-chave: Neoconstitucionalismo. Pós-Positivismo. Princípios.
Abstract: This work aims to study for the neoconstitutionalism and Positivism, tracing outlines on the subject and reflections about this new model in this modern society, characterized as a new system, and method aspect of the legal theory. Where importance is demonstrated in a new system of legal model and its implications for society, in order to promote a questioning and reflection on this new logic present in society and in the legal system.
Keywords: Neoconstitutionalism. Post-positivism. Principles.
Sumário: 1 Introdução. 2 O que seria Neoconstitucionalismo?. 2.1 Marco Histórico. 2.2 Marco Filosófico (Pós-Positivismo). 2.3 Uma Questão de Método.4 Considerações Finais. Referências
Introdução
Primeiramente é preciso fazer um aparato sobre os aspectos gerais referentes ao Neoconstitucionalismo, demonstrando seus aspectos históricos, filosóficos, tal seja, o Pós-Positivismo, e teóricos. Para assim tratar das questões de uma sociedade contemporânea se demonstrando alterada e diversificada. Para por fim analisar a chamada juridificação da sociedade e a problemática do ativismo judicial.
Foi utilizada a vertente metodológica para esta pesquisa de natureza qualitativa, demonstrando a importância do tema para a comunidade jurídica e a sociedade, além de se utilizar o método de abordagem dedutivo, utilizou-se o método jurídico de interpretação, sistemático. Optou-se por uma pesquisa bibliográfica, tendo como fontes principalmente o respaldo da doutrina, através de livros, nos artigos publicados em revistas e jornais jurídicos, artigos divulgados na internet entre outros que atentam para o referido assunto.
O trabalho aborda todo um processo de mudança, tanto na comunidade jurídica, como na sociedade, sendo a primeira consequência da última. Há quem defenda o Neoconstitucionalismo e consequentemente o ativismo judicial, no entanto há quem critique essa nova realidade, baseados em questões como legitimidade, ou falta dela, democracia, (in) segurança jurídica entre tantos outros argumentos, sendo assim importante esse breve estudo, referente a considerações acerca do Neoconstitucionalismo e Pós-Positivismo.
2 O que seria Neoconstitucionalismo?
O ordenamento jurídico brasileiro, nos últimos tempos vem sofrendo reiteradas mudanças, quanto à forma e ao seu “modos operandi”, essa quebra de paradigmas na teoria jurídica e na prática dos tribunais, desenvolvidos sob a égide da Constituição da República de 1988, pode ser denominado “Neoconstitucionalismo”. Mudanças em diversos fatores que reciprocamente se interligam e sustentam se, podendo resumidamente ser demonstrado alguns deles: como um estilo mais aberto de raciocinar o direito, uma retórica e argumentação mais abrangente, a ponderação sobre a razão, os princípios se sobrepõe as regras, a Constituição como centro do ordenamento jurídico, a reaproximação entre o direito e a moral e como reflexo direto o judiciário concentrando um papel mais expressivo na sociedade.
O termo empregado para essa nova ordem, forma e modelo, é derivado da doutrina espanhola e italiana, mas a difusão do termo no Brasil se deve principalmente a coletânea do doutrinador mexicano Miguel Carbonell, que a intitulou de Neoconstitucionalismo (s). O plural vem a calhar ao se falar desse termo sobretudo pelo mesmo não ser único, são ideias e pensamentos de juristas que seguem linhas bastante diversas, mas que se completam, se sustentam e se assemelham em diversos aspectos como Robert Alexy, Ronald Dworkin, Gustavo Zagrebelsky, Peter Häbele, Carlos Santiago Nino, Suzana Pozollo, Luigi Ferrajoli entre tantos.
Nessa seleção temos positivistas e não positivistas, comunitaristas, uns defendem o método na hermenêutica, outros são contra, alguns procedimentalistas, demonstrando assim a complexidade e diversidade dos mesmos. A reunião destes deve se ao fato de em uma maneira genérica eles se agrupam por tratar com questões diferentes aspectos comuns desse novo constructo da teoria jurídica.
Para uma melhor compreensão do termo, ou do fenômeno estabelecido, é necessária a análise de três aspectos, tal sejam: aspecto filosófico, teórico e primeiramente, mas de extrema importância o aspecto histórico e a recepção dessa nova perspectiva no direito brasileiro que vem a mudar a relação da sociedade contemporânea e o direito.
2.1 Marco Histórico
O marco histórico do Neoconstitucionalismo é estabelecido na Europa Pós Guerra, este que altera a realidade mundial em diversos fatores e principalmente a mentalidade da sociedade da época, com um motivo simples de se notar o receio de passar pela mesma experiência árdua novamente. Dessa forma a Europa Ocidental se encontrava devastada e com a esperança de encontrar um modelo novo em que se sustentar, baseados em aspectos suprimidos pelo contexto político e social da época, surge assim uma ênfase maior nos direitos chamados fundamentais da pessoa humana.
A Constituição servia como base, porém não tinha força normativa, era um instrumento para o legislativo se inspirar, sendo só a partir da lei em si que poderia ocorrer qualquer proteção, punição ou caráter axiológico no ordenamento jurídico. A influência da Constituição só ocorre com o fim da 2° Guerra, primeiramente na Alemanha e logo após na Itália, sobre esse contexto Barroso (2005, p.1), nos mostra:
“A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei Fundamental de Bonn (Constituição alemã), de 1949, e, especialmente, a criação do Tribunal Constitucional Federal, instalado em 1951. A partir daí teve início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascensão científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália, de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.”
Esse novo contexto histórico que batia a porta da Europa Ocidental propiciava uma teoria jurídica diferente do modelo anterior, baseado como dito anteriormente em uma constituição normativa e de valor, sendo amplamente estruturada em proteção de direitos fundamentais e baseada principalmente na dignidade da pessoa humana como sustento da carta normativa. O papel exercido pela mesma teve um alcance maior e a finalidade presente de uma proteção a direitos que antes foram extintos da sociedade no período que acabara, dessa forma atribuir valor e um caráter axiológico na Constituição terminava por ser uma tentativa de um modelo em que se privilegiava um respeito aos direitos acima mencionados.
Nesse contexto a Europa Ocidental se aproximava do modelo norte americano, no entanto atribuiu mais volume às Constituições, com a tentativa de demonstrar mais caráter normativo e fugiu do modelo simplista e genérico estadunidense, por essa questão Sarmento (2009, p.12) se refere:
“A percepção de que as maiorias políticas podem perpetrar ou acumpliciar-se com a barbárie, como ocorrera no nazismo alemão, levou as novas constituições a criarem ou fortalecerem a jurisdição constitucional, instituindo mecanismos potentes de proteção dos direitos fundamentais mesmo em face do legislador. Sob esta perspectiva, a concepção de Constituição na Europa aproximou-se daquela existente nos Estados Unidos, onde, desde os primórdios do constitucionalismo, entende-se que a Constituição é autêntica norma jurídica, que limita o exercício do Poder Legislativo e pode justificar a invalidação de leis. Só que com uma diferença importante: enquanto a Constituição norte-americana é sintética e se limita a definir os traços básicos de organização do Estado e a prever alguns poucos direitos individuais, as cartas europeias foram, em geral, muito além disso.”
Dessa forma o papel da Constituição referente às instituições contemporâneas, foi alterado passando assim ao centro do ordenamento jurídico, com um peso de referência e também um caráter normativo atribuído, expressamente demonstrado no texto constitucional dessas cartas, é fácil perceber o mesmo. Sendo assim com a introdução desse novo modelo na Europa, a segunda metade do século passado foi pautada no crescimento e expansão desse novo formato constitucional que em 1988 com a promulgação da Constituição da República, ocorre a recepção do mesmo no Brasil.
A recepção no ordenamento jurídico brasileiro surge em um momento similar ao do contexto europeu, o Brasil acabava de passar por um regime totalitário, da mesma maneira que a Europa passara, o fim da ditadura brasileira fica assim caracterizado como o marco histórico da redemocratização e da recepção do neoconstitucionalismo.
A promulgação da Carta de 1988 traz esse novo modelo, uma nova concepção de direitos e valores, tendo como proteção basilar os direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana, fruto de um momento de procura por suprir a falta de participação democrática no período da ditadura e todos os desrespeitos cometidos no mesmo.
A dignidade da pessoa humana passa a exercer um papel diferenciado, amplo e com um peso maior no sentido de relevância e base para os direitos fundamentais. Nesse diapasão, primeiramente é preciso entender o que se tem por dignidade humana, definição bastante proveitosa é retirada de Sarlet (2004, p.60), ao tratar da questão quando diz:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos”.
De fato, diversos preceitos constitucionais inalienáveis se originam no princípio da dignidade da pessoa humana, como se observa na Lei Maior pátria de 1988: a cidadania, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1º, II, III, IV); os objetivos fundamentais da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV). Soma-se a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II).
Todos esses preceptivos revelam a preocupação do legislador constituinte com a dimensão em que a dignidade da pessoa humana se mostra superior em si e como razão de uma série de outras garantias e princípios de raiz constitucional.
É devido à elevação e extensão da importância do homem no mundo que decorrem direitos fundamentais como: a liberdade, o direito de integridade física e moral sendo possível o dever de indenização dos danos morais e materiais causados, o necessário respeito, mesmo pelo Estado, da vida privada e da intimidade das pessoas, o livre arbítrio tendo assim a liberdade para o exercício de profissões, de reunião, de credo religioso, a ajuda para casos de necessidades básicas como a alimentação, o trabalho como fonte de sobrevivência legítima e honesta, demonstrando assim o valor social do trabalho, a saúde, a educação, o lazer, o repouso corporal e mental, a não submissão a tratamento desumano, a justiça, a pluralidade de ideias e orientações políticas, a vedação ao preconceito e à discriminação racial, dentre outras prerrogativas essenciais à própria existência do ser humano, as quais podem ser encontradas na Constituição Federal Brasileira.
Houve assim, a partir desse momento com o texto que acabara de ser promulgado uma centralização da Constituição no ordenamento jurídico brasileiro, dessa maneira, Barroso (2005, p.1) demonstra a importância desse marco na realidade jurídica brasileira:
“Sob a Constituição de 1988, o direito constitucional no Brasil passou da desimportância ao apogeu em menos de uma geração. Uma Constituição não é só técnica. Tem de haver, por trás dela, a capacidade de simbolizar conquistas e de mobilizar o imaginário das pessoas para novos avanços. O surgimento de um sentimento constitucional no País é algo que merece ser celebrado. Trata-se de um sentimento ainda tímido, mas real e sincero, de maior respeito pela Lei Maior, a despeito da volubilidade de seu texto. É um grande progresso. Superamos a crônica indiferença que, historicamente, se manteve em relação à Constituição. E, para os que sabem, é a indiferença, não o ódio, o contrário do amor”.
A realidade se alterava, a Constituição passa a disciplinar uma diversidade de temas antes não abordados, a lei antes valia muito mais, o peso no direito das leis, decretos era mais significativo, antes o Código Civil, hoje a Constituição. Essa substituição de importância veio a ser estabelecida exatamente nesse momento, quando a Carta de 1988 traz um elenco de temas antes não abordados, são direitos individuais, políticos, sociais, difusos, além de trazer uma série de princípios dotados de carga axiológica, o que termina por dar ensejo ao processo de constitucionalização do direito.
Nessa nova ordem constitucional o papel do Poder Judiciário foi fortalecido que em conjunto com o Ministério Público ganhou uma maior autonomia, que com o passar do tempo terminou por chegar na questão do controverso ativismo judicial. Com essa Constituição dotada de diversos princípios abrangentes de diferentes aspectos terminou por ocorrer a chamada Filtragem Constitucional, onde as matérias dos inúmeros ramos do direito passariam pelo crivo constitucional, adiante analisada, essa questão só se tornou possível pela importância que o Direito Constitucional agora continha.
A participação da doutrina brasileira foi de fundamental importância para difundir esse novo modelo, em um primeiro momento Luís Roberto Barroso e após pode se citar Paulo Bonavides, Eros Grau trazendo as teorias conhecidas como pós positivistas, como as teorias dos princípios de Robert Alexy e Ronald Dworkin. A recepção do Neoconstitucionalismo no Brasil foi pautada por esse momento histórico e baseada no mesmo, sendo importante demonstrar essa questão, no aspecto filosófico chamado Pós -Positivismo.
2.2 Marco Filosófico (Pós-Positivismo)
Primeiramente, é preciso salientar que Neoconstitucionalismo e Pós Positivismo, são diversos entre si, ao contrário do que alguns pensam, os termos são distintos. O primeiro traz traços do segundo, este que vai além de uma teoria constitucional e engloba aspectos teóricos e filosóficos do universo jurídico.
O chamado Pós-Positivismo seria a possível superação do modelo positivista e seu confronto com o jus naturalismo, no entanto, não se teria como definir um conceito específico, seria uma melhoria do legado deixado pelo positivismo, o direito não se resumiria a um sistema fechado formal, nesse sentido foi se desenvolvendo um novo campo com um pensamento mais aberto, com importância nos valores, ocorrendo assim uma aproximação entre o direito e a moral e uma crítica ao formalismo do positivismo jurídico.
O modelo positivista não conseguia responder aos anseios de uma evolução da sociedade, diversos são as razões que terminaram por ocorrer a crise do positivismo jurídico, baseada na crítica de diversos autores em relação a um modelo que já não corresponde com os conflitos atuais, principalmente no que diz respeito ao seu aspecto excessivamente formalista e sua falta de resposta a questões relacionadas a uma sociedade atual, que não encontrava eficácia correta na solução de seus conflitos. Sendo assim explicação resumida de toda essa passagem e linhas gerais do positivismo jurídico e do pós-positivismo é trazida por Soares (2007, p. 226):
“O positivismo lógico da Teoria Pura do Direito abdica o tratamento racional do problema da justiça, ao afastar quaisquer considerações fáticas e, sobretudo, valorativas do plano da ciência jurídica, de molde a assegurar os votos de castidade axiológica do jurista. A busca do direito justo passa a depender das inclinações político-ideológicas de cada indivíduo, relegando ao campo do cepticismo e do relativismo a compreensão do direito justo;
– a crise do positivismo jurídico cede espaço para a emergência de um conjunto amplo e difuso de reflexões acerca da função e interpretação do Direito, que costuma ser definido como pós-positivismo jurídico, reintroduzindo as noções de justiça e legitimidade para a compreensão axiológica e teleológica do sistema jurídico;
– a emergência do movimento pós-positivista permite a superação do reducionismo do fenômeno jurídico a um sistema formal e fechado de regras legais, abrindo margem para o tratamento axiológico do direito e a utilização efetiva dos princípios jurídicos como espécies normativas que corporificam valores e finalidades;
– o pós-positivismo, baseado no uso dos princípios, oferece um instrumental metodológico mais compatível com o funcionamento dos sistemas jurídicos contemporâneos, a fim de harmonizar legalidade com legitimidade e reafirmar os laços éticos privilegiados entre o direito e a moralidade social.”
Nesse contexto vale ressaltar a importância do pensamento voltado ao estudo das relações entre direito, moral e política como os de John Rawls e Jürgen Habermas e as contribuições importantes de Chaïm Perelman, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Friedich Müller entre tantos outros.
A união dos termos Neoconstitucionalismo e Pós Positivismo é frequente, o que deve ocorrer, pois usa uma metodologia mais completa, no entanto o interessante é que nos aspectos filosóficos os autores traçam linhas diversas, mas que se assemelham em muitos aspectos como já dito anteriormente. Em linhas gerais esses aspectos e a ligação do direito e a moral são bem demonstrados no texto de Sarmento (2009, p. 14) ao falar sobre a diversidade entre autores atribuídos neoconstitucionalistas:
“De um lado, figuram os positivistas, como Luigi Ferrajoli, Luiz Prietro Sanchís, Ricardo Guastini e Suzana Pozzolo, que não aceitam a existência de uma conexão necessária entre Direito e Moral, mas reconhecem que pode haver uma ligação contingente entre estas esferas, sempre que as autoridades competentes, dentre as quais se inclui o poder constituinte originário, positivem valores morais, conferindo-lhes força jurídica. Do outro, alinham-se os não-positivistas, como Ronald Dworkin, Robert Alexy, Carlos Santiago Nino e seus seguidores, que afirmam que Moral e Direito têm uma conexão necessária, e aderem à famosa tese de Gustav Radbruch, de que normas terrivelmente injustas não têm validade jurídica, independentemente do que digam as fontes autorizadas do ordenamento. Dentre estes autores, há quem insista na idéia de que o Direito possui uma "pretensão de correção", pois de alguma maneira é da sua essência aspirar à realização da justiça. Contudo, na medida em que as constituições contemporâneas entronizam com prodigalidade os valores morais, este debate teórico perde bastante em importância, pois mesmo os neoconstitucionalistas que se afirmam positivistas reconhecem a penetração da Moral no tecido jurídico, sobretudo pela via dos princípios constitucionais. Trata-se do chamado positivismo inclusivo.
Neste quadro, embora me pareça exagerado falar em superação da eterna querela entre jusnaturalistas e positivistas pela via do neoconstitucionalismo, não há dúvida de que a relevância prática da desavença é consideravelmente diminuída. É verdade que, para os positivistas inclusivos, o fundamento das normas revestidas de conteúdo moral será sempre um ato de autoridade, validado por uma regra de reconhecimento aceita pela prática da comunidade política. No final das contas, eles não se afastam do brocardo hobbesiano de que autoritas non veritas facit legem. Já para os não-positivistas, a vigência dos princípios morais não decorrerá de um "teste de pedigree", mas de exigências da própria Moral, acessíveis à razão humana. Porém, para ambas as linhas os valores morais incluídos nas constituições são jurídicos e devem produzir efeitos no mundo concreto.”
Pode se entender como Pós Positivismo a união ampla, complexa e divergente de reflexões relacionadas a interpretação do direito e sua função, ligando a ideia de justiça para a concepção axiológica e teleológica jurídica. Superando o modelo jurídico baseado no formalismo fechado de regras legais, dando margem a utilização de princípios norteadores com uma carga de valores e finalidades próprias, como forma de espécies normativas. Dessa forma o método seria mais compatível com sistemas jurídicos contemporâneos, aproximando o direito e a moral.
Um dos aspectos mais importantes ao se falar do Neoconstitucionalismo e Pós Positivismo, usando as expressões em conjunto para atribuir um caráter mais completo, é a substituição, ou melhor, a prevalência dos princípios sobre as regras no sistema jurídico, sendo assim analisado a seguir.
2.3 Uma Questão de Método
Uma das características do Neoconstitucionalismo é a supremacia dos princípios, nesse novo contexto esses passam a exercer um papel mais importante do que antes figuravam, exatamente por uma aproximação da moral e o direito, o que ocorre são princípios gerais com uma carga valorativa, não são mais utilizados subsidiariamente, agora pode se dizer que são à base da Constituição, já considerados espécies normativas, sua importância extrapola esta característica e norteia todo o ordenamento jurídico.
Esse aspecto é fruto da compreensão principiológica do direito, refletindo na estruturação do sistema jurídico e sua hermenêutica tendo relação direta com a aplicabilidade do direito nas questões propostas. Nesse ponto a contribuição de Perelman, Alexy e Dworkin dão ensejo a esse novo modelo de interpretação constitucional e jurídica.
Toda essa predominância que se encontra hoje relacionada aos princípios ou as chamadas cláuseas gerais derivam desse processo de mudança na teoria jurídica, enquadrando uma interpretação ligada a valores e uma teoria da argumentação. Os pensadores acima cada qual com sua importância, seu estudo, sua contribuição, trazem mecanismos para o desenvolvimento exatamente desse novo modelo de uma teoria jurídica baseados em princípios que por sua razão de ser, são abertos e gerais, são assim conceitos vagos que tem como finalidade basear valores numa tentativa de solucionar conflitos e questões cada vez mais presentes no ordenamento jurídico.
Nesse sentido Perelman (apud SOARES, 2007, p.215) traz que:
“(…) cada vez mais, juristas vindos de todos os cantos do horizonte recorrem aos princípios gerais do direito, que poderíamos aproximar do antigo jus gentium e que encontrariam no consenso da humanidade civilizada seu fundamento efetivo e suficiente. O próprio fato destes princípios serem reconhecidos, explícita ou implicitamente, pelos tribunais de diversos países, mesmo que não tenham sido proclamados obrigatórios pelo poder legislativo, prova a natureza insuficiente da construção positivista que faz a validade de toda a regra do direito depender de sua integração num sistema hierarquizado de normas.”
Em relação a funcionalidade dos princípios, no sentido dessa nova abordagem, ou seja, esse novo método é demonstrada por Soares (2007, p.224):
“Na qualidade de fonte subsidiária do direito, os princípios serviriam como elemento integrador, tendo em vista o preenchimento das lacunas do sistema jurídico, na hipótese de ausência da lei aplicável à espécie típica. Esta concepção revela-se, porém, anacrônica. Isto porque, ao se constatar a normatividade dos princípios jurídicos, estes perdem o caráter supletivo, passando a impor uma aplicação obrigatória. De antiga fonte subsidiária dos códigos, os princípios gerais, desde o advento do constitucionalismo da segunda metade do século vinte, tornaram-se fonte primária de normatividade, corporificando os valores supremos da ordem jurídica. Sendo assim, os princípios devem ser utilizados como fonte imediata do direito, podendo ser aplicados diretamente a todos os casos concretos”.
O papel dos princípios tendo esse caráter de elevada importância, a partir de uma teoria da argumentação aplicada ao direito, Alexy traz que os conflitos poderiam ser melhor solucionados através de uma racionalidade do melhor argumento.
Dessa forma Soares (2007, p. 220) explana essa questão proposta por Alexy:
“Sendo assim, sustenta Alexy que uma teoria da argumentação jurídica apresenta o seu valor prático quando consegue unir dois modelos diferentes de sistema jurídico: o procedimental e o normativo. O primeiro representa o lado ativo, composto de quatro procedimentos (discurso prático geral, criação estatal do direito, discurso jurídico e processo judicial). O segundo configura a dimensão passiva, constituído por regras e princípios. A concepção tridimensional de Alexy – composta de regras, princípios e procedimentos – não permite atingir sempre uma única resposta correta para cada caso concreto, mas, em contrapartida, potencializa a busca de um maior grau de racionalidade prática para a tomada da decisão jurídica”.
A principiologia jurídica presente nos ensinamentos de Robert Alexy, baseiam esse aspecto da dimensão dos princípios no ordenamento jurídico, nesse sentido Alexy (apud SOARES, 2007, p. 220) demonstra que:
“A formulação de princípios forma uma classe final de normas jurídicas. Para ele, princípios são proposições normativas de um tão alto nível de generalidade que podem, via de regra, não ser aplicados sem o acréscimo de outras premissas normativas e, habitualmente, são sujeitos às limitações por conta de outros princípios. Em vez de serem introduzidos na discussão como proposições normativas, os princípios também podem ser introduzidos como descrições de estados de coisas em que são considerados bons.”
Nesse ponto chega se a questão da ponderação sobre a subsunção, característica marcante ao se falar em Neoconstitucionalismo, sendo a primeira o modelo de aplicação dos princípios, por estes serem normas gerais de otimização, com um cumprimento em diversos planos, sendo necessário assim uma avaliação fática relacionado ao caso, analisando os valores e finalidades embutidas nos mesmos. A subsunção seria o modelo clássico de aplicação das regras, levando se em conta a premissa maior, sendo a norma jurídica, a premissa menor, sendo o fato, e posteriormente a conclusão do juízo, método este formal e legalista notoriamente positivista.
Os princípios ao sofrerem ponderação terminam por sempre fundamentar uma decisão, devido ao seu caráter amplo, o método da ponderação assim então se coloca no patamar superior ao da subsunção já que a utilização de princípios, no caso valores e finalidades sempre estariam presentes na interpretação por parte do operador do direito.
Ainda referente ao método principiológico, sábias palavras são oferecidas por Sarlet (2006, p. 401):
“No âmbito da problemática da vinculação dos particulares, as hipóteses de um conflito entre os direitos fundamentais e o princípio da autonomia privada pressupõem sempre uma análise tópico-sistemática, calcada nas circunstâncias específicas do caso concreto, devendo ser tratada de forma similar às hipóteses de colisão entre direitos fundamentais de diversos titulares, isto é, buscando-se uma solução norteada pela ponderação dos valores em pauta, almejando obter um equilíbrio e concordância prática, caracterizada, em última análise, pelo não sacrifício completo de um dos direitos fundamentais, bem como pela preservação, na medida do possível, da essência de cada um.”
A predominância dos princípios deve ser bem esclarecida, no que se refere a um aspecto quantitativo a Constituição brasileira é enraizada de regras sendo considerada uma Constituição analítica diferentemente do modelo norte americano e alemão, a predominância em questão, e alvo de divergências doutrinarias diz respeito a importância dos princípios sobre as regras, exatamente pelo caráter amplo e norteador das regras ligando assim essa questão mais a uma teoria interpretativa e argumentativa.
Nesse sentido Ávila (2009, p.5) traz uma contribuição importante ao mencionar esse aspecto:
“Reitere-se: as regras e os princípios desempenham funções diferentes, não se podendo falar, portanto, da primazia de uma norma sobre outra. Mesmo assim e seguindo o raciocínio aqui criticado poder-se-ía afirmar que os princípios, agora do ponto de vista qualitativo, teriam uma importância maior do que as regras, isto é, mesmo havendo mais regras do que princípios, esses, pelas suas funções eficaciais, teriam, de qualquer modo, uma importância relativa superior à das regras. Isso poderia ocorrer de duas formas: no caso de regras constitucionais, os princípios constitucionais atuariam, quer afastando as regras constitucionais imediatamente aplicáveis, quer modificando suas hipóteses por extensão ou restrição teleológicas, mesmo além do significado mínimo das palavras; no caso de regras infraconstitucionais, os princípios constitucionais agiriam por meio das suas funções interpretativas, bloqueadoras e integrativas das regras infraconstitucionais existentes”.
Fato é que a partir dessas teorias interpretativas e a teoria da argumentação, chegou se ao debate referente ao modelo utilizado, questionar um paradigma presente no direito imposto pelo modelo positivista é de grande valia, mostrando assim uma tentativa de um alcance melhor na solução de questões presentes em uma sociedade pluralista como a contemporânea. Alguns autores são críticos desse modelo alegando que a Constituição Brasileira não aceitaria ou não teria recepcionado esse novo método, um deles é Humberto Ávila ao contrapor as características daquele no ordenamento jurídico brasileiro, outros por sua vez como Luis Roberto Barroso defendem e tentam mostrar as qualidades e avanços que o mesmo trouxe ao sistema jurídico, alegando como um dos principais argumentos a importância elevada que o Direito Constitucional vem exercendo no direito brasileiro.
3 Considerações Finais
Essa importância constitucional no Direito dá margem a dois fenômenos bem característicos do Neoconstitucionalismo, primeiramente o papel do Poder Judiciário ganhando uma elevada importância no cenário político e social e a chamada constitucionalização das decisões. A partir da aceitação de uma ponderação em relação aos princípios o papel do intérprete ganha uma elevada importância, passando assim a uma figura ativa na resolução dos conflitos. A chamada justiça particular se faz presente nesse fenômeno, onde o caso concreto teria mais relevo que a justiça geral, a participação do juiz passa de um mero interlocutor da regra escrita para um intérprete ligado ao caso específico.
Com os princípios constitucionais norteando todo o ordenamento jurídico, naturalmente matérias infraconstitucionais passarão pelo crivo principiológico do Direito Constitucional, ocorrendo assim um antiescalonamento do ordenamento jurídico, onde esse passa então a figurar no centro do sistema. Altera se assim a importância dada antes ao Código Civil, por exemplo, hoje a Constituição figura como o centro e o instrumento de resolução de questões das mais diversas áreas da ordem jurídica.
Mestre em Direito Especialista em Direito Processo Civil Pós Graduação em Direito Constitucional, Professor e Advogado
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