Resumo: Este estudo apresenta como objetivo a análise da correlação entre o Estado Democrático de Direito e os direitos fundamentais trabalhistas à luz da tutela da dignidade do trabalhador.
Palavras-Chave: Estado Democrático de Direito; direitos fundamentais trabalhistas; dignidade do trabalhador
O art. 1º da Constituição Federal dispõe que a República Federativa do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito.
Para a análise do Estado Democrático de Direito é importante tratar brevemente de certas concepções de Estado.
O Estado de Direito baseado em uma concepção liberal recebeu a denominação de Estado Liberal de Direito, o qual se caracterizou pela submissão à lei, pela divisão dos poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e pela previsão de direitos individuais qualificados pela liberdade, que abrangia a liberdade contratual e, portanto, abarcava a liberdade de trabalho. [1]
Segundo Arnaldo José Duarte, “o Estado liberal começou por reconhecer seus limites perante o cidadão, configurando-se juridicamente, portanto, de forma oposta ao modelo do Estado absoluto (um Estado sem limites) até então reinante”.[2]
No entanto, no Estado Liberal de Direito, a intervenção estatal não era densa, os direitos individuais não apresentavam extensão igualitária, ou seja, não se estendiam a todos, além de que a participação popular era negada a favor dos interesses da classe formada por uma minoria que controlava o poder político e econômico.
Para Paulo Bonavides, “a idéia essencial do liberalismo não é a presença popular na formação da vontade estatal, nem tampouco a teoria igualitária de que todos têm direito igual a essa participação ou que a liberdade é formalmente esse direito”.[3]
Em oposição ao individualismo clássico liberal e à abstenção do Estado, com objetivo de corrigir certas injustiças, surge a concepção de Estado Social de Direito caracterizada pelos direitos sociais com esteio na igualdade, abrangendo direitos trabalhistas, bem como pela busca da justiça social por meio de atuação positiva destinada à concretização dos interesses da coletividade.
Ao analisar o Estado de Direito nas concepções clássica e social, José Afonso da Silva conclui que:
“a igualdade do Estado de Direito, na concepção clássica, se funda num elemento puramente formal e abstrato, qual seja a generalidade das leis. Não tem base material que se realize na vida concreta. A tentativa de corrigir isso, como vimos, foi a construção do Estado Social de Direito, que, no entanto, não foi capaz de assegurar a justiça social nem a autêntica participação do povo no processo político.”[4]
A conceituação do Estado Democrático de Direito ainda se encontra em processo de construção, razão pela qual não se verifica uniformidade no tocante aos elementos essenciais característicos deste modelo estatal.[5]
Entretanto, é possível apontar que o Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação popular no processo decisório e na formação dos atos de governo por meio de mecanismos diretos (exemplos: plebiscito e referendo) e indiretos (exemplo: escolha de representantes), bem como pelo compromisso com a concretização dos direitos fundamentais. O Estado de Democrático de Direito elabora e se submete às leis.[6]
No tocante aos princípios que qualificam o Estado Democrático de Direito, Mário Lúcio Quintão indica os seguintes:
“I – princípio da constitucionalidade: respaldo na supremacia da Constituição, vincula o legislador e todos os atos estatais à Constituição e revigorando a força normativa da Constituição; II – sistema de direitos fundamentais: a inserção no texto constitucional dos direitos humanos exige medidas para a sua implementação. Este sistema exerce funções democráticas, sociais e de garantia do Estado democrático de direito; III – princípio da legalidade da administração: cerne da teoria do Estado de direito, postula dois princípios fundamentais: o da supremacia ou prevalência da lei e o da reserva de lei; IV – princípio da segurança jurídica: conduz à consecução do princípio da determinabilidade das leis, caracterizando-se como princípio de proteção da confiança dos cidadãos; V – princípio da proteção jurídica e das garantias processuais (proteção jurídica individual sem lacunas): procedimento justo e adequado, de acesso ao direito e de concretização do direito.”[7]
Assim, o papel do Estado Democrático de Direito de concretizar os direitos fundamentais, abrange, logicamente, o comprometimento com a adoção de medidas de efetivação das posições jurídicas dotadas de fundamentalidade aplicáveis às relações de trabalho voltadas ao alcance da justiça social.
Os direitos fundamentais correspondem a posições jurídicas essenciais extraídas da ordem jurídica pátria que visam a tutelar a dignidade da pessoa humana.
Consoante Mauricio Godinho Delgado, “direitos fundamentais são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua vida em sociedade”.[8]
Os direitos fundamentais trabalhistas, como aqueles previstos nos artigos 7º a 11 da Carta Magna, que integram o bloco de constitucionalidade[9], devem ser observados como parâmetro na elaboração, interpretação e aplicação das normas, a fim de que seja preservada a constitucionalidade e garantida a dignidade da pessoa humana inerente ao trabalhador.
A respeito da relação entre a tutela constitucional dos direitos trabalhistas e o Estado Democrático de Direito, Christiana D’arc Damasceno Oliveira aponta o seguinte:
“Nesse compasso, sendo nítida a relação entre a dignidade da pessoa humana, os direitos fundamentais e o Estado Democrático de Direito, resta inconteste que a aplicação e interpretação dos direitos fundamentais nas relações trabalhistas deve ser realizada em sintonia com os valores imanentes à dignidade da pessoa do trabalhador, o qual não se despoja de sua condição de pessoa plena ao integrar o contrato de labuta.”[10]
No mesmo sentido, afirma Mauro de Azevedo Menezes:
“A perspectiva de um subsistema de proteção aos direitos trabalhistas na Constituição brasileira de 1988 repousa sobre a positivação do Estado democrático de direito, que se operou por obra do constituinte pátrio. Desse modelo ideológico adotado, deriva a afirmação concreta de direitos sociais, dentre os quais o direito do trabalho tem presença marcante.”[11]
Merece destaque a adequada hermenêutica, segundo a qual os direitos sociais trabalhistas integram o núcleo intangível da Constituição Federal consubstanciado em cláusulas pétreas não passíveis de medidas tendentes à abolição ou à diminuição, por meio do Poder Constituinte Reformador (art. 60, § 4º, da Carta Magna), pois estão previstos no Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal, o que indica a opção expressa (mens legis e mens legislatoris) de atribuir fundamentalidade aos referidos direitos, além de que todos os direitos fundamentais, inclusive os reconhecidos de primeira e segunda dimensões são indivisíveis e interdependentes, de forma que os direitos civis e políticos apenas apresentam máxima efetividade mediante a concretização dos direitos sociais.
Em acréscimo à intangibilidade dos direitos fundamentais trabalhistas, insta salientar a previsão no sentido de vedação ao retrocesso, no que tange aos direitos fundamentais, inclusive sociais, contida na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica)[12].
Os direitos fundamentais são indivisíveis e interdependentes, de forma que as posições jurídicas trabalhistas dotadas de fundamentalidade quando desrespeitadas implicam violação à dignidade da pessoa humana e impedem a concretização do princípio da máxima efetividade, de modo a acarretar lesão ao complexo de direitos fundamentais, o que é incompatível com o Estado Democrático de Direito.
Juiz do Trabalho da 14ª Região, Titular da Vara do Trabalho de Epitaciolândia (AC). Pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho
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