Resumo: de efeito, o artigo definido que compõe o título deste redigido está adrede pluralizado. Afinal, um “conjunto” de leis vieram à tona, com o intuito de modernizar o nosso Codex adjetivo de cunho penal, sendo que, ainda, uma nova reforma processual penal já se constitui em um porvir amplamente anunciado. Breves, pois, e também despretensiosos, serão os comentários desta obra. Em suma, deseja-se focar com desapego os essenciais mecanismos já modificados e anunciar o que está ainda por ser modificado; tudo isso mais como uma singela reminiscência, antes que pareceres comemorativos ou inovadores.
Palavras-chave: Código de Processo Penal; Reforma; Leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008.
Sumário: Introdução; O Novo Procedimento do Tribunal do Júri; O Novo Procedimento Ordinário; Emendatio Libelli e Mutatio Libelli; Inovações Vindouras; Considerações Finais.
INTRODUÇÃO
Desejo deixar o mais hialino possível na mente do estudioso que o presente escrito não tem por base efetivar um profundo estudo sobre as reformas que impactaram o Codex adjetivo processual pátrio, até porque isso seria inviável, haja vista a complexidade de novidades trazidas à baila por meio de um conjunto de leis onde cada uma, por si só, promoveu múltiplas inserções nos ritos já tão obsoletos que nos serviam.
Outrossim, almejo transparecer meu intuito precípuo em haver elaborado este escrito no sentido de relembrar, de forma perfunctória e panorâmica, todo aquele conjunto de novidades advindas com o tríduo legal composto pelas leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008, mantendo-se o mais remotos possíveis comentários de perfil aprofundado.
O NOVO PROCEDIMENTO DO TRIBUNAL DO JÚRI
Este recordatório é, em verdade, uma simples fixação, pois, recordando-se do procedimento a ponto de descrevê-lo precisamente, sem espaço para comentários demorados, é possível angariar-se uma melhor visão sobre o todo e fixarem-se suas partes como se fosse visualizado um verdadeiro fluxograma. A gênese do novo esquema processual, é claro, tem como fulcro a Lei 11.689/2008. Veja-se:
Em suma: o procedimento começa, quando há o recebimento da denúncia ou da queixa. Apresentam-se, então, as preliminares, documentos, provas, etc., assim como um número máximo de oito testemunhas. Em dez dias, deve vir a resposta preliminar. Segue, em cinco dias, a contrarresposta da acusação. Exsurge a audiência de instrução. Esta começa com a declaração do ofendido (vítima), se possível. Após, há as testemunhas de acusação, passando-se para as testemunhas de defesa. Peritos, se necessário, manifestar-se-ão. Virão as acareações, se necessárias; bem como eventuais reconhecimentos. Passa-se à declaração do acusado; às alegações finais da acusação, isto sendo orais e em vinte minutos; alegações finais da defesa, também orais e em um interregno de vinte minutos, e, por fim, a decisão do juiz a qual pode ser oral ou escrita. Neste exato ponto, se ele entender que há prova da materialidade e indícios suficientes da autoria, haverá a pronúncia; se houver falta de indícios de autoria e de materialidade, para o magistrado tornar-se convencido, este impronunciará o réu. Também poderá ocorrer que se prove ser o fato inexistente, ou que se prove não ser o réu o autor. Também poderá se provar que o fato não constitui infração penal, ou que haja uma causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. Nesses últimos casos, haverá absolvição sumária. Frise-se que tanto na impronúncia como na absolvição sumária, há a possibilidade de apelação. Se a apelação for procedente, teremos, então, a pronúncia. Se esta for improcedente, haverá o arquivamento, sendo que poderá, em tese, haver uma nova denúncia, caso hajam novas provas. Lembre-se que no caso de pronúncia caberá recurso em sentido estrito. Se este for procedente, teremos também uma hipótese de arquivamento.
Muito bem, ultrapassada a primeira fase, entramos agora em uma segunda fase onde as partes devem juntar documentos, requer diligências e arrolar até cinco testemunhas. Após, o juiz ordenará as diligências necessárias e elaborará um relatório do caso. Virá à tona, após tudo isso, o plenário. Teremos, bem assim, a formação do conselho de sentença com sete jurados. Se possível, o ofendido (vítima) exporá sua declaração. Seguem-se as testemunhas de acusação. Após, as testemunhas de defesa, sendo que o defensor deverá perguntar antes. A marcha prossegue com os peritos, acareações, reconhecimentos e leitura de peças. Empós, haverá o interrogatório do acusado e os debates orais; depois a réplica e a tréplica logo em seguida. O juiz passará à leitura dos quesitos, haverá a votação na sala secreta e virá à tona, finalmente, a sentença.
Pois bem. Esboçado o novo esquema do Júri de uma forma geral, vale a pena agora relembrar pelo menos um ponto polêmico advindo com a Lei 11.689/2008 e que foi prontamente dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça. Refiro-me à questão do Protesto por Novo Júri. Assim, lembremos que o referido Tribunal Superior posicionou-se no sentido de que, se o acórdão fosse publicado antes da vigência da Lei supradita que, em seu art. 4.º, revogou expressamente o Capítulo IV do Título II do Livro III, do Código de Processo Penal, extinguindo o instituto em comento, subsistiria o direito à sua interposição; caso o acórdão fosse publicado após a entrada em vigor do novo regramento legal, seria impossível a subsistência do direito de invocá-lo.[1]
Por outro lado, cabe frisar que a nova sistemática legal possui um caráter eminentemente processual, reivindicando sua aplicação imediata. Coadunada com o princípio da celeridade que, por sua vez, instrumentaliza e torna efetiva a prestação jurisdicional, ela traz-nos interessantes mecanismos. Um deles é a alteração que diz respeito à fase do judicium acusationis, também chamado de sumário de culpa.[2] Foram alterados os artigos 406 a 416 do Codex adjetivo processual. Assim, essa fase será substituída por uma etapa preliminar de cunho contraditório, o que em verdade é uma tendência do processo penal brasileiro, tudo em sintonia com o conjunto das recentes alterações dos ritos sumário e ordinário. Referida etapa, de efeito, comporta o prazo para encerramento num montante de noventa dias. Fica com isso muito clara, portanto, a intenção do legislador em impor celeridade ao processo penal brasileiro.
O NOVO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
Com base na Lei 11.719/2008, temos significativas modificações no rito ordinário, ocasião em que ele passa a apresentar o seguinte esquema gráfico:
Oferece-se a denúncia ou a queixa. Poderá haver rejeição e consequente arquivamento. Se isso ocorrer, teríamos a hipótese de recurso em sentido estrito. Caso haja recebimento, teremos a citação. Esta pode ser pessoal, por meio de edital ou com hora certa. A defesa apresentará resposta à acusação no prazo de dez dias. Com base no art. 397 do CPP, o juiz poderá proceder à absolvição sumária. Na hipótese de não absolver, exsurgirá a audiência de instrução e julgamento. Primeiramente ouve-se o ofendido (vítima), seguindo-se as testemunhas de acusação e de defesa em um número máximo de oito. Se necessário, ouvem-se os peritos, efetivam-se acareações e reconhecimento. Segue o interrogatório do acusado. Pode ocorrer que novas diligências tornem-se necessárias. Teremos então o fim da audiência e a realização das diligências, com alegações finais da acusação na forma escrita e em um prazo de cinco dias, seguindo as alegações finais da defesa obedecendo a mesma formalidade e o mesmo prazo. Vem à tona a sentença. Agora, se com o interrogatório não for interrompida a audiência, para realização de novas diligências, seguirão as alegações da acusação na forma oral e em um prazo de vinte minutos, seguindo-se as alegações da defesa também na forma oral e no mesmo prazo, com a derradeira, é claro, sentença judicial.
Dentro deste novo panorama processual, alguns pontos merecem um maior destaque como, v.g., a incongruência do legislador ao esquecer as disposições contidas na Lei 11.690/08 relativas à prova. Ora, mais uma vez, somente o Poder Judiciário, para compatibilizar o que, em princípio, parece incompatível. Referida incompatibilidade ocorre com o fato de que os artigos 399, caput, e 400, caput, ambos do CPP, determinam que no rito ordinário do processo comum seja marcada audiência de instrução e julgamento em um lapso temporal de até 60 (sessenta) dias após a decisão que denegar a absolvição sumária. Por sua vez, o artigo 396-A do CPP estipula que a produção de provas seja pleiteada pela defesa na sua resposta à acusação.
Portanto, veja-se bem, seria inviável abrir-se vista às partes para que apresentassem quesitos, indicassem assistentes, analisassem os quesitos, deferidos ou não deferidos, expedisse-se ofício instruído com todas aquelas peças necessárias à realização da perícia, aguardasse-se por um prazo razoável, a realização do exame, seguindo-se a confecção de laudo oficial, submissão do resultado às partes, novos questionamentos, sobrevinda de laudo dos assistentes técnicos, esclarecimentos adicionais, vistas às partes, enfim, tudo em 50 (cinquenta) dias ininterruptos, consoante o art. 159, § 5º, do CPP. Ademais, não se olvide que o prazo seria de 20 (vinte) dias no rito sumário!
Outro ponto da mesma forma periclitante refere-se ao momento do recebimento da denúncia, tanto no rito ordinário quanto no rito sumário. O que intriga é que os artigos 396 e 399, todos do CPP, preveem instantes processuais distintos para tanto. Haveria, destarte, tríplice solução para essa incógnita. Em uma primeira hipótese, o recebimento deveria vir tão-somente na fase do art. 396 do CPP, porquanto seria em referida fase que o juiz efetivamente recebe o procedimento, analisa sua viabilidade e, sendo admissível, vem a citar o réu, para estabelecer a relação processual. Em uma segunda hipótese, teríamos o recebimento apenas na fase prevista no art. 399 do CPP, já que o magistrado passaria então a dispor de mais elementos, a fim de admitir ou rejeitar a denúncia com a apresentação, por parte do acusado, dos seus particulares argumentos. Por fim, como solução derradeira do impasse, teríamos uma hipótese de interpretação gramatical pura, ocasião em que haveria “dois” recebimentos da denúncia.
Como o leitor já deve haver percebido, a operação ideal adviria na fase prevista no art. 396 do CPP. A razão? Muito simples: parece patente que houve omissão legislativa na redação do art. 399 do CPP. Referido dispositivo padece em não avisar que a aplicação do seu comando só deveria ocorrer, quando “não fosse o caso de absolvição sumária”.
EMENDATIO LIBELLI e MUTATIO LIBELLI
Passemos, agora, apenas para complementar este singelo raciocínio sedimentado em um simplicíssimo recordatório sobre as modificações processuais sofridas pelo nosso CPP, a mencionar algo, ainda que sucinto, sobre os importantíssimos institutos referidos na epígrafe deste capítulo.
Em verdade, toda essa modificação festejada tem sua raiz no modelo de código Ibero-Americano.[3] Lembre-se, ainda, que os institutos supraditos estão intimamente ligados com o princípio da correlação entre acusação e sentença, onde o juiz deve permanecer inerte e o acusado deve ter ciência plena acerca do que se imputa a ele.
De substancial, quanto à emendatio, nada foi modificado em relação à possibilidade de corrigenda a ser efetivada pelo juiz no que tange à tipificação do episódio. Como sempre, o que importa são os fatos e não a classificação jurídica (jura novit curia). Com efeito, a proibição de mudança factual agora expressa no caput do art. 383 do CPP[4] sempre foi compreendida sem dissonância no mundo jurídico.
Com relação à inserção dos parágrafos primeiro e segundo ao artigo em comento, onde aquele abre margem à suspensão do processo, quando a pena da nova classificação assim o permitir, e este determina a remessa dos autos ao juízo competente ante à nova classificação, também nada de novo trouxe-nos o legislador, porquanto isso sempre foi muito bem praticado pela magistratura.
Verdade mesmo é que modificação, na acepção da palavra, somente ocorreu com a mutatio libelli, já que agora é obrigatório o aditamento da denúncia, independentemente de a nova classificação impor, ou não, diminuição ou aumento da pena.
Antes da reforma imprimida pela Lei 11.719/2008, o art. 384 do CPP previa que a denúncia somente seria aditada pelo Ministério Público na hipótese de a nova classificação jurídica resultar em uma pena mais grave. Por meio de referida sistemática, o juiz poderia condenar uma pessoa por crime diversamente previsto na lei, sem necessidade de aditamento, o que inarredavelmente violava o direito à ampla defesa. Atualmente, o aditamento faz-se imperioso sempre, prestigiando-se a titularidade exclusiva da ação penal pública ao Ministério Público.
Outra mudança relevante refere-se à exclusão dos vocábulos “explícita ou implicitamente” do caput do art. 384 do CPP[5], já que assim foi afastada, derradeiramente, a possibilidade de admitir-se acusação implícita, o que afrontaria o princípio da ampla defesa.
INOVAÇÕES VINDOURAS
Pois além “das” reformas pontuais já levadas a efeito, houve um anteprojeto de reforma plena do CPP elaborado por uma comissão de juristas criada em julho de 2008, isso após aprovação, em Plenário do Senado, de requerimento do Senador Renato Casagrande.
Referida Comissão, criada por intermédio do Requerimento nº 227, de 2008, de iniciativa do Senador suprarreferido, viu como Presidente a pessoa de Garibaldi Alves Filho, conjuntura em que foram designados destacados profissionais e estudiosos do direito processual, a fim de laborar no feito, tudo sem se deixar de lado a imprescindível participação efetiva das instituições que ordinariamente lidam com a matéria, tais como a Magistratura, o Ministério Público, a Polícia Judiciária e a Advocacia.
Ocorre que o nosso Código de Processo Penal é datado de outubro de 1941, editado por decreto-lei em pleno Estado Novo. Não obstante haja ele sofrido várias alterações pontuais, tais como as contidas nas leis 11.689, 11.690 e 11.719, todas de junho de 2008, carece ele de uma reforma mais abrangente. Com efeito, após a Constituição de 1988, que tanto auxiliou na oxigenação da interpretação das normas de processo penal por parte dos tribunais, o parlamento brasileiro ainda não teve a oportunidade de se dedicar à reforma integral do referido estatuto, única maneira de coaduná-lo com o novel paradigma constitucional instituído já há mais de duas décadas.
Assim, enormes desafios anunciam-se a frente e o projeto de reforma do Código de Processo Penal, hoje uma realidade, inova ao criar o juiz das garantias, para conferir maior isenção ao juiz que dará a sentença. Também inova ao estabelecer uma série de direitos ao acusado e à vítima, como o de não serem submetidos à exposição dos meios de comunicação. Este ponto, aliás, é uma benção e um ponto final aos abusos que costumam ser cometidos justamente por aqueles que deveriam ser os primeiros a observar as leis e a Constituição, como o Ministério Público e as polícias brasileiras, os quais, sobrepondo a vaidade ao interesse público, arrasam, aniquilam e definitivamente terminam com a imagem de pessoas investigadas e/ou presas preventivamente, lançando-as na imprensa, procurando ostentar quão diligentes e eficazes são referidas instituições e seus integrantes, sendo que, após terminar todo aquele circo sarcástico assediado pelos holofotes da mídia, os investigados e/ou denunciados acabam sendo, muitas vezes, absolvidos com um derradeiro trânsito em julgado de uma sentença absolutória.
Por fim, vale dizer que, com 682 artigos, o projeto em tela também permite uma maior aproximação da Polícia com o Ministério Público, propõe uma série de medidas cautelares destinadas a substituir a prisão preventiva e abre espaço também para a conciliação entre as partes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como se viu francamente neste modesto trabalho, foram traçadas, de forma geral, quais novidades advieram ao ordenamento jurídico nacional com as leis 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008.
Mais do que uma análise contundente acerca de um ou de outro tema específico, inclinou-se o presente achado a estabelecer linhas gerais sobre o novo conjunto normativo. Após esquadrinhar os procedimentos modificados descrevendo-os como em um gráfico, pontuou-se um ou outro tema que obteve repercussão no mundo acadêmico. Ainda mais, atentou-se em anunciar o que ainda está a caminho, ou seja, um novo e a tanto tempo almejado código de processo penal coadunado com as diretrizes constitucionais traçadas no ano de 1988.
Dessa arte, muito distinto de uma nova e interessante tese jurídica a respeito da temática em epígrafe, mais serviu este escrito como um singelo recordatório sobre o assunto versado.
Delegado de Polícia Civil no RS. Doutorando em Direito (UMSA). Mestre em Integração Latino-Americana (UFSM). Especialista em Direito Penal e Processo Penal (ULBRA). Especialista em Direito Constitucional Aplicado (UNIFRA). Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos (FADISMA)
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