Resumo: A presente explanação traz a lume determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços, a qual deflagra acirrada cizânia no campo jurídico. A análise a que se procedeu na confecção deste trabalho enveredou-se por duas correntes principais e diametralmente opostas: a primeira, baseando-se na considerável diminuição de custos e na celeridade, aduz que o instituto teria o condão de avigorar o princípio da eficiência no âmbito da Administração Pública; a segunda corrente, por sua vez, alega que a referida aderência à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo constitutivo não estaria amparada pela Constituição, assim como sua disposição mediante decreto representaria uma ilegalidade e proporcionaria percalços às Cortes de Contas na feitura da fiscalização quando a prática se dá em entidades federativas diversas. Neste diapasão, propõe-se o presente escrito a contribuir para o fomento de um debate que, pela especificidade do tema, é ainda incipiente, seja na seara acadêmica, seja na doutrinária e, principalmente, no meio jurisprudencial, a despeito da temática ora debatida possuir, atualmente, certa recorrência no âmbito dos Tribunais de Contas.
Palavras-chave: sistema de registro de preços. Órgãos ou entidades não participantes. “carona”. Constituição.
Abstract: This explanation brings to light certain practice occurred within the Registry System Prices that incites great and endless disagreements in the Law enviroment. In this vein, we discuss the (il)legality of the entities, which have not been part of their bidding procedures, adhere to the minutes of record prices. In this way, we intend to analyze throughout this work if such acquisitions by non-participating agencies or entities in these conditions would result in incompatibility with the democratic rule of law in force, whether for the apparent unconstitutionality of practice, or the possibility of transgressing the rules of legal nature or the most basic principles of Administrative Law. The analysis that was conducted in preparation of this assignment became involved on two major and diametrically opposed thesis: the first, based on the considerable cost savings and celerity, adds that the institute would have the power to invigorate the principle of efficiency under the Public Administration; the second current, in turn, claims that that adherence to the Minutes of Prices Registration by agencies that did not participate in its constitutive process would not be supported by the Constitution, as well as their willingness by decree would provide an illegality and mishaps to the Courts of accounts in monitoring the process when the practice takes place in different federal entities. In this vein, it is proposed to the present written to contribute to the promotion of a debate, that because of the specificity of the subject, is still incipient, whether in academic harvest, whether in doctrine, and especially in jurisprudence field, despite its current recurrence by the Court of Accounts.
KeywordS: System of Price Registry. Non-participating Entities and Organizations. “Lift” or “Free Ride”. Constitution.
Sumário: Introdução. 1. Sistema de Registro de Preços. 2. Mudanças advindas do Decreto 7.892/13. 3. Análise Jurídica da Figura do “Carona”. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
No ordenamento jurídico pátrio, especificamente na seara do Direito Administrativo, o instituto das licitações públicas se mostra suscetível a originar acirrada cizânia tanto entre doutrinadores quanto ao entendimento emanado pelos Tribunais de Contas acerca de determinada prática ocorrida no âmbito do Sistema de Registro de Preços.
Com amparo no princípio da legalidade, o art. 37, XXI, pressupõe, em via de regra, a feitura do procedimento de licitação para posterior celebração de um contrato administrativo, devendo a dispensa ou a inexigibilidade estarem necessariamente previstas em lei de forma a prognosticar a hipótese para sua inocorrência, sendo ainda necessária a elaboração do devido processo de justificação em tais casos.
No aludido cenário, fora criado uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, denominado Sistema de Registro de Preços, o qual possui amparo legal no art. 15 da Lei 8.666/93, estando atualmente regulamentado pelo Decreto Federal nº 7.892/2013.
Polêmica prática prevista no presente decreto, a qual também já se encontrava prevista em norma regulamentadora pretérita – mais especificamente no art. 8º do Decreto nº 3.931/01-, refere-se à aderência de órgão não participante na Ata do Sistema de Registro de Preços após o término do procedimento, figura conhecida como “carona”.
Nada obstante os princípios que amparam os procedimentos concernentes à licitação pública e a consequente celebração de contratos administrativos, muitas vezes as barreiras legais não se encontram bem delineados em nosso ordenamento, de modo que muitos comportamentos – tais como a figura do “carona” – enquadram-se em uma zona cinzenta, da qual não é tarefa das mais fáceis se extrair sua (i)licitude.
Analisa-se que, diante de tão polêmica conjuntura, adentrar neste campo jurídico de incertezas se mostra como principal objetivo do presente trabalho, permitindo-se um estudo analítico e indutivo dos elementos que compõem a referida figura.
1. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS
Sistema de Registro de Preços pode ser definido como modo pelo qual a Administração Pública seleciona, através da modalidade concorrência ou pregão, os bens que deseja adquirir em suas compras habituais, inexistindo obrigação por parte do Poder Público a firmar as contratações que dele poderão advir.
Conceitualmente, o Sistema de Registro de Preços pode ser definido como uma espécie de método auxiliar objetivando tornar as contratações públicas mais ágeis e econômicas, amparado legalmente pelo art. 15 da Lei 8.666/93, relacionado a aquisições de bens e prestação de serviços em futuras contratações.
Consoante leitura do disposto no Decreto 7.892/13, Ronny Charles leciona acerca das hipóteses nas quais o Sistema de Registro de Preços seria adotado:
“De acordo com o regulamento federal, o Sistema de Registro de Preços deverá ser adotado nas seguintes hipóteses: • quando, pelas característica do bem ou do serviço, houver necessidade de contratações freqüentes; • quando for conveniente a aquisição de bens com previsão de entregas parceladas ou contratação de serviços remunerados por unidade de medida ou em regime de tarefa; • quando for conveniente a aquisição de bens ou a contratação de serviços para atendimento a mais de um órgão ou entidade, ou a programas de governo; ou • quando, pela natureza do objeto, não for possível definir previamente o quantitativo a ser demandado pela Administração.”[1]
Desta feita, são registrados os preços de produtos ou serviços conjuntamente com a identificação de respectivos fornecedores, os quais, por meio de licitação na modalidade concorrência ou pregão, serão registrados na Ata de Registro de Preços sendo armazenados os dados do licitante para contratações durante o tempo de vigência desta, a qual pode se dá por período de até doze meses. Impende salientar que o objeto, para a concretização de eventual e futura contratação, deve ter o preço registrado compatível com aquele praticado no mercado.
Inegavelmente, entre as diversas vantagens proporcionadas pelo instituto, podem ser citadas: desnecessidade de dotação orçamentária, redução do volume de estoques, eliminação dos fracionamentos de despesa, tempos recordes de aquisição, redução do número de licitações, atualidade dos preços da aquisição e participação de pequenas e médias empresas.
O Sistema de Registro de Preços não se confunde com modalidade de licitação, vez que se trata de um meio operacional a ser utilizado pela Administração Pública a qual, discricionariamente, poderá efetuar futuras contratações.
Neste diapasão, o Tribunal de Contas da União, acerca do não enquadramento do registro de preços como modalidade licitatória, assim se pronunciou em trecho do Acórdão nº 1.279/2008:
“(…)10.24 Análise: o registro de preços não é uma modalidade de licitação, e sim, um mecanismo que a Administração dispõe para formar um banco de preços de fornecedores, cujo procedimento de coleta ocorre por concorrência ou pregão. Em razão de ser um mecanismo de obtenção de preços junto aos fornecedores para um período estabelecido, sem um compromisso efetivo de aquisição, entendemos ser desnecessário, por ocasião do edital, o estabelecimento de dotação orçamentária. Todavia, por ocasião de uma futura contratação, torna-se imprescindível a dotação orçamentária para custeio da despesa correspondente, na forma do art. 11 do Decreto 3931/2001. (…)” (Acórdão 1.279/2008 – Rel. Guilherme Palmeira – TCU – Plenário, de 2/7/2008; grifou-se)
No tocante à fundamentação legal na Lei 8.666/93, o Sistema de Registro de Preços possui previsão no referido diploma no seu art. 15, II, §§ 1o ao 7o[2], bem como no art. 24, VII[3].
Destarte, é possível inferir pela leitura do art. 15, § 3º, que o legislador previu a edição de decreto como forma de atender as diversas peculiaridades regionais, o que, por sua vez, foi motivo de forte divergência de doutrinária quanto à sua autoaplicabilidade.
Entende-se que as regras atinentes ao Sistema de Registro de Preços no art. 15 da Lei de Licitações e Contratos, teriam natureza de norma geral. Assim, os decretos regulamentares só poderiam versas acerca de mandamentos de caráter procedimental atendendo as peculiaridades existentes em cada região.
Atualmente, o Decreto Federal nº 7.892/2013 foi instituído de forma a regulamentar o Sistema de Registro de Preços revogando o Decreto Federal nº 3.931/2001.
Em seu artigo 2º[4], o Decreto n.º 7.892/13 traz algumas definições, de suma importância para a própria compreensão do tema, a saber: sistema de registro de preços, ata de registro de preços, órgão gerenciador, órgão participante e órgão não participante.
Importante referir, por relevante, que das definições de órgão gerenciador e de órgão participante, verifica-se que se diferenciam pelo fato do órgão gerenciador ser aquele responsável pela condução dos procedimentos necessários para o registro de preços, incluindo a licitação necessária e prévia, e pelo gerenciamento de sua ata, competindo a este fiscalizar e acompanhar todo o decorrer dos eventos da ata, incluindo o controle dos preços registrados, a existência ou não de compatibilidade com os valores praticados no mercado, controle dos quantitativos já fornecidos aos órgãos participantes, bem como a permissão de atendimento às necessidades dos órgãos não participantes – “caronas” -, sempre visando alcançar o melhor funcionamento do sistema atendendo as finalidades para o qual foi criado.
O órgão participante, por sua vez, é aquele que participa dos procedimentos iniciais do sistema de registro de preços e integra a ata comunicando, entre outras informações, sua estimativa de consumo. Veja-se, portanto, que esse último se vincula ao Sistema de Registro de Preços, também, desde o início do procedimento, enquanto que o órgão não participante – “carona” – adentraria no processo após o término de elaboração da ata desde que devidamente autorizado pelo órgão gerenciador.
3. MUDANÇAS ADVINDAS DO DECRETO 7.892/2013
Como primeira mudança advinda do Decreto 7.892/13, pode-se citar a própria definição do que seria o órgão ou entidade “carona”, o qual conforme preleciona o art. Art. 2º, V, seria “órgão não participante – órgão ou entidade da administração pública que, não tendo participado dos procedimentos iniciais da licitação, atendidos os requisitos desta norma, faz adesão à ata de registro de preços.”
No que diz respeito às demais inovações do presente Decreto quanto àquele que regulamentou o Sistema de Registro de Preços até 23 de janeiro de 2013, pode-se citar: a figura do cadastro de reserva, a certificação digital, impossibilidade de prorrogação excepcional da vigência da ata de registros de preços, bem como a implementação de acréscimos quantitativos a mesma, impossibilidade de adesão pelos órgãos públicos federais às atas provenientes de licitações promovidas por órgãos estaduais, municipais ou do Distrito Federal, atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da Ata de Registro de Preços, minuta da ata de Sistema de Registro de Preços como anexo do Edital e obrigatoriedade do uso da Intenção de registro de preços e, principalmente, nova disciplina aplicável ao órgão não participante ou “carona” em decorrência da dedicação de um capítulo inteiro à prática no Decreto n.º 7.892/13, solucionando diversas cizânias surgidas recentemente quanto ao peculiar uso da ata por aqueles que não fizeram parte de seu processo constitutivo.
Diante dos supracitados aperfeiçoamentos, a criação do cadastro de reserva, prevista no art. 11 do Decreto n.º 7.892/13, trata-se de louvável iniciativa a qual alenta ao princípio da eficiência na medida em que evita a feitura de nova Ata de Registro de Preços caso, por algum motivo, o vencedor da licitação reste impossibilitado de cumprir com o fornecimento de bens ou prestação de serviços previamente estipulados.
Assim, evitando um dispêndio desnecessário, a criação de um cadastro de reserva também é medida que prima pelo princípio da economicidade em decorrência do fato de que evita novos gastos por parte da Administração. Para tanto, conforme disposto em seu art. 11, §2º, II[5], o segundo colocado se comprometeria em cotar seus bens e serviços em idêntico valor ao primeiro colocado desistente.
A possibilidade de assinatura via certificação digital, nos modernos tempos atuais, trata-se de medida a contribuir para uma maior celeridade nas contratações públicas preconizando, também, o princípio da eficiência no Sistema de Registro de Preços.
Quanto à atribuição para a aplicação de sanções decorrentes do descumprimento da ata aos órgãos participantes e órgãos não participantes, e não mais só ao órgão gerenciador como dispunha o Decreto nº 3.931/01, trata-se de exitosa medida a contribuir para a lisura do procedimento, na medida em que a ampliação de tal competência se trata de meio que, indubitavelmente, avigora a fiscalização.
Apesar da já existente praxe administrativa quanto à Ata de Registro de Preços constar como anexo no Edital, o Decreto nº 7.892/13 entendeu por bem imprimir a devida legalidade ao procedimento em seu art. 9º, X[6]. Neste mesmo esteio, o novo diploma legal tornou obrigatório o uso da Intenção de Registro de Preços, conforme o disposto em seu art. 4º[7].
No que concerne às novas disposições quanto à impossibilidade de implementar acréscimos quantitativos à Ata de Registro de Preços, o novo decreto resolve a problemática que assolava de críticas o regulamento pretérito quanto à ausência de delimitação razoável no que concerne aos quantitativos, atribuição que acabou por competir à Corte de Contas da União estabelecer (Acórdão 1.233/2012).
No atual decreto, ocorreriam cinco limitações, quais sejam: individual, temporal, global, subjetivo e formal. Nesse sentido, Ronny Charles[8] estabelece que segundo as regras estabelecidas no novo regulamento federal, além de registrar expressamente a necessidade de prévia anuência do órgão gerenciador, a utilização (adesão) da ata pelos órgãos não participantes estaria submetida às seguintes delimitações: limite individual no qual cada órgão ou entidade, ao aderir a uma ata, não poderá contratar mais que cem por cento dos quantitativos dos itens registrados na Ata de Registro de Preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes (art. 22, § 3º).
Limite temporal estabelece que a adesão deverá ser feita durante a vigência da ata (art. 22). Da mesma forma, o contrato decorrente do sistema de registro de preços também deverá ser assinado no prazo de validade da ata de registro de preços (art. 12, § 4º), cabendo também observar que o órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador (art. 22, § 5º).
Limite global determina que o instrumento convocatório deverá prever que o quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços não poderá exceder, na totalidade, ao quíntuplo do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem (art. 22, § 4º), não restringindo o número de adesões (caronas), mas apenas o somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes, medida que parece acertada.
Limite subjetivo impõe que é vedada aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual (art. 22, § 8º). Noutro diapasão, nas atas federais é permitida a adesão por órgãos ou entidades municipais, distritais ou estaduais (art. 22, § 9º).
Por último, ter-se-ia o limite formal no qual a adesão precisa ser autorizada pelo órgão gerenciador (art. 22). Ademais, caso o órgão gerenciador pretenda admitir adesões, precisa prever no edital a estimativa de quantidades a serem adquiridas por órgãos não participantes (art. 9º, III). A inexistência de tal previsão impede a adesão. Um decreto federal, atinente ao peculiar interesse da União, não pode ser automaticamente aproveitado por outros entes políticos, de modo que eventual contradição entre o decreto federal e algum decreto estadual, distrital ou municipal não importa invalidade deste último. Nessa linha, os decretos já existentes não sofreram qualquer restrição à sua aplicabilidade em virtude da superveniência do decreto federal.
Desta feita, inegável contribuição à eliminação de uma das mais ferrenhas críticas ao instituto o qual, diante da delimitação pretérita insuficiente prevista pelo Decreto 3.931/01 de apenas 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços e a inexistência de qualquer restrição quanto ao número de “caronas” possíveis em cada licitação, sendo considerado um instrumento apto para diversas práticas abusivas e ilegais, tais como corrupção e tráfico de influência.
Trata-se, portanto, de profícua mudança ao instituto no aspecto da limitação a ser observada, que era, para se dizer no mínimo, bastante falha, haja vista que, em termos práticos, ocorria uma ampliação exacerbada do fornecimento, sem que aos demais licitantes fosse concedida a oportunidade de realizar novas ofertas levando em consideração os novos quantitativos.
No que diz respeito às inovações advindas com o Decreto nº 7.892/13, a inteira dedicação de um capítulo no dispositivo legal acerca da prática, trata-se de medida que por certo apaziguou diversas polêmicas reinantes diante da existência de, até então, apenas um artigo[9] no Decreto nº 3.931/01 acerca do assunto.
Noutro giro, a delimitação do quantitativo a ser adquirido, trata-se de uma das inovações mais significativas, tendo em vista que a inexistência de limites de produtos ou serviços a serem adquiridos por órgãos não participantes era motivo das maiores críticas, na medida em que não se poderia ter a previsão de impacto nos quantitativos originalmente previstos.
Assim, no tocante à quantidade de produtos ou serviços a serem adquiridos mediante a Ata de Registro de Preços, a aquisição de órgãos ou entidades caronas não poderá ser superior a cinco vezes o quantitativo somado do órgão gerenciador e órgãos participantes. De tal forma, se já tiver ocorrido por estes uma aquisição cinco vezes do que aquele previsto quando da feitura da ata, a adesão por parte de um órgão carona queda impossibilitada, mesmo que se pretenda utilizar menos do que os 100% (cem por cento) dos quantitativos registrados na Ata de Registro de Preços, vez que ambos os critérios dos §§ 3º e 4º do art. 22 são cumulativos.
Por derradeiro, os §§ 5o e 6º do art. 22, estabelecem: “O órgão gerenciador somente poderá autorizar adesão à ata após a primeira aquisição ou contratação por órgão integrante da ata, exceto quando, justificadamente, não houver previsão no edital para aquisição ou contratação pelo órgão gerenciador. Após a autorização do órgão gerenciador, o órgão não participante deverá efetivar a aquisição ou contratação solicitada em até noventa dias, observado o prazo de vigência da ata”.
5. ANÁLISE JURÍDICA DA FIGURA DO “CARONA”
A adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços se trata de prática polêmica a qual acaba por resultar na origem de duas correntes: uma que defende sua admissibilidade e outra a qual explana argumentos contrários ao instituto.
Um dos argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona” seria que o uso da Ata de Registro de Preços por quem não fez parte de seu processo constitutivo se traduziria em uma forma de extensão da proposta mais vantajosa a todos os órgãos e entidades que necessitassem de objetos semelhantes.
Neste diapasão, parte da doutrina considera que não seria o caso de uma contratação direta não prevista em lei, mas de utilização de uma única licitação para a feitura de diversos contratos, haja vista que o procedimento licitatório não consistiria em um fim em si mesmo, não podendo a Administração ser impelida a repetir processos licitatórios quando já existisse proposta mais vantajosa disponível.
Com a referida posição, advogam Marcos Juruena Villela Souto e Flavio Amaral Garcia em texto do Boletim de Licitações e Contratos no qual o instituto em comento é abordado:
“(…) o fato e que não cabe pregar a licitação como um fim em si mesmo. Interessa e que os contratos sejam, em regra, licitados, por quem quer que seja. O ponto não é esse! A questão e o método, o perfil do contrato e o perfil de contratante para que os preços sejam oferecidos para cada realidade especifica e para cada tipo de atendimento e de julgamento.”[10]
Outro argumento favorável aponta no sentido de que a prática resultaria em diminuição significativa de custos em face da realização de um único procedimento licitatório que culminaria em diversos negócios, racionalizando as contratações administrativas.
Análise feita por Jorge Ulysses Jacoby Fernandes se pronuncia pelas vantagens proporcionadas pelo instituto, in verbis:
“O carona no Sistema de Registro de Preços apresenta-se como uma relevante ferramenta nesse sentido, consistindo na desnecessidade de repetição de um processo oneroso, lento e desgastante quando já alcançada a proposta mais vantajosa. Se o fornecedor tem a capacidade de atender dez ou vinte órgãos sem prejudicar a qualidade de seu serviço ou produto, e sendo sua proposta mais vantajosa, por que não permitir aos órgãos interessados aderi-la? É necessário, contudo, uma correta verificação das Atas antes de aderi-las, para que realmente demonstre-se a proposta mais vantajosa. O carona tem se mostrado uma alternativa viável inclusive em casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, tendo, muitos órgãos, deixado de utilizá-las para tornarem-se caronas e, portanto, contratar objetos que já passaram pela depuração do procedimento licitatório”.[11]
Impende salientar que, ainda no tocante aos benefícios de custo, é defendido o posicionamento de que a permissibilidade da adesão seria responsável pelo fato de que um órgão, com necessidade de aquisição inferior, seria beneficiado pelos preços praticados em um certame mais amplo. Em termos práticos, a expectativa de adesão promoveria uma potencial redução de preços por parte das empresas licitantes que não levariam em consideração somente a expectativa de consumo presente na ata, mas, também, aquela advinda de potenciais usuários, os quais não fizeram parte de seu processo constitutivo.
Assim, seriam alcançando menores custos que, em tese, não seriam atingidos através de competição licitatória que envolvesse apenas uma reduzida pretensão contratual, beneficiando tanto os órgãos participantes, como todos os órgãos aderentes com pretensões contratuais menores, que dificilmente alcançariam preços tão reduzidos em certames licitatórios próprios.
Dessa feita, o argumento estabelece os benefícios de cunho econômico que podem ser obtidos pela adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes.
Com esteio no princípio da eficiência, outro argumento que defende a prática seria que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos ou entidades não participantes consistiria em um mecanismo administrativo o qual possibilitaria a obtenção da agilidade ao Poder Público em suas respectivas aquisições, sendo uma inovação de caráter desburocratizante atendendo com mais eficiência o interesse público.
É mister salientar que, além da possibilidade restar expressamente prevista no edital, o órgão ou entidade não participante possui o dever de demonstrar que sua adesão à Ata de Registro de Preços implica vantagem superior a elaboração de um novo processo licitatório segundo preleciona o art. 22 do Decreto nº 7.892/13: “desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.”
O princípio da motivação, consagrado na doutrina e na jurisprudência pátria, estabelece que o Poder Público exponha os fatos e fundamentos jurídicos que justificassem a prática de seus atos objetivando, entre outros motivos, robustecer o controle de legalidade sobre os mesmos, de formar a isentar sua atuação de eventuais favoritismos e subjetivismos ou, se não os evitando, propiciando meios para a feitura de repressões, seja por autotutela da própria Administração ou por parte do Poder Judiciário.
Assim, tem-se que a motivação que justificasse a vantagem à adesão a Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, seria imprescindível para seu devido controle de legalidade, de forma que a motivação obscura ou incongruente, com base na Teoria dos Motivos Determinantes, tornaria o ato ilegal e, consequentemente, nulo.
A motivação que fundamentasse a adesão de modo a comprovar que esta seria mais vantajosa do que um novo procedimento licitatório, também poderia ser considerada uma garantia ao princípio da impessoalidade, além de coibir eventuais desvios de finalidade.
Destarte, a motivação para justificar tais adesões deverá ser consistente e coerente, de forma a combater eventuais personalismos e direcionamentos nos procedimentos licitatórios, evitando manobras que visem à prática de ilegalidades e fraudes, infelizmente, tão presentes na Administração Pública e principalmente no ramo das licitações.
Na busca de melhorias ao ritmo moroso atribuído, não sem razão, ao Poder Público, a prática em comento seria uma forma de possibilitar uma aproximação do desembaraço burocrático presente nas atividades praticadas pela iniciativa privada.
Do exposto, tem-se que a prática da figura do “carona” viabilizaria os “princípios mínimos do Direito Administrativo” previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal, em especial, o princípio da eficiência, constituindo-se em medida de inegável avanço jurídico na medida em que aumenta o interesse de particulares em participar do certame, diminui os preços registrados e reduz o número de licitações como encargo da Administração.
Expostos os argumentos favoráveis à admissibilidade da prática do “carona”, necessário agora mostrar os fundamentos que embasam posicionamento diametralmente oposto, qual seja, o de que a adesão à Ata de Registro de Preços por órgão ou entidade que não fizeram parte de seu processo constitutivo, viola frontalmente o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal.
De pronto, as opiniões contrárias defendem que a permissibilidade da referida conduta configuraria frustração ao princípio da obrigatoriedade da licitação assente na Carta Magna, restando por caracterizar hipótese de dispensa sem qualquer embasamento legal para tanto, tendo em vista que sua previsão se deu mediante decreto, o qual teria inovado no ordenamento jurídico – o que só poderia ter sido realizado mediante lei em sentido estrito.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012, tece as seguintes considerações no voto do Ministro Relator Aroldo Cedraz:
“(…) O instituto da adesão foi introduzido no ordenamento jurídico pelo Decreto nº 3.931/2001. Não há na Lei Geral de Licitações sequer referência à sua existência. (…) A dispensa de licitação autorizada pela norma constitucional, no entanto, reclama expressa e taxativa previsão legal. E mais, a ressalva prevista em lei deve ter por fim a melhor persecução do interesse público. (…) Evidencia-se, então, que a figura do 'carona' corresponde ao aproveitamento dos efeitos de uma licitação anterior, para que uma entidade administrativa promova contratação sem prévia licitação. Configura-se uma situação similar à da dispensa de licitação, fundada na exclusiva discricionariedade administrativa. Essa solução é incompatível com a regra imposta no art. 37, inc. XXI, da CF/88. Na verdade, produziu-se a instituição por meio de decreto de mais uma hipótese de dispensa de licitação. O problema imediato reside em que a Constituição estabelece que somente a lei pode criar as hipóteses de dispensa de licitação. (…) Sem adentrar no exame de todos os aspectos legais que se tem por violados, tenho por suficiente chamar a atenção para o fato de que o decreto ampliou as hipóteses de dispensa de licitação, taxativamente enumeradas na Lei nº 8.666/1993. (…).” (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se)
Sob tal lustre, relembre-se, por exemplo, que nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações a adesão – figura do “carona” – respeita o aludido formalismo legal, uma vez que a Lei federal nº 12.462/2011 expressamente a prevê em seu artigo 32, § 1º[12].
Ademais, estaria caracterizado patente desrespeito ao princípio da isonomia, de modo que a prática indiretamente criaria uma espécie de regalia para que a empresa licitante vencedora pudesse firmar inúmeras contratações das quais não estavam, a priori, comprometida.
Outrossim, o órgão ou entidade “carona” ensejaria uma contratação não prevista no instrumento convocatório ocasionando a violação ao princípio da vinculação ao edital, bem como melindraria o princípio da proposta mais vantajosa, pois os quantitativos a serem adquiridos sofreriam uma elevação, se comparados com aqueles originalmente previstos, a qual não restaria acompanhada de uma redução do preço unitário a ser desembolsado pelos cofres públicos acabando por tolher, portanto, o próprio interesse da coletividade.
Assim, restaria caracterizada inegável afronta ao princípio da economicidade, tendo em vista que qualquer eventual economia seria consideravelmente maior para a Administração, caso o órgão não participante tivesse feito parte inicialmente do procedimento licitatório, de modo que o cômputo dos quantitativos referentes à sua estimativa de consumo ensejaria certeira diminuição no custo da aquisição.
No que concerne à economia de escala proporcionada, mostra-se necessária a explanação de algumas considerações com o intuito de entender como, em termos práticas, ela funcionaria.
A economia de escala pode ser realizada quando o aumento da capacidade de produção de uma empresa resulta num incremento da quantidade de unidades produzidas, de modo que o custo de produção em idênticas proporções não sofre qualquer aumento, podendo-se oferecer decréscimos nos preços se comparados com idênticos produtos caso fossem produzidos em menor quantidade.
É imperioso lembrar-se que as empresas nos ramos privados costumam se basear em critérios objetivos e nos mais acurados possíveis, de forma que o lucro auferido com aquela produção não sofra qualquer atenuação desnecessária. Assim sendo, a mera expectativa de adesões à Ata de Registro de Preços não teria o condão de diminuir o custo – ou não tanto quanto seria caso as referidas expectativas de consumo fossem de órgãos participantes – sobre a economia de escala que poderá ser alcançada.
Em outras palavras, a impossibilidade de se produzir estimativa consistente sobre a quantidade de futuras aquisições reduz, e muito, a influência que essa mera expectativa terá na percepção da empresa, de modo que resta impossibilitada a avaliação de economia de escala a partir de mera expectativa no âmbito das empresas privadas, sem que se possa, ao menos, dispor de estimativas sobre o volume da contratação.
No que diz respeito à violação do princípio da competição, o Acórdão 1.487/2007 da Corte de Contas da União exara o seguinte entendimento:
“(…) quis o constituinte assegurar igualdade de condições a todos os concorrentes (inc. XXI, art. 37, CF), de forma a preservar a observância do inalienável princípio da competição, que norteia as contratações do poder público. As normas visam estimular a boa disputa, minimizar o risco da formação de cartéis e viabilizar, por conseqüência, a multiplicação de potenciais fornecedores. Procura-se impedir que uma mesma empresa se perenize na condição de contratada, a não ser que continue propiciando, comprovadamente nas licitações, a proposta mais vantajosa para a administração. 25. Contudo, na minha opinião, com o advento do registro de preço e da possibilidade de adesão sem limites à respectiva ata, pela estreita via do decreto regulamentar, criaram-se as condições para que o vencedor de uma única licitação celebre múltiplos contratos com órgãos da administração. Tal faculdade, se exercida, viola diretamente, na prática, os citados princípios constitucionais e legais, além de propiciar infringência aos da eficiência, impessoalidade e moralidade.” (Acórdão 1.487/2007 – Rel. Valmir Campelo – TCU – Plenário, de 1/8/2007; grifou-se)
É mister salientar que uma das preocupações manifestadas pelo Tribunal de Contas da União remetia à inexistência de limitação ao número de órgãos ou entidades não participantes que poderiam aderir à Ata de Registro de Preços, porquanto a menção efetuada pelo Decreto 3.931/01 se limitava a 100% (cem por cento) do quantitativo contratado. Nessa esteira, o Acórdão 1.233/2012 discorre:
“(…) 7. Refiro-me à regra inserta no art. 8º, § 3º, do Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001, que permite a cada órgão que aderir à Ata, individualmente, contratar até 100% dos quantitativos ali registrados. (…) Está claro que essa situação é incompatível com a orientação constitucional que preconiza a competitividade e a observância da isonomia na realização das licitações públicas. 8. Para além da temática principiológica que, por si só já reclamaria a adoção de providências corretivas, também não pode deixar de ser considerado que, num cenário desses, a Administração perde na economia de escala, na medida em que, se a licitação fosse destinada inicialmente à contratação de serviços em montante bem superior ao demandado pelo órgão inicial, certamente os licitantes teriam condições de oferecer maiores vantagens de preço em suas propostas." (…) a adesão ilimitada às atas representa clara ofensa ao disposto no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, que exige que compras e serviços sejam contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes. 19. Além desses, a adesão ilimitada também contraria os princípios básicos que norteiam a atividade da Administração Pública, como os da legalidade, da impessoalidade, da economicidade, da vinculação ao instrumento convocatório e da moralidade. 20. Vale observar, em termos práticos, que a sistemática de permitir adesões ilimitadas às Atas de Registro de Preços por intermédio de caronas, ao invés de reduzir a possibilidade de fraude ao procedimento licitatório, tende a ampliar esta possibilidade (…) 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada (…) 9.3.2.1.5. em atenção ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório (Lei 8.666/1993, art. 3º, caput), devem gerenciar a ata de forma que a soma dos quantitativos contratados em todos os contratos derivados da ata não supere o quantitativo máximo previsto no edital;” (Acórdão1.233/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 23/5/2012; grifou-se)
Desta feita, de acordo com o decidido pela Corte de Contas da União no julgado supra, ao se levar em consideração a potencialidade dos manifestos danos ocasionados pelo uso indiscriminado do instituto, foi estabelecida uma limitação no quantitativo a qual não poderia superar a totalidade da aquisição previamente pactuada. Em termos práticos, caso a ata objetivasse o fornecimento de 1.000 itens de determinado produto, tendo em vista que se trata de estimativa que não vincula a Administração em sua total aquisição, mas de consumo discricionário de acordo com suas necessidades, o limite total dos contratos advindos da ata só poderia atingir aqueles 1.000 itens, ou seja, a restrição de 100% (cem por cento) dos quantitativos não se aplicaria mais a cada órgão ou entidade “carona”, mas ao montante total a ser contratado – incluindo a compra efetuada pelos órgãos participantes.
É mister corroborar que o atual limite dos quantitativos, segundo preleciona o Decreto 7.892/13, não poderá exceder, em sua totalidade, ao quíntuplo de cada item registrado para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independente do número de órgãos não participantes que aderirem, inexistindo restrição quanto ao número de eventuais adesões por “caronas”, mas apenas ao somatório do quantitativo decorrente dessa utilização por órgãos não participantes.
Tal ilimitação quantitativa – principalmente durante a vigência do Decreto 3.931/01 – resultaria em apropriação indevida do ganho de escala pelo particular, e consequente aquisição pela administração por preço acima do valor de mercado, bem como acabaria por resultar em um procedimento licitatório e consequente contratação de objeto indeterminado, prática vedada pelo art. 14[13] da lei 8.666/93. Nesse sentido, trecho do Acórdão 2.692/2012 do Tribunal de Contas da União:
“(…) 22. Assim, além de reduzir a possibilidade de fraudes, o entendimento firmado por esta Casa por meio dos Acórdãos 1.233/2012 e 2.311/2012 – Plenário traz também benefícios aos licitantes, uma vez que reduz a assimetria de informações do certame e diminui, em consequência, o risco de prejuízo decorrente de estimativas excessivamente otimistas, da quantidade total (incluindo as "caronas") que será efetivamente adquirida pelos órgãos públicos. Uma vez que cabe aos licitantes estimar a demanda global do bem licitado, quanto mais precisa for essa estimativa, não havendo conluio entre os licitantes, menor tenderá a ser o preço da proposta vencedora, uma vez que os ganhos de economia de escala poderão ser estimados com maior margem de segurança. 23. A dificuldade em estimar a quantidade global que será efetivamente adquirida pela Administração é justamente uma das principais fontes de críticas na jurisprudência e na doutrina ao instituto da "carona". As práticas adotadas pelos órgãos no sentido de aceitar a adesão tardia ilimitada ao SRP, consideradas indevidas pelo Acórdão 1.233/2012 – Plenário, reduziam as possibilidades de repasse de ganhos de escala, em face da incerteza na estimativa da demanda total por parte dos licitantes. De acordo com as práticas indevidas vigentes até a referida deliberação, hipoteticamente, um licitante, em uma licitação do SRP, poderia acordar secretamente com órgãos "carona" o fornecimento de grande quantidade adicional do bem licitado. Esse fato proporcionaria vantagens ao licitante fraudador, pois ele poderia apresentar, devido a ganhos de economia de escala, propostas de preço menores do que os concorrentes, que formulariam suas propostas com base em estimativas mais conservadoras de quantidades adicionais.” (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se)
Outro ponto que merece destaque seria as adesões em atas de entes federativos diversos do órgão ou entidade não participante. Apesar da vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º[14] do presente decreto regulamentador, o que já tinha sido estabelecido pela Advocacia-Geral da União por meio da Orientação Normativa 21/2009, a proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria, o que resultaria por dificultar ainda mais a fiscalização do certame.
Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União, no Acórdão 2.692/2012 já mencionado, debateu, entre vários aspectos controversos do instituto, a análise da dificuldade na fiscalização de diversos contratos administrativos oriundos da prática, in verbis:
“(…) permito-me abordar, com brevíssima manifestação, o problema que entendo existir na adesão à ata de registro de preços quanto ao pleno exercício do controle externo, particularmente no que se refere à possibilidade de adesão de órgãos e/ou entidades de diferentes esferas de governo. A adesão do "carona" à ata de registro de preços de outra esfera de governo traz sérias dificuldades ao controle que o art. 113 da Lei nº 8.666/93 atribuiu aos Tribunais de Contas. Imagine-se, por exemplo, que o órgão gerenciador pertencente à determinada esfera governamental proceda de forma irregular ao promover a licitação para o registro de preços. Na mesma hipótese, suponha-se que, inadvertidamente, o "carona" de outra esfera de governo faça a adesão a essa ata, causando sério prejuízo ao erário. Em situação desse jaez, a eficácia do controle parece restar comprometida, uma vez que o tribunal de contas competente para a fiscalização da conduta do "carona" poderá não ser competente para fiscalizar a conduta do órgão gerenciador. A questão não se limita à sistemática do "carona". No caso do decreto federal, é possível sustentar que não há vínculo de subordinação jurídica entre os órgãos participantes e o órgão gerenciador. Admitindo-se a possibilidade de que gerenciador e partícipes sejam de esferas distintas – parte da doutrina já admite que, para tanto, bastaria previsão regulamentar -, se houver irregularidades no procedimento licitatório concernentes às especificações do objeto, os órgãos gerenciador e participantes poderiam ser responsabilizados individualmente pelos órgãos de controle das respectivas esferas políticas. Todavia, há de se reconhecer que a situação não é simples, tornando tortuoso o caminho a ser percorrido pelos órgãos de controle, visto que gerenciador e partícipes atuam conjuntamente na especificação do objeto a ser licitado. Mesmo no caso dos órgãos partícipes, havendo irregularidades na condução do processo licitatório – não afetas à especificação do objeto -, o órgão de controle, ainda que constate flagrante prejuízo na realização de despesas decorrentes do contrato celebrado pelo órgão participante, nada poderá fazer em relação ao órgão gerenciador que conduziu o processo licitatório, caso este pertença a esfera de governo distinta”. (Acórdão 2.692/2012 – Relator: Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012; grifou-se)
Destarte, a expressa vedação aos órgãos e entidades da administração pública federal a adesão a Ata de Registro de Preços gerenciada por órgão ou entidade municipal, distrital ou estadual constitui regramento imperioso no sentido de prontificar a fiscalização pelas respectivas Cortes de Contas, desembaraçando qualquer critério concernente à incompetência das mesmas para efetuar o controle.
Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de modo a desembaraçar qualquer empecilho objetivando escorreito controle externo exercido pelos mais diversos Tribunais de Contas.
No que diz respeito à relação existente do comodismo e da falta de planejamento da Administração com a inegável conveniência proporcionada pela adesão à ata por aqueles que não participaram de seu processo constitutivo, Joel de Menezes Niebuhr tece os seguintes comentários:
“Para os agentes administrativos o carona é algo extremamente cômodo, porquanto os desobriga de promover licitação. Em vez de lançar processo licitatório – com todos os desgastes e riscos que lhe são inerentes -, basta achar alguma ata de registro de preços pertinente ao objeto que se pretenda contratar, e, se as condições da referida ata forem convenientes, contratar diretamente, sem maiores burocracias e formalidades. (…) nada obstante a comodidade do carona, especialmente em ser o carona, isto é, em aderir à ata de registro de preços dos outros, salta aos olhos que o instrumento em si, insista-se, preceituado no art. 8º e seus parágrafos do Decreto Federal n. 3.931/2001, avilta de modo desinibido e flagrante uma plêiade de princípios de Direito Administrativo, por efeito do que é antijurídico. Pode-se afirmar que o carona, na mais tênue hipótese, impõe agravos veementes aos princípios da legalidade, isonomia, vinculação ao edital, moralidade administrativa e impessoalidade. (…) Ocorre que a figura do carona não encontra qualquer resquício de amparo legal. A lei, nem remotamente, faz referência ao carona. A figura do carona foi criada de forma independente e autônoma por meio de regulamento administrativo, do Decreto Federal n. 3.931/2001. Nesse sentido, é forçoso afirmar que o presidente da República, ao criar o carona sem qualquer amparo legal, excedeu as suas competências constitucionais (inc. IV do art. 84 da Constituição Federal), violando abertamente o princípio da legalidade. (…) Quem poderia, em tese, criar o carona é o Poder Legislativo, por meio de lei, em obediência ao princípio da legalidade. O carona jamais poderia ter sido criado, como malgrado foi, pelo presidente da República, por mero regulamento administrativo. No Estado Democrático de Direito não se deve governar por decreto, mas por lei, conforme preceitua o princípio da legalidade, festejado de modo contundente e irrefutável pela Constituição Federal.” [15]
De tal modo, é possível inferir-se que a referida adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos que não participaram de seu processo poderia, de certa forma, patentear uma inércia e certo comodismo administrativo, haja vista que a ausência de planejamento nas contratações poderia ser saneada com a prática.
Em posição mais radical, Toshio Mukai entende que a figura do “carona”, além de afronta aos princípios constitucionais e legais, representaria crime previsto na lei 8.666/93, in verbis:
“Percebe-se que aqueles que defendem a figura do “carona”, e, até mesmo aqueles que lhes fazem restrições (tem que haver lei, tem que indicar os recursos, não pode existir de outros entes da federação, etc.), não visualizaram o principal defeito do Decreto nº 3.931/2001 e, principalmente, o do Decreto nº 4.342/2002 (este que criou o “carona”: em que um órgão/entidade fica autorizado a comprar de alguém que nem conhece (porque não participou da licitação realizada pelo agente gestor) e o vendedor, quanto ao que vai lhe vender, não venceu nenhuma licitação. Portanto, o que ocorre aí é claríssimo: uma compra feita por um órgão, sem licitação (porque o órgão não fez licitação) e o vendedor, por isso mesmo, relativamente ao que vai lhe vender, não venceu licitação nenhuma, simplesmente porque esta inexistiu. E, diz o art. 89 da Lei nº 8.666/1993: Seção III – Dos Crimes e das Penas Art. 89 – Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade: Pena – detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa. Parágrafo único – Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade ilegal, para celebrar o contrato com o Poder Público. Destarte, o que o art. 8º autoriza, em realidade, é o cometimento de um crime de licitação. Tudo o mais, como, eficiência, ganho de tempo, não repetição de licitações, etc., decantados pelos defensores desse verdadeiro crime “legalizado”, caem por terra. Por outro lado, falou-se muito em “caronas” federais, estaduais e municipais, até havendo defensores dessa idéia. Isto violenta brutalmente o sistema federativo e, portanto é inconstitucional. Se até mesmo um projeto de Emenda Constitucional nem sequer pode ser objeto de deliberação pelo Congresso Nacional, se tender a abolir: I – a forma federativa de Estado (art. 60, §4º, I da CF/88), quanto mais um simples decreto (como um Decreto que criou o Governo do Estado de São Paulo, a figura do “carona” e ainda essa excrescência constitucional que ignora o sistema federativo) pode fazê-lo.”[16]
Impende salientar que entre as possíveis fraudes e conluios advindos da prática, podemos citar a possibilidade de exploração comercial das atas de registro de preços por empresas privadas, conforme preleciona trecho do acórdão 2.692/2012, in verbis:
“(…) 1. Registre-se, ademais, que a Sefti constatou a possibilidade de exploração comercial das Atas de Registro de Preços por empresas privadas, como se observa, por exemplo, no site www.bidsolutions.com.br, que oferece auxílio nas compras via adesão às atas válidas de órgãos federais, estaduais e municipais, informando a existência, na data do acesso, de 35.610 itens em Atas de Registro de Preços e R$ 63.347.040,34 em itens, além de apresentar o seguinte anúncio: "Quer vender mais a sua Ata de Registro de Preço? A BID SOLUTIONS TE AJUDA!". 22. Outro exemplo é o site www2.dlink.com.br, que convida os interessados a aproveitar "as facilidades das atas de registro de preços junto a diversos órgãos federais para adquirir as soluções D-Link com mais agilidade", além de oferecer um "guia de adesão a atas e preços". 23. Nota-se, claramente, que a adesão ilimitada à Ata de Registro de Preços representa um desvirtuamento do SRP, que tem como pressuposto principal o planejamento das aquisições pela Administração Pública, na medida em que propicia a contratação de muito mais itens do que a quantidade efetivamente licitada”. (Acórdão 2.692/2012 – Rel. Aroldo Cedraz – TCU – Plenário, de 3/10/2012)
Diante do exposto, segundo a corrente contrária à prática, a figura do “carona” representaria notória transgressão aos princípios legalidade, proposta mais vantajosa, isonomia, competição, vinculação ao edital, bem como princípio da república ou princípio federativo diante da permissibilidade de carona em diferentes âmbitos federativos como, por exemplo, entre estados ou municípios diversos.
Desta feita, tem-se que a Corte de Contas da União não é contrária ao instituto, apesar das severas críticas, admitindo a prática, mas sendo esta feita não de modo indiscriminado, mas respeitando todos os seus devidos trâmites legais – tais como a justificação da adesão ser mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório e respeito à limitação dos quantitativos – sendo um instituto novo que vem sendo aprimorado a partir de constatações de eventuais falhas a serem contornadas.
CONCLUSÃO
É inegável as inovações advindas do Sistema de Registro de Preços, principalmente, em matéria de economia e celeridade. No entanto, tratando-se da adesão de órgão não participante à ata, é imperioso salientar que não basta que a Administração busque a eficiência mitigando outros inafastáveis princípios administrativos e licitatórios.
Impende salientar que o advento do novo Decreto 7.892/13 disciplinando o Sistema de Registro de Preços e, consequentemente, estabelecendo novas disposições à figura do “carona” – principalmente um limite mais razoável no tocante ao quantitativo que poderia ser usufruído por órgãos não participantes – promoveu indiscutível aperfeiçoamento do instituto, estabelecendo critérios mais revigorantes acabando por melhorar seu uso indiscriminado e abusivo.
Ainda a respeito dos quantitativos que poderiam ser consumidos por órgãos não participantes, a preocupação era tamanha durante a vigência do Decreto 3.931/01, que o Tribunal de Contas da União se viu obrigado a estabelecer limites e parâmetros considerados razoáveis para futuras adesões a fim de compensar os inegáveis riscos aos quais à Administração Pública era imposta.
Constata-se que as alterações promovidas no novo diploma normativo são inegavelmente decorrência de diversos embates, tanto em sede doutrinária como jurisprudencial, acerca da figura do “carona”, considerando as deliberações exaradas pela Corte de Contas da União, bem como por Orientações Normativas da Advocacia-Geral da União.
Assim, em que pese a aparente pausa na inércia do Poder Executivo Federal na edição do Decreto Federal nº 7.892/13, ainda não se pode afirmar com plena convicção que o novo mandamento teria o condão de solucionar todas as controvérsias envolvendo o tema de forma a coibir quaisquer tipos de eventuais abusos.
Em verdade, não obstante a concretização de referidas melhoras e inovações disciplinando o instituto, dois pontos ainda parecem motivo para apreensões, quais sejam: a regulamentação via decreto por hipótese de dispensa de licitação que só poderia ser realizada mediante lei e a dificuldade na fiscalização pelos respectivos Tribunais de Contas quanto às adesões que ocorrerem em âmbitos federativos diversos, porquanto a competência do órgão de controle sobre a inteireza do procedimento incidiria sobre mais de uma Corte de Contas com competências já legalmente delimitadas.
Sob o aspecto da ilegalidade, constata-se que a adesão de órgão não participante à Ata de Registro de Preços configura inegavelmente uma hipótese de dispensa em licitação, a qual não se encontra qualquer remota previsão seja na Carta Magna ou na Lei 8.666/93.
Assim, tem-se que o Presidente de República, ao criar o instituto sem qualquer amparo constitucional ou até mesmo legal, extrapolou suas competências constitucionais na feitura de um decreto regulamentar cuja previsão se encontra no art. 84, IV, da Constituição Federal, acabando por criar um decreto autônomo fora das exigências do art. 84, VI, da Carta da República.
A violação ao princípio da legalidade resta patente na medida em que a inovação no ordenamento jurídico como sucedeu com a figura em debate, só poderia ter ocorrido por meio de lei e não por mero regulamento administrativo, tal como se exige no atual Estado Democrático de Direito e tal como ocorreu nas contratações submetidas ao Regime Diferenciado de Contratações, criado por Lei Federal nº 12.462/2011 expressamente prevê idêntica figura em seu artigo 32, § 1º.
Por outro lado, no que pese a vedação da adesão de entidades ou órgãos federais em âmbitos estaduais e municipais conforme art.22, § 8º do presente decreto regulamentador, a referida proibição não alcançou os âmbitos estaduais e municipais que possuem autonomia para formulação de seus próprios regulamentos acerca da matéria. De tal modo, existe ainda a permissibilidade para as adesões em Estados e Municípios diversos daquele em que ocorre o procedimento licitatório.
Assim, caso a licitação que ocorra por meios fraudulentos e irregulares seja sucedida por uma adesão de um ente de outra esfera governamental, o Tribunal de Contas competente para fiscalizar a conduta do “carona” não será o mesmo para exercer o controle sobre os atos do órgão gerenciador, porquanto se encontrariam sob jurisdições diversas, obstaculizando sobremaneira o controle externo exercido pelas Cortes de Contas.
Dessa feita, apenas existindo previsão regulamentar no sentido de permitir a adesão em esferas estaduais e municipais distintas, os órgãos não participantes e gerenciadores seriam responsabilizados individualmente e por Tribunais de Contas distintos, sendo caracterizado manifesto embaraço no exercício de fiscalização.
Nesse sentido, parece se fazer necessário categórico impedimento, em aplicação de âmbito nacional, no sentido de coibir adesões de entidades não participantes em atas de registro de preços pertencentes à entidades federativas diversas dos órgãos aderentes, de forma a permitir o máximo controle e fiscalização por parte do Tribunal de Contas competente.
Por outro lado, imprime-se inegável relevância à motivação que, de modo hábil e coerente, irá justificar a adesão à Ata de Registro de Preços por órgãos não participantes, de forma a avaliar que tal dispensa, de fato, mostra-se mais vantajosa do que a feitura de novo procedimento licitatório. Dessa forma, primando pelos princípios da impessoalidade e da moralidade da Administração Pública, a motivação sólida e consistente evita que o instituto sirva como instrumento para acobertar o comodismo e a falta de planejamento do Poder Público em promover, ele próprio, a licitação e a celebração do contrato administrativo.
Desse modo, tem-se que a utilização escorreita da adesão de órgãos não participantes pode trazer inúmeros benefícios para a Administração Pública, tais como a eficiência e economicidade. Para tanto, em respeito ao princípio da legalidade, é imprescindível que a previsão do instituto ocorra mediante lei, sendo igualmente necessária a previsão no diploma legal de vedação de adesões em entes federativos diversos, de forma a não dar azo a fraudes diante das eventuais dificuldades na fiscalização de “caronas” ocorrido em entidades federativas diversas, assim como a motivação deverá exercer o caráter instrumental nas questões envolvendo as referidas adesões.
Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada. Pós-graduada em Direito Administrativo e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Analista de Controle Externo – Atividade Jurídica e Assessora do Vice-Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Ceará
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