Categories: CrônicasRevista 72

Caso Sean: questões políticas que superam o afeto


A batalha do menino Sean, travada na justiça entre o pai biológico e a avó materna, chega ao fim na manhã do dia 24 de dezembro de 2009. Uma história que foi acompanhada por milhares de brasileiros teve seu desfecho na véspera de Natal.


O menino Sean, com nove anos de idade, que viveu no Brasil desde 2004 com a família brasileira, foi entregue ao pai biológico, David Goldman. Acompanhado da avó materna, Silvana Bianchi, do padrasto, João Paulo Lins e Silva, e de outros familiares, a decisão judicial foi cumprida.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

A entrega ocorre após o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, decidir cassar a liminar que permitia a permanência da criança no Brasil. No fim, o Supremo Tribunal Federal acabou decidindo pela volta do menino aos EUA com base na Convenção de Haia, assinada na Holanda em 1980, que determina o retorno imediato da criança ao seu país de residência, em casos de seqüestros internacionais.


O Brasil é signatário do acordo e um dos argumentos do Supremo, para basear sua decisão, foi de que manter Sean no país poderia implicar em sanções internacionais.


Assim, já havia contra o Brasil uma queixa na Corte Interamericana de Direitos Humanos e uma ameaça do Senado dos EUA de bloquear o acesso das mercadorias brasileiras a benefícios tarifários americanos. A referida ameaça foi retirada assim que o STF tornou pública sua decisão.


Desta sorte, não podemos deixar de analisar a decisão proferida sob a ótica da política internacional. Neste sentido, devido às enormes proporções do caso, com a interferência até mesmo do Presidente da República, a vida de uma criança foi decidida em troca da manutenção da paz e da diplomacia internacional.


Verifica-se, que a vontade da criança e o vínculo de afetivo aqui no Brasil formado, não foram levados em considerações. Muito pelo contrário, meios que hoje são utilizados no judiciário brasileiro em casos de disputa de guarda de menores, como o Depoimento sem Dano, foram deixados de lado e o desejo da criança não foi levado em consideração, vez que nem mesmo foi oportunizado este momento.


Não se pode deixar de afirmar que o direito de ser pai foi usurpado de David Goldman quando teve seu filho trazido para o Brasil sem seu consentimento. Todavia, nossa Constituição Federal prima pelo bem estar do menor e pela defesa de seus Direitos.


Assim, a vontade de ser pai não pode ser colocada à frente do bem estar infantil. A proteção ao Direito da Criança e Adolescente é integral. É este o objetivo do Direito de Família, é este o objetivo da constante luta dos operadores do direito que trabalham nesta área.


Não se pode alterar a vida de uma criança da noite para o dia, trocando seus hábitos, sua cultura, seu país, sua família, sua residência. Não se pode retirar o amor e afeto que foram construídos entre Sean e sua família brasileira, durante estes cinco anos de cuidado, amor, carinho e cumplicidade. Não se pode separar irmãos sem pensar nas conseqüências emocionais que isso possa causar. Ou melhor, não se pode decidir Direito de Família pensando em relações comerciais.


Sabe-se que atuar na área do Direito de Família é uma busca constante pelo inatingível, pela superação e pela construção. A cada dia nos deparamos com casos que não podemos enquadrar em nossas arcaicas regras e, assim, vamos construindo e reconstruindo um Direito cada vez mais avançado.


Enfrentamos as normas já disciplinadas, reconstruímos entendimentos jurisprudências, construímos teses de hermenêutica jurídica antes pouco imaginadas. E, com isto, alcançamos a igualdade entre o homem e a mulher, buscamos o reconhecimento do Direito Homoafetivo, lutamos para enxugar nossos procedimentos em casos de tutelas urgentes.


Enfim, creio que todo o caso de Direito de Família, e principalmente àquele que está envolto os Direitos dos menores, deve ser visto aos olhos do Direito de Família. Não podemos simplesmente privilegiar as relações comerciais e tratados internacionais, pois caso isso ocorra estaríamos sendo hipócritas ao lutarmos bravamente dia após dia em nosso judiciário brasileiro.



Informações Sobre o Autor

Laura Affonso da Costa Levy

Advogada. Especialista em Direito de Família e Sucessões, pela Faculdade IDC; Pós-Graduanda em Bioética pela PUC/RS; Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/RS; Diretora Estadual (RS) da ABRAFAM, Associação Brasileira dos Advogados de Família; Palestrante; Parecerista e Consultora Jurídica.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Requisitos legais para aposentadoria por invalidez

A aposentadoria por invalidez é um benefício previdenciário concedido a segurados que, devido a doenças…

17 horas ago

Como aumentar o valor da sua aposentadoria: estratégias legais e previdenciárias

A aposentadoria é um direito garantido a todo trabalhador que contribui para o sistema previdenciário.…

17 horas ago

Aposentadoria especial por insalubridade: quem tem direito e como comprovar

A aposentadoria especial por insalubridade é um benefício previdenciário destinado a trabalhadores que exercem suas…

17 horas ago

Revisão de benefício do INSS: quando é possível solicitar?

A revisão de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é um direito…

18 horas ago

Como a reforma da previdência afetou as aposentadorias especiais

A reforma da Previdência, aprovada em 2019 por meio da Emenda Constitucional nº 103, trouxe…

18 horas ago

Benefício assistencial ao idoso: o que fazer em caso de negativa do INSS

O Benefício de Prestação Continuada (BPC), também conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…

18 horas ago