Yuri Guilherme Cavalcante Ramos – Advogado. Pós-Graduado em Direito Público pela Faculdade Legale de São Paulo/SP. (E-mail: ygcrdireito@gmail.com)
Resumo: O presente artigo, em deferência aos 100 anos do Ministério Público Militar, discorre sobre aspectos importantes de sua origem, história, contribuição nacional e internacional, atuação judicial, combate contra os crimes militares, entre outros. Aborda também sobre sua relevância contemporânea para o estado democrático brasileiro, com enfoque nos valores ontológicos do Parquet das Armas.
Palavras-chaves: Ministério Público Militar. Constituição Federal. Estado Democrático de Direito.
Abstract: This article, in deference to the 100 years of the Military Public Ministry, discusses important aspects of its origin, history, national and international contribution, judicial action, combat against military crimes, among others. It also discusses its contemporary relevance for the Brazilian democratic state, focusing on the ontological values of the Weapons Parquet.
Keywords: Military Public Ministry. Federal Constitution. Democratic state.
Sumário: Introdução. 1. Gênese. 2. Trajetória histórica. 3. Perfil constitucional. 4. Princípios. 5. Valores. 6. Projeção constitucional. 7. Atuação internacional. 8. Formação identitária. 9. Contribuição para o contemporâneo estado democrático de direito. 10. Perspectivas de atuação especializada. 11. Atuação perante a Justiça Militar da União: desafios, tutela do patrimônio Militar. 12. Controle externo da atividade policial militar. 13. Atuação nas situações de improbidade administrativa Militar. Conclusão. Referências.
Introdução
O Ministério Público Militar (MPM) completou cem anos, em 30 de outubro de 2020. Sua longevidade é marcada historicamente por turbulências políticas e sociais decorrentes das constituições brasileiras vigentes no passado.
A atual Constituição Federal estabilizou o MPM como Instituição permanente do sistema jurídico, concentrando sua energia em atender os anseios sociais legítimos, mormente aqueles do dinamismo das Instituições Militares.
O Parquet castrense exerce seu dever constitucional com independência e brio, fiscalizando o ordenamento jurídico, propondo ação civil pública e denunciando, na qualidade de parte ativa processual, as condutas lesivas aos valores, bens e interesses objetos de tutela jurídica militar, beneficiando toda sociedade.
É bem verdade que a atuação do Parquet das Armas possuem maior publicidade quando há denúncia de crime militar em casos de grande repercussão geral, porém seu trabalho não se restringe apenas às peças acusatórias processuais. Sua missão se estende ao(à) controle e orientação das atividades externas das polícias militares; expedição de recomendações; realização de termos de ajustamento de conduta; instauração de inquéritos civis públicos; ajuizamento de ação civil pública; participação da formação dos militares brasileiros que integram as Missões de Paz da ONU; e promoção de vários debates e aulas sobre Direito Internacional Humanitário, enriquecendo o acervo de conhecimento jurídico sobre este e outros temas militares.
Todos esses trabalhos do Ministério Público Militar reverberam positivamente, direta ou indiretamente, para todos os órgãos da República, precipuamente, para as Instituições Militares. Daí o motivo de sua existência ser indispensável ao Estado brasileiro.
1 Gênese
O Ministério Público Militar é uma das instituições mais antigas do sistema jurídico brasileiro, instituído formalmente em 1920 e fortalecido até os dias atuais. Embora sua origem seja reconhecida pela maioria dos estudiosos a partir da edição do Código de Organização Judiciária e de Processo Militar, instituído pelo Decreto nº 14.450, de 30 de outubro de 1920, não podemos olvidar fatos muito mais remotos da história do Brasil Colônia que evidenciam o advento glorioso do Ministério Público Militar.
Contemptível dizer que as instituições jurídicas beberam na fonte das Ordenações Manuelinas, não foi diferente com o Ministério Público, pois o Código Manuelino previa expressamente a figura do “Procurador dos Nossos Feitos” (Título XI), que defendia apenas os interesses da Coroa Portuguesa e também o “Prometedor da Justiça da Casa Sopricaçam” (Título XII) com finalidade de instância recursal do procurador.
Logo depois, no Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império de 1832, havia a previsão da figura do promotor de justiça titular da ação penal. Posteriormente, em 1850, editou-se o projeto de lei de Nabuco de Araújo que criava uma Promotoria Pública para oficiar junto aos Conselhos de Justiça. Mais à frente, foi publicado o Decreto nº 848 de 11 de outubro de 1890 que estruturou o Ministério Público da União como instituição.
Infelizmente a Constituição da República de 1891 não previu expressamente a existência do Ministério Público Militar, porém, posteriormente, a Câmara dos Deputados apresentou o Projeto nº 475, de 1907, que possuía proposta de criação de cargo de Procurador-Geral Militar e de cargos de Promotores da Justiça Militar.
Finalmente, com Decreto nº 14.450, de 30 de outubro de 1920, formalizou-se a certidão de nascimento do Ministério Público Militar, criando os cargos de Procurador-Geral e Promotores Militares, com atribuições próprias da acusação e independência no exercício das funções entre Ministério Público e Judiciário. Malgrado, até o ano de 1920, a lei atribuir a determinados oficiais militares a fiscalização do cumprimento das leis e a promoção da acusação contra os infratores, não podemos negar que essas atribuições eram e são inerentes, em “sentido lato”, ao Ministério Público.
Assim, o Ministério Público Militar passou a ser um ramo do Ministério Público da União, instituído formalmente desde 1920, quando se editou o Código de Organização Judiciária e de Processo Militar, mas sua origem de fato, sob enfoque da força principiológica da unidade da instituição, ainda que em desenvolvimento, prístina do Brasil Colonial.
2 Trajetória histórica
O Ministério Público Militar atuou em momentos extremamente importantes da história do Brasil e do Mundo. Trazer à memória alguns de seus notórios fatos históricos revela sua personalidade, suas importantes conquistas, seus valores morais e éticos e sua serventia nacional e internacional, reafirmando-o como instituição permanente no mister da defesa da ordem jurídica e do regime democrático brasileiro.
Após seu nascimento formal (1920), o Ministério Público Militar experienciou vários movimentos armados, dentre os quais merecem destaque o “Levante do Forte de Copacabana de 1922”, a “Revolução de 1924” em São Paulo, bem como a “Revolução de 1930”. Esses movimentos reclamavam melhores condições profissionais e demonstravam a insatisfação dos oficiais militares em face do governo. Nesse período, com diligente devoção e riqueza de detalhes fáticos, o Ministério Público Militar denunciou diversos rebeldes como tenentes, majores, capitães, coronéis, generais, sargentos, servidores públicos, advogados, jornalistas e políticos.
Faz jus recordar a peça de acusação sustentada (segundo as palavras ditas pelo Juiz Olympio de Sá e Albuquerque, em 8 de março de 1926, Rio de Janeiro), “com erudição e brilho”, pelo Procurador Criminal da República, em comissão no Estado de São Paulo, presentada pelo Dr. Carlos da Silva Costa, bem como o Procurador Criminal da República, interino, do Distrito Federal, Dr. Hereclito Fontoura Sobral Pinto, em “sua extensa promoção final, com o zelo demonstrado em todas as causas crimes em que tem funcionado com a sua grande capacidade de trabalho e reconhecida erudição”.
Importante lembrar também que, em 1936, o Ministério Público Militar atuou perante o Tribunal de Segurança Nacional (TSN), este tinha competência para processar e julgar crimes contra a segurança externa do país e as instituições militares, inclusive os fatos puníveis cometidos anteriormente à data de sua criação, em flagrante violação do princípio da irretroatividade penal.
Outrossim, o MPM teve papel importante na Segunda Guerra Mundial junto à Força Expedicionária Brasileira – FEB (em setembro de 1944 a maio de 1945), em território de operações bélicas na Itália, cumprindo fielmente sua função em processos sobre crimes militares e zelando pelas regras gerais de Direito no palco do teatro da guerra mundial. Cumpre registrar, nesse período, a louvável disposição do Parquet Militar perante o diminuto ordenamento jurídico que lhe dava legitimidade de atuação nesse vergastado período beligerante, conquanto tenha tido benemérito reconhecimento na Carta de 1934, seu esquecimento foi gritante na Constituição de 1937, porém não lhe serviu de empecilho para continuar exercendo sua nobre função, tampouco desestimulou sua colaboração para FEB. Há registro de notáveis representantes do MPM que atuaram junto à Justiça Militar da Força Expedicionária Brasileira, que merecem lembrança, a conhecer: Waldemiro Gomes Ferreira(Procurador-Geral da Justiça Militar), Orlando Moutinho Ribeiro da Costa e Amador Cysneiros do Amaral (Promotores da Justiça Militar).
Outro fato histórico marcante de sua trajetória, ocorreu com o nascimento da Redemocratização Nacional, a Constituição Federal de 1946 vivificou o Ministério Público Militar, incorporando-o ao Ministério Público da União, estabelecendo regras sobre o ingresso na carreira e garantindo-lhe inamovibilidade e vitaliciedade.
Já nos anos de 1964 (instauração do regime militar ) e 1967 (Constituição Federal), a atividade do MPM intensificou-se devido aos inúmeros inquéritos policiais militares instaurados a partir da edição do Ato Institucional nº 1, a missão era combater os crimes contra a segurança nacional.
Com o AI-5 do regime militar, determinou-se a suspensão das garantias constitucionais e legais de inamovibilidade, vitaliciedade e estabilidade dos representantes do Órgão Ministerial, afetando o Ministério Público Militar igualmente. Os reflexos do movimento militar no MPM ocorreriam inevitavelmente, resultando diminuição de independência da instituição devido a influência do poder executivo e exonerações imotivadas de alguns membros, como ocorrera em período preparatório da implantação do comando militar como no caso histórico conhecido entre Durval Araújo, Promotor de Justiça Substituto de São Paulo, e João Goulart, Presidente da República à época.
Sobre esse período de governo militar, alguns promotores militares, que atuaram no regime castrense, exprimiram suas memórias em entrevistas concedidas ao MPM (as entrevistas estão disponíveis no sítio da Instituição). Dos relatos destacam-se os seguintes trechos:
Relato 1: Dr. Durval Aylton Moura de Araújo – “O presidente Castelo Branco mandou chamar todos os procuradores a Brasília e fez uma reunião com eles. Ele aconselhava e alertava que nenhum Procurador, nenhum membro do Ministério Público, fosse conivente com qualquer ato de violência ou ato contra a lei.”.
Relato 2: Dr. Affonso Carlos Agapito da Veiga – “O Ministério Público Militar portou-se equilibradamente durante a ditadura, pois não havia Promotor que quisesse se alienar para agradar. Se havia, eram casos esporádicos, talvez por sofrerem essa coerção a que se referiu. Das denúncias que fez, ressalta que ofereceu muitas denúncias contra o filho do Nelson Rodrigues, um dos chefes de quadrilha de assaltos a bancos. (…)”.
Relato 3: Dr. Renato da Cunha Ribeiro – “Transparece a impressão que o Governo Militar e a Justiça Militar escolhiam os procuradores que iriam fazer a vontade do governo, mas isso nunca aconteceu. Ao contrário, sempre houve uma independência muito grande por parte do Ministério Público.”.
Em que pese os relatos, sem dúvida o regime militar foi uma época muito insólita para todos, do mesmo modo para as Instituições que estavam (estão) vinculadas às garantias constitucionais para exercer plenamente suas funções como no caso do Público. Após esse longo período, foi promulgada a Constituição de 1988, restituindo ao Ministério Público todas as garantias constitucionais inerentes ao exercício independente de suas funções.
3 Perfil constitucional
O perfil constitucional do Ministério Público Militar foi moldado no decorrer dos anos por forte influência do voluntarismo de seus próprios integrantes, conforme testemunhada na Carta de Curitiba de 1986 (VI Congresso Nacional do Ministério Público), vindo a ser consolidado na Constituição da República Federativa Brasileira de 1988.
A Constituição Federal atual trouxe ao MPM reconhecimento de sua bravura, erigindo-o ao escalão das funções essenciais da Justiça, brindando a Instituição com a garantia da autonomia funcional e administrativa (§2º, art.127, CF/88). Por via teórica, a Lei Maior apenas declarou aquilo que o Ministério Público Militar já demonstrava ser (imprescindível à Justiça), como também o que precisava ter (independência funcional), desvinculando-o do Poder Executivo.
Em complemento, por força expressa da Constituição Federal de 1988 (§5º, art. 128), foi editada a Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993 trazendo no seu bojo específicas atribuições do Ministério Público Militar perante aos órgãos da Justiça Militar:
“Art. 116. Compete ao Ministério Público Militar o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça Militar:
I – promover, privativamente, a ação penal pública;
II – promover a declaração de indignidade ou de incompatibilidade para o oficialato;
III – manifestar-se em qualquer fase do processo, acolhendo solicitação do juiz ou por sua iniciativa, quando entender existente interesse público que justifique a intervenção.
Art. 117. Incumbe ao Ministério Público Militar:
I – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial-militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas;
II – exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária militar.”
Todavia, o MPM não está limitado ao rol dessas atribuições, poderá exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, conforme disposição constitucional inserida no inciso IX, artigo 129, da CRFB/1988. A este respeito, sobre outras atribuições, considerando que não há disposição legal expressa quanto à atribuição do Ministério Público de fazer investigações penais autônomas, vale lembrar a discussão jurídica acerca do tema, tendo prevalecido a tese no STF (HC 89837/DF, RE 593727/MG) da teoria dos poderes implícitos (quem pode mais pode menos), isto é, se o parquet pode propor ação penal, logo também pode utilizar os meios necessários para propor a referida ação penal, daí o mimetismo do Ministério Público castrense para fazer investigação penal militar. Destaca-se trecho da decisão do Habeas Corpus nº 89837/DF, verbis:
“(…) Todos sabemos que o inquérito policial, enquanto instrumento de investigação penal, qualifica-se como procedimento administrativo destinado, ordinariamente, a subsidiar a atuação persecutória do próprio Ministério Público, que é – nas hipóteses de ilícitos penais perseguíveis mediante ação penal de iniciativa pública – o verdadeiro destinatário das diligências executadas pela Polícia Judiciária (RTJ 168/896, Rel. Min. CELSO DE MELLO).Trata-se, desse modo, o inquérito policial, de valiosa peça informativa, cujos elementos instrutórios – precipuamente destinados ao órgão da acusação pública – visam a possibilitar a instauração da”persecutio criminis in judicio”pelo Ministério Público (…) (STF – HC: 89837 DF, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 16/10/2006, Data de Publicação: DJ 20/10/2006 PP-00094)”
Como exemplo concreto da atribuição investigatória do MPM, houve a decisão, por maioria, do plenário do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, que definiu sua competência para apurar o caso de militares “que efetuaram oitenta tiros contra família no Rio de Janeiro” (Ação Penal Militar nº 7000600-15.2019.7.01.0001).
Além disto, o MPM investiga e oferece denúncia em crimes militares (de viés demandista), bem como atua por meio do inquérito civil (de modo resolutivo), na proteção de interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, como o meio ambiente, o patrimônio público, bens e valores históricos e culturais na esfera militar. E mais, possui legitimidade para firmar Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) com o responsável pela lesão ou ameaça de lesão aos direitos e interesses difusos e coletivos, visando a reparação do dano, nos termos do art. 23 da Resolução nº 100, de 14 de março de 2018, do Conselho Superior do Ministério Público Militar – CSMPM.
Esse novo perfil constitucional apresentado em linhas pretéritas proporciona meios eficazes de atuação em âmbito judicial e extrajudicial, atribuindo ao MPM o poder-dever de garantir o império da ordem jurídica e da paz social na atual Constituição Federal.
4 Princípios
Unidade, Indivisibilidade, Independência funcional e Autonomia (funcional, administrativa e financeira) são prolegômenos indissociáveis do pleno e equilibrado exercício das atribuições do Ministério Público Militar, garantidos expressamente na Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 (Art. 127, §1º).
O princípio da unidade representa união autônoma de cada um dos Ministérios Públicos, sob direção de apenas um Procurador Geral, isto é, não há hierarquia entre os integrantes do Ministério Público da União (MPF, MPT, MP/DF e MPM), tampouco entre os Ministérios Públicos dos Estados, pois todos possuem leis complementares próprias, vinculados aos seu respectivos Procuradores-Gerais.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, na ADPF nº 482, da lavra do ministro Alexandre de Moraes, publicado no DJE de 12-3-2020, assinalou:
“Por força do princípio da unidade do Ministério Público (art. 127, § 1º, da CF), os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-Geral. Só existe unidade dentro de cada Ministério Público, não havendo unidade entre o Ministério Público de um Estado e o de outro, nem entre esses e os diversos ramos do Ministério Público da União.”
Por sua vez, o princípio da indivisibilidade autoriza a instituição Ministério Público substituir seus membros uns pelos outros, ou até mesmo criar órgão colegiado, para imprimir maior eficiência e desempenho no exercício das funções do Órgão Ministerial, sendo vedadas substituições casuísticas realizadas pelo Procurador-Geral (HC 103.038, STF).
Em relação ao princípio da independência funcional, entende-se como garantia institucional do Ministério Público para exercer livremente sua atividade-fim por meio de seus representantes (promotores e procuradores), subordinando-se apenas à Constituição e às leis infraconstitucionais. De modo outro, a hierarquia administrativa coordenada pelo Procurador Geral não suplanta o dito princípio (ADI 5.434, STF).
Nessa perspectiva, o Supremo Tribunal Federal afirmou que o “representante do Ministério Público Militar de primeira instância dispõe de legitimidade ativa para impetrar habeas corpus, originariamente, perante o STF, especialmente para impugnar decisões emanadas do STM.” (HC 94.809, rel. min. Celso de Mello, j. 12-8-2008, 2ª T, DJE de 24-10-2008.).
A Constituição Federal de 1988 garantiu ao Ministério Público (art. 127, §§2º a 6º) autonomia funcional, administrativa e financeira em face dos poderes do Estado, tendo sido regulamentada pelo art. 22, da Lei complementar nº 75 de 1993. De acordo com o artigo 124 da referida lei complementar, o Procurador Geral Militar detém atribuições que consubstancia a autonomia do Órgão, a saber: propor criação e extinção de cargos e ofícios; elaborar proposta orçamentária; organizar a prestação de contas do exercício anterior; praticar atos de gestão administrativa, financeira e de pessoal; elaborar o relatório de atividades do Ministério Público Militar; coordenar as atividades do Ministério Público Militar e exercer outras atribuições previstas em lei.
Por certo que garantida autonomia funcional, administrativa e financeira do Parquet das Armas, sua missão constitucional pode ser exercida com mais liberdade e destemor em face dos demais poderes.
5 Valores
Para identificar os valores institucionais do Ministério Público Militar é preciso conhecer seu grau de obediência aos deveres legais e preceitos constitucionais, bem como o sentimento de confiança depositado pela sociedade em seu trabalho. Os artigos 43 e 44 da Lei nº 8.625 de 1993 informam alguns deveres e vedações destinados ao Ministério Público, a conhecer:
“Art. 43. São deveres dos membros do Ministério Público, além de outros previstos em lei:
I – manter ilibada conduta pública e particular;
II – zelar pelo prestígio da Justiça, por suas prerrogativas e pela dignidade de suas funções;
III – indicar os fundamentos jurídicos de seus pronunciamentos processuais, elaborando relatório em sua manifestação final ou recursal;
IV – obedecer aos prazos processuais;
V – assistir aos atos judiciais, quando obrigatória ou conveniente a sua presença;
VI – desempenhar, com zelo e presteza, as suas funções;
VII – declarar-se suspeito ou impedido, nos termos da lei;
VIII – adotar, nos limites de suas atribuições, as providências cabíveis em face da irregularidade de que tenha conhecimento ou que ocorra nos serviços a seu cargo;
IX – tratar com urbanidade as partes, testemunhas, funcionários e auxiliares da Justiça;
X – residir, se titular, na respectiva Comarca;
XI – prestar informações solicitadas pelos órgãos da instituição;
XII – identificar-se em suas manifestações funcionais;
XIII – atender aos interessados, a qualquer momento, nos casos urgentes;
XIV – acatar, no plano administrativo, as decisões dos órgãos da Administração Superior do Ministério Público.
Art. 44. Aos membros do Ministério Público se aplicam as seguintes vedações:
I – receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas processuais;
II – exercer advocacia;
III – exercer o comércio ou participar de sociedade comercial, exceto como cotista ou acionista;
IV – exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de Magistério;
V – exercer atividade político-partidária, ressalvada a filiação e as exceções previstas em lei”
O MPM é guiado em seu mister pelos valores da ética, eficiência, eficácia, efetividade, comprometimento, independência funcional, probidade, imparcialidade, valorização das pessoas, transparência, credibilidade e excelência e, principalmente, por sua devoção à Constituição. Seu rigor ao cumprimento das leis reafirma a garantia dos direitos dos cidadãos.
Segundo pesquisa Datafolha, realizada em 2019, as Forças Armadas e Ministério Público são consideradas como umas das instituições mais confiáveis entre os brasileiros. À vista disso, o Parquet Militar, busca imprimir maior eficácia em sua atuação com a finalidade de prestar um serviço de excelência, estabelecendo diretrizes para o planejamento e a gestão estratégica institucional. Assim dispõe o artigo 2º da Portaria nº 111/PGM: “O sistema de planejamento e gestão consiste em um conjunto de práticas gerenciais voltadas para a obtenção de resultados, com base no estabelecimento, na execução e no acompanhamento de metas, iniciativas e ações que impulsionem o cumprimento da missão institucional e do alcance da visão de futuro do MPM”.
6 Projeção constitucional
A Magna Carta de 1988 reservou ao Ministério Público categoria diferenciada, fora da classificação dos poderes da União, confiando-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Conquanto, a projeção constitucional atual do Ministério Público foi alcançada sob muito esforço de seus membros, tal como o MPM. Vejamos como as Constituições brasileiras anteriores abordavam a Instituição Ministerial:
Apesar dessas oscilações normativas constitucionais, o MPM sagrou-se independente e autônomo em relação aos demais poderes da República. Sobre o tema manifestou-se o ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence:
“desvinculado do seu compromisso original com a defesa judicial do Erário e a defesa dos atos governamentais aos laços de confiança do Executivo, está agora cercado de contraforte de independência e autonomia que o credenciam ao efetivo desempenho de uma magistratura ativa de defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos da cidadania” (STF – Pleno. MS n. 21.239-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence. RTJ 147/129-30).
O Ministério Público Militar espelha-se cada vez mais na Constituição Federal, concretizando os mandamentos constitucionais em sua área de atuação, com intuito de promover medidas necessárias à garantia dos direitos fundamentais da sociedade, especialmente do pleno acesso à Justiça, em harmonia com o artigo 129, II, e do último inciso do art. 5º (LXXVIII), da CF/88.
“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (…) II – zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;”
“Art. 5º, LXXVIII, CF: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
Bem assim, o MPM objetiva prevenir e reparar danos ao patrimônio público, ao meio ambiente, aos bens e direitos de valores históricos e culturais, bem como proteger os interesses individuais indisponíveis, difusos, coletivos e os direitos constitucionais no campo da administração militar. Para implementar esses objetivos, foram criados os Núcleos Permanentes de Incentivo à Autocomposição (NUPIA) em todas as Procuradorias de Justiça Militar do Brasil através da Resolução nº 91/CSMPM, de 14 de dezembro de 2016, que ampliou os mecanismos de solução de conflito no âmbito do MPM. Por seu turno, a Resolução nº 66/CSMPM, de 11 de abril de 2011, alterada pela Resolução nº 100, de 14 de março de 2018, regulamenta o Inquérito Civil no plano do Ministério Público Militar, sendo mais um instrumento normativo utilizado para alcançar seus propósitos institucionais.
Assim, o Ministério Público Militar, arraigado à Constituição Federal, com reforço dos instrumentos administrativos internos da Instituição como os sobreditos, intensifica sua proatividade para solucionar os conflitos de sua competência constitucional.
7 Atuação internacional
O artigo 4º da Carta Política de 1988 dita os princípio que conduzem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais, a lembrar: independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não-intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político. Na qualidade de guardião das normas e princípios constitucionais, o Ministério Público Militar também é guiado por esses princípios em sua atuação internacional.
Historicamente, o Decreto-Lei nº 24.803/34 encarregava o Promotor Militar de velar pela observância das regras gerais de Direitos das Gentes e Convenções de Genebra, de 27 de julho de 1929, com o fito de melhorar a sorte das vítimas da guerra.
Posteriormente, em setembro de 1944 a maio de 1945, o MPM viu a “cobra fumar” (expressão e símbolo da FEB) junto à Força Expedicionária Brasileira – FEB, quando o Brasil entrou na Segunda Guerra Mundial, tendo zelado fielmente pelas regras de direito e processo sobre crimes militares no teatro de operações de guerra na Itália.
Hodiernamente, o Parquet Militar contribui para a formação dos militares brasileiros que integram as Missões de Paz da ONU, com colaboração da Casa das Nações Unidas (ONU-Brasil) e o Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil (CCOPAB). Do mesmo modo, investiga e processa possíveis crimes praticados pelos soldados brasileiros em Missão de Paz da ONU.
Como intendente do ordenamento jurídico o MPM patrocina o fiel cumprimento dos tratados internacionais de Direitos Humanos e Direito Internacional Humanitário ratificados pelo Brasil. Ademais, não se pode esquecer da relevantíssima contribuição do MPM em promover debates, palestras, aulas sobre Direito Internacional Humanitário e Direito Internacional dos Conflitos Armados.
Em postremo, o Ministério Público Militar possui vasta contribuição a nível internacional para o progresso da humanidade e manutenção da paz mundial, tendo como exemplo: o trabalho do Procurador-Geral de Justiça Militar Ivo d’Aquino Fonseca, que foi membro da delegação do Brasil junto à ONU, em 1949, como também, a brilhante atuação da comandante militar Carla Monteiro de Castro Araújo, em Missão Multidimensional Integrada de Estabilização na República Centro-Africana (Minusca), tendo inclusive recebido o Prêmio de Defensoras Militares da Igualdade e Gêneros das Nações Unidas de 2019.
8 Formação identitária
O Parquet castrense possui um conjunto de características que o define e o diferencia das demais instituições do sistema jurídico brasileiro. Suas peculiaridades identitárias são registradas em sua Memória Institucional e testemunhadas pelos seus membros.
Cumpre recordar o protagonismo do professor e subprocurador-geral de Justiça Militar, aposentado, José Carlos Couto de Carvalho, na formação de inúmeros integrantes da carreira do MPM, sendo reconhecido como um dos mais importantes colaboradores no processo de consolidação do caráter institucional do Parquet Militar.
Quanto ao mais, registre-se, até o presente momento, a significativa contribuição do atual Procurador-Geral da Justiça Militar, Antônio Pereira Duarte (Mandato: biênio 2020/2022), especialmente para Preservação da Memória Institucional do Ministério Público, quando propôs, em 2014, no V Encontro Nacional dos Memoriais do Ministério Público, como Conselheiro do CNMP, uma resolução acerca da criação da Comissão Temporária de Preservação da Memória Institucional do Ministério Público. Dessa proposta, em 2016, foi inaugurado o Centro de Memória do Ministério Público Militar (CMMPM), canal pelo qual disponibiliza a todos os interessados o conhecimento da identidade do MPM por meio de depoimentos de seus ex-integrantes.
Por cavalheirismo e reconhecimento da contribuição do nobre trabalho, destacam-se pontos importantes da trajetória de algumas mulheres, ex-membros, que atuaram no MPM, registrados em depoimentos ao CMMPM, a conhecer: Marly Gueiros Leite(subprocuradora-geral de Justiça Militar), Maria Marli Crescêncio Pereira(procuradora da Justiça Militar), Vera Regina Alves de Brito( subprocuradora-geral de Justiça Militar) e Marisa Terezinha Cauduro da Silva (procuradora-geral de Justiça Militar).
Depoimento de Marly Gueiros Leite: foi a primeira mulher a entrar no MPM, aprovada no concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público Militar realizado em 1959. Orgulha-se por ter provocado a modificação de um acórdão do Supremo Tribunal Federal na época em que os civis eram julgados e condenados na Justiça Militar por crime de dano culposo pelo fato de bater carro com viatura militar, no trânsito, em via pública. Atuou em casos complexos como a rebelião dos marinheiros em 1964; cadernetas de Luís Carlos Prestes em que foram indiciadas mais de 70 pessoas e condenadas meia centena e o Grupo dos Onze do Brizola. A digníssima relatou ainda um caso concreto que chegou a sua promotoria de um Tenente da Aeronáutica e sua companheira que foram vítimas de um grupo criminoso. Marly declarou que pediu pena de morte para os criminosos, mas a Justiça Militar transformou para 30 anos de pena. Declarou que nunca promoveu uma injustiça contra ninguém, mesmo durante o período da “ditadura”. Por fim, afirmou que “a Instituição do Ministério Público Militar é a melhor e o maior ministério público que existe no Brasil, e a Justiça Militar foi a primeira justiça que existiu nesse país, e até hoje se mantém incorruptível e impoluta. Amém”.
Depoimento da saudosa Maria Marli Crescêncio Pereira: foi nomeada adjunta de promotor de Justiça da Comarca de Boa Viagem, em 1964, porém foi exonerada, a pedido, em abril do ano seguinte. Ingressou no Ministério Público Militar como substituta de procurador em 1972. Declarou em entrevista que “Embora o Direito e as Forças Armadas fossem, naquele tempo, carreiras eminentemente masculinas, sempre fui tratada com muita distinção e respeito. Não me lembro de ter sofrido alguma forma de preconceito.”.
Depoimento de Vera Regina Alves de Brito: declarou ter ingressado no Ministério Público Militar como segunda substituta de procurador, por indicação, em 1972. Declara que nunca sentiu pressão da área militar e também não recebia interferência do procurador-geral em sua atuação e pedia absolvição do réu sempre que tinha dúvidas.
Por fim, o depoimento de Marisa Terezinha Cauduro da Silva: declarou ter prestado concurso público para ingresso no Ministério Público Militar em 1984, assumindo como procuradora militar em Porto Alegre, em 12 de fevereiro de 1985. Atuou em vários casos polêmicos. Por exemplo: a) traficante Fernandinho Beira-Mar (sendo contra o encarceramento do mesmo em prisão militar) devido sua influência negativa; b) abate de aeronaves ilegais pelas Forças Armadas; c) Estatuto do Desarmamento; d) denunciou dois oficiais-generais entre outros casos. Declarou ainda que “o Ministério Público tem de defender a lei, a justiça e não se comportar como um carrasco. A lei precisa ser cumprida, mas não é possível que seja aplicada sem que se leve em consideração o contexto humano.”.
Destarte, é possível perceber, de modo uníssono, através dos depoimentos supracitados, que a identidade do MPM é formada significativamente pela contribuição de seus integrantes, que atuaram e atuam com bastante dedicação e apreço em busca da concretização dos objetivos do MPM, indicando que os valores estruturais da Instituição Militar estão voltados para defesa dos direitos dos cidadãos, da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
9 Contribuição para o contemporâneo estado democrático de direito
O Ministério Público Militar, circunscrito a sua competência legal e constitucional, viabiliza a participação concreta dos cidadãos nas decisões do Estado por via da supervalorização, em regra, dos direitos humanos para que o sistema democrático brasileiro atenda às necessidades pressurosas da sociedade.
Segundo a Carta de Manaus extraída do XVIII Encontro Nacional dos Procuradores da República, ocorrido em 2001, o Ministério Público é instrumento da democracia, tendo sido estabelecido na referida carta as seguintes diretrizes pertinentes para o presente estudo:
“1. A democracia constitui atributo essencial do Estado de Direito, cabendo ao Ministério Público, como instrumento de sua realização, velar pela implementação e efetividade das decisões fundamentais da sociedade brasileira, expressas nas normas jurídicas legitimamente aprovadas pelo Poder Legislativo;
(…)”
Em observância às referidas diretrizes, o Parquet Militar tem aumentado sua participação positiva na sociedade auxiliando as Forças Armada do Brasil a manter a hierarquia e disciplina militar. Possui reconhecimento jurídico, legislativo e internacional de sua brilhante atuação. À vista disso, o Ministério Público não é, e não pode ser, mero órgão de colaboração de governo, está fixado na Constituição como mantenedor perene dos mais importantes pedestais da República Federativa Brasileira: Federação; Tripartição dos Poderes e o Regime Democrático de Direito.
10 Perspectivas de atuação especializada
O Parquet Militar, integrante do Ministério Público da União, é Instituição especializada, com atuação na Justiça Militar Federal, possuindo atribuições de ordem judicial e extrajudicial, sua atenção está especialmente direcionada para investigar e denunciar os crimes militares praticados por integrantes das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e/ou crimes praticados por civil contra as instituições militares, nos termos do artigo 9º do Código Penal Militar ( Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969).
De mais a mais, o MPM é responsável pelo controle externo da atividade policial judiciária militar e pelo inquérito civil em matéria de meio ambiente, patrimônio público, direitos individuais indisponíveis, difusos e coletivos no âmbito militar.
Destaca-se o fato da Instituição Militar em apreço possuir política de incentivo para solucionar os conflitos de interesse militar relacionados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico, paisagístico, bem como os atos de improbidade por via de autocomposição, conforme a Resolução nº 91, do CSMPM.
Com o advento da Lei nº 13.491/2017, foi lançado um novo desafio ao MPM, que passou a investigar e denunciar crimes previstos na legislação penal extravagante praticados por militares, tais como: crimes cibernéticos, crimes hediondos, crime de tortura, crimes da Lei Maria da Penha e muitos outros. Assim, a mencionada lei ampliou, ainda que de modo oblíquo, o campo de atuação do Parquet das Armas, refletindo positivamente no sistema acusatório, pois um Estado eficiente traduz-se também por equilibrada distribuição de competência entre seus órgãos, beneficiando toda sociedade.
11 Atuação perante a Justiça Militar da União: desafios, tutela do patrimônio militar
O Parquet das Armas, não raras vezes, depara-se com desafios em defesa do patrimônio militar. Já obteve êxito judicial em reafirmar a competência da Justiça Militar da União para processar e julgar determinados crimes contra o patrimônio sob administração militar. A exemplo disso, por impulso dos recursos de apelação do Parquet castrense, o Superior Tribunal Militar reiteradamente posiciona-se no sentido de que os fatos enquadrados como fraude à licitação, falsidade ideológica e uso de documento falso praticados no âmbito da administração militar devem ser julgados perante a Justiça Militar (STM – RSE: 00000216720167110211 DF).
No judiciário militar, há o entendimento que as fraudes em licitação e os desvios de verbas públicas praticados por militares em detrimento do patrimônio militar, ainda que com participação eventual de civil, são crimes que devem ser processados e julgados na Justiça Militar (STJ – CC: 149073 SP 2016/0260086-4, Relator: Ministro FELIX FISCHER, Data de Publicação: DJ 01/02/2017).
Quanto aos demais crimes contra o patrimônio e administração militar, a corrupção na corporação militar é um dos delitos mais preocupantes. A título de exemplo, em 2003, o MPM denunciou vários militares e civis acusados de desviar R$1,7 milhão do Centro de Pagamento do Exército, tendo, inclusive, conseguido aumentar a pena dos oficiais condenados, conforme notícia veiculada em 16 de novembro de 2016, no sítio do MPM. Visando eliminar e/ou mitigar esses crimes, o Parquet Militar criou o Núcleo de Combate à Corrupção nas Forças Armadas (Portaria nº 175/2016-PGJM).
Muitos são os desafios enfrentados pelo MPM para neutralizar referidos crimes em face do patrimônio e da administração militar. Contudo, a pujante atuação do parquet desestimula, reduz o cometimento de novos crimes nas Forças Armadas, ao passo que manterá incólumes os bens jurídicos militares, convertendo-se o êxito do ofício em serviços eficientes ao setor das instituições militares.
12 Controle externo da atividade policial militar
Todas as instituições brasileiras devem nortear suas ações com transparência e legalidade para que a sociedade continue consentindo e confiando na autoridade de seus atos. Nesse mesmo espírito, a Polícia Militar deve agir, sob pena de execrar sua legitimidade ante os cidadãos.
O artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal de 1988 estabelece que “todo o poder emana do povo…”. Assim, numa visão antropocêntrica, o cidadão está no centro de todo sistema jurídico, pois dele provém o poder, logo a legitimidade da atuação das Instituições, especialmente a polícia militar, ocorre por meio de justificativas legais arrimadas na garantia plena dos direitos fundamentais dos jurisdicionados.
Para auxiliar a polícia militar nesse complexo mister, o Parquet castrense monitora externamente as atividades da polícia militar, evitando abusos e desvios na aplicação do poder de polícia militar. O Conselho Superior do Ministério Público Militar editou a Resolução nº 55/2018 para regulamentar o mencionado controle externo do MPM sobre as polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares e corpo de bombeiros militares, penais federais, estaduais e distrital, polícias legislativas e, principalmente, a Polícia Judiciária Militar ou Civil, Federal ou Estadual pertinentes aos crimes militares da competência da Justiça Militar da União.
“Art. 1º, CSMPM: Estão sujeitos ao controle externo do Ministério Público Militar, na forma do art. 129, inciso VII, da Constituição Federal, da legislação em vigor e da presente Resolução, os organismos policiais relacionados no art. 144 da Constituição Federal, bem como as polícias legislativas e, principalmente, a Polícia Judiciária Militar ou civil, federal ou Estadual, à qual seja atribuída parcela de poder de polícia, relacionada com a persecução dos crimes militares da competência da Justiça Militar da União.
Art. 129, CF/88: São funções institucionais do Ministério Público:
(…)
VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
Art. 144, CF/88: A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II – polícia rodoviária federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e corpos de bombeiros militares; VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 104, de 2019)”
O MPM também orienta, mediante recomendação, as organizações policiais militares nas investigações de crimes militares, mitigando as baixas dos autos para diligências e vícios processuais cometidos por Oficiais Encarregados do Exercício da Polícia Judiciária Militar. Sublinhem-se algumas dessas recomendações:
Em arremate, há situações em que a sociedade exige do Ministério Público uma postura mais ativa, como nos casos de investigação de mortes praticadas no exercício da atividade policial em que pode haver tendências complacentes nas investigações pela Instituição policial. Portanto, quando imprescindível, o Parquet está autorizado a instaurar investigação independente. Esse, aliás, é o entendimento legitimado pelo Supremo Tribunal Federal (HC 89837/DF).
13 Atuação nas situações de improbidade administrativa militar
Os valores ontológicos da administração militar perfazem sua essência de legalidade, imparcialidade, honestidade e lealdade perante às Instituições Militares e, uma vez violados, transformam-se em atos de improbidades abjetos da República Federativa do Brasil.
O artigo 37 da atual Constituição Federal determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeça aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Em sequência de raciocínio, o artigo 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (conhecida como Lei de improbidade administrativa) afirma que “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições…”. Por sua parte, o artigo 28 do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/80) informa que o sentimento do dever, o pundonor militar e o decoro da classe impõe, a cada um dos integrantes das Forças Armadas, conduta moral e profissional irrepreensíveis.
Partindo da leitura dos dispositivos acima mencionados, pode-se dizer que havendo violação ou desvio de alguma norma desse conjunto de regras, valores e princípios, o MPM é acionado para reprimir os atos ímprobos, antiéticos e imorais da administração militar, utilizando-se, na maioria das vezes, de instrumentos processuais como a Denúncia e a Ação Civil Pública. A Denúncia visa punir os crimes cometidos por infratores da lei, ao passo que a Ação Civil Pública destina-se a ressarcir danos morais e patrimoniais causados ao erário, sobretudo o militar. Amiúde, após o MPM ofertar denúncia à Justiça Militar, propõe ação civil pública requerendo a condenação dos réus em perda dos valores auferidos ilicitamente; perda de função pública; suspensão de direitos políticos; pagamento de multa civil; proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, tudo na forma da Lei nº 8.492/92.
Sobre a ação civil pública proposta pelo MPM, importante ressaltar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a legitimidade ativa do Ministério Público Militar para a promoção de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, bem como a imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipificado na Lei de Improbidade Administrativa (ARE: 1249284 RJ/2020 e ARE: 1195134 SP/2019), verbis:
“(…) Tem-se que o ponto nodal da controvérsia reside na legitimidade ativa do Ministério Público Militar para a promoção de ação civil pública por ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei nº 8.429/92. 3 – No presente caso, em prol de uma atuação do Parquet que atenda de maneira ampla os anseios do combate à improbidade administrativa, a interpretação sistemática dos diplomas normativos pertinentes, aponta para uma legitimação concorrente entre os dois ramos do MP da União, até porque, vale lembrar, a improbidade que se argui no feito originário, está intimamente relacionada à persecução penal militar, que redundou em condenação pela prática de crime militar. 4 – Outrossim, é a própria lei da ação civil pública que admite o litisconsórcio entre ramos do MP da União, conforme extrai-se do artigo 5º, § 5º, da Lei 7.347/85. Assim, não há que se criar restrição, onde a própria lei prevê a possibilidade de legitimidade concorrente. (…) (STF – ARE: 1249284 RJ – RIO DE JANEIRO 0010938-32.2018.4.02.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 03/02/2020, Data de Publicação: DJe-024 07/02/2020)” (grifo nosso)
Com efeito, a Administração Militar deve manter-se convertida à legalidade, expurgar comportamentos contrários à Boa-Fé, praticar seus atos sempre com respeito às garantias e aos direitos fundamentais dos cidadãos, e, com excelência, conservar-se impoluta, sob o olhar do Ministério Público Militar.
Conclusão
Nessa breve exposição, buscou-se enfatizar a importância histórica e atual do Ministério Público Militar ao Estado brasileiro, essencialmente, para melhoria das Instituições Militares, evidenciando sua eficiência na defesa do direito e patrimônio militar. Fez-se uma digressão a respeito de sua história até os dias atuais, rememorando alguns de seus acontecimentos notórios e contribuições nacional e internacional, tudo isso para reafirmar a imprescindibilidade do MPM.
Destacou-se, outrossim, a ampliação da competência do MPM, decorrente da alteração do código penal militar (Lei nº 13.491/2017), com criteriosa atuação no combate de crimes praticados por militares, previstos em leis penais extravagantes.
Por essas perspectivas, restou demonstrado que o MPM, com brio, contribui positivamente para o ordenamento jurídico brasileiro, substanciando os mandamentos constitucionais garantidores do regime democrático e da dignidade da pessoa humana.
Por fim, com sentimento de gratidão aos 100 anos de Ministério Público Militar, compartilha-se a evocação proferida pelo professor José Carlos Couto de Carvalho: “A ti centenária Casa, templo do saber, tabernáculo do Direito militar, as minhas imorredouras homenagens”.
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