Cláusulas recorrentes em contratos de compra e venda de imóveis na planta – Estudo de caso

Sumário: I – Introdução; II – Possíveis conseqüências caso o contrato em questão seja celebrado por adesão; III- Ambigüidades e/ou contradições presentes nas cláusulas; IV – Existência, nas cláusulas, de previsão de renúncia antecipada do aderente ao direito resultante da natureza do negócio; V – Falência da vendedora e patrimônio de afetação; VI – Conclusão .


I- INTRODUÇÃO

O presente parecer visa a examinar algumas cláusulas de um contrato de compra e venda de imóveis na planta, utilizando, para tanto, as normas constantes no Código Civil Brasileiro de 2002, os princípios que regem os contratos e a Lei nº 10.391/2004, que trata do patrimônio de afetação.


O caso, objeto desta análise, envolve cláusulas bastante comuns no dia-a-dia de quem compra bens imóveis na planta. Daí porque surge a necessidade de sermos juridicamente bem assistidos ao celebrarmos contratos com construtoras ou incorporadoras.


Para o estudo do caso, ilustramos algumas cláusulas recorrentes em contratos desta espécie, analisando-as sob a ótica do Direito Civil, visto que optamos privilegiar neste parecer a doutrina civilista, escapando de nossa pretensão adentrarmos na esfera consumeirista. Eis as cláusulas a que aludimos, encontradas em contratos desta espécie:


X.1 A VENDEDORA poderá pleitear, a seu exclusivo critério, concessão de financiamento à produção, o que implicará a outorga de garantias, conforme adiante mencionado.

X.1.1 A responsabilidade do pagamento do financiamento à produção é inicial e exclusivamente da VENDEDORA, podendo ser objeto de seu repasse (sub-rogação na pessoa do COMPRADOR).

X.2 Referida hipoteca ou alienação fiduciária abrangerá a totalidade do terreno e todas as unidades autônomas que integram o empreendimento, entre elas aquela ora compromissada à venda ao COMPRADOR.

X.3 Diante de todo o exposto, o COMPRADOR DECLARA SUA EXPRESSA CIÊNCIA dos fatos narrados pela VENDEDORA e sua EXPRESSA, IRREVOGÁVEL e IRRETRATÁVEL ANUÊNCIA à futura hipoteca ou alienação fiduciária que a VENDEDORA constituirá em favor do agente financiador para garantia do financiamento à produção, que inclusive compreenderá a unidade autônoma, ora compromissada à venda ao COMPRADOR.

X.4 Se necessário for, o COMPRADOR ratificará sua anuência, ora manifestada, no contrato de financiamento à produção.

X.5 Se e quando for assinado e registrado o contrato com o agente financiador, a VENDEDORA encaminhará cópia de seu inteiro teor ao COMPRADOR.


Desta feita, primeiramente, serão expostas as conclusões possíveis caso o contrato seja realmente celebrado por adesão. Aí serão aplicados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva ao caso concreto, ora apresentado. Depois, apresentarei as possíveis ambigüidades e/ou contradições presentes nas cláusulas, bem como tratarei sobre a existência de previsão do disposto no art. 424, do Novo Código Civil (renúncia antecipada do aderente ao direito resultante da natureza do negócio.


Por fim, pretende-se mostrar possíveis conseqüências em virtude da falência da vendedora, citando o advento da Lei 10.391/2004 que trouxe uma grande inovação no mundo jurídico imobiliário, qual seja, o patrimônio de afetação. Este, conforme veremos a seguir, tranqüilizou pessoas que evitavam compra imóveis na planta desde o advento da falência da ENCOL.


II – POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS CASO O CONTRATO EM QUESTÃO SEJA CELEBRADO POR ADESÃO

Normalmente, quando duas pessoas, jurídicas ou privadas, desejam celebrar contratos discutem livremente as cláusulas e, aceitando-as, assinam o ajuste.


Ocorre que, em virtude de uma demanda exorbitante de contratos semelhantes que muitas empresas pactuavam, dentre elas, bancos, construtoras, etc., adveio o contrato de adesão, cuja liberdade das partes é bem minimizada.


Segundo exposição de Orlando Gomes (1972, p. 3):


“Contrato de adesão é o negócio jurídico no qual a participação de um dos sujeitos sucede pela aceitação em bloco de uma série de cláusulas, formuladas antecipadamente, de modo geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o conteúdo normativo e obrigacional de futuras relações concretas.”


A explicação deste mestre é perfeita no sentido de que, de fato, as partes não discutem cláusulas, que são pré-formuladas pela empresa contratada. Elas apenas aderem ao que já está escrito, submetendo-se, algumas vezes, a aberrações jurídicas, que já são objeto de nulidade.


Ressalte-se que, as cláusulas de um ajuste, enquanto o contrato não for aderido por algum comprador, ainda não configura contrato de adesão, recebendo, tão-somente, a denominação de condições gerais. Estas só passam a ter eficácia jurídica quando existe a adesão por parte do comprador.


No caso em tela, por exemplo, as cláusulas expostas para análise, são bastante comuns em contratos de compra e venda de imóveis que são objeto de uma incorporação e posterior construção.


Desta feita, aderindo o comprador ao contrato, as conclusões poderão ser as mais variadas possíveis, dependerá de como as partes se comportarão ao longo da construção, ou seja, se cumprirão as cláusulas contratuais.


Ab initio, vislumbra-se nas cláusulas violação aos princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato, na medida em que impõe ao comprador obrigações capazes de lesá-lo ou de ferir o seu direito. Vejamos, senão, o que dispõem os arts. 421 e 422, do Código Civil:


Art. 421 – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.


Art. 422 – Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”


Segundo o princípio da função social dos contratos, o contrato deve ser útil ao interesse público, ou seja, ainda que a autonomia da vontade das partes tenha que ser respeitada, esta nunca poderá prevalecer em relação à ordem social mais justa. Ao Poder Judiciário caberá contratar o conteúdo contratual sempre que este violar a função social exigida pela lei.


Para reforçar o disposto no art. 421, do Código Civil, o art. 2035 do mesmo Código dispõe que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.


Para Paulo Lobo, o referido princípio “determina que os interesses individuais das partes sejam exercidos em conformidade com os interesses sociais, sempre que estes se apresentem”.


Analisando as cláusulas do contrato de compra e venda de imóveis, verificam-se possibilidades de o comprador vir a ser prejudicado por força da cláusula. Por exemplo, na X.3, a compradora declara expressa, irrevogável e irretratável anuência às garantias constituídas em favor do financiamento bancário, sendo que uma delas é a hipoteca ou a alienação fiduciária da sua própria unidade. Se, porventura, o comprador terminar de pagar o imóvel antes que a construtora quite o agente financiador e, portanto, cancele a hipoteca, ele não poderá obter a propriedade do bem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis.


A primeira parte desta mesma cláusula também padece de legalidade no momento em que obriga o comprador a declarar sua expressa ciência dos fatos narrados pela vendedora. A referida cláusula é conhecida por “cláusula de presunção de conhecimento” e impede que, em uma ação que conteste a cláusula, o ônus da prova seja invertido.


Outra cláusula que representa claramente a ofensa ao princípio da função social dos contratos é a X.2 que dispõe que a hipoteca ou a alienação fiduciária abrangerá a totalidade do terreno e de todas as unidades autônomas que integram o empreendimento.


Se a garantia dada ao financiamento firmado entre agente financiador e a incorporadora for a hipoteca, a referida cláusula é nula, pois, conforme a Súmula 308, do STJ: “ A hipoteca firmada entre construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.


A referida Súmula ensejou inúmeros benefícios àqueles compradores de imóveis na planta, cujo contrato continha cláusulas como a X.2. É que quando a incorporadora não pagava o financiamento, restava ao comprador a responsabilidade de quitar o mencionado débito.


Por conta disto, o STJ entendeu que a hipoteca não seria válida, sob o fundamento de que:


“regras gerais sobre hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro de habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora”.


Se a garantia dada for a alienação fiduciária, não existe norma ou decisão que trate o caso da mesma forma que a Súmula 308, do STJ. Nesse caso, se houver inadimplência por parte da incorporadora, o banco terá a propriedade do bem? Esta é mais uma incerteza no mundo jurídico da compra e venda de imóveis na planta.


Diante disso, percebe-se que se esse mesmo contrato for aderido por várias pessoas, como normalmente acontece, as cláusulas “abusivas” passam a se disseminar entre outros adquirentes, o que poderá acarretar prejuízos a várias pessoas. Onde fica, então, o interesse social?


A boa-fé objetiva também é violada neste contrato no momento em que neste constam cláusulas preestabelecidas, capazes de lesar a parte compradora, consoante visto acima. Orlando Gomes, mais uma vez, declara que “ao princípio da boa-fé empresta-se ainda outro significado… que as partes devem agir com lealdade e confiança recíprocas.”


Todas as cláusulas retromencionadas são exemplos de violação da boa-fé objetiva. A X.1.1, por exemplo, a ofende quando dispõe que a responsabilidade pelo financiamento da construtora poderá ser repassado ao comprador. A referida declaração é, além de tudo, ambígua, conforme veremos na próxima questão. A X.2 quando o vendedor, ao impor ao comprador uma cláusula contrária a entendimento dos Tribunais Superiores, vai de encontro com um comportamento probo e leal.


Vejamos, senão, o que aduz o Egrégio Superior Tribunal de Justiça ao tratar da teoria da lesão do contrato:


“EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ART. 535, II, DO CPC. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. ART. 460, DO CPC. SENTENÇA EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE COMPRA E VENDA E CONTRATO DE MÚTUO. NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL. CONJUNTO HABITACIONAL PARQUE DOS COQUEIROS/RN. SÚBITA ELEVAÇÃO DE PREÇO DAS UNIDADES  HABITACIONAIS. SÚMULAS 05 E 07/STJ. 1.  Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, desde que os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. Inocorre violação do art. 460 do CPC se o aresto recorrido decide a lide nos limites do pedido formulado. 3.A lesão parcial do contrato determina a retirada da cláusula representativa do vício, in casu, consistente em aumento de 47%, desconhecido dos mutuários  e abusivo. ( Precedentes da Corte). 4. A teoria da lesão do contrato incide quando um dos contratantes é levado à realização de avença que lhe seja excessivamente desfavorável, o que em regra ocorre nos contratos de adesão, em que uma das partes é destituída da liberdade de estipular o conteúdo do contrato, como sói ocorrer com o mútuo oneroso. 5. A aferição da violação dos dispositivos apontados como infringidos impõe cognição fática, o que esbarra  nas Súmulas 5 e 7 deste Eg. STJ. 6. Recurso especial não conhecido.”


A violação de princípios como os que foram tratados acima ensejam o desequilíbrio das relações contratuais. O equilíbrio estabelece-se quando um dos contratantes não aufere vantagem manifestamente excessiva em relação ao outro, permanecendo firme o ideal de justiça que envolve nosso ordenamento jurídico.


Posto isto, não restam dúvida de que, ao assinar o contrato com as cláusulas, ora analisadas, o comprador poderá estará aderindo obrigações e anuindo atitudes que violam princípios basilares do Direito Contratual.


III-AMBIGÜIDADES E/OU CONTRADIÇÕES PRESENTES NAS CLÁUSULAS


Diz o art. 423, do Código Civil Brasileiro que “quando houver no contrato de adesão cláusulas ambíguas ou contraditórias, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente”.


Analisando as cláusulas do contrato de compra e venda de imóveis na planta, verifica-se que existem ambigüidade e contradição em seu bojo. Tal fato acontece na cláusula X.1.1 que trata da responsabilidade pelo pagamento do financiamento à produção, cuja redação é “a responsabilidade do pagamento do financiamento à produção é inicial e exclusivamente da vendedora, podendo ser objeto de repasse (sub-rogação na pessoa do comprador)”. E, ainda que, além desses defeitos, em minha opinião, esta cláusula apresenta omissão ao deixar de informar em que casos haverá a subrogação da responsabilidade da pessoa do comprador. Vejamos:


A contradição é percebida logo no início da cláusula quando responsabiliza exclusivamente o vendedor pelo pagamento do financiamento e depois afirma que este poderá ser repassado ao comprador. A contradição deve ser interpretada de modo a beneficiar o adquirente e aderente, ou seja, a pagamento do financiamento deverá limitar-se tão-somente ao vendedor.


Verifica-se a ambigüidade com a possibilidade do repasse ao comprador. Mas repasse de quê? A cláusula não deixou claro isso, possibilitando, assim, dupla interpretação.  A primeira no sentido de que o comprador ficará responsabilizado pelo pagamento do financiamento e a segunda no sentido de que, em caso de não pagamento da Construtora, o valor do contrato pago pelo comprador será repassado diretamente para a Construtora. Esta última interpretação é o que conhece por cessão de créditos.


Com uma simples leitura do texto, parece que a interpretação da cláusula é a primeira, qual seja, a de que o comprador ficará responsabilizado pelo pagamento do financiamento. Entretanto, a interpretação mais favorável ao aderente é a segunda, devendo, portanto, esta ser aplicada ao caso concreto.


IV-EXISTÊNCIA, NAS CLÁUSULAS, DE PREVISÃO DE RENÚNCIA ANTECIPADA DO ADERENTE AO DIREITO RESULTANTE DA NATUREZA DO NEGÓCIO.


Segundo Arnaldo Rizzardo (2005, p.107), “não são válidas as cláusulas que impõem a renúncia antecipada de qualquer direito; as que limitam o emprego de medidas judiciais; as desvantajosas e as leoninas. Nem surtem efeitos as que encerrem falta eqüidade nas prestações e limitam a perspectiva de futura discussão”.


Analisando as cláusulas do contrato de compra e venda de imóvel na planta, verificam-se que a X.2, a X.3 e a X.4 se coadunam com o disposto no art. 424, do Código Civil Brasileiro, que diz que “nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio”.


A X.2, conforme verificado acima, refere-se à garantia do financiamento pactuado entre a incorporadora e o agente financeiro. Segundo a cláusula, essa garantia incidirá sobre o terreno e as unidades autônomas. Na segunda parte da X.3, a compradora declara sua expressa, irrevogável e irretratável anuência à futura garantia.


Considerando estas cláusulas em conjunto, percebe-se que elas são desvantajosas para o comprador por vários motivos. Se, porventura, a incorporadora inadimplir o contrato de financiamento, o imóvel do comprador garantirá a dívida, ainda que ele já esteja totalmente quitado perante a construtora.


Se o imóvel ainda não estiver quitado por parte do comprador, da mesma forma a sua unidade autônoma ou fração ideal (se o imóvel não foi construído) garantirá o débito.


Em virtude de tais fatos é que o Superior Tribunal de Justiça “A hipoteca firmada entre construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.


A referida Súmula ensejou inúmeros benefícios àqueles compradores de imóveis na planta, cujo contrato continha cláusulas como a X.2. É que quando a incorporadora não pagava o financiamento, restava ao comprador a responsabilidade de quitar o mencionado débito.


Por conta disto, o STJ entendeu que a hipoteca não seria válida, sob o fundamento de que:


“regras gerais sobre hipoteca não se aplicam no caso de edificações financiadas por agentes imobiliários integrantes do sistema financeiro de habitação, porquanto estes sabem que as unidades a serem construídas serão alienadas a terceiros, que responderão apenas pela dívida que assumiram com o seu negócio, e não pela eventual inadimplência da construtora”.


Diante dos comentários acima realizados, verifica-se completa nulidades das cláusulas X.2 e X.3, parte final.


A parte inicial da cláusula X.3 também viola o disposto no art. 424, do CC ao impor ao comprador a declaração de sua expressa ciência dos fatos narrados pela vendedora ao longo contrato. Essa cláusula costuma estar em muitas avenças e comumente denominada de cláusula de presunção de conhecimento.


Não obstante sua freqüência dos contratos, ela deve ser considerada nula por estipular renúncia antecipada do comprador de discutir posteriormente as cláusulas em juízo. Conforme entendimento de Arnaldo Rizzardo (2005, p.107):


“A ninguém se permite decidir por outrem um direito pessoal, nem assumir compromisso de eterna validade de cláusulas contratuais. Os beneficiários ou sucessores não são obrigados a acatar a deliberação do contratante, coisa que a este se comina, pois imprevisível o futuro, embora tenha renunciado o direito de impugnar possíveis alterações do estatuto”.


Diante do exposto, conclui-se que as cláusulas, ora analisadas, são nulas em virtude de o contrato ensejar desvantagens e renúncia antecipada a direito resultante da natureza do negócio ao comprador.


V- FALÊNCIA DA VENDEDORA E PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO


Primeiramente, é imprescindível iniciar este tópico apresentando o conceito de incorporação imobiliária como ”a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas”.


O caso, ora analisado, trata-se de um típico caso de incorporação imobiliária, onde o vendedor, incorporador/construtor, celebra contrato de compra e venda de imóvel com o comprador, cujo objeto é a fração ideal que corresponderá a uma unidade autônoma.


Assim, quando uma construtora deseja realizar um empreendimento imobiliário destinado à venda das frações ideais, ela deve, antes de lançá-lo, registrar a incorporação na matrícula do imóvel no Ofício de Registro de Imóveis competente. Para tanto, deve anexar a Serventia uma série de documentos que comprovem a idoneidade do incorporador. Uma vez registrada a incorporação é que serão iniciadas as vendas aos possíveis adquirentes.


Não obstante ser esta uma prática corriqueira no mercado e que dá certa segurança para quem está adquirindo o imóvel, muitas vezes a incorporadora, que muitas vezes é a mesma construtora, entrava em processo de falência. A massa falida da empresa arrecadava o empreendimento, isto é, todo o patrimônio dos adquirentes das futuras unidades imobiliárias.


Em virtude disso é que, em 2 de agosto de 2004, foi editada a Lei nº 10.931, a qual regulamentou o patrimônio de afetação, cujo conceito, a opinião de Chahub (2003, p.81), é “uma universalidade de direitos e obrigações destinada ao cumprimento de determinada função, que opera integrada com o patrimônio geral”.


Na incorporação imobiliária, a função do patrimônio de afetação é dar segurança aos compradores em relação à conclusão e entrega da obra, respondendo pelo resultado com o patrimônio geral. Segundo Pedro Elias Avvad (2006, p.599):


“O lucro que vier a ser apurado com a incorporação, uma vez liquidado o patrimônio de afetação, atendimento dos direitos e obrigações, pertence ao incorporador. Se não for suficiente o patrimônio de afetação, o incorporador terá que extrair bens de seu patrimônio geral para atender aos compromissos decorrentes da construção das unidades”.


De fato, não há dúvida da segurança jurídica que os adquirentes de imóveis comprados na planta têm desde o advento desta nova Lei.


Somente a título de curiosidade, Pedro Elias Avvad (2006, p. 601) acrescenta que:


“O incorporador pode segregar o patrimônio antes de começar a negociar as unidades, fazendo-o logo que arquivado o memorial de incorporação do Registro de Imóveis, passando, então, o terreno, as acessões, as receitas provenientes de vendas das unidades a formar um núcleo patrimonial que, embora pertencente ao patrimônio geral do incorporador, tem autonomia e individualidade próprias”.


Desta feita, estando a incorporação devidamente registrada na matrícula do imóvel e havendo falência da incorporadora, o patrimônio de afetação não será arrecadado pela massa falida, podendo a obra ser concluída com os recursos existentes ou com os pagos pelos adquirentes.


Não obstante todos os comentários acima mencionados acerca das vantagens trazidas com advento do patrimônio de afetação, este instituto ainda não é unanimidade entre as incorporadoras, pois muitas fazem o empreendimento sem formalizá-lo. Nesse caso, se a empresa vai à falência, a obra poderá continuar, desde que os próprios adquirentes assumam o “problema”, formando uma Comissão de Representantes e contratando uma nova construtora (caso a incorporadora falidas seja a mesma construtora) para continuar a obra.


VI – CONCLUSÃO


Neste parecer foram analisadas algumas cláusulas retiradas de um contrato de compra e venda de imóveis de acordo com as normas do Código Civil Brasileiro e a Lei que instituiu o patrimônio de afetação.


Primeiramente, foram expostas algumas conclusões caso o comprador aderisse às cláusulas, ora estudadas. Vislumbrou-se aí a violação aos princípios da boa-fé, da função social do contrato e do equilíbrio contratual.


Depois foi analisada a presença de cláusulas ambíguas e contraditórias, bem como aquelas de declaram renúncia antecipada a direito que resulte do próprio contrato.


Por fim, foram elencadas as possíveis conseqüências decorrentes da falência da empresa vendedora. Nesse momento, apresentou- se o conceito de patrimônio de afetação, suas características e a relação entre este instituto e o caso, ora analisado.


Informações Sobre o Autor

Leonardo Ayres Santiago

Assistente Jurídico da Presidência do TRT/RJ – Analista Judiciário; Especialista em Direito da Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense e em Direito Processual Civil pela UVA; Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.


Equipe Âmbito Jurídico

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