Comércio eletrônico: novas perspectivas para a sua tributação

Resumo: Este trabalho discute o efeito do incremento do e-comerce sobre a repartição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O trabalho inicialmente apresenta o comércio eletrônico, em especial na sua modalidade de vendas diretas a pessoas físicas. Esta modalidade apresenta resultados de faturamento crescentes, impactando em perda de arrecadação do ICMS nos Estados destinatários destas operações. O trabalho discute os princípios constitucionais envolvidos, a legislação infraconstitucional, o contexto de sua elaboração, anterior a popularização da Internet e o seu impacto na sociedade e nas formas de se comercializar. Conclui-se que para atender ao princípio constitucional da redução das desigualdades regionais, o Sistema tributário necessita de revisão constitucional objetivando a repartição do ICMS nas operações interestaduais de vendas on-line destinadas a não contribuintes do Imposto.


Palavras-chave: Comércio eletrônico. Perda de arrecadação do ICMS. Desigualdades regionais.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Abstract: This paper discusses the effect of the increasing e-commerce on division of the Tax on Circulation of Goods and Services (ICMS). The work presents the e-commerce in particularly in its mode of direct sales to individuals. This mode presents the results of increasing revenue, impacting loss of revenue from the ICMS in the recipients of these operations. We discuss the constitutional principles involved, the legislation infra, the context of their development, prior to popularization of the Internet and its impact on society and ways to market. It is concluded that to meet the constitutional principle of reduce regional inequalities, the tax system needs constitutional revision aimed at distribution of ICMS interstate online sales to non-taxpayers.


Keywords: Ecommerce. Loss of revenue of the ICMS. Regional inequalities.


Sumário: 1. Introdução. 2. O Comércio eletrônico na atualidade. 2.1. Incremento de vendas no comércio eletrônico. 2.2 Fatores condicionantes. 2.3 A percepção de segurança e aumento das transações. 2.4. Compras coletivas. 3. A legislação tributária e as vendas interestaduais. 3.1. As desigualdades regionais e os Princípios Constitucionais. 3.2. O ICMS nas Importações por Pessoa Física. 3.3. O ICMS na venda Interestadual para Pessoa Jurídica. 3.4. O ICMS na venda Interestadual para pessoa física. 4. Convênios e Protocolos entre os Estados. 4.1. Convênio na venda de automóvel para consumidor fina. 5. Proposta de Emenda à Constituição (PEC). 6. Conclusão. Referências.


1. Introdução


Com o crescimento do comercio eletrônico na Internet, também denominado e-commerce, especialmente na modalidade de vendas interestaduais no varejo, surge uma distorção no sistema constitucional de divisão do ICMS – Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. O sistema de tributação do ICMS tem em si um princípio que objetiva a diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre regiões. Este princípio se dá pela aplicação de alíquotas menores nas operações de vendas interestaduais entre Estados membros da Federação. As operações de vendas destinadas a contribuintes do imposto nos Estados das regiões norte, nordeste, centro-oeste e ao Estado do Espírito Santo se dá a uma alíquota de 7% da base de cálculo do ICMS. O contribuinte nestes Estados ao realizar sua venda no varejo irá aplicar sua alíquota interna ao consumidor final. Esta alíquota pode ser de 17% no valor de sua venda, e esta diferença entre o débito pela venda (17%) e o crédito pela compra (7%) será recolhido ao Estado. As operações entre os Estados das regiões sul e sudeste, bem como as vendas dos Estados das demais regiões a aqueles primeiros, se dá a uma alíquota de 12%, para as vendas interestaduais a contribuintes. Esta diferença entre 7% e 12% contribui para diminuir as desigualdades regionais, transferindo uma parcela do ICMS destas operações para os Estados menos desenvolvidos.


Com a melhoria da infraestrutura e segurança nas transações na Internet, surgem as vendas interestaduais feitas diretamente ao consumidor final. O ICMS nestas operações se faz pela alíquota final de venda ao consumidor. Esta operação de venda se dá pela alíquota interna, por exemplo, 17%, e é devida integralmente ao Estado remetente. Como muitas das empresas de vendas pela Internet estão localizadas nos Estados mais desenvolvidos, estabeleceu-se hoje uma distribuição de riqueza às avessas: dos pobres para os ricos.


O Sistema de Tributário só prevê uma situação em que o consumidor final se vê sujeito ao recolhimento do Imposto de forma direta. Esta situação se dá na importação de bens do exterior. Este mecanismo foi criado como forma de incentivar a aquisição de produtos nacionais, onerando os importados. Hoje com um novo contexto de fortes vendas interestaduais pela Internet destinadas a consumidores finais, parece que se faz necessário adotar o princípio já regrado na importação para estas novas operações, ou uma nova forma de repartir o ICMS entre os Estados envolvidos, obediência ao mandamento Constitucional de diminuir as desigualdades regionais.


2. O Comércio eletrônico na atualidade


A Internet vem revolucionando diversas atividades. Ela facilita e multiplica a comunicação global entre pessoas e instituições. Estas possibilidades têm reflexos econômicos, principalmente através do comércio eletrônico, uma aplicação das tecnologias da informação direcionada para apoiar processos produtivos e transações de bens e serviços [1].


Através da Internet se comercializa tanto produtos tangíveis, quanto os intangíveis, neste caso principalmente aqueles em formato digital. O comércio eletrônico possibilita a articulação entre o desenvolvimento, a produção, a distribuição e as vendas de bens físicos, tais como livros, discos, automóveis e computadores, fazendo com que a negociação possa ser rápida e econômica. Na modalidade digital, a distribuição de bens e serviços intangíveis se faz a custos de reprodução e distribuição mínimos [1]. A negociação com bens intangíveis, com a dificuldade de rastrear a sua circulação, praticamente não encontra barreiras alfandegárias ou restrições.


2.1. Incremento de vendas no comércio eletrônico


Em países com melhor infraestrutura, onde a Internet se estabeleceu há mais tempo, como os Estados Unidos e em parte da Europa, o e-commerce já é sucesso. Segundo Felipine [2], nos Estados Unidos o faturamento de empresas com o comércio eletrônico já ultrapassa uma centena de bilhões de dólares. Neste número estão excluídos os setores de passagens aéreas, leilões on-line, jogos e outros setores fora do controle governamental.  


O comércio eletrônico no Brasil vem apresentando um crescimento vertiginoso. Em 2006 faturou-se 4,4 bilhões [2]. Em 2010 estima-se um faturamento 13,6 bilhões, o que representa um crescimento de mais de três vezes no período. A figura 1 mostra um crescimento médio acima de 30% ao ano. Nestes dados estão excluídas as vendas de automóveis, leilões on-line (Mercado Livre, E-bay, entre outros) e passagens aéreas. É uma infinidade de lojas virtuais vendendo roupas, bebidas, remédios, livros, CDs e eletrodomésticos, durante todos os dias da semana e a qualquer hora do dia. Parte destas vendas é destinada a consumidores de outros Estados, concorrendo com as economias locais, e sem a repartição do imposto sobre a circulação de mercadorias.



Figura 1: Evolução do faturamento do Varejo Online


Fonte: http://www.e-bit.com.br. Não considera as vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line.


2.2 Fatores condicionantes 


Segundo Tigre [3], o comércio na Internet tem sua viabilização dependente da transposição de importantes barreiras técnicas, culturais e de infra-estrutura. “A rede revoluciona não só a noção de tempo e espaço como também os fundamentos organizacionais das empresas que se propõem a explorar tais atividades” [3].


Tigre [1] ainda destaca como fatores condicionantes à difusão da Internet e em consequência o incremento de operações comerciais tendo a mesma como suporte:


– Infraestrutura de telecomunicações;


– Nível educacional e capacitação tecnológica;


– Distribuição de renda;


– Disponibilidade local de hardware e software;


– Política governamental. 


Considerando o quanto ainda precisa ser feito, principalmente em regiões menos favorecidas, para atender a estes fatores condicionantes, é fácil avaliar que ainda há muito espaço para o crescimento da modalidade de comércio eletrônico no Brasil.


O Brasil já é hoje um dos países com maior número de usuários acessando a Internet, apresentando um crescimento percentual de 900%, para o período de 2000 a 2008, mas ainda longe da marca de mais de 15% de usuários dos países melhores posicionados, conforme a Tabela 1.


 


2.3 A percepção de segurança e aumento das transações


Segundo Diniz [3], a falta de confiança dos consumidores também diz respeito à segurança dos sistemas de comércio eletrônico. “Ainda existe a percepção entre os consumidores de que as redes de computadores estão sujeitas a ataques constantes de pessoas ou grupos interessados em roubar ou adulterar informações” [3]. Apesar desta percepção, com o aumento das operações seguras e criptografadas, e com a confiança que as operações bancárias de Internet-banking são realizadas, os consumidores vêm passando por uma mudança de perfil. A Tabela 2 mostra que a quantidade de pessoas conectadas a Internet vem crescendo em relação à população brasileira. Dados de 2008 mostram que 26,1% da população são Internautas, totalizando 50 milhões.


 


 O aumento da confiança nas transações feitas na Internet pode ser observada pela Tabela 3, que mostra que em 2010 já existiam 23 milhões de consumidores on-line no Brasil. Esta evolução se dá a uma taxa de crescimento superior a taxa de crescimento de pessoas conectadas à Internet, comparada com a população.


 


Segundo a Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [4], aprovada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), “O crescimento da oferta de serviços ao consumidor é manifesta. A proporção de empresas que utilizam a Internet para oferta de serviços ao consumidor aumentou de 56% em 2007 para 64% em 20085. Para a continuação dessa expansão, a universalização do acesso é fundamental; é essencial que a Internet seja acessível e segura a todos os cidadãos e às empresas”.


2.4. Compras coletivas


A Internet revoluciona as formas de se comerciar. Visando aumentar o poder de barganha, os consumidores podem realizar uma compra coletiva, obtendo assim bons descontos, intermediados por uma empresa virtual. Deste modo, além da venda direta ao consumidor, segundo a Revista Veja [5], surge agora o novo fenômeno das compras coletivas na Internet. Segundo esta reportagem, o Brasil apresenta uma economia em expansão, onde 35 milhões de consumidores recém-chegados a classe C, com uma atração muito forte pelas redes sociais (maior canal para divulgação desta forma de vendas) formam o mercado desta forma de venda direta. Estima-se que o número de sites do setor chegue a 2000 em dezembro de 2011, com 20 milhões de brasileiros cadastrados e um faturamento de um bilhão de reais [5].


O comércio eletrônico pode ser dividido em dois blocos principais. No primeiro bloco estão as transações de compra e venda de produtos entre empresas [1]. Em geral com um volume relativamente baixo de transações de alto valor financeiro. Quando estas operações são realizadas entre os Estados da Federação, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) se faz com alíquotas interestaduais, com a divisão do imposto e obediência ao princípio constitucional da diminuição das desigualdades sócio-econômicas entre regiões. No segundo bloco estão as transações entre empresas e consumidores finais, que se caracterizam por um alto volume de transações, com baixo valor financeiro envolvido em cada uma delas. Estas operações, quando destinadas a consumidores finais localizados em outro Estado, se realizam com a alíquota interna do Estado remetente, não cabendo mais nenhum ICMS ao Estado destinatário.


3. A legislação tributária e as vendas interestaduais


A Carta de Princípios do Comércio Eletrônico [4], aprovada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), já manifesta preocupação em relação à regulação, segundo a mesma “os obstáculos advêm da inexistência de legislação específica para o comércio eletrônico e da aplicação não uniforme das leis existentes. Esses obstáculos geram incerteza quanto ao regime jurídico aplicável aos serviços da sociedade da informação e por isso criam insegurança jurídica”.


A legislação infraconstitucional existente e disciplinadora do ICMS é complexa e reflete um contexto anterior ao forte incremento de operações comerciais originadas na Internet.  As Leis e Regulamentos do ICMS, na esfera estadual e no Distrito Federal, recebem a competência para a instituição do ICMS no Art. 1º da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996, que disciplina sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências (Lei Kandir).


 “Art. 1º Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.”


3.1. As desigualdades regionais e os Princípios Constitucionais


O crescimento do comércio eletrônico nos últimos anos fez aumentar, ainda mais, as desigualdades entre os Estados da Federação, pois, os estabelecimentos comerciais que fazem a distribuição de mercadorias pela via do comércio eletrônico se concentram nas regiões Sul e Sudeste. Estas lojas vendem os produtos aos demais Estados com alíquota interna do ICMS, fato esse que concentra toda a arrecadação do imposto no Estado de origem das mercadorias, não contemplando, portanto, o Estado do adquirente. Tal prática comercial irreversível de vendas pela internet, fez com que os Estados consumidores dos produtos se articulassem para a parcela do ICMS que, nestas operações, não é mais transferida.


A Constituição Federal de 1988 [8] firmou, como um dos seus títulos, a ordem econômica e financeira. Para Pinheiro [6], são verdadeiros princípios de direitos humanos (ou fundamentais) a uma ordem econômica justa e razoável, que obedeça a critérios de ordem pública, sujeitando-se os atores da atividade econômica nacional às regras e princípios legais e constitucionais.  O Art. 170, VII, da Constituição estabelece como princípio a redução das desigualdades regionais e sociais, in verbis:


Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)


VII – redução das desigualdades regionais e sociais


A Carta estende aos atores econômicos um dos objetivos do Estado, que é reduzir as desigualdades sociais e regionais.  Os agentes financeiros devem, através de suas atividades, irem ao encontro das desigualdades para tentar minimizá-las, sobretudo quando o Estado já tenha dirigido e orientado aos agentes os atos a serem realizados por eles.


Dentre as limitações constitucionais ao poder de tributar, o princípio da legalidade é, unanimemente, considerado o mais importante. Determina o princípio que somente a lei é instrumento hábil para a criação e, regra geral, a majoração de quaisquer tributos. Assim, estabelece a CF 88 [8] em seu art. 150, I:


Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:


I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.


Portanto, fica afastada a possibilidade de o Poder Executivo, por ato administrativo próprio (decreto, regulamento, instrução normativa), gravar, mediante criação de tributos, o patrimônio dos particulares.


Não obstante a este princípio, os Estados Federados, prejudicados pela prática do comércio eletrônico de venda interestadual a não contribuinte, tentam tributar a prática de tal comércio.   Este ato se fundamenta nas crescentes perdas de receitas do ICMS, pela transferência de receita do ICMS dos Estados consumidores para os grandes centros fornecedores de mercadorias via comércio eletrônico.


Segundo Behrndt [9], os Estados de Mato Grosso e do Ceará que, por meio dos respectivos Decretos 2.033/09 e 29.817/09, criaram obrigações tributárias, supostamente de mera fiscalização, mas que autorizam a tributação pelo ICMS destas vendas interestaduais, sob alíquotas que variam de 7,5% a 18%, a depender do Estado e da operação.


A Constituição Federal de 1988 garante, portanto, o aspecto da cobrança no Estado de origem, in verbis:


Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…)


II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (…)


§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (…)


VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:


a) a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto;


b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele


VIII – na hipótese da alínea “a” do inciso anterior, caberá ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual”;


As vendas interestaduais a consumidor final, aplica-se a regra do artigo supracitado (art.155, II, § 2º, VII e VIII). Portanto, alíquota interna do Estado de origem das mercadorias, não distribuindo o produto da arrecadação ao Estado adquirente da mercadoria na aquisição feita pelo consumidor final, não contribuinte do ICMS.


A partir do ano de 2002 as vendas interestaduais a consumidor final, não contribuinte do ICMS, vêm crescendo e é uma tendência de não parar de crescer, isso faz com que os demais Estados consumidores transfiram renda para os Estados onde inicia a operação da mercadoria, fato esse que fomenta mais a desigualdade, no que se diz respeito à distribuição de riquezas, entre os Estados da Federação. A maioria dos Estados da Federação transferem riquezas para uma minoria nestas operações de comércio eletrônico.


3.2. O ICMS nas Importações por Pessoa Física


Vale lembrar que nas operações de importação a Constituição, de forma a proteger o mercado interno, coloca a pessoa física como responsável pelo recolhimento do ICMS. No texto Constitucional, na entrada de bem ou mercadoria incidirá o ICMS, tanto para pessoa física quanto para jurídica. O texto também destina o ICMS, nas importações, ao Estado de destino da mercadoria ou serviço, conforme CF art. 155, II, § 2º, IX, “a”, in verbis:


IX – incidirá também:


a) sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço;


b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”.


O texto constitucional explicita que o ICMS pertence integralmente ao Estado de destino das mercadorias independentemente de onde ocorreu o desembaraço da mercadoria. Porém, diferentemente, com as vendas interestaduais para consumidor final, não contribuinte do ICMS, o imposto pertence integralmente ao Estado de origem da operação. No contexto atual de incremento de vendas no e-commerce, este regramento causa distorções na distribuição de receitas do ICMS nos Estados da Federação e no Distrito Federal.


Ainda com relação aos serviços de importação, o texto constitucional esclarece: “sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios”. (CF art. 155, II, § 2º, IX, “b”). Assim, os serviços com incidência do ICMS serão aqueles não compreendidos na competência dos Municípios. 


3.3. O ICMS na venda Interestadual para Pessoa Jurídica  


As vendas interestaduais para contribuinte[1] do imposto obedecem ao princípio constitucional da não-cumulatividade do ICMS. Conforme CF art. 155, II, § 2º, I, in verbis:


“§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:


I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal”.”


Assim, as alíquotas para as operações interestaduais serão de 7% e 12% e serão compensadas pelas alíquotas internas de cada Estado, utiliza-se do mecanismo de débito e crédito.


3.4. O ICMS na venda Interestadual para pessoa física


Nas vendas interestaduais para contribuinte do imposto o texto constitucional expressa literalmente: “a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto”. (CF art. 155, II, § 2º, VII, “a”). Nas aquisições interestaduais para consumo ou incorporação ao ativo fixo de contribuinte do ICMS, este recolhe ao Estado onde está localizado o diferencial de alíquota, desse modo, não há prejuízo para o Estado adquirente. Já nas operações para consumidor final, não contribuinte do ICMS, assim, expressa o texto constitucional: “a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele”. (CF art. 155, II, § 2º, VII, “b”). Nesse caso, a operação é realizada com alíquota cheia, alíquota interna do Estado onde se originou a operação. Nesse aspecto, o Estado onde iniciou a operação fica com todo valor da operação.


Estes mandamentos constitucionais foram estabelecidos em um contexto anterior, onde as vendas pela Internet eram de menos de R$550 milhões (2001) para mais de 13,6 bilhões (2010), segundo a pesquisa da evolução do faturamento do varejo on-line, que não considera as vendas de automóveis, passagens aéreas e leilões on-line [7].


4. Convênios e Protocolos entre os Estados 


O ICMS é um imposto não cumulativo onde, em cada operação o contribuinte se credita na aquisição e se debita na venda. A diferença entre o débito e o crédito é recolhida ao Estado. Visando principalmente simplificar os mecanismos de arrecadação e fiscalização, podem ser instituídos regimes de substituição tributária Nestes regimes compete a um contribuinte do imposto encerrar as fases de tributação até o consumidor final. Em produtos com grande capilaridade de distribuição e poucos fabricantes, se torna vantajoso para o fisco o regime de substituição tributária. Nas operações interestaduais basta uma inscrição de substituto tributário no Estado destinatário da operação, ou uma Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE) acompanhando a Nota Fiscal, que a parcela do ICMS será creditada ao Estado destinatário.  O regime da substituição tributária do ICMS deve ser instituído por meio de lei estadual para aplicação interna no Estado, mas para sua aplicação interestadual depende da celebração de Convênio [15].


A previsão legal que possibilita a regulamentação do regime interestadual por meio de convênios se verifica no artigo 150 § 6º, combinado com o artigo 155, § 2º, XII, letra “g”, da Constituição Federal e com o artigo 1º da Lei Complementar nº 24/75 [16], que dispõem que os benefícios fiscais do ICMS somente poderão ser concedidos ou revogados através de Convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal [15].


Nos termos do artigo 100, inciso IV, do Código Tributário Nacional (CTN) [10]:


Art. 100. São normas complementares das leis, dos tratados e das convenções internacionais e dos decretos: (…)


IV – os convênios que entre si celebrem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios.”


Somente após aprovados pelo Legislativo, os convênios passam a ter eficácia, pois é o Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal que, ratificando o Convênio, o estabelecem como válido naquele Estado ou no DF.


O CONFAZ[2] é o órgão responsável por promover os convênios e pela celebração dos mesmos para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do imposto. O Conselho é constituído por representante de cada Estado e Distrito Federal e um representante do Governo Federal. O CONFAZ pode, em assunto técnico, delegar, expressamente, competência à Comissão Técnica Permanente do ICMS – COTEPE/ICMS para decidir, exceto sobre deliberação para concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais [11].


O Regimento do CONFAZ, que estabeleceu as diretrizes relativas às reuniões e demais procedimentos inerentes à elaboração e a ratificação dos convênios, também reservou um capítulo para dispor sobre os Protocolos e permitiu, a duas ou mais Unidades da Federação a realização deste tipo de acordo para estabelecer procedimentos comuns, visando [15]:


a) implementar políticas fiscais definidas em convênio;


b) estabelecer permuta de informações e fiscalização conjunta;


c) fixar ou estabelecer critérios para fixação de pautas fiscais. 


4.1. Convênio na venda de automóvel para consumidor final


Com a finalidade de evitar o desequilíbrio na repartição do ICMS entre os Estados, que se iniciou com o aumento das vendas de automóveis direto para o consumidor final, estabeleceu-se o Convênio ICMS nº 51, de 2000 [12]. Nele se estabeleceu a disciplina relacionada às operações com veículos automotores novos, efetuadas por meio de faturamento direto. Estas disposições aplicam-se, exclusivamente nas operações de aquisições de veículos novos diretamente da montadora, efetuadas por pessoas físicas e pessoas jurídicas não contribuintes do ICMS em que:


1. A entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação;


2. A operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos.


Conforme cláusula primeira do Convênio:


Cláusula primeira: Em relação às operações com veículos automotores novos, constantes nas posições 8429.59, 8433.59 e no capítulo 87, excluída a posição 8713, da Nomenclatura Brasileira de Mercadoria/Sistema Harmonizado – NBM/SH, em que ocorra faturamento direto ao consumidor pela montadora ou pelo importador, observar-se-ão as disposições deste convênio.


§ 1º O disposto neste convênio somente se aplica nos casos em que:


I – a entrega do veículo ao consumidor seja feita pela concessionária envolvida na operação;


II – a operação esteja sujeita ao regime de substituição tributária em relação a veículos novos.


§ 2º A parcela do imposto relativa à operação sujeita ao regime de sujeição passiva por substituição é devida à unidade federada de localização da concessionária que fará a entrega do veículo ao consumidor.


§ 3º A partir de 1º de julho de 2008, o disposto no § 2º aplica-se também às operações de arrendamento mercantil (leasing).”


5. Proposta de Emenda à Constituição (PEC)


A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), de autoria do Deputado Luiz Carreira, filiado ao DEM/BA, que tramita no Congresso Nacional tem como pretensão revogar a alínea “b” do Art. 155, II, § 2º, VII, que trata das operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, vendas para não contribuintes [13].


Essa Proposta objetiva modificar o regime de tributação nas operações interestaduais decorrentes de vendas para o consumidor não contribuinte do ICMS, inclusive por meio eletrônico, estabelecendo que nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual (7% ou 12%) e caberá ao Estado de localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual.


6. Conclusão


A Internet vem revolucionando a sociedade moderna. Novas formas de realizar negócios surgem e entre elas o comércio eletrônico ou e-commerce, que com seu rápido crescimento deu início a situações não previstas na legislação existente. A natureza da Internet é dinâmica e sob certos aspectos também é volátil, ou seja, novas formas negócios surgem, mas empresas também podem desaparecer. Na área de operações mercantis, a Internet permitiu o acesso de pessoas físicas, a qualquer dia e hora, a uma diversidade produtos e de estabelecimentos de vendas on-line, de qualquer lugar do planeta.


Com este novo cenário de negócios surgem também novas demandas de marco regulatório. No tocante à regulação relativa à Tributação, nem sempre é possível regular devido a impossibilidade de se rastrear operações com produtos intangíveis em formato digital. Para as operações de comércio eletrônico que envolve o ICMS, com bens e mercadorias tangíveis, vem sendo observadas elevadas taxas de crescimento e valores significativos.


Junto com o aumento das operações de e-commerce surgem distorções no marco regulatório. Muitas destas operações envolvem distintos Estados da Federação e são relativas a vendas diretas a pessoas físicas, não contribuintes do ICMS. Em obediência a legislação posterior a Constituição Federal de 1988, estas operações são realizadas na alíquota interna do Estado remetente, nada mais sendo devido ao Estado destinatário. Isto parecia razoável no contexto da época, de baixo volume de operações interestaduais diretas a consumidor final, pessoa física. Com as operações de comércio eletrônico na casa dos R$13 bilhões (2010), e crescendo com a melhoria da segurança e da infraestrutura de Internet, as economias dos Estados importadores, em sua maioria fracas, passam a transferir riqueza para as economias mais fortes, dos Estados de localização da maioria dos estabelecimentos de e-commerce.


A Constituição de 1988 tem como um de seus princípios a busca pela redução das desigualdades regionais e sociais. O Sistema Tributário, em atendimento ao princípio constitucional, estabeleceu diferença de alíquotas nas operações de circulação de mercadorias entre Estados localizados em regiões, de forma a beneficiar àqueles em regiões menos desenvolvidas sócio-economicamente. Isto ocorre para operações entre agentes contribuintes do ICMS, mas quando a operação tem como destinatário pessoa física em outro Estado, o imposto é devido ao Estado remetente. Isto se justificava, pois não seria possível cobrar o imposto do consumidor final, não inscrito nas administrações estaduais da fazenda, e devido ao reduzido valor envolvido à época. Neste contexto o legislador estendeu a incidência do ICMS à pessoa física, somente na importação de bens e mercadorias do exterior, e mesmo nesta situação, sendo devido o imposto ao Estado destinatário.


Alguns Estados destinatários das operações interestaduais de vendas a pessoa física, vem editando leis e regulamentos sabidamente inconstitucionais, como forma de corrigir as distorções na divisão do ICMS. A recente proposta de emenda à Constituição (PEC), de autoria do Deputado Luiz Carreira, é a forma legal de corrigir esta distorção, porém talvez não seja de aprovação fácil no Congresso Nacional, face aos interesses conflitantes entre os Estados envolvidos.


Uma forma alternativa seria a instituição, pelo CONFAZ, de um Convênio entre Estados para disciplinar estas operações, por meio da instituição de um regime de substituição tributária. Um exemplo de sua possibilidade é o Convênio ICMS nº 51, de 2000, disciplinou operações semelhantes com a venda interestadual de veículos novos a não contribuintes do Imposto. Este Convênio corrigiu a distorção, garantindo o recolhimento do imposto ao Estado destinatário. A sua operacionalização é relativamente fácil por se tratar de operação de faturamento direto para o consumidor, com entrega na concessionária local, sendo a montadora do veículo substituto tributário. Nas operações de vendas interestaduais diretas a consumidor final, não contribuinte do Imposto, os Estados remetentes signatários deste possível convênio, remeteriam, via Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais (GNRE), a parcela do ICMS que coubesse ao Estado destinatário.


 


Referências

[1] Tigre, Paulo Bastos. Comércio Eletrônico e Globalização: desafios para o Brasil.

[2] Felipine, Dailton. ABC do e-commerce: os quatro segredos de um negócio bem sucedido na Internet.

[3] Diniz, Eduardo Henrique. Comércio Eletrônico: Fazendo Negócios por meio da Internet. Scielo.

[4] Fórum do Comércio Eletrônico (FCE). Carta de Princípios do Comércio Eletrônico. Disponível em: http://noticias.pgr.mpf.gov.br//noticias/noticias-do-site/copy_of_pdfs/carta-principios.pdf .>. Acesso em 05 mar. 2011.

[5] Betti, Renata. Agora a liquidação é em casa. Revista Veja, Ed. 2204, ano 44, nº7, 16/02/2011.

[6] PINHEIRO, Marcio Alves. O direito empresarial e seus princípios constitucionais. Jus Vigilantibus, 31 mar. 2008. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/32517>. Acesso em 22 fev. 2011.

[7] Evolução da Internet e do e-commerce. Disponível em: http://www.e-commerce.org.br/stats.php>. Acesso em 23 fev. 2011.

[8] BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 06 nov. 2010.

[9] Behrndt, Marco Antônio. E-Commerce sofre com a guerra fiscal. Disponível em: < http://www.ipnews.com.br/telefoniaip/index.php?option=com_k2&view=item&id=3432:e-commerce-sofre-com-a-guerra-fiscal>. Acesso em 03 mar. 2011.

[10] BRASIL, CTN – Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm>. Acesso em 11 nov. 2010.

[11] Convênios ICMS – o que são? Como funcionam? Equipe Portal Tributário. Disponível em: <http://www.portaltributario.com.br/guia/conveniosicms.htm>. Acesso em 25 fev. 2011.

[12] Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ. Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/confaz>. Acesso em 25 fev. 2011.

[13] Artigo: Proposta de emenda à Constituição prevê nova regra tributária para o comércio eletrônico< http://cidadebiz.ig.com.br/conteudo_detalhes.asp?id=42800>. Acesso em 26 fev. 2011.

[14] BRASIL, Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/LCP/Lcp87.htm>. Acesso em 11 nov. 2010

[15] Bezerra, Sandra Regina Alencar Guarita. Tributário – Substituição Tributária – Diferenças entre Convênio e Protocolo. Disponível em: <http://www.dtadvogados.com.br/dtadvogados/Portugues/detNoticia.php?codnoticia=43&PHPSESSID=21a7438f927001f496a008f5a292d941>. Acesso em 05 mar. 2011.

[16] BRASIL, Lei Complementar nº 24, de 7 de janeiro de 1975. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp24.htm>. Acesso em 05 mar. 2011.


Nota:

[1] Qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

[2] Conselho Nacional de Política Fazendária

Informações Sobre os Autores

Francisco Carlos de Alexandria

Especialista em Auditoria Fiscal Contábil pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais de Maceió e em Gestão Fazendária pela UFAL. Fiscal de Tributos Estaduais na SEFAZ-AL

Sergio Silva de Carvalho

Mestre em Ciência da Computação pela UFPE e Especialista em Gestão Fazendária pela UFAL. Fiscal de Tributos Estaduais na SEFAZ-AL


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
Equipe Âmbito Jurídico

Recent Posts

Demissão por justa causa

A demissão por justa causa é a rescisão do contrato de trabalho motivada por uma…

5 minutos ago

Vender vale transporte pode dar justa-causa

O vale-transporte é um benefício obrigatório previsto na legislação brasileira e tem como objetivo garantir…

12 minutos ago

Sou obrigado a chamar um advogado de doutor

Uma das dúvidas mais comuns entre clientes e até mesmo entre profissionais de outras áreas…

3 dias ago

Trabalho aos domingos na CLT

A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) regula o trabalho aos domingos, prevendo situações específicas…

3 dias ago

O que é abono de falta

O abono de falta é um direito previsto na legislação trabalhista que permite ao empregado…

3 dias ago

Doenças que dão atestado de 3 dias

O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…

3 dias ago