No Direito Penal, os crimes comissivos por omissão ocorrem quando o agente, embora não pratique diretamente a ação típica, responde como se tivesse praticado ativamente o crime, em razão de ter o dever legal ou contratual de agir e evitar o resultado. Ou seja, trata-se de uma omissão que gera responsabilização como se fosse uma conduta comissiva, por isso o nome “comissivo por omissão”. Esse tipo de crime tem base legal, doutrinária e jurisprudencial sólida, e está ligado à figura do “garante” — aquele que tem o dever jurídico de agir e impedir o resultado.
O crime comissivo por omissão é aquele em que o agente, por deixar de agir quando tinha o dever jurídico de fazê-lo, responde penalmente como se tivesse praticado a conduta descrita no tipo penal. O fundamento está no artigo 13, §2º, do Código Penal Brasileiro, que trata da equivalência entre ação e omissão nos casos em que há dever legal de agir.
Dessa forma, mesmo sem praticar diretamente o ato, a simples abstenção em evitar o resultado configura o crime. Essa modalidade se distingue dos crimes omissivos próprios, nos quais a omissão em si já configura o crime, como o caso do abandono de incapaz.
Exemplo clássico: um pai vê seu filho se afogar e, podendo salvá-lo sem risco, não age. Ele responde como se tivesse causado diretamente a morte por afogamento, mesmo que tenha apenas se omitido.
O artigo 13, §2º, do Código Penal estabelece que:
“A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.”
Essa disposição legal fundamenta a responsabilização por crime comissivo por omissão, criando a figura do garante — aquele que possui o dever legal de agir.
É essencial distinguir entre crimes omissivos próprios e crimes comissivos por omissão.
Omissivos próprios: a omissão é o núcleo da conduta típica. Exemplos incluem omissão de socorro (art. 135 do CP), abandono de incapaz (art. 133) e omissão de dever legal. A responsabilização ocorre pela omissão em si.
Comissivos por omissão: o tipo penal pressupõe uma ação, mas o agente, por omissão, é responsabilizado como se tivesse agido. Exemplo: homicídio por omissão (pai que não alimenta o filho e o deixa morrer).
Nos comissivos por omissão, a omissão equivale à ação por haver o dever jurídico de agir. Nos omissivos próprios, qualquer pessoa, em regra, pode ser responsabilizada, mesmo sem relação jurídica direta com a vítima.
Só pode ser responsabilizado por um crime comissivo por omissão aquele que tiver posição de garante, ou seja, um dever jurídico de impedir o resultado. O Código Penal aponta três hipóteses principais para a configuração desse dever:
É o caso de pais em relação aos filhos, médicos em relação aos pacientes, policiais em relação aos detidos, entre outros. A lei impõe diretamente o dever de agir.
Exemplo: um agente penitenciário que observa um preso ser espancado e não intervém pode ser responsabilizado por lesão corporal ou homicídio comissivo por omissão.
Trata-se de situações em que, voluntariamente, a pessoa assume o dever de agir, mesmo que não tivesse a obrigação legal. É o caso do salva-vidas, do babá, do cuidador contratado.
Exemplo: um salva-vidas contratado por um condomínio que vê alguém se afogando e nada faz pode responder por homicídio comissivo por omissão.
Quando a própria conduta do agente gera o risco de produção do resultado, nasce o dever de evitá-lo. O caso típico é o de quem provoca um acidente e abandona a vítima.
Exemplo: alguém acende uma fogueira e vai embora sem apagá-la; se o fogo se espalha e causa mortes, pode ser responsabilizado por homicídio por omissão.
Para que uma omissão gere responsabilidade penal nos moldes do crime comissivo por omissão, é necessário que:
O resultado seja típico e previsto em lei (como homicídio, lesão corporal, estupro, etc.);
O agente tenha dever jurídico de agir;
O agente possa agir e evitar o resultado, sem risco a si ou a terceiros;
A omissão seja voluntária, consciente, e cause o resultado;
Haja nexo de causalidade entre a omissão e o resultado.
A ausência de qualquer um desses elementos pode afastar a responsabilidade penal do omitente.
Diferente da ação, em que o agente causa diretamente o resultado, na omissão o nexo de causalidade é presumido: exige-se que a conduta omitida fosse capaz de evitar o resultado.
Em termos práticos, é necessário provar que, se o agente tivesse agido, o resultado não teria ocorrido. Essa é uma análise complexa e muitas vezes depende de provas técnicas ou testemunhais.
Exemplo: se um médico deixa de atender um paciente em estado grave e ele morre, deve-se verificar se o atendimento teria condições reais de salvar a vida do paciente. Se sim, há nexo causal.
Em regra, os crimes que resultam em lesão ou perigo concreto podem ser cometidos por omissão, desde que o agente esteja na posição de garante. São eles:
Homicídio (art. 121);
Lesão corporal (art. 129);
Estupro (art. 213);
Tortura (Lei 9.455/97);
Corrupção de menores (art. 218);
Crimes ambientais;
Crimes contra a administração pública (em casos específicos).
Por outro lado, crimes que exigem ação direta e pessoalidade do agente, como falso testemunho ou latrocínio (que exige subtração), não admitem essa forma de execução por omissão.
Médicos, enfermeiros e cuidadores podem responder por omissão quando deixam de prestar socorro, aplicar tratamento, ou agir diante de risco iminente à vida do paciente.
Exemplo: um médico plantonista que se recusa a atender uma urgência por cansaço pode responder por homicídio comissivo por omissão, se a omissão resultar na morte do paciente.
Pais, tutores e responsáveis legais têm o dever jurídico de cuidar de menores ou incapazes. A omissão no dever de alimentar, medicar ou proteger pode gerar responsabilização.
Exemplo: uma mãe que vê o companheiro agredir seu filho e não intervém pode ser responsabilizada por lesão corporal ou mesmo homicídio, dependendo do resultado.
Policiais, agentes penitenciários e seguranças têm dever legal de proteger pessoas sob sua custódia. A omissão diante de agressões, torturas ou mortes pode gerar responsabilidade penal direta.
Exemplo: policiais que presenciam linchamento e não atuam podem ser processados como autores do homicídio comissivo por omissão.
O entendimento dos tribunais superiores consolida a possibilidade de punição por comissivos por omissão quando há posição de garantidor e possibilidade de evitar o resultado.
Exemplo do STJ:
A Sexta Turma já decidiu que o pai que se omite diante de maus-tratos da madrasta à filha menor pode responder por omissão imprópria, em razão do dever legal de proteção (HC 268.459/SP).
Exemplo do STF:
O Supremo Tribunal Federal também reconhece a responsabilização penal de médicos e agentes públicos em situações de omissão quando há nexo entre a conduta e o resultado.
Apesar de consagrada na doutrina e jurisprudência, a responsabilização por comissivos por omissão ainda gera debates, principalmente quanto ao nexo causal e à subjetividade na análise do dever de agir.
Alguns penalistas defendem que a imputação deve ser restrita a casos claros, para evitar excesso punitivo e insegurança jurídica. Outros sustentam que o instituto é fundamental para coibir omissões socialmente reprováveis, especialmente em casos de negligência grave.
Um caso marcante no Brasil foi o da mãe de Isabella Nardoni, morta em 2008. Ainda que o pai e a madrasta tenham sido condenados por homicídio doloso, muitos defenderam que, caso a mãe tivesse conhecimento dos abusos e nada fizesse, poderia ser responsabilizada por omissão.
Outro exemplo conhecido é o de médicos que se recusam a atender emergências em hospitais públicos, gerando mortes evitáveis. Nesses casos, o Ministério Público já denunciou profissionais por homicídio comissivo por omissão.
O Ministério Público tem papel fundamental na investigação e denúncia de crimes comissivos por omissão. Dada a complexidade de comprovar o nexo causal, promotores buscam reunir:
Provas documentais (prontuários, relatórios);
Testemunhos;
Perícias técnicas;
Elementos que demonstrem o dever jurídico e a possibilidade de agir.
O MP também pode celebrar acordos de não persecução penal (ANPP), conforme o caso e o resultado da omissão.
O que são crimes comissivos por omissão?
São crimes em que o agente responde como se tivesse praticado a conduta típica ativa, por ter deixado de agir quando tinha o dever legal de impedir o resultado.
Qual a diferença entre omissão própria e comissiva por omissão?
Na omissão própria, a simples omissão é o crime. Na comissiva por omissão, a omissão gera responsabilidade como se fosse ação, desde que o agente tenha dever de agir.
Qual é o fundamento legal dos crimes comissivos por omissão?
O artigo 13, §2º, do Código Penal Brasileiro.
Quem pode responder por comissivo por omissão?
Apenas quem possui posição de garantidor: pais, médicos, cuidadores, agentes de segurança, entre outros.
É preciso que o resultado ocorra para haver responsabilização?
Sim, pois se trata de crime material — exige resultado naturalístico, como morte ou lesão.
Há jurisprudência sobre comissivos por omissão?
Sim, há diversas decisões do STJ e STF reconhecendo a responsabilidade por omissão quando presentes os requisitos legais.
É possível aplicar o crime comissivo por omissão em empresas?
Sim, se houver omissão de dirigentes ou responsáveis por segurança, especialmente em casos de acidentes evitáveis, como incêndios e colapsos estruturais.
Os crimes comissivos por omissão representam uma importante ferramenta do Direito Penal para responsabilizar aqueles que, tendo o dever legal de agir, se abstêm e permitem a ocorrência de um resultado típico e grave. O instituto busca garantir a função de proteção das normas penais e impedir que omissões relevantes passem impunes.
Para que haja responsabilização, é indispensável que o agente tenha o dever jurídico de agir, a possibilidade de evitar o resultado, e que haja nexo causal entre a omissão e o evento lesivo. A interpretação desse tipo penal exige análise cuidadosa do caso concreto, considerando a posição do agente, a natureza da omissão e suas consequências.
Assim, o crime comissivo por omissão não é mera ficção jurídica, mas um mecanismo essencial para assegurar que a inércia, em certas circunstâncias, não se transforme em licença para o dano ou para a morte.
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