Resumo: Este artigo analisa a aplicação do §1º do art. 20 da Constituição Federal1, dispositivo que assegura participação no resultado da exploração de recursos minerais ou compensação financeira por essa exploração, aos entes federados que especifica. O legislador ordinário optou pela participação, mas deu-lhe o nome de compensação, o que não lhe retira a natureza tributária, marcada por sua base de cálculo fixada na Lei, o que resultou na sua inconstitucionalidade, face à nova redação do § 3º do art. 155 da Constituição1, dada pela Emenda Constitucional 33/20012.
Palavras-chave : Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. CFEM. Base de cálculo. Natureza jurídica. Preço público. Receita patrimonial. Inconstitucionalidade.
Sumário : 1. Introdução. 2. A equivocada atribuição de preço público à CFEM. 3. Não enquadramento da CFEM como receita patrimonial. 4. Inconstitucionalidade da CFEM face à EC 33/20012. 5. Referências
1. Introdução
O § 1º do art. 20 Constituição Federal1 assegura, aos entes federados que especifica, uma receita relacionada aos recursos minerais, nos seguintes termos:
“Art. 20 – […]
§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.”
Essa receita foi, então, instituída pela Lei 7.990/19893, sob o nome de Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, cuja base de cálculo foi assim fixada no seu art. 6º:
“Art. 6º. A compensação financeira pela exploração de recursos minerais, para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento) sobre o valor do faturamento líquido resultante da venda do produto mineral, obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.”
O nomen juris adotado deveria corresponder a uma receita com natureza jurídica de preço público ou patrimonial. Entretanto, a base de cálculo da CFEM, fixada no art. 6º Lei 7.990/19893, imprime-lhe a natureza jurídica tributária, enquadrando-a como uma participação no resultado da exploração mineral.
2. A equivocada atribuição de preço público à CFEM
Após a instituição da CFEM, gerou polêmicas a fixação do prazo decadencial do direito de exigi-la ou do prazo prescricional da ação para cobrá-la. Fosse a CFEM um tributo e este prazo seria de 5 anos, nos termos dos arts. 173 e 174 do Código Tributário Nacional4; fosse ela preço público ou receita patrimonial e tal prazo seria de 10 anos, fixado no art. 205 do Código Civil Brasileiro5.
Entende-se que a hipótese de enquadramento da CFEM como preço público é mais atrativa para a Administração, por estar associada a um tempo maior para exigi-la, o que reduz a possibilidade de perda de receita decorrente do seu não recolhimento oportuno.. Talvez por isto, o DNPM insiste em atribuir-lhe a natureza jurídica de preço público, como o faz na Apresentação do Manual de Procedimentos de Arrecadação e Cobrança da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM, anexo à Portaria DNPM 389/20106, a saber:
“O prazo prescricional da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais – CFEM está diretamente ligado à sua natureza jurídica de preço público. Em sendo preço público, reger-se-á pelas normas de direito privado, pelo que o prazo prescricional é de 10 (dez) anos, nos termos do art. 205 do Código Civil, observada a regra de transição prescrita no art. 2028 do mesmo diploma legal”.
Todavia, para que a CFEM tivesse a natureza jurídica de preço público, como afirma o DNPM, sua base de cálculo deveria ser uma parcela do valor estimado da reserva mineral da jazida, ou o valor da produção anual estimada da mina, antes de ser realizada. Nestes casos, não teria natureza jurídica tributária, pois incidiria sobre bens da União, quais sejam, a reserva mineral ou os recursos minerais ainda não extraídos de onde jazem in natura, como o é a produção mineral prevista, ainda não realizada.
Contudo, como se viu, a base de cálculo da CFEM, anunciada no art. 6º da Lei 7.990/893, é o valor do faturamento líquido da venda do produto da lavra, que não pertence à União, mas ao concessionário, conforme lhe garante a Constituição Federal1, na parte final do caput do art. 176, transcrito a seguir :
“Art. 176 – As jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.”
O produto da lavra de recursos minerais, portanto, pertence àquele que dispõe de concessão do Governo para lavrá-los. Vale dizer que, após legalmente extraídos do solo e/ou do subsolo onde jaziam in natura, os recursos minerais deixam de ser propriedade da União e passam a ser propriedade do concessionário.
A situação lançada nesse dispositivo constitucional assemelha-se a uma cláusula testamentária fideicomissária, na qual a República Federativa do Brasil, fideicomitente, lega à União, fiduciária, a propriedade dos recursos minerais gravada com fideicomisso, ou seja, sob a condição resolutiva de transmiti-la ao concessionário, fideicomissário, seu proprietário sob condição suspensiva, quando este, legalmente, retirá-los do seu jazimento em condições de serem aproveitados economicamente.
A referência da Lei Maior ao concessionário abrange todos os titulares de direitos minerários cujos respectivos títulos lhes permitam legalmente lavrar recursos minerais. Afinal, todos são concessionários de direito real de uso da propriedade mineraria para fins de lavra, cujas relações jurídicas são coerentes com aquelas da concessão de direito real de uso, instituída pelo Decreto-Lei 271/19677, em redação dada pela Lei 11.481/20078.. O DNPM reconhece esta situação, tanto que realiza averbações de cessão e transferência de títulos de licenciamento e de permissão de lavra garimpeira, previstas na Portaria DNPM 199/20069. Por conseguinte, reconhece que a referência à cessão ou transferência das concessões, no art. 176, § 3º, da Constituição Federal1 atinge todos os títulos de direitos minerários..
Indubitavelmente, a base de cálculo da CFEM, fixada no art. 6º da Lei 7.990/19893, incide sobre o patrimônio particular, é própria de um imposto, podendo-se concluir que a CFEM é um imposto. É significativo o fato de que, antes de ser instituída a CFEM, era cobrado um imposto daquele que extraía e utilizava e/ou comercializava recursos minerais, o Imposto Único sobre Minerais do País – IUM, instituído pelo Decreto-Lei 1.038/196910, não incluído entre os impostos federais relacionados na Constituição Federal1 ora em vigor…
O fato gerador do IUM era, igualmente ao da CFEM, a extração de substâncias minerais da mina para fins de aproveitamento econômico. Sua base de cálculo, também semelhante à da CFEM, era o valor do produto mineral extraído da mina, fosse ele transferido ou vendido. Portanto, se o IUM era um imposto e foi instituído antes da promulgação da Constituição Federal1 vigente, quando não era atribuída ao concessionário a propriedade do produto da lavra, a fortiori, considerando que, no caput do art. 176 desta Constituição Federal1 é garantida ao concessionário tal propriedade, pode-se afirmar que a CFEM é um imposto.
É claríssimo o enquadramento da CFEM na espécie imposto do gênero tributo, devendo ser-lhe aplicado as limitações constitucionais e legais do poder de tributar conferido ao Estado. Tratando-se de tributo, cabe à lei estabelecer previamente seu fato gerador, sua base de cálculo e sua alíquota. Ademais, incide o prazo decadencial de 5 (cinco) anos ao direito da Fazenda Pública de constituir o crédito decorrente da CFEM, nos termos do art. 173 do Código Tributário Nacional – CTN4, e o prazo prescricional também de 5 (cinco) anos da ação para a cobrança deste crédito, contados da data da sua constituição definitiva, conforme dispõe o art. 174 do CTN4.
3. Não enquadramento da CFEM como receita patrimonial
Oportuno é mostrar que a CFEM não tem a natureza jurídica de receita patrimonial que alguns lhe atribuem. A natureza tributária da CFEM, ora provada, está claramente apontada no voto do Exmo. Sr. Ministro Teori Albino Zavascki, Relator da decisão proferida pela Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 756.530 – DF (2005/0092596-2), do qual foram extraídas as seguintes considerações :
“Ora, ao estabelecer o valor da "Compensação Financeira para a Exploração de Recursos Minerais – CFEM", o legislador ordinário, a quem a Constituição atribuiu competência para tanto, adotou como parâmetro e base de cálculo o faturamento líquido correspondente às receitas de venda do produto mineral. É o que se constata nos dispositivos acima transcritos: art. 2º da Lei nº 8.001/90, art. 6º da Lei nº7.990/89 e art. 14, II, do Decreto 01/91. Quando o legislador se referiu a produto mineral e a receita de venda, evidentemente estava se referindo a substância mineral já lavrada, em vias de comercialização, e não a recurso mineral (substância mineral ainda não lavrada ou em processo de lavra, ainda não comercializável)”.
São corretas as considerações do ilustre Relator e, embora não fosse o seu propósito, elas se prestam para confirmar o caráter tributário da CFEM. Vale repetir que, conforme dispõe o caput do art. 176 da Constituição Federal1, os recursos minerais pertencem à União somente quando in natura, ou seja, não participam do patrimônio da União os recursos minerais já lavrados, ou o produto da lavra, cuja propriedade é garantida ao concessionário. Portanto, a CFEM, incide sobre este produto não integrado ao patrimônio da União e, desse modo, não possui natureza jurídica de receita patrimonial, mas tributária.
4. Inconstitucionalidade da CFEM face à EC 33/20012.
As polêmicas sobre o prazo decadencial do direito de exigir o recolhimento da CFEM, ou sobre o prazo prescricional da ação para cobrá-la, perderam pertinência com a edição da Emenda Constitucional 33/20012, que alterou a redação do § 3º do art. 155 Constituição Federal1, tornando a cobrança da CFEM inconstitucional, por ter natureza tributária marcada por sua base de cálculo fixada no art. 6º da Lei 7.990/19893, valendo, pois transcrever a nova redação do citado dispositivo constitucional:.
“Art. 155 – […]
§ 3º. À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.”
Considerando que a CFEM não está incluída nas exceções relacionadas na nova redação do supracitado dispositivo, este decretou a sua inconstitucionalidade.. De fato, em face da incompatibilidade da nova redação do § 3º do art. 155 da Constituição Federal1 com os termos do art. 6º da Lei 7.990/19893, este artigo está tacitamente revogado por aquele § 3º, seja pela superioridade hierárquica da Constituição sobre a Lei (lex superior derrogat inferiori), seja pela posterioridade daquele § 3º em relação a este art. 6º (lex posterior derrogat legi priori), neste caso, na conformidade da regra do § 1º do art. 2º do Decreto-Lei 4.657/19429 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro).
Urge, pois, a eliminação desse intolerável vício de constitucionalidade, seja mediante a edição de emenda constitucional, para permitir a instituição de um novo imposto sobre recursos minerais, ou por meio da edição de lei ordinária, para estabelecer receita de natureza jurídica de preço público ou patrimonial para a CFEM.
Geólogo. Advogado
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