Resumo: Com a reforma pela qual passou o Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho não se restringe apenas ao julgamento de dissídios desencadeados pela CLT. O Judiciário Trabalhista ganhou uma extensão de competência que se coaduna perfeitamente com o Estado Democrático de Direito e com o devido processo legal. O objetivo principal da justiça especializada após a Emenda Constitucional nº 45/2004, fruto da ação do Poder Constituinte Derivado Reformador, é decidir todas as lides que tenham se originado de uma relação laboral, promovendo assim, a correta distribuição de competência em conformidade com a nova órbita constitucional. Assim, os crimes cometidos no bojo de uma relação de trabalho devem ser julgados e decididos pela Justiça Especializada, cabendo assim, falar-se em legítima competência penal da Justiça do Trabalho. a correta o original)erivado Reformador, da apobmocrt
Palavras-Chave: Justiça do Trabalho; Competência Penal.
Sumário: 1. Introdução. 2. Jurisdição e Competência. 3. Competência ratione materiae da Justiça do Trabalho. 4. Competência Criminal l da Justiça do Trabalho 4.1. Relação entre Direito do Trabalho e Direito Penal. 4.2. Extensão da Competência da Justiça do Trabalho. 5. Posição do Supremo Tribunal Federal. 6. Infrações penais insertas na competência criminal da Justiça do Trabalho. 7. Ministério Público. 8. Execução Penal. 9. Conclusão. Referências.
1. Introdução
Com a reforma pela qual passou o Poder Judiciário, de uma forma geral, a Justiça do Trabalho ganhou novos contornos que merecem aqui ser esposados.
Antes da EC nº 24/99 o Judiciário Trabalhista era composto por um juiz togado e dois juízes classistas. Estes figuravam na lide como representantes do reclamante e da reclamada simultaneamente. O advento da emenda supracitada extinguiu a figura dos juízes classistas fazendo assim, com que na Justiça do Trabalho figurasse apenas o juiz togado como detentor da jurisdição.
Tal avanço foi deveras importante e amoldou a Justiça do Trabalho à nova ordem constitucional já que a Lex Legum garante a todos o devido processo legal. A figura dos classistas não se coadunava com o conceito de Estado Democrático de Direito estabelecido pela Constituição Federal de 1988.
Duas emendas constitucionais ao longo desses anos foram indubitavelmente importantes para a caracterização da Justiça do Trabalho tal qual se afigura hoje. A primeira, já em comento, a EC nº 24/99, como exposto garantiu o devido processo legal sob a nova órbita constitucional na Justiça do Trabalho; a segunda, a EC nº 45/04 tratou da nova competência do Judiciário Trabalhista.
Quando o legislador constituinte derivado reformador estabeleceu que fosse de competência da Justiça do Trabalho o julgamento de todas as ações oriundas da relação de trabalho, ele colocou sob o manto jurisdicional trabalhista todos os deslindes que tenham por ensejo uma relação laboral, e, não apenas, as situações previstas na CLT. Sendo assim, nada mais equânime que concluir ser competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de crimes que se ensejam em uma relação trabalhista.
2. Jurisdição e Competência
O surgimento do Estado enquanto ente soberano foi o fator primordial para o aparecimento do exercício de dizer o direito.
Quando a sociedade se encontrava sob a égide do jusnaturalismo não havia qualquer instrumento coercitivo que obrigasse os indivíduos a cumprirem os preceitos e condutas indispensáveis à harmonia e ao bem-estar social.
Dessa forma, tornou-se cada vez mais freqüente o surgimento de conflitos sociais, bem como a resolução dos mesmos através da autotutela.
A caracterização da divisão de poderes estatal e, strictu sensu, a organização do Poder Judiciário, culmina na atividade estatal pacificadora hoje conhecida por Jurisdição, expressão derivada do latim iuris dictionis (dizer o Direito).
Não há dúvidas de que o primo objetivo da Jurisdição é o de promover a pacificação social e, neste sentido são as lições de Ada Pelegrini Grinover em seu magistério:
“A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consequência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um”. (GRINOVER, 2006, p. 30).
Desta feita, é possível concluir que todos os órgãos do Poder Judiciário elencados no artigo 92 da Constituição Federal de 1988, com exceção do Conselho Nacional de Justiça, detêm capacidade jurisdicional nas mesmas proporções.
Questão diversa da aferição de Jurisdição é a fixação de competência para o julgamento de lides. Acerca desta temática há respeitável doutrina que entende ser a “competência medida da Jurisdição[1]”. Data vênia, a posição majoritária é a de que competência não se trata de medida, mas de limite da atividade jurisdicional. Muito embora todos os órgãos do Poder Judiciário detenham jurisdição, só podem exercê-la dentro de certos limites estabelecidos pela Constituição ou por leis infraconstitucionais. Trata-se da fixação da competência.
Tradicionalmente, a competência é dividida em material, funcional e territorial. O mestre José Frederico Marques, lembrando as lições de Carnelutti pondera que:
“Afastou-se Carnelutti do plano tripartido (competência material, funcional e territorial) abarcado pela maioria dos modernos processualistas[2], e isso porque, como bem observou, tal divisão contém o erro de “ignorar que a relação entre competência em razão da matéria e competência em razão do território não é igual a relação entre cada uma de ambas e a competência por função: na verdade, a competência material e a competência territorial se reúnem em um mesmo gênero, que é o oposto da competência funcional; a diferença verdadeira se refere… “a distribuição de trabalho segundo o que se refere ou, ao revés, segundo aquilo sobre que se deva operar; em termos mais precisos, segundo a função a desenvolver-se ou a matéria sobre a qual deva ser desenvolvida”.[3] (sem grifo no original)
Miguel Fenech, a seu turno, citado por José Frederico Marques, em sua preciosa obra “Da Competência em Matéria Penal, editora Millennium, 2000, pp 51 e 52”, completa o exposto por Carnelutti ao concluir pela distinção entre jurisdição ordinária e especiais que:
“Por jurisdição ordinária a exercida pelos tribunais ordinários intervindo num processo normalmente e como regra geral, enquanto que as jurisdições especiais são aquelas que intervêm em casos singulares e concretos… previstos na Lei, subtraindo-os do conhecimento da jurisdição ordinária.”[4]
Por derradeiro, conclui o festejado doutrinador que:
“O critério de discriminação entre as jurisdições é o objetivo: em razão da matéria é que se distinguem as jurisdições especiais da ordinária.” (MARQUES, JOSÉ FREDERICO, p. 52, 2000. Editora Millennium) (grifo nosso)
3. Competência ratione materiae da Justiça do Trabalho
A reforma do Poder Judiciário promovida pela Emenda Constitucional nº 45 instituiu uma série de competências à Justiça do Trabalho. Tais atribuições vêm esculpidas no artigo 114 da Carta Magna:
“Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
II – as ações que envolvam exercício do direito de greve;
III – as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;
IV – os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;
V – os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, “o”;
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;
VII – as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;
VIII – a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, “a”, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.”
Dessa forma, é possível afirmar que a Competência da Justiça do Trabalho trifurca-se em:
a) competência material natural ou específica;
b) competência decorrente;
c) competência material executória.
Competência material natural ou específica nada mais é do que a prerrogativa que possui a Justiça do Trabalho em julgar as causas envolvendo relações de trabalho, vale dizer, as que tenham em seus pólos um trabalhador e um empregador. Com o advento da EC nº 45, houve uma extensão da esfera de competência da Justiça do Trabalho. Até então, as Juntas de Conciliação e Julgamento no que pertence à matéria eram competentes tão somente para julgar as relações de emprego, que se caracteriza pela figura do empregado, nos termos do artigo 3º da CLT no pólo passivo. O texto constitucional agora expresso em seu artigo 114, inciso I é taxativo ao elucubrar ser competente a Justiça Laboral para o julgamento de todas as ações oriundas da relação de trabalho.
A segunda hipótese trata-te da competência decorrente que concede à Justiça do Trabalho a prerrogativa de julgar causas diversas das relações de emprego, mas decorrentes desta, desde que haja previsão legal para tanto. Inteligência do artigo 114, inciso IX da Carta Política de 1988.
A terceira situação trata-se da competência que possui a Justiça do Trabalho em promover suas próprias execuções. Trata-se do alcance pleno da Jurisdição.
Na verdade, a Justiça do Trabalho possui uma competência material específica, conforme as lições de Carnellutti, alhures esposadas. Importante é salientar que, pela competência decorrente, a Justiça do Trabalho é apta a julgar dissídios que estejam fora da CLT, mas que envolvam uma relação de trabalho em seu bojo, peculiaridade esta que atrai a competência desta Justiça Especializada. Esta é, por excelência, a visão mais moderna que se tem em sede de Direito do Trabalho, devendo a sociedade libertar-se da visão retrógrada de ser a Justiça Laboral tão e só competente para o julgamento dos dissídios previstos na Consolidação das Leis do Trabalho, já que esta visão, pela interpretação que se faz do novo texto constitucional, mostra-se incongruente com a vontade e o espírito deste.
Nesse sentido, João Oreste Dalazen, citado por Rodolfo Pamplona Filho, em seu artigo científico “Interpretando o artigo 114 da Constituição Federal de 1998” preleciona que:
“o que dita a competência material da Justiça do Trabalho é a qualidade jurídica ostentada pelos sujeitos do conflito intersubjetivo de interesses: empregado e empregador. Se ambos comparecem a Juízo como tais, inafastável a competência dos órgãos desse ramo especializado do Poder Judiciário nacional, independentemente de perquirir-se a fonte formal do Direito que ampara a pretensão formulada. Vale dizer: a circunstância de o pedido alicerçar-se em norma do Direito Civil, em si e por si, não tem o condão de afastar a competência da Justiça do Trabalho se a lide assenta na relação de emprego, ou dela decorre. Do contrário, seria inteiramente inócuo o preceito contido no art. 8º, parágrafo único, da CLT, pelo qual a Justiça do Trabalho pode socorrer-se do ‘direito comum’ como ‘fonte subsidiária do Direito do Trabalho. Se assim é, resulta evidente que a competência da Justiça do Trabalho não se cinge a dirimir dissídios envolvendo unicamente a aplicação do Direito do Trabalho, mas todos aqueles, (…), em que a disputa se dê entre um empregado e um empregador nesta qualidade jurídica.” (DIPONÍVEL EM http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2064. DATA DO ACESSO: 07/11/2009).
4. Competência Criminal da Justiça do Trabalho
4.1 – Relação entre Direito do Trabalho e Direito Penal
O Código Penal brasileiro dedicou todo o título IV de seu capítulo IV aos crimes contra a organização do trabalho. Totalizam assim, dez tipos penais ali definidos. Todos eles apresentam em seu cerne relações de Direito do Trabalho frustradas em decorrência de um crime. Vê-se pela análise detida destes tipos penais que o seu fato típico não decorrem de questões criminológicas em primeiro plano, mas sim de uma relação de trabalho descumprida ou de um direito trabalhista obstado, culminando assim na prejudicialidade de um bem jurídico específico de um obreiro, numa relação penal-trabalhista.
Acerca da temática, o mestre Amauri Mascaro Nascimento preleciona:
“As principais relações entre o direito do trabalho e o direito penal residem na inclusão entre as infrações penais da matéria trabalhista e na unidade de figuras e conseqüente problema das relações entre o ilícito penal e o ilícito trabalhista.
No Brasil, um capítulo do Código Penal é destinado aos “Crimes contra a Organização do Trabalho”. Proíbe a lei penal o atentado contra a liberdade de trabalho, de contrato de trabalho, a boicotagem violenta, o atentado contra a liberdade de associação, a frustração de direito assegurado por lei trabalhista, a frustração de lei sobre a nacionalização do trabalho, o exercício de atividade com infração de decisão administrativa e o aliciamento para o fim de emigração. (…) Em princípio, o ilícito penal e o ilícito trabalhista são autônomos e sujeitos a tratamento jurídico próprio. No entanto, muitas vezes o mesmo fato apresenta um ilícito penal e um ilícito trabalhista. É o caso do furto. O empregado que furta incorre em justa causa de improbidade. O empregado que rouba também. O mesmo ocorre quanto à apropriação indébita. Justa causa para o despedimento do trabalhador será igualmente a prática de ofensas físicas a superior hierárquico, colega ou terceiro, e o conceito trabalhista de ofensas físicas outro não é senão o de vias de fato ou lesões corporais. A prática constante de jogos de azar também configura a justa causa trabalhista. Os atos contra a segurança nacional, idem. O mesmo sucede quanto à embriaguez no serviço habitual. Portanto, existem relações entre o problema trabalhista e o penal.” (NASCIMENTO, AMAURI MASCARO, 2001, EDITORA SARAIVA, PP. 182/183).
Outro aspecto indubitável nesta análise é a Exposição de Motivos do Código Penal Brasileiro no que concerne aos crimes contra a organização do trabalho em seu item 67:
“[…] A proteção jurídica já não é concedida à liberdade do trabalho, propriamente, mas à organização do trabalho, inspirada não somente na defesa e no ajustamento dos direitos e interesses individuais em jogo, mas também, e principalmente, no sentido superior do bem comum de todos. […] Daí o novo critério adotado pelo projeto, isto é, a trasladação dos crimes contra o trabalho, do setor dos crimes contra a liberdade individual para uma classe autônoma. […]” (sem grifo no original)
Importa afirmar, assim, que Direito do Trabalho e Direito Penal, nas situações alhures esposadas, são institutos diretamente relacionados, cabendo falar-se em autêntico Direito Penal do Trabalho e a conseqüente criação da competência penal para a Justiça do Trabalho. Como bem pondera a Exposição de Motivos do Código Penal que os crimes contra a organização do trabalho não são espécies do gênero “crimes contra a liberdade individual”, mas tratam-te de verdadeiro gênero autônomo. Como não poderia deixar de ser.
A fixação da competência para estes tipos penais envoltos em uma relação de trabalho pode ser resolvida por analogia à competência das demais justiças especializadas: os crimes eleitorais são julgados e decididos pela Justiça Eleitoral, assim como os militares pela Justiça Militar.
A compreensão que se deve ter em mente no que concerne à competência, dessa forma, é a de que competente será a Justiça Comum para o julgamento de dissídios não abarcados pela competência da Justiça Especializada, possuindo aquela, dessa forma, caráter subsidiário na fixação de sua competência. Vale dizer, as demandas que não envolverem questões eleitorais, militares ou trabalhistas estão destinadas a apreciação dos órgãos jurisdicionais que não possuem essas especificações, que por sua vez, não são exigidas em uma demanda comum.
4.2 – Extensão da Competência da Justiça do Trabalho
Por todo o exposto, chega-se à premissa de que se faz necessária a extensão da competência da Justiça do Trabalho, abarcando, frise-se, não apenas as situações previstas na CLT, mas também todos os crimes que envolvam relações de trabalho, no caso, crimes contra a organização do trabalho e crimes contra a administração da Justiça do Trabalho.
Tal extensão pende de reforma do Poder Judiciário, incluindo no artigo 114 da Carta Magna a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de crimes contra a organização do trabalho, bem como os delitos que se desencadeiam na relação de trabalho, ou ainda no curso do processo trabalhista.
Para o alcance do fim colimado, a reforma deverá revogar o artigo 109, inciso VI da Constituição Federal de 1988, bem como aditar o inciso IV do mesmo dispositivo, incluindo em sua parte final a competência da Justiça do Trabalho.
Quanto ao artigo 114 deverá conter expressamente em seu rol, a competência funcional da Justiça do Trabalho para o julgamento de causas penais a ela relacionada.
Inúmeras são as vantagens de prorrogar-se a competência da Justiça do Trabalho. No que concerne ao aspecto técnico-jurídico, e da forma como atualmente se encontra, a Justiça do Trabalho tem se limitado a julgar apenas as situações previstas na CLT, fazendo transparecer na opinião pública ser apenas a Justiça dos trabalhadores e dos sindicatos, caracterizando-se sobremaneira pela proteção do hipossuficiente. Tal situação se confirmou principalmente após o advento da lei 8.984/95 que estendeu a competência da Justiça do Trabalho para as causas que tenham origem no cumprimento das convenções coletivas de trabalho ou de acordo de trabalho. Importante ressaltar, que a Constituição Federal veda expressamente em seu artigo 5º, inciso XXXVII a criação de tribunais de exceção, sendo esta garantia verdadeira cláusula pétrea. No entanto, é importante aqui esclarecer que o alargamento da Justiça do Trabalho neste viés não se trata de Tribunal de Exceção, mas sim, de conceder a Justiça do Trabalho uma competência que já é sua e que, observando estes desígnios já será previamente fixada em lei, contribuindo assim, de forma indubitável para a prevalência do Estado Democrático de Direito.
Outro fator importante que justifica a fixação da competência penal da Justiça do Trabalho é o aspecto sociológico. É fato inquestionável que o Juiz do Trabalho possui formação sociológica e jurídica mais acurada para a apreciação de causas que envolvam questões trabalhistas que o Judiciário Comum. Quando se analisa os crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 ao 207 do Código Penal Brasileiro), é possível observar que todos eles possuem uma peculiaridade em relação às demais infrações penais tipificadas, qual seja, a de estarem ligados a uma relação de trabalho. Verbi gratia, quando o Código Penal tipifica em seu artigo 203 como crime a frustração de direito assegurado por lei trabalhista, qual o juízo mais apto a apreciar e declarar o jus puniendi? Obviamente, que a resposta a tal prequestionamento é a Justiça Especializada, dada a sua formação ser específica para apreciar estas causas, promovendo assim, com maior eficácia a tão sonhada pacificação social.
No que se perquire à eficácia desta extensão de competência, seus reflexos atingem também o aspecto político, promovendo assim, uma maior celeridade, no julgamento dos dissídios do abarrotado Poder Judiciário. Estando a Justiça do Trabalho julgando causas próprias de sua competência, as Varas Criminais, bem como a Justiça Federal ficarão com os crimes subsidiários (não poucos), estes sim devidos a sua apreciação e análise.
É importante, ainda, mensurar os benefícios ao processo do trabalho que tal reforma trará. As fraudes que, não raras vezes, ocorrem no processo trabalhista seriam apreciadas pelo próprio Juiz do Trabalho, bem como a possibilidade de tal autoridade lavrar o auto de prisão em flagrante, fazendo constar a narração do fato e dar voz de prisão. A possibilidade de prisão em flagrante otimizaria o Processo do Trabalho. Com tal instrumento coercitivo, as fraudes reduzir-se-iam consideravelmente. Ademais, o julgamento a posteriori de tais infrações dar-se-ia pelo próprio Juiz do Trabalho, homogeneizando assim, a máquina Judiciária, e, evitando que crimes ocorridos em sede trabalhista sejam apreciados por um juízo totalmente estranho ao feito, o que, na verdade é um contra-senso.
5. Posição do Supremo Tribunal Federal
O STF pugna pela incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ações penais. É o que dispõe a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.684-0, cuja ementa segue:
O voto do ministro Marco Aurélio no julgamento da ADI suprarreferida é como segue:
“Peço vênia, diante desse contexto, para assentar que não há
risco em se manter o quadro constitucional delineado, não existe
lugar, considerada uma sadia política judiciária, para emprestar-se,
desde logo, interpretação conforme a Carta ao disposto nos
incisos I, IV e IX do art. 114 e já sinalizar ao legislador ordinário
que não poderá vir à lume uma lei prevendo a competência
criminal da Justiça do Trabalho”. (http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=competência%20da%20justiça%20do%20trabalho%20para%20julgar%20ações%20penais&processo=2114. Acesso em 08/11/2009).
Um dos argumentos principais à resistência da prorrogação da competência penal da Justiça do Trabalho é o princípio do Juiz Natural. Tal princípio, corolário do processo penal é garantia constitucional de que as causas penais serão submetidas a um juiz imparcial e independente, estando assim, apto a realizar a atividade estatal pacificadora, denominada jurisdição. Ora, a competência das Justiças Especializadas em momento algum fere a garantia do Juiz Natural, nem tampouco funcionam como tribunais de exceção, uma vez que a delimitação de suas competências são in abstrato, previamente submetidas aos ditames legais. Neste sentido, posiciona-se Capez (2007, p.27), acerca do Juiz Natural:
Está previsto no art. 5, LIII, da Constituição Federal, que dispõe que ninguém será sentenciado senão pelo juiz competente. Significa dizer que todos têm a garantia constitucional de serem submetidos a julgamento somente por órgão do Poder Judiciário, dotado de todas as garantias institucionais e pessoais previstas no Texto Constitucional. Juiz natural é, portanto, aquele previamente conhecido, segundo regras objetivas de competência estabelecidas anteriormente à infração penal, investido de garantias que lhe assegurem absoluta independência e imparcialidade. Do princípio, depreende-se também a proibição de tribunais de exceção, com os quais, evidentemente, não se confundem as jurisdições especializadas, que são meras divisões da atividade jurisdicional.” (sem grifo no original)
Por essas lições, conclui-se que atribuir à Justiça do Trabalho uma competência que com a nova ordem constitucional já lhe é de direito, não é afastar a prerrogativa do Juiz Natural. Pelo contrário, implica em confirmá-la submetendo as causas penais trabalhistas a um juízo que detém especialização para julgamento das mesmas. Para o alcance de tal finalidade, obviamente, deve haver legislação infraconstitucional específica, regulando o processo penal trabalhista – um Código Penal do Trabalho, assegurando ao réu da Justiça Laboral as mesmas garantias do processo penal comum.
Concessa máxima vênia, o voto do ministro Marco Aurélio, alhures mencionado, no sentido de negar a Competência Penal da Justiça do Trabalho, fugindo assim do espírito do instituto, outro julgamento do STF, objetivando esclarecer a competência da Justiça do Trabalho é cuja ementa segue;
“Justiça do Trabalho: Competência: Constituição, artigo 114: ação de empregado contra o empregador visando à observação das condições negociais da promessa de contratar formulada pela empresa em decorrência da relação de trabalho.
1 – Compete à Justiça do Trabalho julgar demanda de servidores do Banco do Brasil para compelir a empresa ao cumprimento da promessa de vender-lhes, em dadas condições de preço e modo de pagamento, apartamentos que, assentindo em transferir-se para Brasília, aqui viessem a ocupar, por mais de cinco anos, permanecendo a seu serviço exclusivo e direto.
2 – À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho.” (Ac. STF – Pleno – MV – Conflito de Jurisdição nº. 6.959-6 – Rel. (designado): Min. Sepúlveda Pertence – J. 23.5.90 – Suscte. Juiz de Direito da 1ª Vara Cível de Brasília; Suscdo. Tribunal Superior do Trabalho – DJU 22.2.91, p. 1259). (Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2064. Data do acesso: 08/11/2009) (sem grifo no original)
Vê-se pela decisão retro, que o STF considera que haverá vis atrativa para a Justiça do Trabalho quando a lide mesmo dependente de questões de direito civil, tenha o fundamento do pedido feito em razão da relação de emprego. Via olíqua, a situação é correlata à prorrogação da competência penal. Analogicamente, se a Justiça Laboral é competente para o julgamento de causas cíveis fundadas em uma relação de trabalho, com maior propriedade, o Juiz do Trabalho é o natural e legitimamente competente para apreciação de crimes contra a organização do trabalho e demais correlatos justamente por deter a especificidade exigida por esses crimes. É questão de o hermeneuta observar as novas prerrogativas da Justiça Especializada em comento, que há muito deixou de ser a Justiça da CLT, para se tornar o órgão julgador de todas as ações oriundas da relação de trabalho, por ser expert no assunto (Inteligência do artigo 114, inciso I da Constituição Federal) e a única capaz de prestar o adequado provimento jurisdicional, promovendo a pacificação social, objetivo maior do Estado Democrático de Direito.
6. Infrações penais insertas na competência criminal da Justiça do Trabalho
O fator determinante à fixação da competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de crimes e contravenções penais encontra-se no fato de estas ocorrerem no bojo de uma relação de trabalho. Dessa forma, algumas situações que hoje são julgadas pela Justiça Comum, passarão à esfera de competência da Justiça do Trabalho devido à vis atrativa. Algumas situações serão aqui elencadas, em numerus apertus, quais sejam:
– os crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 ao 207 do Código Penal Brasileiro);
– as contravenções relativas à organização do trabalho insertas no capítulo VI do decreto-lei nº 3688/41 (lei das Contravenções Penais, arts 47 ao 49);
– os crimes contra a administração da justiça praticados no curso do processo trabalhista (arts. 342 ao 359 do Código Penal Brasileiro);
– redução à condição análoga à de escravo (art. 149 do Código Penal Brasileiro)
A tipificação penal deste delito encontra-se da seguinte forma:
“Art. 149 Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. […]”
A propósito do crime a que se perquire, Nucci (2007, p.639-641) preleciona:
“Jornada exaustiva: é o período de trabalho diário que foge às regras da legislação trabalhista, exaurindo o trabalhador, independentemente de pagamento de horas extras ou qualquer outro tipo de compensação. […]. Para a configuração do crime do art. 149 é preciso que o patrão submeta (isto é, exija, subjugue, domine pela força) o seu empregado a tal situação. […].”
Corroborando com este entendimento Brito Filho apud Greco (2007) esclarece que:
“[…] se o trabalhador presta serviços exposto à falta de segurança, temos o trabalho em condições degradantes. Se as condições de trabalho mais básicas são negadas ao trabalhador, como o direito de trabalhar em jornada razoável e que proteja sua saúde, garanta-lhe descanso e permita o convívio social, há trabalho em condições degradantes. Se, para prestar o trabalho, o trabalhador tem limitações na sua alimentação, na sua higiene, e na sua moradia, caracteriza-se o trabalho em condições degradantes”
Os renomados doutrinadores esclarecem assim, que para a caracterização dessa modalidade de delito, necessário se faz o descumprimento da legislação trabalhista. Quanto ao trabalho em condições degradantes, para a configuração do mesmo, muitas das vezes, faz-se necessário apurar-se o grau de insalubridade e periculosidade a que o obreiro se encontra exposto, prerrogativas estas oriundas da Justiça do Trabalho.
– falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal Brasileiro) – ocorre em sede trabalhista, principalmente quando o empregador deixa de assinar a carteira de Trabalho e Previdência Social do obreiro caracterizando assim, omissão de declaração com o fim de prejudicar direito ou criar obrigação.
Quanto a este crime, por encontrar-se ainda sob a competência da Justiça Comum acaba ficando impunível o sujeito ativo deste delito. A obrigação trabalhista é devidamente cumprida, quando ajuizada reclamatória trabalhista, mas o crime não é averiguado e o Estado não exerce seu jus puniendi, dada a inviabilidade de apurar a relação de trabalho na seara trabalhista e o crime na Justiça Comum.
– assédio sexual (artigo 216- A do Código Penal Brasileiro) – é interessante observar que é comum este tipo penal gerar dano moral na seara trabalhista. Dano este de competência da Justiça do Trabalho, conforme preconiza o artigo 114, inciso VI da Constituição Federal ao determinar ser competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial decorrentes da relação de trabalho.
Raciocine-se: para aferição do dano moral, bem como a apuração do quantum indenizatório, necessário se faz averiguar se houve assédio sexual no cerne da relação de trabalho. Ao realizar esta análise para verificar o cabimento do dano moral (competência atribuída à Justiça do Trabalho pela própria Constituição), o Juiz do Trabalho nada mais faz do que emitir um julgamento acerca da prática delituosa, estando assim exercitando via oblíqua sua competência penal para poder decidir o dano moral cuja competência também lhe cabe. Dessa forma, mais uma vez a competência penal da Justiça Obreira faz-se necessária, para que, seguindo as lições de Carnelutti, aqui esposadas, possa haver a real e sábia delimitação da competência.
Quanto à fixação do dano moral, tendo em vista o assédio sexual, o TRT da 17ª Região assim se posiciona:
“DANOS MORAIS – ASSÉDIO SEXUAL – Demonstrada a conduta com conotação sexual não desejada, praticada pelo chefe, de forma repetida, acarretando conseqüências prejudiciais ao ambiente de trabalho da obreira e atentando contra sua integridade física, psicológica e, sobretudo, a sua dignidade, resta caracterizado o assédio sexual, sendo devida a correspondente indenização por danos morais.” (RO 413/02. Juiz Relator: José Carlos Rizk. Publicado em 02.07.1998. In Revista Justiça do Trabalho, Editora HS, Porto Alegre –RS, p. 68 nº 286, outubro de 2007).
– crimes contra a vida
Neste caso, englobado está o artigo 121 do Código Penal Brasileiro. Ocorrendo homicídio decorrente da relação de trabalho caberia o julgamento da conduta delituosa pela Justiça do Trabalho.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, o Tribunal do Júri ganhou a prerrogativa de garantia fundamental, constante do artigo 5º, inciso XXXVIII, para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. A instituição do júri está condicionada à organização que lhe der a lei, nos termos do caput do referido inciso. Sendo assim, não há qualquer vedação de índole constitucional que impeça a instauração de um Tribunal do Júri Trabalhista com competência para os crimes dolosos contra a vida cometidos em decorrência da relação de trabalho.
Quanto à garantia do Juiz Natural, após a EC nº 24 de 09 de dezembro de 1999 que extinguiu a figura dos juízes classistas, o devido processo legal encontra-se plenamente garantido. A sentença nesses casos será proferida tão somente pelo juiz togado. Nos casos das Varas que ainda existem os juízes classistas por força do direito adquirido destes, a competência será tão somente do Juiz do Trabalho togado.
Questão interessante extraída da jurisprudência alienígena é a questão do suicídio do trabalhador caracterizado como acidente de trabalho, desde que, para tal, haja nexo de causalidade entre o ato suicida e a relação de labor a que o obreiro se submetia.
O Tribunal Superior da Catalunha, em 30.05.2003, considerou acidente de trabalho o suicídio de um trabalhador que:
“De chefe de sessão passou a controlar uma máquina cujo manuseio desconhecia […] o que foi entendido pelo trabalhador como uma situação vexatória, dado que, no posto anterior, tinha certas responsabilidades que, para um homem como o autor que sabia apenas ler e escrever, era fundamental para afirmação de sua personalidade laboral e para o reconhecimento empresarial de seu trabalho. Segundo próprias palavras do falecido, era uma pessoa ordenada em excesso, com maior dedicação do que exigia o trabalho; não folgava os feriados o que legalmente tinha direito, porque, para ele, o trabalho vinha sempre em primeiro lugar; trabalhava já há 35 anos na empresa e acreditava que a empresa o apoiaria. Havia passado a uma situação de menosprezo ou vexame a partir do momento em que perdeu toda responsabilidade e teve até de aprender com colegas que, antes, eram seus subordinados como utilizar o computador incorporado à máquina que lhe foi destinada; nesse novo posto não se sentia produtivo… situação depressiva (que) não melhorou ante à falta de alternativas viáveis para o trabalhador – descartou o assessoramento sindical e o enfrentamento com a empresa por temer prejudicar suas filhas, também nela empregadas -, mas, ao contrário, se transformou em uma depressão maior quando passou a suspeitar que a empresa, na verdade, queria que ele antecipasse sua aposentadoria. Tão grave situação concluiu com a auto-agressão como forma de resolver o conflito que a decisão empresarial havia produzido em seu cérebro. Trata-se de um caso do chamado “tecnostress”.” (Revista Justiça do Trabalho, Editora HS, Porto Alegre –RS, p. 62 nº 292, abril de 2008).
7. Ministério Público
Visando o alcance da paridade jurídica, com a fixação da competência penal da Justiça do Trabalho impetuoso é estabelecer-se a mesma competência para o Ministério Público do Trabalho, tornando-se este o órgão legitimado a oferecer denúncia, nos termos do artigo 24 do Código Penal Brasileiro.
Necessária ainda a alteração da Lei Complementar Federal nº 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União), no sentido de conceder as prerrogativas penais ao parquet trabalhista.
Quanto ao aspecto político, não há que se falar em alterações, visto que o Ministério Público do Trabalho é uma das ramificações do Ministério público da União, gozando, portanto, de todas as prerrogativas constitucionais que a ele são atribuídas.
É importante ressalvar que a questio iuris penal-trabalhista não é algo que foge aos olhos do Ministério Público do Trabalho em nosso país, já estando alguns procuradores oferecendo denúncia por crime cometido no bojo da relação de trabalho. No entanto, e por pendência de reforma legislativa, os pedidos ministeriais têm sido indeferidos e quando são aceitos pelo juiz de 1º grau, ao chegar ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho, são indeferidos liminarmente.
Veja-se parte do acórdão do TRT da 12ª Região, em que o Ministério Público do Trabalho quando do oferecimento da denúncia, considerou ser competente a Justiça do Trabalho para o julgamento de causas penais a ela correlatas. Neste acórdão de agravo regimental, a decisão foi unânime em negar provimento ao recurso.
“O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, sustentando a competência material da Justiça do Trabalho para apreciar as causas de natureza criminal decorrentes da relação de trabalho ante a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004 ao art. 114 da Constituição Federal, oferece a presente DENÚNCIA-CRIME contra CIRO MARCIAL ROZA (atual Prefeito do Município de Brusque), DAGOMAR ANTÔNIO CARNEIRO (Vice-Prefeito do Município de Brusque), RIMER DOS SANTOS PAIVA JÚNIOR (Diretor Administrativo da CODEB) e OSNILDO CARLO KLANN (Religioso e Presidente do Conselho de Administração do Instituto AMEA). No caso de não acatada a competência desta Justiça Especializada, pede a remessa dos autos à Justiça Comum – Tribunal de Justiça de Santa Catarina.” (TRT 12ª REGIÃO. Ac.-TP-Nº 13873/2006 – AG-REG-APP 00890-2005-000-12-00-7 – Relatora: Juíza Lília Leonor Abreu. Acórdão datado de 19/09/2006.http://www2.trt12.jus.br/scripts/juris/jnum.asp?nr_ac=013873&ano_ac=2006&vfclassenumerotrt=AG%20%20REG%20%200027162005&dtpubldj=06/10/2006&cdclasse=AG&cdespecie=REG&nuprotrt=002716&anoautuacao=2005. Data do acesso: 08/11/2009).
Interessante é observar que, no julgamento do presente acórdão, foi indeferida a remessa dos autos à Justiça Comum. Mais um crime a ser apreciado pela Justiça Especializada que, por falta de lei regulamentar da competência ficou amparado pelo vício da impunidade.
8. Execução Penal
Neste diapasão, seria de grande valia se emenda constitucional ou leis infraconstitucionais estabelecessem o critério para a fixação do juízo competente para as execuções penais trabalhistas. De qualquer forma, aplicar-se-á o preceito do artigo 65 da lei nº 7210/84 (Lei das Execuções Penais) que aduz ser competente para a execução o juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, o juiz prolator da sentença.
É importante salientar que, diante da morosidade do Poder Legislativo e da impossibilidade de os TRT’s disporem a respeito (artigo 22, incisos I e XVII da Lex Legum) é de se esperar um longo período de “vacatio” até que advenha emenda constitucional e lei infraconstitucional regulamentar da execução em sede trabalhista.
Dessa forma, aplicar-se-á, então o que dispõe a parte final do artigo 65 da L.E.P, verbis:
“Art. 65. A execução penal competirá ao juiz indicado na lei local de organização judiciária e, na sua ausência, ao da sentença.”
A questio iuris fica assim solucionada: até que sobrevenha legislação específica regulando a aferição de competência para execuções penais trabalhistas, competente será o Juiz do Trabalho. Quanto ao aspecto pragmático, necessário far-se-á que os Juízes do Trabalho tenham um preparo específico para o julgamento de questões tão peculiares à seara penal.
Não pode passar desapercebido nesta análise, que a L.E.P em seu artigo 2º, parágrafo único dispõe que:
“Art. 2º […]
Parágrafo único. Esta lei aplicar-se-á igualmente ao preso provisório e ao condenado pela Justiça Eleitoral ou Militar, quando recolhido a estabelecimento sujeito à jurisdição ordinária”.
O panorama em que se apresenta o sistema penitenciário brasileiro permite concluir que não haverá penitenciária específica para os condenados à pena restritiva de liberdade imposta em sede penal-trabalhista. Provavelmente, esses presos serão recolhidos em unidades prisionais sujeitas à jurisdição ordinária, conforme deflui da súmula 192 do Superior Tribunal de Justiça:
“192. Compete ao Juízo das Execuções Penais do Estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, Militar ou Eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos à administração estadual.”
Com a reforma, a súmula sofrerá alteração, incluindo-se também a Justiça do Trabalho e, nesse sentido, estando o estabelecimento prisional sob a jurisdição da Justiça Ordinária, competente será esta para a execução penal trabalhista, em se tratando de pena restritiva de liberdade. Nos demais casos, restritiva de direitos e multa (artigo 32 do Código Penal Brasileiro), a competência funcional para a execução será do Judiciário Trabalhista por não haver qualquer óbice no verbete sumular suprarreferido.
9. Conclusão
A ciência da Hermenêutica Jurídica analisa o direito como um complexo fechado, sem lacunas. Por meio desta visão, a atividade legiferante deve ser entendida como uma das premissas condicionantes do silogismo jurídico que tem como conseqüência a pacificação social, escopo primo da iuris dictionis.
Jurisdição e competência são conceitos intimamente relacionados que, no entanto, não se confundem. Muito embora autorizada doutrina trifurque a competência em material, funcional e territorial, a função primordial do instituto da competência é promover a adequada função jurisdicional, fazendo com que se busque e alcance a plenitude do Estado Democrático de Direito, contribuindo assim, para que este não seja um preceito constitucional apenas pragmático, mas que venha a se tornar realidade na vida de cada cidadão.
Assim, distribuir a competência em material, funcional e territorial e, dessa forma, retirar da Justiça do Trabalho à competência para julgar questio iuris penais-trabalhistas é algo totalmente obsoleto.
O espírito legislativo do constituinte derivado reformador ao editar o artigo 114, inciso I da Lex Legum foi o de conceder à Justiça do Trabalho a prerrogativa de julgar todas as questões trabalhistas e não apenas e tão somente as relações previstas na CLT.
Com a Constituição Cidadã, o Direito do Trabalho não se resume apenas a guarnecer Direitos Trabalhistas como férias, salário, décimo terceiro salário, FGTS, dentre outros, mas ganha uma amplitude que lhe é peculiar. A dogmática trabalhista deve zelar pela dignidade do trabalhador, sua honra, vida, integridade física e moral, fazendo com que o Direito do Trabalho não se torne um ramo desconexo do preceito fundamental, mas que venha a ser um dos ferrenhos aliados na busca e concretização da tão sonhada dignidade da pessoa humana e, para o alcance de tal fim, o caminho mais acertado é devolver à Justiça do Trabalho uma competência que sempre foi dela permitindo-se que a Justiça Especializada em comento diga o jus puniendi nos crimes que lhe são próprios, para que, assim, estes não fiquem albergados no manto da impunidade.
Acadêmica de Direito pela UNIVEN – Faculdade Capixaba de Nova Venécia-ES
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