Por David Rechulski, sócio do David Rechulski Advogados
Desde o advento da lei anticorrupção brasileira, a posição do Compliance Officer adquiriu um protagonismo nunca antes tão destacado em nosso país. Se antes este profissional era responsável, preponderantemente, por polícias antifraudes, sobretudo em empresas não transnacionais, hoje ele tem sob sua gestão a coordenação e implementação de políticas de integridade indispensáveis para a própria sobrevivência das corporações, pois sua função engloba a ampla mitigação de riscos legais, não só para a Companhia, como, também, para a própria administração pública e a sociedade civil em face da empresa.
E, para tanto, uma das formas mais eficazes que se pode contemplar é considerar o desenvolvimento de políticas que alcancem também o Criminal Compliance, buscando evitar a subsunção de ações ou omissões potencialmente factíveis no ambiente corporativo aos tipos penais previstos em lei.
Contudo, a adoção desta natureza de medidas ainda enfrenta alguma resistência no âmbito empresarial, uma vez que, até pouco tempo atrás, não havia qualquer tradição de investimentos em algo considerado como risco remoto. Não obstante, o risco está muito mais perto do que se pode supor, o que se percebe a medida em que há um contínuo anseio punitivista, que tomou conta de nossa sociedade de tal modo, que, enquanto o pêndulo não se reequilibrar, arrastará inocentes pelo caminho da persecução penal, pois se tem visto que as presunções acusatórias estão sendo tratadas como vizinhas da certeza!
Logo, para a devida avaliação dos riscos corporativos nesse cenário, exsurge com notória importância avaliar-se a omissão penalmente relevante e as teorias da cegueira deliberada e do domínio do fato.
A figura da omissão penalmente relevante está prevista no artigo 13, § 2º, do Código Penal, e se aplica quando o omitente poderia e deveria agir para evitar o resultado, quedando-se inerte. De acordo com o Código Penal, tal dever incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção e vigilância; a quem criou, com seu comportamento anterior, o risco da ocorrência do resultado; ou a quem, de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado lesivo e nada fez para tanto.
Nesse sentido, é precisamente nessa terceira modalidade de dever de agir em que está inserida a figura do Compliance Officer – ou do executivo encarregado desse papel -, que, em função de contrato, ou mesmo por situação de fato no âmbito da corporação, coloca-se, efetivamente, na posição de garantidor da não ocorrência dos resultados lesivos a que alude a lei anticorrupção. Sua missão, antes mais restrita, evoluiu para um espectro extremamente mais amplo, passando a contemplar a proteção da Administração Pública contra a própria Companhia, não apenas em face de ações institucionais, mas também diante de ações individuais impróprias que advenham dos integrantes desta em seu interesse ou benefício, direto ou indireto, exclusivo ou não, mediante a prática de atos corruptivos.
Logo, pode-se afirmar que houve uma clara mudança de paradigma acerca do papel institucional do Compliance Officer, passando este a ser, agora, primordialmente responsável pela gestão da integridade das condutas corporativas para com a Administração Pública, pela gestão do risco em bem desta e pela assunção efetiva dos deveres de cuidado, tudo perpassado pela relativização do princípio da confiança interna em relação às pessoas dos gestores, funcionários e prepostos da companhia, ante o interesse da própria Administração Pública.
Desse modo, o Compliance Officer tem o dever de tudo fazer ao seu alcance para impedir a prática daquelas condutas associadas à corrupção, à subvenção da prática de atos ilícitos, às fraudes nos procedimentos licitatórios, e outras correlatas, especialmente por meio da implementação de um programa de compliance efetivo. Ao se omitir, seja ao não implementar um programa de compliance efetivo, seja ao não fiscalizar-lhe o cumprimento, ainda que podendo fazê-lo, e assim concorrer para a ocorrência do resultado lesivo a que lhe comanda a lei evitar, poderá ele ser envolvido no cenário das apurações para avaliar-se a relevância de sua omissão diante do crime perpetrado.
E não se olvide a possibilidade de que, ante o constante desvirtuamento de teorias importadas, seja o Compliance Officer omitente ora acusado de se colocar propositadamente em estado de cegueira deliberada, alegando-se que um dito desinteresse em melhor conhecer ou investigar a fundo algum fato potencialmente ilícito no âmbito da empresa implicaria na assunção dolosa do risco da ocorrência de um resultado lesivo que poderia (e deveria) ter sido evitado se ele buscasse conhecê-lo; ora acusado, com base na teoria do domínio do fato, de ter concorrido para um determinado delito na medida em que, como membro de uma estrutura de poder organizada (a empresa), com recursos à sua disposição, deveria saber da existência de ações voltadas à pratica do delito e tê-las evitado.
Com efeito, na medida em que a prática de um ato de corrupção por algum funcionário da companhia é, sociologicamente, um ato provável, o risco de responsabilização da empresa exorbita da esfera do possível, trazendo consigo consequências nefastas, como a estigmatização da imagem da empresa, a implicação pessoal criminal dos gestores, sua exploração política e seu julgamento pelo tribunal da mídia, além de perdas econômicas que vão desde a redução do valor dos produtos e serviços ofertados, redução de investimentos e novos negócios, redução do valor de mercado da Companhia, e finalmente, o pagamento de altas indenizações e multas milionárias. Portanto, a prevenção ainda é o melhor e mais eficaz meio de salvaguarda, cuja gestão tem que receber a mesma atenção e investimentos, como a de qualquer área de negócios em uma empresa. Isso é, pois, uma receita de boa sobrevivência nos tempos atuais, onde os reflexos criminais podem implicar na eliminação da capacidade de recuperação de uma empresa!
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