Iara Gubert e Ivens Hübert*
A internacionalização das relações comerciais privadas não é um fenômeno novo. A abertura de mercados e o desenvolvimento tecnológico, dos meios de comunicação e de transporte, permitiram a ampliação dos negócios mercantis internacionais. Nesse contexto, a figura do agente ou representante comercial, como profissional que permite a aproximação de interesses entre vendedores e adquirentes de produtos e serviços, assume um papel bastante significativo.
No Brasil, a Lei nº 4.886/65 define que a atividade dos representantes comerciais pode ser executada por pessoa física ou jurídica, inexistindo relação de emprego. Trata-se de legislação que se preocupa em regular o conteúdo do contrato, bem como a profissão do representante comercial, partindo do pressuposto de que o representante comercial demanda alguma proteção jurídica em face do representado. Em outros países, a lei costuma possuir feições um pouco mais liberais, com maior espaço para que as partes livremente estipulem o conteúdo do contrato.
Diante disso, teriam as partes contratantes de Estados distintos autonomia plena para definir o foro para discussão de eventuais litígios decorrentes da execução do contrato? É possível que existam elementos de outros ordenamentos a serem considerados conforme o caso concreto, mas a presente análise baseia-se exclusivamente no direito brasileiro.
O Código de Processo Civil brasileiro estabelece a competência exclusiva do foro brasileiro para alguns casos (art. 23), mas também estabelece limitações a essa competência quando da existência de cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional (art. 25) e possibilidades de modificação da competência com base no valor e no território das obrigações (art. 63). Interessante notar que o § 3º do art. 63 do CPC determina que, se houver abusividade na cláusula de eleição de foro, essa poderá ser reputada ineficaz, remetendo a resolução do conflito ao juízo do foro de domicílio do réu.
No mesmo sentido, a Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (LINDB) estabelece que, quando o réu for domiciliado no Brasil ou a obrigação tiver de ser aqui cumprida, a competência é da autoridade judiciária brasileira (art. 12). Especificamente quanto aos contratos de representação comercial, a competência para o julgamento das controvérsias que surgirem é do Juízo do foro do domicílio do representante (art. 39 da Lei n. 4.886/1965).
Diante disso, questiona-se até que ponto as partes podem exercer sua autonomia quanto à eleição do foro em que eventuais litígios serão resolvidos. A maioria das decisões dos tribunais brasileiros debruçam-se sobre a caracterização do Art. 39 da Lei nº 4.886/1965 como norma de ordem pública e cogente para contratos internacionais, atribuindo a competência exclusiva ao foro brasileiro.
Ou seja, mesmo que haja uma cláusula de eleição de foro no contrato, ao Judiciário brasileiro importa mais verificar a condição das partes contratantes, e, principalmente, se o representado é hipossuficiente. A competência referida no art. 39 somente poderia ser relativizada quando não há hipossuficiência e quando a mudança de foro não crie óbices para que o representante comercial tenha devido acesso à Justiça.
Conclui-se que as partes contratantes têm sua escolha limitada no que diz respeito à pactuação do foro, sendo o litígio possivelmente julgado em jurisdição que eventualmente não tenha sido por elas definida. Diante disso, uma alternativa, de certa forma já referendada pela legislação e jurisprudência brasileiras, pode ser a pactuação de cláusula arbitral. Elegendo-se tribunal arbitral específico para decidir a respeito do litígio derivado do contrato, as partes poderão, independentemente da sua origem, garantir o exercício mais pleno de sua autonomia nos contratos de representação, desde que cumpridos todos os requisitos legais.
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