Resumo: Este ensaio tem por objetivo analisar o avanço progressivo do direito do autuado em flagrante de ter sua prisão comunicada ao Juiz competente, desde a Constituição Imperial até a Constituição Cidadã, uma obrigação do Estado e um direito fundamental de toda a pessoa, a partir da evolução histórica dos direitos humanos positivados. Visa ainda detalhar a necessidade dessa comunicação mesmo que tenha a autoridade policial lavrado o auto de prisão em flagrante seguindo de fiança na forma do artigo 322 do Código de Processo Penal.
Palavras-Chaves: Comunicação da prisão, juiz competente, arbitramento de fiança, necessidade da comunicação, princípio da máxima efetividade constitucional, direito fundamental.
Os direitos das pessoas presas em flagrante foram construídos a partir do Movimento Constitucionalista que se instalou no Brasil, cada vez mais aumentando o rol de direitos em nome daquilo que chamamos de proibição do retrocesso social e proibição da proteção deficiente.
Assim, a prisão de qualquer pessoa e o lugar onde se encontra será comunicada ao Juiz competente, como parte de um rol de direitos individuais previstos na Constituição da República.
A formatação desses direitos começou a ser desenhada ainda sob a égide da Constituição Imperial de 25 de março de 1824, no Título VIII, que definia as disposições gerais, as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, a partir do artigo 179, assim definindo:
“Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte.
I. (omissis)
VIII. Ninguem poderá ser preso sem culpa formada, excepto nos casos declarados na Lei; e nestes dentro de vinte e quatro horas contadas da entrada na prisão, sendo em Cidades, Villas, ou outras Povoações proximas aos logares da residencia do Juiz; e nos logares remotos dentro de um prazo razoavel, que a Lei marcará, attenta a extensão do territorio, o Juiz por uma Nota, por elle assignada, fará constar ao Réo o motivo da prisão, os nomes do seu accusador, e os das testermunhas, havendo-as.
IX. Ainda com culpa formada, ninguem será conduzido á prisão, ou nella conservado estando já preso, se prestar fiança idonea, nos casos, que a Lei a admitte: e em geral nos crimes, que não tiverem maior pena, do que a de seis mezes de prisão, ou desterro para fóra da Comarca, poderá o Réo livrar-se solto.
X. A excepção de flagrante delicto, a prisão não póde ser executada, senão por ordem escripta da Autoridade legitima. Se esta fôr arbitraria, o Juiz, que a deu, e quem a tiver requerido serão punidos com as penas, que a Lei determinar.”
A primeira Constituição da República se deu em 24 de fevereiro de 1891, cuja declaração dos direitos ocorreu a partir do artigo 72, em trinta e um parágrafos, trazendo o rol desses direitos na parte-meio do texto constitucional.
“Art 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 13 – A exceção do flagrante delito, a prisão não poderá executar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente.
§ 14 – Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, salvas as exceções especificadas em lei, nem levado à prisão ou nela detido, se prestar fiança idônea nos casos em que a lei a admitir.”
A terceira Carta foi denominada Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934, com 187 em sua parte fixa.
Os direitos e garantias individuais foram tratados no artigo 113, em trinta e oito itens. O importante item 21 inaugura a chamada Era do Controle das Prisões, porque é a primeira Constituição a prever expressamente a obrigatoriedade de se comunicar imediatamente ao Juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa.
“21) Ninguém será preso senão em flagrante delito, ou por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e promoverá, sempre que de direito, a responsabilidade da autoridade coatora.
22) Ninguém ficará preso, se prestar fiança idônea, nos casos por lei estatuídos.”
A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937 retrata a Era dos Chumbos, inclusive com previsão de pena de morte, nos casos elencados no artigo 122, item 13, geralmente por motivação política e nos crimes de homicídios fúteis ou praticados com extremos de perversidade, Uma época de exceção no Brasil. Também um texto enxuto contendo 187 artigos.
Os direitos e garantias individuais eram tratados no artigo 122, com dezessete itens. O único item destinado a proteção de pessoas presas era o 11), conforme descrição abaixo:
“11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa.”
Percebe-se que esta Carta de 1937 desaparece com a obrigatoriedade de se comunicar a prisão ou detenção de qualquer pessoa ao Juiz competente.
A seguir a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946, possuía 218 artigos.
Os direitos e garantias individuais eram tratados no artigo 141, em trinta e oito parágrafos.
Esta Constituição volta com a obrigatoriedade de se comunicar imediatamente ao Juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa, especificamente no parágrafo 22, in verbis:
“§ 20 – Ninguém será preso senão em flagrante delito ou, por ordem escrita da autoridade competente, nos casos expressos em lei.
§ 21 – Ninguém será levado à prisão ou nela detido se prestar fiança permitida em lei.
§ 22 – A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal, e, nos casos previstos em lei, promoverá a responsabilidade da autoridade coatora.”
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 foi edificada com 189 artigos, incluindo as disposições gerais e transitórias.
O Título II previu a declaração de direitos. O capítulo IV, a partir do artigo 150, contendo trinta e cinco parágrafos anunciava os direitos e garantias individuais. O parágrafo 12 trazia expressamente a obrigatoriedade de se comunicar ao Juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa.
“§ 12 – Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sobre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será Imediatamente comunicada ao Juiz competente, que a relaxará, se não for legal”.
A Emenda Constitucional nº 01, de 17 de outubro de 1969 editou um novo texto da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, com 200 artigos.
Há quem entenda que esta Emenda é uma nova Constituição Federal. Sem ingressar no mérito causa, importante situar a previsão acerca da prisão.
Os direitos e garantias individuais foram tratados no artigo 153, com 36 parágrafos. A prisão e sua respectiva obrigação de comunicação ao juiz competente foi determinada no parágrafo 12, conforme abaixo descrito:
“§ 12. Ninguém será prêso senão em flagrante delito ou por ordem escrita de autoridade competente. A lei disporá sôbre a prestação de fiança. A prisão ou detenção de qualquer pessoa será imediatamente comunicada ao juiz competente, que a relaxará, se não fôr legal”.
A Constituição da República de 1988 operou grandes inovações no ordenamento jurídico pátrio, a começar trazendo para a parte inicial a previsão dos direitos fundamentais, a separação de funções, os objetivos republicanos, os princípios de interrelacão com outros países, os direitos e garantias individuais e os direitos sociais.
O artigo 5º nasceu com 77 incisos, sendo acrescentado o inciso LXXVIII por meio da Emenda Constitucional 45, de 30 de dezembro de 2004.
O inciso LXII dispõe que a prisao de qualquer pessoa será comunicada ao juiz competente.
“LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”
No mesmo sentido, é o disposto no artigo 306 do Código de Processo Penal, que de forma inédito estabeleceu o prazo para encaminhamento ao juiz competente do auto de prisão em flagrante e cópia integral para a Defensoria Pública caso o autuado não informe o nome de seu advogado.
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.”
A determinação constitucional de comunicação ao juiz competente não informa a modalidade da prisão efetivada, se com ou sem fiança.
Assim, em qualquer modalidade, a autoridade policial deverá comunicar a prisão ao juiz competente. Se a fiança foi arbitrada, a autoridade policial deverá informar ao juiz competente se houve ou não o recolhimento do valor ao estabelecimento oficial. Em havendo o recolhimento ou depósito ao escrivão ou pessoa abonada conforme define o artigo 331, parágrafo único do Código de Processo Penal, deve a autoridade policial de forma cogente informar a tudo isso ao Juiz competente, dentro daquilo que J.J. Gomes Canotillo chama de princípio da máxima efetividade constitucional.
Sabe-se que mesmo que haja o arbitramento do valor da prisão, a prisão deverá passar pelo crivo jurisdicional quanto à sua legalidade.
Desta feita, se o auto de prisão em flagrante foi lavrado e a fiança arbitrada na forma do artigo 322 do CPP, com nova redação determinada pela Lei 12.403, havendo o regular recolhimento do valor da fiança, mas o juiz competente entendeu que a prisão foi ilegal, logo o autuado não se submete às condições legais impostas pelos artigos 327 e 328 do Código de Processo Penal, e por via de consequência, o valor da fiança lhe será restituído.
“Art. 327. A fiança tomada por termo obrigará o afiançado a comparecer perante a autoridade, todas as vezes que for intimado para atos do inquérito e da instrução criminal e para o julgamento. Quando o réu não comparecer, a fiança será havida como quebrada.
Art. 328. O réu afiançado não poderá, sob pena de quebramento da fiança, mudar de residência, sem prévia permissão da autoridade processante, ou ausentar-se por mais de 8 (oito) dias de sua residência, sem comunicar àquela autoridade o lugar onde será encontrado.”
Cita-se como exemplo. Ainda na vigência do artigo 16 da Lei 6368/76, depois da Lei 11.313, de 28 de junho de 2006, que determinou nova redação ao artigo 61 da Lei 9.099/95, onde considerou infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa, determinada Autoridade Policial autuou em flagrante delito um indivíduo que foi conduzido à Delegacia de Polícia Civil por posse de substância entorpecente para uso próprio.
O procedimento legal deveria ser tão somente a assinatura do termo de compromisso de comparecimento ao juizado especial criminal, já que não havia nenhum impedimento legal, e não a lavratura do auto de prisão em flagrante com arbitramento de fiança.
Neste caso, após receber a comunicação da prisão em flagrante com a fiança arbitrada, o juiz competente deveria relaxar a prisão, porquanto ilegal, determinar a restituição do valor recolhido da fiança ao autuado e anda determinar a cessação das condições que foram impostas ao autuado em razão da liberdade provisória vinculada.
Como bem ensina o Delegado de Polícia Civil em Minas Gerais, Dr. Rodrigo Andersen:
"Logo, como a Constituição não faz qualquer menção a necessidade de que essa prisão seja mantida, conclui-se que, mesmo que a autoridade policial conceda ao preso liberdade provisória com fiança (CPP, art 322), essa comunicação deve ser feita. Afinal, em ultima analise, houve cerceamento da liberdade de locomoção".
E ainda assevera com singular propriedade:
"Ademais, o afiançado fica submetido ao cumprimento de certas condições e, caso o flagrante seja anulado pelo Juiz, tais obrigações deixaram de existir, com a consequente devolução do valor dado em garantia. Nesse viés, não se pode olvidar que a fiança pode ser cassada pelo juiz (ex. Suponha-se que a autoridade policial conceda fiança em relação a delito com pena máxima superior a quatro anos. Nesse caso, a autoridade judiciaria, e somente ela, deve determinar a cassação da fiança, de oficio, ou por provocação). Também poderá determinar o reforço da fiança (art 340, do CPP) quando o delegado tomar por engano fiança insuficiente. Por ultimo, a fiança ainda pode ser declarada sem efeito".
Por tudo aqui exposto, possível concluir que torna-se obrigatória a comunicação da prisão em flagrante delito ao Juiz competente, ainda que a autoridade policial tenha arbitrado o valor da fiança, informando ainda, se o valor arbitrado foi recolhido ou não, sendo necessário também ser encaminhado o auto de prisão em flagrante ao juiz para que este proceda a um juízo de legalidade da atuação da Polícia Judiciária.
Assim agindo, estará a autoridade policial no âmbito de sua responsabilidade social, ética e humanitária, fazendo concretizar o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, segundo a qual as normas constitucionais devem ser interpretadas de tal modo que a eficácia da Lei Maior seja plena e máxima, da transparência administrativa, que demonstra a lisura da atuação do gestor público, titular legítimo e inafastável do "filtro processual" e afirmação dos direitos humanos universais em face dos direitos fundamentais em progressão.
Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Direito Penal Avançado, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina
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