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Confidências de criminalistas (I)

Não basta ser advogado. Defesa criminal é para profissionais da área, onde um vacilo pode manter ou mandar uma pessoa, por muitos anos, para as sucursais do inferno na terra, que são os presídios brasileiros. Um colega criminalista do Rio de Janeiro confidenciou: “…Certa feita, como defensor público, fui incumbido de uma causa que estava para ser julgada pelo Tribunal do Júri. Após estudo do processo fui até o presídio onde se encontrava o acusado para um primeiro contato. A causa era daquelas em que, embora o acusado negasse a autoria do homicídio, a denúncia e a sentença de pronúncia insistiam na hipótese de ser ele o autor do crime, com remessa para o júri decidir. Após solicitar a presença do acusado aos que o custodiavam e apresentar-me como seu defensor, o mesmo foi incisivo: “Não matei…”. Ponderei para aquele homem que o delegado que presidiu o inquérito, o promotor que denunciou e o juiz que instruiu o processo tudo fizeram e direcionaram para configurar ser ele o autor do crime e que, do jeito que as coisas estavam no papel, a continuar negando a autoria, poderia ser condenado pelo júri. Ele retrucou: “Que justiça do cacete é essa! Não matei ninguém, estou preso e o senhor está dizendo que posso ser condenado por uma coisa que não fiz. O que o senhor me aconselha…”

Falei para ele que no estudo do processo, sendo a vítima um valentão e encrenqueiro com várias passagens pela polícia, a opção que restava, com maior probabilidade de absolvição pelo júri, seria assumir a autoria e dizer que matou em legítima defesa. O acusado, ao ouvir o conselho, empalideceu e disse: “Eu tinha uma bronca com o cara, mas não iria matá-lo, vou assumir algo que não fiz e como vou justificar o interrogatório na polícia e perante o juiz dizendo que não fui eu…”. Acrescentei: fale que ficou com medo de vingança, que teve que matar para não morrer naquela madrugada em que cruzou com ela no atalho estreito dos fundos do bar onde foi encontrada morta… Você é um pai de família, trabalhador, nunca se envolveu antes com a Justiça e consta do processo que a destemida e inconseqüente vítima, por duas vezes, te ameaçou naquele mesmo bar.

Alguns momentos de silêncio e reflexão e o acusado disse-me: “O senhor me garantindo que dará certo, vou seguir seu aconselhamento…”. Interrompi e disse-lhe que não estaria garantindo e sim aumentando as probabilidades de absolvição de acordo com o que constava do proce sso. Arrematou dizendo: “Se aumentam as chances de sair daqui, vamos fazer como o senhor está falando!”

Em suma, foi levado a julgamento pelo Tribunal do Júri e absolvido por unanimidade por legítima defesa própria. Proclamado o resultado e expedido o alvará de soltura, me abraçou chorando de emoção e disse: “Não entendo a Justiça de vocês… Por todo o tempo em que falei a verdade fiquei preso… De qualquer modo, obrigado doutor por devolver a liberdade para quem nunca matou ninguém.”

Assim, Elias, por outro caminho atingimos o objetivo. Afinal, pelo nosso sistema o que importa é o que vai para o processo. Tenho que a verdade não é problema da defesa. A verdade é um problema da filosofia…”

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Elias Mattar Assad

 

Presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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