Resumo: o artigo analisa o acórdão 113.260/SP, da lavra do Min. João Otávio de Noronha, e os votos dos demais ministros integrantes da Segunda Seção do STJ, acerca dos parâmetros jurídicos utilizados para solução do conflito de competência entre câmaras arbitrais, ante o silêncio da lei 9.307/96 sobre a matéria. Após a investigação do conteúdo do acórdão, serão abordadas as alternativas que o STJ teria para fundamentar a decisão proferida no conflito de competência, julgado inédito e paradigmático na seara da arbitragem.
Palavras-chave: Arbitragem. Compromisso arbitral e cláusula compromissória. Conflito de competência. Câmaras arbitrais. Omissão legislativa (Lei 9.307/96)
Sumário: 1. Introdução. 2. O conflito de competência: o leading case. 3. O julgamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça. 4. Comentários sobre o caso: análise do acórdão 113.260/SP. 5. Conclusões. 6. Referências Bibliográficas
1. INTRODUÇÃO
É sabido que a lei 9.037/96, que dispõe sobre arbitragem, é um marco na história nacional das na adoção de formas alternativas de solução de conflitos, ao permitir que os contratantes valham-se amplamente do princípio da autonomia da vontade para retirar, da jurisdição convencional do Estado-juiz, a prerrogativa, até então exclusiva, para solução de conflitos, investindo o árbitro dos poderes para instaurar a arbitragem e decidir o conflito.
Tirante discussões, e a par delas, acerca da natureza da arbitragem – se jurisdicional, ou não -, é certo que as partes, por obra máxima da manifestação da autonomia da vontade, preferem afastar a jurisdição convencional monopolizada pelo juiz e outorgar ao árbitro a função de decidir definitivamente litígios sobre direitos patrimoniais disponíveis.
Neste sentir, convencionam as partes submeter à arbitragem seus litígios, contratando-a mediante celebração de convenção de arbitragem, nela compreendidas a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
Ao subtrair do Estado-juiz o poder de dizer o direito no caso concreto, as partes podem escolher a arbitragem ad hoc ou a institucional e, ainda, contratar uma cláusula compromissória cheia ou vazia ou, simplesmente, surgido o litígio, realizar o compromisso arbitral.
Importa dizer, assim, que contratada a arbitragem, por qualquer de suas formas, a relação jurídica sofre os efeitos negativos da convenção arbitral: é afastada toda a possibilidade de interferência jurisdicional do Estado no mérito da controvérsia.
No que pese a existência de outros aspectos, também relevantes, cuja solução não foi prevista na legislação de referência, e o modo de solucioná-los[1], a lei de arbitragem é silente no tocante à (rara) hipótese de conflito positivo, ou negativo, de competência entre câmaras arbitrais, ou árbitros.
Com efeito, ainda que de remota ocorrência, é possível surgir dúvida sobre quem detenha a competência para processar a arbitragem, seja de forma positiva (mais de uma câmara ou árbitro arvorando-se competentes), seja na modalidade negativa (duas câmaras ou árbitros julgando-se incompetentes) para solução do conflito.
Recentemente o Superior Tribunal de Justiça – STJ enfrentou a inédita questão do conflito de competência entre câmaras arbitrais e proferiu, pela Segunda Seção, acórdão no Conflito de Competência de n. 113.260/SP[2], vaticinando, à luz da Constituição Federal e da lei 9.307/96, a quem incumbe julgar o conflito.
É o julgamento do conflito de competência o objeto deste artigo.
2. O conflito de competência: O LEADING CASE
Num contrato de promessa de compra e venda de 23 glebas de terra, a Pecuária Unit Santa Clara Ltda. e a Fazenda Reunidas Curuá Ltda. e outros celebraram que todas as controvérsias seriam dirimidas pela Câmara de Arbitragem da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo – FIESP.
Surgido o conflito de interesses[3], a Pecuária Unit Santa Clara Ltda., em 18/06/2009, requereu a instauração do procedimento de arbitragem perante a câmara de arbitragem da CIESP. Antes de instaurada a arbitragem, o procedimento foi extinto, em 19/04/2010, posto que não houve pagamento dos valores (custas de administração). Entretanto, depois de pagos os valores, o procedimento foi retomado, em 30/06/2010.
Diante do arquivamento do procedimento arbitral, os vendedores, desta vez, tomaram a iniciativa de requerer a instauração da arbitragem perante a Câmara Arbitral do Comércio, Indústria e Serviços de São Paulo – CACI-SP, em 09/06/2010, tendo este órgão aceitado o pedido.
No novo requerimento de instauração de arbitragem, realizado pelos vendedores, consignou-se que seria lícito apresentar o pedido a câmara arbitral diversa da escolhida pelas partes, em face do malogro da primeira tentativa de arbitragem por ausência de pagamento da taxa de administração[4].
A compradora, Pecuária Unit Santa Clara Ltda. impugnou oportunamente a aceitação da CACI-SP como juízo arbitral competente, não logrando êxito em face da ratificação da competência.
Informada da instauração de um novo procedimento arbitral perante a CACI-SP, a câmara da CIESP também reafirmou sua competência para o processar e julgar a causa.
Noticia o relatório da Min. Nancy Andrigui que ambos os procedimentos arbitrais tiveram seguimento simultâneo.
Neste ínterim, a Pecuária Unit Santa Clara Ltda., ao fundamento de que as câmaras de arbitragem têm natureza jurisdicional, requereu perante o Superior Tribunal de Justiça – STJ a instauração de conflito de competência e, ao final, pugnou que fosse declarada competente a câmara da CIESP.
Conferiu-se, portanto, ao STJ o múnus de decidir sobre conflito positivo de competência entre câmaras arbitrais.
Ao final, eis a ementa do julgado da Segunda Seção:
“PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. CÂMARAS DE ARBITRAGEM. COMPROMISSO ARBITRAL. INTERPRETAÇÃO DE CLÁUSULA DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA. INCIDENTE A SER DIRIMIDO NO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. INCOMPETÊNCIA DO STJ. ART. 105, III, ALÍNEA “D”, DA CF. CONFLITO NÃO CONHECIDO.1. Em se tratando da interpretação de cláusula de compromisso arbitral constante de contrato de compra e venda, o conflito de competência supostamente ocorrido entre câmaras de arbitragem deve ser dirimido no Juízo de primeiro grau, por envolver incidente que não se insere na competência do Superior Tribunal de Justiça, conforme os pressupostos e alcance do art. 105, I, alínea “d”, da Constituição Federal.2. Conflito de competência não conhecido.”(CC 113.260/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ Acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/09/2010, DJe 07/04/2011)
Após este breve resumo do leading case, impende analisar os votos dos Ministros.
3. O julgamento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça
A Min. Relatora Nancy Adrighi, em seu voto, tece longos comentários acerca da natureza jurídica da arbitragem – concluindo pelo caráter jurisdicional – antes de ingressar no mérito do conflito de competência: é competente o STJ para conhecer do conflito positivo entre duas câmaras arbitrais?
Lastreou-se a ministra nos aspectos jurisdicionais da arbitragem para concluir, em razão das informações contidas nos autos, pela competência da CIESP para o requerimento de medidas cautelares urgentes, ao mesmo tempo em que suspendeu os procedimentos arbitrais levados a efeitos perante as outras câmaras, antes de julgar definitivamente o conflito de competência.
Frise-se que a câmara arbitral a CIESP não tinha sido a escolhida na convenção de arbitragem, e sim a da FIESP.
A ministra tomou em consideração a circunstância de que havia, entre as partes, outras lides paralelas perante o Poder Judiciário: uma ação cautelar de sustação de protesto na 8 Vara Cível da Comarca de Niterói/RJ, promovida pela Pecuária Unit Santa Clara Ltda. contra os vendedores; uma ação cautelar de seqüestro em trâmite perante a 2 Vara da Comarca de Água Boa/MT; e duas ações de execução propostas pelos vendedores contra a Pecuária Unit Santa Clara Ltda., também em trâmite perante a 8 Vara Cível da Comarca de Niterói/RJ.
Saliente-se, ainda na conformidade do arrazoado no voto da ministra relatora do conflito de competência, que os vendedores têm sede e/ou são domiciliados no município de Água Boa/MT, enquanto que a Pecuária Unit Santa Clara Ltda. é sediada em Niterói/RJ.
Assim, entendeu a relatora do conflito de competência que, independentemente de ter sido instaurado entre câmaras arbitrais situadas em São Paulo/SP, não poderia ser submetido à cognição de um magistrado de piso, pois as disposições previstas na lei de arbitragem, acerca da intervenção programada do Poder Judiciário – ou seja, nos casos em que se faz necessário o poder de imperium para conduzir testemunhas coercitivamente; conceder medidas cautelares, etc. – não “determinam necessariamente que o juízo que tomará as providências requeridas pela Corte Arbitral será o do local em que se realiza a arbitragem”, concluindo que “a sede de ambas as Câmaras Arbitrais na cidade de São Paulo, portanto, não indica que a jurisdição estatal que a elas foi atribuída pelas partes decorra, necessariamente, do respectivo Tribunal. Portanto, na hipótese específica dos autos, é regular a suscitação do conflito perante este C. STJ, ao menos pelo que se depreende desta análise inicial do processo.”
Com efeito, para Nancy Andrighi, não poderia existir “paralelismo” “entre as regras processuais e as de arbitragem, por mais razoável que fosse promover uma equiparação entre as Câmaras Arbitrais e os órgãos do Poder Judiciário. Contudo, deve-se observar que há clara relação de coordenação entre o Tribunal Arbitral e os órgãos do Justiça Estatal, mas esse paralelismo não se reflete, necessariamente, na competência de julgamento”, devendo, portanto, o STJ decidir o conflito de competência, ao invés de submetê-lo a algum dos órgãos da Justiça Estadual[5].
O Min. João Otávio Noronha, relator do acórdão, abrindo a divergência, asseverou que o conflito de competência deveria ser julgado por juiz de primeiro grau, “que controla a própria obrigação de fazer”, alinhavando que, além de o caso não se amoldar ao art. 105, inciso I, alínea “d” da Constituição Federal, lembrou que a existência da “cláusula de eleição de foro arbitral” atrai “todas as questões decorrentes desse compromisso arbitral” e submetem-na “ao foro que seria competente para julgar o próprio contrato”, razão pela qual não conheceu do conflito de competência.
Ao sufragar o posicionamento do voto divergente, o Min. Sidnei Beneti assentou que a matéria não poderia ser afeta ao STJ, e demonstrou profunda “preocupação de abrir o caminho judicial estatal ao conflito de competência em matéria de arbitragem, porque isso incentivaria o “fogo de encontro”. Permitiria o guerrear oblíquo da interpretação das cláusulas arbitrais, de maneira que alguém, uma das partes, a quem não interesse um tipo de Juízo Arbitral, poderia criar os incidentes processuais para desqualificar o Juízo Arbitral, procurando outro, como está acontecendo neste caso.”
Em continuação, o Min. Sidnei Beneti discorreu, em outros termos, sobre a necessidade de fortalecimento da jurisdição arbitral e o respeito que o Poder Judiciário deve dar à manifestação da autonomia da vontade quando as partes convencionam que resolverão seus litígios pela arbitragem, asseverando que:
“quando se escolhe a jurisdição arbitral, têm as partes de estar cientes de que fizeram um contrato, e de que esse contrato leva aos riscos inerentes ao seu cumprimento como contrato, inclusive no tocante à praticização do Juízo Arbitral. Elas sabiam o que contratavam, ou seja, a exclusão da jurisdição estatal. (…) Na génesis , creio que não há razão para o conflito de competência. Ou o Juízo Arbitral se efetiva, se instala, ou, então se frustra. Se se frustrar, que se deixe muito clara a frustração de todo o Juízo Arbitral; e então, as partes irão procurar os meios de jurisdição estatal que não sejam os meios de jurisdição convencional (…). Nem mesmo conheceria desse conflito nem com envio ao Juízo de Primeiro Grau. Eu reservaria, para o Juízo de Primeiro Grau, apenas o julgamento de medidas cautelares e execução atinentes à arbitragem. Na arbitragem há uma reserva, para a jurisdição convencional, exclusivamente cognição, não de coerção. Apenas a coerção o que não é atribuída à arbitragem, o resto é delegado, realmente, pela Lei da arbitragem para o Juízo arbitral. Se houver alguma infringência, algum direito urgente ou necessidade de execução, isto deve ser buscado na sua satisfação perante o juízo de Primeiro Grau. (…) Existe uma jurisdição que foi acionada, que é a jurisdição convencional, essa jurisdição arbitral tem que ser exaurida, sem que o litígio obliquamente transmigre para a jurisdição estatal.”
O Min. Raul Araújo votou no sentido de ser a competência do juiz de primeiro grau para julgar o conflito de competência, eis que a Constituição Federal não previu, como competência originária do STJ, o julgamento do conflito de competência entre câmaras arbitrais, salientando que o STJ somente deveria “intervir” caso houvesse conflito de competência entre juízos distintos, aderindo, por fim, ao voto divergente apresentado pelo Min. Sidnei Beneti.
Por seu turno, a ministra Maria Isabel Gallotti aderiu aos votos dos Mins. João Otávio Noronha e Sidnei Beneti, e os Mins. Aldir Passarinho e Vasco Della Giustia votaram com o Min. Sidnei Beneti.
Conhecidos os votos e os fundamentos que embasaram o não conhecimento do conflito positivo de competência, passa-se à análise do julgado.
4. Comentários sobre o caso: análise do acórdão 113.260/SP
Com relação à celeuma instaurada, talvez a melhor alternativa, de fato, seja a resolução do conflito de competência pelo juiz de primeiro grau, eis que a cláusula compromissória comporta execução específica (a “obrigação de fazer” mencionada pelo Min. Otávio Noronha), aplicando-se, por analogia (art. 4º da antiga LICC), o regramento previsto nos art. 6º e 7º da lei 9.307/96.
Com relação à instauração do conflito de competência no STJ, afigura-se equivocado tal proceder, porquanto a alta corte infra-constitucional não detém competência originária para julgar conflitos entre câmaras arbitrais (art. 105, inciso I, aliena “b” da Constituição Federal), o que resultaria (como de fato resultou) na impossibilidade de conhecimento do conflito. Esta observação não escapou à argúcia do Min. Otávio Noronha.
Portanto, sendo intransponível o óbice constitucional aventado, necessária a solução da controvérsia e imperioso extrair do ordenamento jurídico uma interpretação sistemática e segura da lei 9.307/96, que preservasse o princípio da autonomia da vontade e integrasse o tema no contexto do direito positivo, poderia o STJ ter aprofundado mais as discussões que resultariam num acórdão inédito e paradigmático.
É valente registrar que não houve renúncia à arbitragem por qualquer das partes, apenas opção por câmara arbitral diversa da previamente escolhida na convenção de arbitragem, o que não é lícito aos contratantes, sem a acorde manifestação da vontade.
Lembre-se, ainda, no que pese o não conhecimento do conflito de competência, segundo os arts. 21, 32[6] e 26 da lei 9.307/96, a insistência das partes em instaurar a arbitragem perante câmara diversa da prevista na convenção arbitral resultaria na nulidade da sentença e, portanto, na impossibilidade de exigir-se o cumprimento específico da obrigação, fato ao qual os ministros não atentaram.
Explica-se. A sentença proferida por câmara arbitral incompetente é nula, seja a teor do art. 21, caput e art. 32, inciso II, ainda que o art. 21 afirmar que apenas a violação ao art. 21, §2º[7] enseje a nulidade.
Primeiramente, urge vaticinar a circunstância de que regra do art. 32, inciso II, comporta não apenas a hipótese de sentença proferida por quem não podia ser árbitro (arts. 134 e 135 do CPC, ou casos de incapacidade, por exemplo), mas também as situações em que a nomeação dos árbitros deu-se de modo diferente do previsto na convenção arbitral avençadas pelas partes.
Idêntica opinião parece ser a de Carlos Alberto Carmona[8] que afirma “se na cláusula ou compromisso as partes tiverem estipulado que o árbitro, a ser indicado por um órgão arbitral institucional ou por terceiro previamente determinado, deva obrigatoriamente preencher certas características (conhecer perfeitamente o idioma holandês e ter experiência mínima de dez anos no mercado, por exemplo) e isto não for respeitado no ato de nomeação, poderá o interessado manejar a ação de que trata o art. 33 da Lei, desde que a matéria tenha sido oportunamente aduzida (art. 20). Serve o exemplo acima para demonstrar que o dispositivo analisado deve comportar interpretação razoavelmente aberta, sob pena de, à força de tentar restringir excessivamente as hipóteses de nulidade (talvez como forma de política de prestigiar a arbitragem), deixar ao desamparo o litigante prejudicado com o incorreto manejo dos instrumentos instituidores da arbitragem (cláusula e compromisso).”
Ao escolherem câmara arbitral diversa da prevista na convenção de arbitragem – arbitragem institucional – os árbitros nomeados, muito provavelmente, serão integrantes do quadro daquelas instituições e, portanto, serão diversos dos pretendidos pelas partes, o que acarretará a nulidade da arbitragem e da sentença. O mesmo se aplica à forma de escolha ou características dos árbitros, por exemplo.
De outra banda, apesar de o art. 33 determinar que nas demais hipóteses previstas no art. 21 o árbitro ou tribunal deverá proferir novo laudo, tem-se que a regra comporta, também, uma interpretação mais extensiva, nos moldes do raciocínio desenvolvido por Carlos Alberto Carmona, e José Cretella Neto[9], que assevera “a sentença será decretada nula nos caso dos incisos I, II, VI, VII e VIII do art. 32, com exclusão, no caso, dos incisos III, IV e V, mas sem explicação para a exclusa, pois esses incisos ensejariam perfeitamente anulação da sentença arbitral (….).”
Os “limites da convenção de arbitragem” também devem incluir a escolha da câmara arbitral e/ou árbitros e, ainda, se arbitragem será ad hoc ou institucional; não se deve interpretar o referido inciso IV, do art. 21, atendo-se ao objeto da arbitragem, pois se o legislador quisesse limitar a hipótese de nulidade ao objeto assim teria dito.
No mesmo sentir, colhe-se a lição de José Cretella Neto[10] para quem “a lei fala em sentença proferida fora dos limites da convenção de arbitragem, e não do pedido, ou seja, do objeto do litígio submetido. Melhor técnica seria o legislador ter indicado como motivo de nulidade de sentença, aquela ‘proferida em desacordo com o estabelecido pelas partes na cláusula compromissória e/ou compromisso arbitral’, mas não o fez” (destaques no original).
Ainda segundo José Cretella Neto[11], o art. 32 da lei apenas enumera exemplificativamente casos de nulidade, pois ainda há outros que podem ensejar a propositura da ação de nulidade, no que tem razão.
Portanto, tem-se uma incoerência no art. 33, inciso II, que diz que nas demais hipóteses será proferida uma nova sentença.
Não necessariamente haverá a prolação de outro laudo. Na situação em comento, em caso de sentença arbitral proferida fora dos limites da convenção arbitral – no que se inclui a escolha das câmaras e árbitros – também haverá nulidade, só que não deverá haver nova prolação de sentença, sendo aplicável, neste caso específico, o regramento do inciso I, do art. 33, conforme orientação acima exposta.
Retomando os comentários, então, no conflito de competência julgado pelo STJ, a corte poderia ter adotado os seguintes argumentos para não conhecê-lo e aproveitar o ensejo para melhor sedimentar as bases do acórdão paradigma:
(i) o tribunal não possui competência constitucional originária para julgar conflitos de competência entre câmaras arbitrais (art. 105, inciso I, alínea “b”;
(ii) a escolha, por qualquer das partes, de câmara arbitral distinta da prevista na convenção de arbitragem causa a nulidade do procedimento, seja em razão de a nomeação dos árbitros ter se dado de modo diferente do previsto na convenção arbitral avençadas pelas partes (art. 32, inciso II), seja em função de a sentença violar os “limites da convenção de arbitragem” (art. 21, inciso IV), e, conseqüentemente, a nulidade da sentença, que não poderá ser executada;
(iii) existência da “cláusula de eleição de foro arbitral” atrai “todas as questões decorrentes desse compromisso arbitral” e submetem-na “ao foro que seria competente para julgar o próprio contrato”, conforme salientado pelo Min. João Otávio Noronha; e
(iv) fixar, por analogia, o regramento previsto nos arts. 6º e 7º da lei 9.307/96, por aplicação de analogia, como aplicáveis à instauração do conflito de competência entre câmaras arbitrais a ser resolvido por juiz de primeiro grau, haja vista que são dispositivos que permitem a execução específica da convenção de arbitragem.
5 CONCLUSÕES
A decisão do STJ, proferida no conflito de competência 113.260, pela Segunda Seção, se não foi embasada em votos técnicos, é bastante louvável, pois tem o condão de demonstrar, inequivocamente, a preocupação daquela alta corte com os princípios da autonomia da vontade e da segurança jurídica, sendo este último de vital importância para o desenvolvimento da arbitragem no Brasil, uma vez que as instituições reconhecem (e não intervêm) na escolha das partes pela adoção do meio “alternativo” de solução de controvérsias.
Sendo a arbitragem internacionalmente utilizada pelas empresas como forma de solução rápida, profissional, especializada, técnica e sigilosa dos conflitos, faz-se mister que o Poder Judiciário reconheça a validade plena da autonomia da vontade – como forma soberana da escolha das partes em subtrair da “Justiça” a exclusividade para dizer o direito – visando a garantir maior segurança jurídica às relações e maior grau de previsibilidade das decisões, atenuando o chamado “risco Brasil”, preenchendo habilidosamente as lacunas da lei 9.307/96, sem imiscuir-se no mérito das questões, afetas unicamente à arbitragem.
Neste sentido, importante passo foi dado pelo STJ ao estabelecer que compete ao juiz de primeiro grau conhecer do conflito de competência entre câmaras arbitrais, dando voz à lei no que ela é silente e reverberando perante a comunidade jurídica o entendimento paradigmático a ser observado nos casos futuros de semelhante jaez.
Assim, no silêncio da norma positiva, deve o intérprete buscar no ordenamento jurídico, de forma sistemática, a melhor interpretação possível à solução do problema.
De acordo com “antiga” lei de introdução ao Código Civil – LICC, hoje lei de introdução às normas do Direito Brasileiro[12], a analogia e os princípios gerais do Direito também são fontes do direito (art. 4º[13]).
No caso analisado, ao deparar-se com matéria jamais levada à Corte, o STJ bem decidiu ao firmar entendimento de que o conflito de competência entre câmaras arbitrais deve ser solucionado pelo juiz de primeiro grau[14].
Contudo, deveria aquele tribunal ter assentado, ainda que a matiz fosse constitucional, a impossibilidade de conhecimento do conflito de competência por ausência de previsão constitucional de competência originária do STJ para julgamento de casos desta natureza (art. 105, inciso I, aliena “b” da Constituição Federal) e estabelecido que o conflito de competência deverá ser instaurado segundo o regramento previsto nos arts. 6º e 7º da lei 9.307/96, por aplicação de analogia, haja vista que são dispositivos que permitem a execução específica da convenção de arbitragem.
Outrossim, a despeito dos bons votos dos Min. João Otávio Noronha e Sidnei Beneti, o julgado ressentiu-se de uma precipitação sobre a questão da nulidade dos procedimentos arbitrais que não observam o regramento contratado na convenção de arbitragem – inclusive no caso de conflitos de competência – e uma incursão acerca do procedimento a ser utilizado para instaurar o conflito de competência no primeiro grau de jurisdição estatal, tomando-se por base os arts. 6º e 7º da lei 9.307/96.
Ainda que a título de argumentação e dado inédito julgamento e do caráter paradigmático que tomaria o acórdão, poderia o STJ, mesmo que para não conhecer do conflito de competência, ter verticalizado as discussões e semeado fartamente o primeiro enfrentamento desta espinhosa temática.
formado em Direito pela UFPE e em Administração pela FCAP/UPE, Mestrando e Especializando em Direito Comercial pela Universidade de Lisboa; Pós-Graduado em Direito Corporativo – LL.M IBMEC; Advogado
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