Considerações acerca do controle jurisdicional do mérito administrativo

Sumário: Introdução; 1. O Mérito Administrativo; 1.1. Mérito administrativo e mérito processual; 1.2. Conceito de mérito administrativo; 1.3. Conveniência e oportunidade da atividade discricionária; 1.4. Mérito e legalidade; 2. O Controle Jurisdicional do Mérito Administrativo; Considerações Finais; Referências.


INTRODUÇÃO


Os princípios constitucionais, sobretudo com os contornos traçados pelo pós-positivismo jurídico, representam verdadeiros refúgios à efetivação dos ideais de igualdade e justiça, arrimos sólidos e concretizadores de um substancial Estado democrático de direito. Nesta esteira, as máximas da razoabilidade e proporcionalidade[1] se consubstanciam em limites substantivos às restrições a direitos fundamentais, protegendo os cidadãos das ações inconstitucionais do Poder Público.


A atuação estatal, além da imprescindível satisfação à finalidade legal, deve, materialmente, guardar consonância com os ditames constitucionais, não sendo bastante a conformidade à lei, mas, sobretudo, a adequação ao Direito. O parâmetro positivista da legalidade carece de um alargamento, sobretudo com a consolidação do modelo pós-positivista e a noção de juridicidade.


Desta forma, a discricionariedade administrativa não prescinde da estreita adequação ao princípio constitucional da juridicidade, sendo que a simples adequação do ato à lei não é o bastante, já que esta é apenas uma das fontes de Direito. A atividade administrativa discricionária deve, por conseguinte, mostrar-se de acordo com o princípio da legalidade material, guardando conformidade às máximas da razoabilidade e da proporcionalidade. Se inadequado, desarrazoado ou desproporcional o ato discricionário, necessária será sua invalidação quando do controle jurisdicional. Pode-se dizer que, em um Estado democrático de direito como o brasileiro, marca pelos princípios republicano, da cidadania e da dignidade da pessoa humana, só é possível admitir a discricionariedade administrativa se, e somente se, vinculada aos princípios e valores que informam o ordenamento constitucional.


Neste contexto de superação das teorias positivistas e consolidação do pós-positivismo[2], pautado pela supremacia da Constituição, pela força normativa dos princípios constitucionais, a defesa da vinculatividade e eficácia dos direitos fundamentais, pretende-se discutir os contornos do mérito administrativo e o dogma de sua insindicabilidade pelo Poder Judiciário.


As pretensões deste texto se encerram no oferecimento de algumas considerações acerca da justiciabilidade do mérito administrativo, sob parâmetros como a razoabilidade e a proporcionalidade, substrato argumentativo capaz de sustentar a possibilidade de o Poder Judiciário romper o denso manto que protege o mérito administrativo e anular atos lesivos ou excessivamente prejudiciais aos direitos dos cidadãos.


1. O Mérito Administrativo


O Poder Público, no cumprimento do dever-poder de fazer atuar o Estado, concretiza sua atuação por meio de atos administrativos, legislativos e jurisdicionais, conforme as funções próprias de cada poder constituído. Compete, precipuamente, ao Poder Legislativo criar as leis, ao Poder Executivo executar os mandamentos normativos, e ao Poder Judiciário julgar a legitimidade das atuações legislativa e executiva, invalidando o que for destoante do ordenamento jurídico.


A Administração Pública, como é sabido, cumpre sua função executiva por meio de atos administrativos, numa atividade de subsunção dos fatos da vida real às previsões legais. A atuação administrava, quando vinculada, não comporta apreciação subjetiva, valoração por parte do administrador público, porquanto existe prévia descrição normativa do comportamento exigido, visando o interesse público insculpido na norma.


Quando, por outro lado, a Administração atua no exercício de competências discricionárias, tem lugar certa margem de liberdade decisória, legalmente prevista para que seja tomada a medida que melhor satisfaça a finalidade normativa. Dentro dos limites legais, a Administração deve avaliar as circunstâncias do caso concreto e decidir pela solução que realize, na maior intensidade, a finalidade legal.


Por vezes, entretanto, a discricionariedade administrativa, concedida pela norma à Administração Pública, quando da aplicação da lei ao caso concreto desaparece completamente, restando apenas uma única solução a ser tomada. A Administração, neste caso, fica vinculada à solução subsistente, não havendo mais que se cogitar de atividade discricionária.


Discricionariedade administrativa[3], por conseqüência, somente subsiste quando na subsunção do fato concreto à norma, pela existência de expressões vagas e imprecisas ou mesmo por disposição expressa da norma, restar mais de uma solução legítima a ser tomada pela Administração, ambas satisfazendo plenamente a finalidade legal. Neste caso, se a decisão tomada pela Administração se encontrar dentro dos parâmetros traçados pelos princípios constitucionais, fica vedado ao Poder Judiciário anular a medida discricionariamente praticada, sob o fundamento da existência de outra medida também legítima e razoável. Do contrário, o juiz estaria fazendo as vezes de administrador.


Quando a Administração Pública, no caso concreto, tiver de decidir acerca da conveniência ou da oportunidade da prática de determinado ato administrativo, neste juízo político do administrador, restará consubstanciado o mérito administrativo, o confim discricionário do procedimento administrativo. Deduz-se, consequentemente, que o mérito administrativo é elemento integrante de determinadas práticas discricionárias da Administração, jamais existindo na atividade administrativa vinculada.


O entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello, acerca do mérito administrativo, pode ser resumido nos seguintes termos:


“Mérito do ato é o campo de liberdade suposto na lei e que efetivamente venha a remanescer no caso concreto, para que o administrador, segundo critérios de conveniência e oportunidade, decida-se entre duas ou mais soluções admissíveis perante a situação vertente, tendo em vista o exato atendimento da finalidade legal, ante a impossibilidade de ser objetivamente identificada qual delas seria a única adequada”[4].


Antes, porém, de aprofundar o estudo tangente ao conceito e aos elementos integrantes do mérito administrativo, cabe uma breve e necessária diferenciação entre mérito administrativo e mérito processual.


1.1. Mérito administrativo e mérito processual


As categorias jurídicas “mérito administrativo” e “mérito processual” devem ser firmemente definidas para que não reste a menor confusão semântica entre os dois institutos, dada a natureza equívoca da expressão “mérito”. O mérito processual é o cerne do litígio, a pretensão que o autor leva ao Judiciário por meio do requerimento. É o conflito que se quer conhecer e resolver com a propositura da ação judicial, o conteúdo material e substancial da contenda, presente em todos os processos judiciais como uma parte constante e principal.


O mérito processual não se confunde com as questões preliminares ou prejudiciais[5], que devem ser conhecidas antes do exame do cerne do litígio, podendo até, nos termos da legislação processual civil, decidir o processo sem a apreciação do mérito. Mérito processual, deste modo, é o âmago do conflito que se põe em Juízo.


No Direito Administrativo é perfeitamente possível falar em mérito no sentido processual, no que toca ao Direito Administrativo adjetivo, o processo administrativo. No caso, v. g., de um processo administrativo disciplinar, o conteúdo do processo, o pano de fundo da discussão a ser resolvida, será a demissão de um servidor. Fala-se, pois, em mérito no sentido processual.


O mérito administrativo, de outra banda, é um elemento integrante da atividade administrativa discricionária que se configura num juízo valorativo do administrador público, acerca do caso concreto, buscando escolher a melhor solução possível à situação posta, na intenção de satisfazer a finalidade imposta pela norma. Não se encontra presente em toda a atividade administrativa, pelo contrário, é elemento integrante de parte das competências discricionárias da Administração Pública.


Não há, pois, que confundir mérito processual com mérito administrativo. Este é a valoração da Administração Pública acerca da utilidade, da razoabilidade, do acerto e adequação de uma dada medida à solução de determinada situação concreta, enquanto aquele, personifica “a pretensão que o autor deduz em juízo através do pedido”[6].


1.2. Conceito de mérito administrativo


A conceituação do que se possa entender por mérito administrativo reveste a mais larga relevância, porquanto permite discriminar o cerne da discricionariedade administrativa, a situação onde o administrador, obedecendo ao ordenamento jurídico e por ele legitimado, pode, com certa margem de liberdade, decidir a extensão e a intensidade da medida a ser praticada, a fim de solucionar o caso concreto e realizar o interesse público.


Se estabelecer um conceito de mérito administrativo já não é tarefa tranqüila, árdua, em verdade, é a sua identificação no ato administrativo. Conforme o escólio de Seabra Fagundes, em alguns casos o mérito “parecerá confundir-se com o motivo do ato; noutros com a finalidade. É que o mérito se constitui dessês imponderáveis (…), presentes no procedimento administrativo, mas insuscetíveis de determinação precisa como a que comportam os aspectos legais de tal procedimento”[7].


Para demonstrar a dificuldade da identificação do mérito administrativo, Seabra Fagundes toma como exemplo um ato de demissão de servidor público, mediante processo administrativo disciplinar. Os fatos apurados e as provas coligidas no inquérito, bem como tudo o que sirva de fundamento à decisão da autoridade administrativa, constituem a apuração do motivo do ato de demissão, e não como possa parecer a alguns, no mérito ou merecimento do ato. O conteúdo do inquérito diz respeito apenas ao motivo do ato, envolvendo matéria de legalidade e não de mérito. Do contrário, segundo o autor, ficaria vedado o controle jurisdicional da legalidade e legitimidade da demissão[8].


O mérito, fator não essencial na integração do ato administrativo que, por vezes, relaciona-se com o motivo e o conteúdo do ato administrativo, é a margem de atuação do administrador público, no exercício de competências discricionárias, onde resta facultada a valoração subjetiva acerca da utilidade e da necessidade do ato a ser praticado. Trata-se de uma esfera de apreciação onde o administrador decide a conveniência e a oportunidade da medida administrativa à satisfação da finalidade prevista no mandamento normativo.


Quando se afirma que o mérito administrativo, em certas circunstâncias, relaciona-se com o motivo e o conteúdo do ato administrativo, não se está referindo à existência de confusão conceitual entre os elementos do ato administrativo, mas sim, estreito relacionamento quando da apreciação do caso concreto. Pode-se dizer, com mais acerto, que o mérito, por vezes, relaciona-se com a própria causa do ato administrativo.


A causa do ato administrativo se configura em uma relação de adequação entre o pressuposto de fato do ato (motivo) e o seu conteúdo, a correlação lógica entre o motivo do ato, sua razão (por quê?), e o seu conteúdo (o quê?), a fim de cumprir a finalidade prevista pela norma. O ato que demite servidor público (conteúdo) por improbidade administrativa (motivo), destarte, se mostra adequado e proporcional, pois que a finalidade da medida é preservar a moralidade administrativa. Acontece que, na análise do caso concreto, os elementos do ato administrativo podem não aparecer bem nítidos e separados, ocasionando possíveis confusões.


Interessante é o entendimento de Seabra Fagundes acerca de mérito administrativo, como se infere do seguinte:


“O mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo, concernente ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos. Ao ângulo do merecimento, não se diz se o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não o que devia ser, que é bom ou mau, que é pior ou melhor do que outro. E por isso é que os administrativistas o conceituam, uniformemente, como o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência, à oportunidade, à utilidade intrínseca do ato, à sua justiça, à fidelidade aos princípios de boa gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos, inspiradores da atividade estatal”[9].


O vício de mérito do ato administrativo, conforme sustenta Manuel Maria Diez, “implica la inoportunidad o inconveniencia del acto, derivada de la apreciación errónea de los hechos en relación com los fines que la ley se propone. En estos supuestos el acto no resulta idóneo para el cumplimiento de los fines perseguidos por el legislador, sin que pueda considerarse que és contrario a éstos”[10].


Necessária a fixação do que se pode entender, em Direito Administrativo, por conveniência e oportunidade, buscando certa determinação ao alcance do mérito administrativo, imprescindível ao estudo de seu controle.


1.3. Conveniência e oportunidade da atividade discricionária


A conceituação e a definição do alcance do mérito administrativo é matéria um tanto complexa e controvertida. Contudo, a quase unanimidade dos autores, quando da especificação dos elementos formadores do mérito, refere-se à sintética expressão do binômio conveniência-oportunidade[11]. O administrador, na apreciação do caso concreto, por meio de valoração subjetiva sobre determinados fatos, decide pela conveniência e oportunidade na prática de uma dada medida, de um ou de outro modo, ou, em inúmeros casos, pela prudência em não praticar medida alguma.


O mérito administrativo, para usar novamente o escólio de Seabra Fagundes, “está no sentido político do ato administrativo. É o sentido dele em função das normas da boa administração. (…) Compreende os aspectos, nem sempre de fácil percepção, atinentes ao acerto, à justiça, utilidade, equidade, razoabilidade, moralidade etc. de cada procedimento administrativo”[12].


O administrador, antes de decidir por editar o ato administrativo, ou abster-se de sua prática, deve refletir satisfatoriamente acerca da conveniência e oportunidade da atividade administrativa, ponderando sobre uma infinidade de aspectos que possam influenciar no acerto ou desacerto da medida eleita. O julgamento do que se pode entender por conveniente e oportuno, no mundo do ser, certamente não reflete uma uniformidade plena, dada a indeterminação e vagueza do significado destas expressões.


Conveniente é aquilo que é adequado, apropriado ao objeto que se destinou. A medida administrativa editada será conveniente se for apta a cumprir o objetivo previsto, se for proporcional e útil, ajustada ao interesse público. “Conveniência diz respeito a fatos, lugares, acontecimentos, situações, razoabilidade, utilidade, moralidade, economia”[13].


A oportunidade se refere à adaptação da medida ao cumprimento dos fins pretendidos pelo mandamento normativo que o ato administrativo busca satisfazer. Oportuno é o que se pratica em tempo hábil, em boa hora. O critério de oportunidade guarda afetação às circunstâncias de tempo e ambiente, sendo, portanto, variável de um indivíduo a outro, em diferentes lugares e momentos históricos.


O mérito administrativo, no entendimento de Manuel Maria Diez, é a exteriorização do princípio da oportunidade, podendo ser entendido como regra que obriga o administrador a atuar, sempre e necessariamente, para o cumprimento de certos fins. Apresenta-se como medida de proporção entre o conteúdo do ato e o resultado que se quer obter. O princípio da oportunidade, para o autor argentino, está relacionado com a observância das chamadas normas de boa administração[14].


As normas de boa administração, como as regras técnicas, não são jurídicas, entretanto, enquanto estas são conhecidas pelo caráter de precisão, certeza e objetividade, as normas de boa administração são consideradas elásticas, ligadas à avaliação subjetiva do administrador, razão que as distingue das regras técnicas.


Por outro lado, ainda que entendidas como regras de conduta elásticas, os mandamentos de boa administração pressupõem aquela atividade cujo exercício busca realizar o que seja mais conveniente à satisfação do interesse público. Conforme ressalta Manuel Maria Diez:


“Cuando se habla de buena administración no debe referírsela a un criterio medio, sino que se debe perseguir el fin que forma el objeto de la función realizándolo de la mejor manera possible. La actividad debe desarrollarse en la forma más adecuada y oportuna para la obtención del fin perseguido a través de la elección de los medios que resulten más idóneos”[15].                                            


Interessante é a relação entre os mandamentos de eqüidade e oportunidade, no estudo dos elementos do mérito administrativo. A oportunidade tem visível caráter econômico, estabelecendo quais as medidas mais adequadas para realizar uma boa administração, ao passo que a eqüidade possui acentuado conteúdo jurídico, relacionando-se à observância de um determinado comportamento em relação a outros sujeitos de direito. “El principio de la equidad importa una relación entre administración y administrados y en función de estos sujetos adecua la acción administrativa. El principio de la oportunidad se desarrolla en el ámbito de la misma administración”[16].


Tanto a oportunidade como a eqüidade são mandamentos que devem inspirar a autoridade administrativa na obtenção dos meios mais idôneos à solução da situação prevista pela norma, na decisão pelo ato que melhor respeite os interesses da Administração e dos administrados. Se o ato não for oportuno e eqüitativo, a discricionariedade administrativa restará viciada em suas questões de mérito.


1.4. Mérito e legalidade


No entendimento de uma corrente doutrinária, os conceitos de mérito e legalidade se repelem, enquanto para outros autores, há questões de mérito que excedem os limites da legalidade, ao passo que há questões meritórias abrangidas pelo conceito de legalidade. Apenas “determinados aspectos do merecimento (e não todos) é que são exorbitantes da noção de legalidade”[17].


A discussão acerca da relação entre questões de mérito e de legalidade não é de interesse meramente teórico, guardando profunda repercussão prática quando da análise da justiciabilidade da atividade administrativa. Como dito anteriormente, a maioria dos autores nacionais, seguindo o entendimento estrangeiro, afirma que as questões de mérito não podem ser examinadas pelo Poder Judiciário, pois que é vedado ao juiz controlar o mérito administrativo.


Entendendo-se, todavia, que existem questões de mérito insertas no conceito de legalidade, e que somente em determinadas situações o mérito foge à órbita da legalidade, parece forçoso inferir que somente quando, no caso concreto, o administrador puder decidir entre duas ou mais medidas, todas convenientes, oportunas, razoáveis, justas, e capazes de alcançar, na mesma intensidade, o resultado pretendido, com o mínimo de sacrifício aos direitos subjetivos dos cidadãos, fica vedado ao Poder Judiciário anular a medida escolhida, sob o fundamento de que outra medida alcançaria melhor resultado.


Conforme os ensinamentos de Renato Alessi, o conceito de mérito pode ser considerado tanto sob o aspecto meramente negativo, como limite ao conhecimento jurisdicional de mera legalidade, como sob o aspecto positivo, indicando o pleno e perfeito ajustamento da medida à norma jurídica, sua interação com o interesse público, segundo um critério de efetiva oportunidade e conveniência. E arremata o autor italiano:


“Sob o primeiro aspecto, o conceito de mérito se põe em antítese com o de legitimidade em sentido estrito – adquirindo um e outro um valor meramente processual – enquanto sob o aspecto positivo o conceito de mérito está compreendido no conceito de legalidade – ou legitimidade em sentido lato – da medida, adquirindo, ambos, valor substancial relativo à adequação efetiva, plena e perfeita à norma jurídica”[18].


Parece necessário, ainda que brevemente, traçar os pontos distintivos entre os conceitos de legalidade e legitimidade da atuação administrativa. A legalidade da atividade administrativa se refere ao cumprimento das disposições já abstratamente previstas pelo ordenamento normativo, o conhecido “agir conforme à lei”. Por outro lado, a legitimidade da atuação do Poder Público guarda relação com os parâmetros de racionalidade, oportunidade e razoabilidade do agir administrativo na consecução do interesse público, aforando principalmente quando a Administração atua no exercício de competências discricionárias[19].


O certo é que tanto sob o prisma da legalidade, quanto sob o aspecto da legitimidade, a atividade administrativa se mostra passível de controle jurisdicional. A atuação discricionária do Poder Público somente pode atender ao interesse da sociedade, mostrando-se consequentemente legítima, se estiver de acordo com os parâmetros de racionalidade e razoabilidade. A noção de legitimidade da atividade administrativa, portanto, demonstra significar uma realidade mais ampla que a idéia de legalidade, envolvendo-a e se espraiando sobre os campos da discricionariedade administrativa, da atuação político-administrativa.


Neste contexto, mérito e legalidade, ao contrário do entendimento de alguns autores, não são conceitos que se repelem, fazendo parte de um conceito mais amplo, a noção de “legitimidade lato senso”. Enquanto em um sentido estrito, legalidade e legitimidade se relacionam e se eqüivalem, referindo-se à noção de lei, de atuação conforme à lei, em um contorno mais abrangente, legitimidade quer se referir não apenas à noção de lei, mas à noção de Direito, de juridicidade, que transcende aos meros confins limitados da legalidade. Neste sentido, pode-se falar, positiva e substancialmente, em vício de mérito e vício de legalidade dos atos administrativos. Se a medida administrativa escolhida for desarrazoada, inconveniente e inoportuna, restará viciada por aspectos de mérito.


Bastante oportuno é o entendimento de Guido Zanobini acerca do controle jurisdicional da discricionariedade administrativa, sob os diferentes prismas da legalidade e do mérito administrativo. Quando o juiz examina o ato discricionário com os olhos da legalidade, segundo o administrativista italiano, decide uma controvérsia jurídica, confrontando a medida praticada com as leis e os regulamentos que a elas se referem. De outra forma, o juiz investido de uma competência de mérito não conhece tão-somente uma contenda jurídica, mas, sobretudo, uma controvérsia de boa administração. Quando conhece o mérito administrativo, o juiz “deve examinar se a autoridade, mesmo mantendo-se dentro dos limites da lei, agiu útil e convenientemente, de modo mais útil ao interesse público e menos gravoso para os interesses privados dos particulares”[20].


Em seguida será abordado o controle jurisdicional do mérito administrativo, tema bastante discutido no meio jurídico. Pretende-se, além de defender a legitimidade da justiciabilidade do mérito administrativo, contribuir para a superação do dogma da insindicabilidade do mérito administrativo, circunscrevendo-o em seus devidos contornos.


2. O Controle Jurisdicional do Mérito Administrativo


O controle jurisdicional da Administração Pública, conforme a doutrina dominante, limita-se à verificação da estrita legalidade da atividade administrativa, vedando-se examinar aspectos de mérito dos atos da Administração. O Poder Judiciário, na visão desta corrente doutrinária, tem terreno próprio de atuação, não podendo invadir a seara privativa da Administração Pública, qual seja, a livre apreciação acerca da conveniência e da oportunidade do ato que pretende apto ao alcance do resultado almejado pela norma.


Neste sentido, a apreciação, o exame, a decisão pela prática de determinado ato administrativo, ou até pela inércia da Administração, no que toca a aspectos de mérito, fica afastada do contraste jurisdicional. Ao juiz é proibido invadir o campo privativo à Administração, no intento de examinar possíveis vícios de mérito do ato administrativo.


Este entendimento doutrinário vem sustentado por expressa previsão legal, inserta no artigo 13, § 9°, a da Lei 221 de 1894[21], pela qual o Judiciário deve se abster de apreciar o merecimento dos atos administrativos sob o ponto de vista de sua conveniência ou oportunidade. Por esse instrumento normativo contemporâneo ao início da Primeira República, ficava vedado o controle jurisdicional do mérito administrativo, sendo que as medidas administrativas tomadas em virtude de faculdades discricionárias somente poderiam ser controladas por ilegalidade em razão da incompetência da autoridade respectiva ou de excesso de poder – Lei n° 221/1894, artigo 12, § 9°, b.


A jurisprudência preponderante não tem destoado desta opinião, corroborando o entendimento de que o mérito administrativo é parcela de livre apreciação subjetiva da Administração Pública, limitado o exame jurisdicional da sua razoabilidade, proporcionalidade, adequação e justiça[22].


Em contraste com este entendimento, o próprio Supremo Tribunal Federal já se posicionou favorável ao alargamento da atuação jurisdicional, na intenção de garantir o respeito do Poder Público aos direitos subjetivos dos cidadãos, preservada, entretanto, a vedação à justiciabilidade do mérito administrativo[23].


O controle jurisdicional do mérito administrativo deve ser abordado sob o reflexo da importante evolução da cláusula do devido processo legal, que, atualmente, não mais comporta meros aspectos processuais, constituindo-se em expressiva garantia aos direitos subjetivos dos cidadãos. A redefinição do princípio da razoabilidade como meio limitador à atuação do Poder Público, no sentido de vedar restrições desarrazoadas e inadequadas a direitos subjetivos dos cidadãos, acaba por reclamar o alargamento da atuação do Poder Judiciário, a fim de proteger os cidadãos da atuação injusta e desproporcional do Estado, onde quer que se alojem tais vícios.


O novo conteúdo conferido ao princípio da razoabilidade apresenta a insofismável conseqüência de agigantar a atuação do Poder Judiciário, abrindo-lhe possibilidade ao exame do mérito das leis e dos atos administrativos. Conforme sustenta Carlos Roberto de Siqueira Castro, “a ampliação da competência judicante a ponto de possibilitar aos juízes e tribunais o controle meritório dos atos do Poder Público conduz à justificável proeminência dos órgãos do Poder Judiciário na disputa decisória quanto à “razoabilidade” e “racionalidade” das leis e dos atos administrativos”[24].


Não se pode mais negar a justiciabilidade do mérito administrativo, sob o fundamento de que as questões referentes ao mérito do ato administrativo não podem ser revistas pelo Poder Judiciário, pois que, estaria o juiz atuando como administrador, em afronta ao princípio da separação dos Poderes.


Defendendo a tese da sindicabilidade jurisdicional do mérito administrativo, ainda que vencido, o juiz do Supremo Tribunal Federal, Ministro Orozimbo Nonato, em célebre julgamento acerca da possibilidade do controle jurisdicional de legitimidade das demissões de funcionários públicos, assim se manifestou:


“Não me convenço, porém, de que, na apreciação do ato administrativo, deva o juiz limitar-se a verificar a formalização, não entrando no mérito da decisão impugnada. Não entendo que deva o poder judiciário limitar-se a apreciar o ato administrativo do ângulo visual da legalidade extrínseca e não do seu mérito intrínseco, ou seja, da sua justiça ou injustiça. A essa tese jamais darei meu invalioso apoio. Entendo, ao revés, que ao Poder Judiciário é que compete, principalmente, decidir o direito que a parte oponha à administração baseada em lei do país. Quem dirá se o ato foi justo ou injusto: a própria administração, acobertada por um inquérito formalmente perfeito, ou, a cabo de contas, o Poder Judiciário? A minha resposta é que cabe ao Poder Judiciário, porque a este compete, especificamente, resolver as pendências, as controvérsias que se ferem entre cidadãos ou entre cidadãos e o estado”[25].


Segundo o entendimento de Johnson Barbosa Nogueira, “não é aceitável o mito de que o mérito do ato administrativo é insindicável, bem como os atos discricionários. (…) Todo ato administrativo é passível de controle. Não há ato “a priori” excluído da apreciação jurisdicional, segundo SAYAGUÈS LASO”[26]. Pode-se concluir, pois, que onde há poder governamental ilimitado não há Estado de direito e, tampouco, Estado democrático de direito.


É que as questões de mérito derivam da discricionariedade administrativa, e são, em última análise, a sua própria medida. O mérito administrativo, portanto, configura-se naquela faixa decisória em que o administrador, segundo apreciação subjetiva, preenche a finalidade da norma com uma medida capaz de alcançar o resultado pretendido. Ocorre que, por vezes, o agente administrativo transborda a legitimidade de sua apreciação meritória, editando medidas inadequadas, que restringem de forma desarrazoada direitos subjetivos dos cidadãos.


Se a apreciação meritória do administrador se mostra desarrazoada e desproporcional, é certo que não está ajustada à moldura legal – lei em sentido lato, reclamando o legítimo controle jurisdicional a fim de garantir a invalidação da excessiva restrição ao direito subjetivo dos cidadãos. Se a atuação administrativa limita de modo inadequado e desproporcional determinado direito fundamental, ilegítima se mostra a medida adotada, viciada quanto aos aspectos de mérito ou de legalidade, gravitando fora do campo da legítima atividade discricionária.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Ainda que a própria Constituição da República de 1988, em seu artigo 5º, XXXV, tenha expressamente garantido a inafastabilidade do Poder Judiciário quando da existência de qualquer lesão ou ameaça a direito, não se pode negar a existência de casos em que não é possível dizer, sem certa margem de dúvida, qual dentre duas ou mais medidas traria melhor resultado, com o menor ônus aos cidadãos. Nestes casos, pela própria limitação da compreensão humana, fica difícil, senão impossível, asseverar qual a medida mais razoável, oportuna, justa, conveniente e adequada.


Em determinadas situações, nem a Administração Pública nem o Poder Judiciário podem seguramente dizer qual a medida mais adequada, já que, pelas peculiaridades do fato concreto, pela indeterminação do mandamento normativo e pela subjetividade da apreciação, não há como se pretender uma homogeneidade decisória. Nestes casos, não há como o juiz invalidar a medida escolhida pelo administrador, sob o fundamento de que, ao seu juízo, outra medida seria mais razoável. Neste aspecto reside o mérito administrativo insindicável pelo Judiciário.


Com semelhante entendimento, Castro Nunes defende que a faixa meritória insindicável pelo Poder Judiciário é, exclusivamente, o cerne da valoração subjetiva do administrador, na escolha de um entre dois ou mais atos razoáveis e oportunos:


“A apreciação do mérito interdita ao judiciário é a que se relaciona com a conveniência ou oportunidade da medida, não o merecimento por outros aspectos que possam configurar uma aplicação falsa, viciosa ou errônea da lei ou regulamento, hipóteses que se enquadram, de modo geral, na ilegalidade por indevida aplicação do direito vigente”[27].


O controle jurisdicional do mérito administrativo não guarda uma conotação positiva, no sentido de invalidar determinada medida administrativa porque existe outra mais razoável. Ao juiz é vedado invadir o mérito administrativo e anular o ato praticado sob o fundamento de que, ao tempo da decisão administrativa, o administrador dispunha de outra medida mais adequada ao cumprimento do resultado pretendido. Compete-lhe apreciar o mérito do ato administrativo, no intento de apurar possível injustiça ou irrazoabilidade do meio empregado à solução do caso concreto. Ao Judiciário compete o controle negativo do mérito administrativo, anulando os atos que a Administração Pública tenha praticado de modo desarrazoado.


A cláusula do devido processo legal substantivo não exige do administrador, sempre, o ato mais razoável e oportuno, até porque, em inúmeros casos, não é possível estabelecer qual o ato mais razoável. Por outro lado, a atuação desarrazoada da Administração, quer por aspectos de mérito quer por aspectos de legalidade estrita, enseja o controle jurisdicional.


Na maior parte dos casos é possível estabelecer uma linha fronteiriça dividindo as medidas razoáveis e oportunas das desarrazoadas e inoportunas. O controle jurisdicional, nestes casos, examina se o administrador escolheu o ato que se encontrava dentro dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, não sendo possível vedar ao Judiciário o controle meritório do ato administrativo. Em outra reduzida parcela de situações, entre os atos sabidamente razoáveis e desarrazoados, existe uma faixa de atos cujos conteúdos são tidos, por uns como razoáveis e por outros como desarrazoados.


Pode-se analisar este quadro visualizando uma fruta de suculento mesocarpo (carnuda). Toda a porção do mesocarpo, toda a polpa da fruta, constituir-se-ia nas medidas razoáveis em maior ou menor intensidade, variando conforme a compreensão de cada pessoa, uma zona de certeza positiva. Já a parte exterior da fruta seria a interminável zona de medidas inadequadas, injustas, desproporcionais e inconvenientes, que, se praticadas, ensejariam a legítima invalidação jurisdicional, ou seja, uma zona de certeza negativa. A casca, aquela fina camada que separa a fruta do meio exterior, o invólucro exterior da fruta, seria a zona de indeterminação, a faixa de incerteza, o espaço cinzento onde não se pode definir, com precisão, se a medida é oportuna e conveniente e, mesmo que apreciada pelo Judiciário deve ser mantida, pois que não se pode decidir precisamente acerca da sua razoabilidade ou irrazoabilidade, justiça ou injustiça, adequação ou inadequação.


Nesta estreita faixa decisória é que reside o verdadeiro mérito administrativo, o irresolúvel confim de incerteza acerca da conveniência, oportunidade, razoabilidade e justiça da medida, restando uma margem de livre apreciação ao administrador, fortemente imbuída de subjetividade, que deve ser respeitada pelo juiz quando do controle jurisdicional.


A vedação ao controle jurisdicional desta parte do mérito administrativo não encontra irrefutável fundamento no princípio constitucional da separação dos poderes, pelo qual seria interdito ao juiz cumprir função própria de administrador público, porque a decisão de mérito é atribuição que representa o núcleo essencial da função administrativa. Justifica-se sim, na impossibilidade, pela própria limitação da compreensão humana, de se decidir, certa e objetivamente, qual dentre as medidas oportunas e convenientes é a que melhor alcança o resultado previsto no mandamento normativo.


 


Referências

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BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

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__________ . _________. Recurso em Mandado de Segurança n° 23543/DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 27/06/2000, publicado no Diário de Justiça da União – DJU em 13/10/2000.

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CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. vol. II. São Paulo: Forense, 1966.

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_________. O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário: a constitucionalidade da Lei Complementar n.º 105/2001 e da Lei n.º 10.174/2001 sob o enfoque da teoria dos direitos fundamentais. BALTHAZAR, Ubaldo Cesar e, PALMEIRA, Marcos Rogério (orgs.). Temas de Direito Tributário. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001.

__________. A evolução do princípio de legalidade e o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Revista Discente Interinstitucional (RDI), ano I, n. I, Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2006.

DIEZ, Manuel Maria. El acto administrativo. 2. ed., Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina S.A, 1961.

GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1995.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 1999.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002.

NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A discricionariedade administrativa sob a perspectiva da teoria geral do Direito. Revista de Direito Administrativo Aplicado, Ano 1, n.º 3, quadrimestral, Paraná: Gênesis, 1994.

REVISTA DE DIREITO ADMINISTRATIVO. Embargos na Apelação Cível n° 7.307, Relator Ministro Castro Nunes, julgamento pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal em 20 de dezembro de 1944. Rio de Janeiro, trimestral, vol. III, 1946.

SEABRA FAGUNDES, Miguel. Conceito de mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 23, janeiro/março, Rio de Janeiro, 1951.

ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. v. II., Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1946.


Notas:

[1] Para um estudo mais aprofundado sobre os princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade, pode-se consultar: CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais: razoabilidade, proporcionalidade e argumentação jurídica. 1. ed. 3. tir. Curitiba: Juruá, 2006; CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. O combate à sonegação fiscal e o direito ao sigilo bancário: a constitucionalidade da Lei Complementar n.º 105/2001 e da Lei n.º 10.174/2001 sob o enfoque da teoria dos direitos fundamentais. In BALTHAZAR, Ubaldo Cesar e, PALMEIRA, Marcos Rogério (orgs.). Temas de Direito Tributário. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2001.

[2] Não se pode desvincular as mudanças teóricas que respaldaram a passagem do positivismo jurídico para o pós-positivismo ou novo constitucionalismo, das profundas mudanças sociais e econômicas do final do século XIX e do século XX. O positivismo jurídico, aqui entendido como aquela teoria jurídica que encara o direito positivo como o único objeto da “ciência jurídica” e que não admite conexão entre o Direito, a moral e a política, servia a um modelo de sociedade, o modelo liberal-individualista. Em uma sociedade marcada pela homogeneidade política e igualdade formal jurídica, o sistema normativo que melhor garante a propriedade e a liberdade de mercado é, por certo, o sistema de regras. Com a mudança no cenário social, a consolidação dos movimentos de classe, o fortalecimento de novos atores sociais, o pluralismo político e jurídico, a heterogeneidade política da sociedade, evidencia-se a necessidade de repensar as bases teóricas do Direito. Neste sentido, fala-se em pós-positivismo, aqui entendido como a teoria contemporânea que procura enfrentar os problemas da indeterminação do Direito e sustenta a situação de estreita relação entre Direito, moral e política.

[3] Para um estudo mais detalhado acerca da discricionariedade administrativa, pode-se consultar o seguinte artigo: CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. A evolução do princípio de legalidade e o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa. Revista Discente Interinstitucional (RDI), ano I, n. I, Florianópolis: Editora Fundação Boiteux, 2006.

[4] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 11. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 635.

[5] CRETELLA JUNIOR, José. Tratado de Direito Administrativo. vol. II. São Paulo: Forense, 1966, p. 190.

[6] Idem, p. 189.

[7] SEABRA FAGUNDES, Miguel. Conceito de mérito no Direito Administrativo. Revista de Direito Administrativo, v. 23, janeiro/março, Rio de Janeiro, 1951, p. 02-03.

[8] Idem, p. 03-05.

[9] SEABRA FAGUNDES, Miguel. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 3. ed., 1957, p. 174, nota 9. Apud. CRETELLA JUNIOR, José. Op. cit., p. 194.

[10] DIEZ, Manuel Maria. El acto administrativo. 2. ed., Buenos Aires: Tipografica Editora Argentina S.A, 1961, p. 246.

[11] Neste sentido: BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Administrativo. 3. ed., São Paulo: Saraiva, 1999, p. 105; CRETELLA JUNIOR, José. Op. cit., p. 189-204; DIEZ, Manuel Maria. Op. cit., p. 246; GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, p. 89; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 24. ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 137; e, SEABRA FAGUNDES, Miguel. Op. cit., p. 01.

[12] SEABRA FAGUNDES, Miguel. Op. cit., p. 02.

[13] CRETELLA JUNIOR, José. Op. cit., p. 198.

[14] DIEZ, Manuel Maria. Op. cit., p. 250-51.

[15] Idem, p. 253.

[16] Idem, p. 254.

[17] José Cretella Junior dá notícia da existência desta dissonância doutrinária, posicionando-se segundo o primeiro entendimento, da total contraposição entre os conceitos de mérito e legalidade. CRETELLA JUNIOR, José. Op. cit., p. 196.

[18] ALESSI, Renato. Diritto Amministrativo. Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1949, p. 135-36.

[19] Na doutrina nacional, um estudo bastante abalizado acerca da distinção entre legalidade e legitimidade da atividade administrativa, bem como dos contornos que tomam tais referenciais no controle da Administração Pública, pode ser encontrado no Curso de Direito Administrativo de Diogo de Figueiredo Moreira Neto. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial. 12. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 547-610.

[20] ZANOBINI, Guido. Corso di Diritto Amministrativo. v. II., Milão: Dott. A. Giuffrè Editore, 1946, p. 89.

[21] Lei n° 221/1894, art. 13, § 9°, a: “Consideram-se ilegais os atos ou decisões administrativas em razão da não aplicação ou indevida aplicação do direito vigente. A autoridade judiciária fundar-se-á em razões jurídicas, abstendo-se de apreciar o merecimento dos atos administrativos sob o ponto de vista de sua conveniência ou oportunidade”.  

[22] Neste sentido, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, nos termos da ementa do aresto que segue: “ADMINISTRATIVO. CANA-DE-AÇÚCAR. PORTARIA Nº 294, DE 13.12.96, DO MINISTÉRIO DA FAZENDA, QUE LIBEROU OS PREÇOS DO PRODUTO, A PARTIR DE 1º.05.98. ALEGADA OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DOS PODERES, DA HIERARQUIA DAS NORMAS, DA LEGALIDADE, DA PROPORCIONALIDADE, DA SEGURANÇA JURÍDICA, E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. O art. 10 da Lei nº 4.870/65, que previa a fixação do preço da cana-de-açúcar, foi alterado pelo art. 3º, III, da Lei nº 8.178/91, que deixou a critério do Ministro da Fazenda, responsável pela execução da política econômica do Governo, a liberação, total ou parcial, dos preços de qualquer setor, o que foi concretizado pela referida autoridade por meio do ato impugnado, em face do manifesto descabimento da exigência de lei, ou de decreto, para fixação ou liberação de preços. Não há falar-se, portanto, em ofensa aos princípios constitucionais sob enfoque. No que concerne ao mérito do ato impugnado, é fora de dúvida que se trata de matéria submetida a critérios de conveniência e oportunidade, insuscetíveis, por isso, de controle pelo Poder Judiciário. Recurso desprovido”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso em Mandado de Segurança n° 23543/DF, Relator Ministro Ilmar Galvão, julgado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em 27/06/2000, publicado no Diário de Justiça da União – DJU em 13/10/2000.

[23] Esta tendência, de aumentar o âmbito de controle jurisdicional da Administração, pode ser notada na seguinte decisão: “MANDADO DE SEGURANCA – SANÇÃO DISCIPLINAR IMPOSTA PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA – DEMISSÃO QUALIFICADA – ADMISSIBILIDADE DO MANDADO DE SEGURANÇA –  PRELIMINAR REJEITADA – PROCESSO ADMINISTRATIVO – DISCIPLINAR – GARANTIA DO CONTRADITORIO E DA PLENITUDE DE DEFESA – INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE ILEGALIDADE DO ATO PRESIDENCIAL – VALIDADE DO ATO DEMISSÓRIO -SEGURANCA DENEGADA. 1. A Constituição Brasileira de 1988 prestigiou os instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e submeteu o exercício do poder estatal – como convêm a uma sociedade democrática e livre – ao controle do Poder Judiciário. Inobstante estruturalmente desiguais, as relações entre o Estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa organização constitucional, sob o império estrito da lei. A “rule of law”, mais do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual do estado Democrático de Direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder. É preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda a qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito conseqüencial, a interdição do seu exercício abusivo. (…) A pertinência jurídica do mandado de segurança, em tais hipóteses, justifica a admissibilidade do controle jurisdicional sobre ilegalidade dos atos punitivos emanados da Administração Pública no concreto exercício de seu poder disciplinar. O que os juízes e tribunais somente não podem examinar nesse tema, até mesmo como natural decorrência do princípio da separação dos Poderes, são a conveniência, a utilidade, a oportunidade e a necessidade da punição disciplinar. Isso não significa, porém, a impossibilidade de o Judiciário verificar se existe, ou não, causa legítima que autorize a imposição da sanção disciplinar. O que se lhe veda, nesse âmbito, é, tão-somente, o exame do mérito da decisão administrativa, por tratar-se de elemento temático inerente ao poder discricionário da Administração Pública. (…)”. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n° 20999/DF, Relator Ministro Celso de Mello, julgado pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal em 21/03/1990, publicado no Diário de Justiça da União – DJU em 25/05/1990.

[24] CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 175-76.

[25] Embargos na Apelação Cível n° 7.307, Relator Ministro Castro Nunes, julgamento pelo Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal em 20 de dezembro de 1944. In. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, trimestral, vol. III, 1946, p. 80.

[26] NOGUEIRA, Johnson Barbosa. A discricionariedade administrativa sob a perspectiva da teoria geral do Direito. Revista de Direito Administrativo Aplicado, Ano 1, n.º 3, quadrimestral, Paraná: Gênesis, 1994, p. 749.

[27] Embargos na Apelação Cível n° 7.307. Op. cit., p. 76.

Informações Sobre o Autor

José Sérgio da Silva Cristóvam

Doutorando em Direito Administrativo pela UFSC. Mestre em Direito Constitucional pela UFSC. Especialista em Direito Administrativo pelo CESUSC. Professor de Direito Administrativo da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina (ESMESC). Professor de Direito Administrativo da Escola Nacional de Administração (ENA/Brasil), em convênio com a École Nationale d’Administration (l’ENA/França). Professor Titular de Ciência Política e Teoria Geral do Estado e Professor Substituto de Direito Administrativo no Curso de Graduação em Direito da UNIDAVI, bem como em Cursos de Pós-Graduação em Direito da UNIDAVI, CESUSC, UNISUL, UNOESC, UnC e diversas outras instituições. Professor em cursos preparatórios para Concursos Públicos e Exames de Ordem, nas disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo. Membro fundador do Instituto de Direito Administrativo de Santa Catarina (IDASC). Assessor Jurídico do Sindicato dos Trabalhadores na Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina (SINTE/SC). Advogado militante na seara do Direito Público, Sócio do Escritório Cristóvam & Palmeira Advogados Associados S/C


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