Não obstante os trabalhos que vêm sendo escritos a respeito do Código Civil de 2002 e seu impacto no mundo empresarial, uma questão ainda não ficou bem evidenciada, qual seja: a temática sobre a participação das sociedades estrangeiras no Brasil.
Desta feita, é oportuna uma análise sobre o tema, principalmente no que abarca sobre a Responsabilidade Social. Via de regra, a adoção de sociedades estrangeiras no quadro societário de sociedades nacionais possui uma dupla finalidade; i) viabilizar a realidade econômica do Brasil, num mundo globalizado onde as fronteiras são cada vez mais infinitas e, ii) dentro de uma sistemática que é adotada por muitos, para proteção patrimonial – sempre -, dentro de um cenário legal e regular.
Ocorre, contudo, que o art. 1.134 do Código Civil é enfático ao dispor que a sociedade estrangeira, qualquer que seja o seu objeto, não pode, sem autorização do Poder Executivo, funcionar no País, ainda que por estabelecimentos subordinados, podendo; ressalvados os casos expressos em lei, ser acionista de sociedade anônima brasileira.
A redação desse artigo nos possibilita compreender que as sociedades estrangeiras somente podem participar de empresas nacionais na condição de acionistas. Sabe-se, contudo, que a maioria das sociedades que vem operar no Brasil busca sua constituição sob o tipo societário Limitada, por causa da agilidade operacional desse tipo de empresa, bem como e, principalmente, em razão da possibilidade de menor exigência de transparência dos seus balanços fiscais.
Destarte, na prática, o que se tem presenciado, é a utilização de sociedades estrangeiras, tipo offshore (sociedades constituídas em paraísos fiscais, que possuem tal denominação por, geralmente, localizarem-se em ilhas), por aqueles que almejam a manutenção e perpetuação do patrimônio conquistado, fazendo com que sociedades estrangeiras participem de sociedades nacionais do tipo Ltda, como meio de proteção para salvaguardar os bens e direitos conquistados ao longo dos anos.
É de se ressaltar que tais sociedades não se tratam exclusivamente de meios ilegais para práticas de atos ilícitos. Tratam-se, muitas vezes, de expedientes regulares e usuais, próprias das exigências de um mundo globalizado com a incidência de mecanismos empresarias de alta velocidade.
Neste sentido, vale dizer, também, que seria utópico aguardar a autorização do Poder Executivo para o início das atividades de todas as sociedades estrangeiras que pretendem se instalar no Brasil – outra alternativa disposta no artigo 1.134 do Código Civil. Essa medida, tomada ao pé da letra, no mínimo, inviabilizaria o País e tornaria mais alto o famoso “custo Brasil”.
Cumpre observar que não são poucos os que entendem que a redação do art. 1.134, de fato, não proíbe a sociedade estrangeira de investir em outros tipos societários – porque, isso seria desastroso economicamente, haja vista a quantidade de sociedades limitadas estrangeiras que, efetivamente, figuram como sócias em sociedades nacionais.
Ademais, é de bom tom que se esclareça que as sociedades estrangeiras, por possuírem personalidade jurídica, podem ser utilizadas como meio de distinguir o patrimônio da sociedade e dos sócios, através de planejamentos societários adequados e regulares, algo extremamente útil, tendo em vista os riscos inerentes da atividade negocial.
Neste diapasão, as pessoas físicas têm notória preocupação a respeito da salvaguarda dos bens e direitos conquistados ao longo dos anos, considerando que essa conquista de patrimônio assegura-se como uma das mais tradicionais formas de avaliação e reconhecimento das capacidades do ser humano.
Porém, um item tem que ficar evidenciado. Pela letra da Lei, as sociedades do tipo limitada que contiverem em seus quadros societários sociedades estrangeiras estarão em desacordo com o artigo 1.134 do Código Civil Brasileiro – em outras palavras, estariam irregularmente constituídas.
Exemplo e conseqüência do que ora se consigna, é o da sociedade limitada, inadimplente, que possui no seu quadro societário sócios estrangeiros. No caso dos respectivos credores buscarem, em juízo, seus haveres, entendemos que o patrimônio dos sócios estaria sujeito à expropriação, pois, diante da patente irregularidade constitutiva societária, a responsabilidade dos sócios passaria a ser ilimitada.
Não se trata da hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, prevista no artigo 50 do Código Civil, mas, sim, da conseqüência de sua irregularidade diante das normativas do diploma legal vigente. O Art. 1.080 do Código Civil dispõe que as deliberações infringentes do contrato ou da lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que expressamente as aprovaram.
De todo modo, a realidade e a prática demonstram que um grande número de sociedades limitadas estrangeiras figura como sócia em sociedades nacionais, na configuração de verdadeiras joint ventures societárias, tendo em vista que com o desenvolvimento das relações econômicas, houve aumento do comércio entre os países, o que intensificou o fluxo de bens e serviços.
Sociedades cujas sedes são localizadas em outros países são responsáveis pela produção e circulação de bens e serviços, num mercado, veloz e feroz, significando que, para acompanhar a dinamização das relações econômicas internacionais, as empresas tiveram de encontrar maneiras de aumentar seu poder tecnológico e sua logística, atuando em países distantes de suas respectivas sedes, com leis e costumes diferentes dos seus.
Parece-nos, assim, bastante tranqüilo concluir que as sociedades do tipo limitada, cujos sócios sejam sociedades estrangeiras, por ocasião da aplicação do artigo 1.134 do Código Civil, estão irregulares, devendo adaptar-se ao tipo societário de Sociedade Anônima. Via de conseqüência, as elaborações e divulgações das demonstrações financeiras dessas sociedades ajustar-se-iam ao princípio da publicidade, em evidente atenção ao princípio da transparência – mola propulsora e elemento principal dos requisitos que levam á responsabilidade social, evidente mecanismo de equilíbrio e ajuste negocial.
Por fim, entendemos que cabe ao Poder Público a devida fiscalização, através dos órgãos incumbidos da execução do Registro Público de Empresas – Juntas Comerciais – atentando-se para os respectivos arquivamentos societários, a fim de que haja o evidente cumprimento da Lei, em favor da transparência.
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica – PUC/SP; Professor de Direito Comercial da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Ex-Presidente da Junta Comercial do Estado de São Paulo, por 03 mandatos.
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