Considerações sobre as cláusulas gerais processuais

A partir da segunda metade do século XX a metodologia jurídica[1] transformou-se, e o direito processual, conforme o exímio doutrinador Fredie Didier assinalou, não restou inexpugnável.

Cláusulas gerais avançaram no terreno processual e são normas contendo diretrizes indeterminadas, que não trazem diretamente uma solução jurídica ou consequência. A norma tem constituição aberta. Trata-se de texto normativo que não estabelece a priori o significado do termo (pressuposto), e tampouco as consequências jurídicas da norma (consequente).

Segundo Fredie Didier Jr., corresponde ao um estabelecer pauta de valores a ser preenchida historicamente de acordo com as contingências. E o ilustre processualista ainda aponta a cláusula geral do devido processo legal que já existe há oitocentos anos em decorrência do art. 36, da Carta Magna do Rei João Sem terra. Embora que em 1215 tal texto não tivesse o mesmo conteúdo normativo que conhecemos hoje. Atualmente já temos que nos preocupar em definir o que seria, por exemplo, o devido processo legal eletrônico[2].

Percebe-se que na estrutura da cláusula geral a dúvida está no pressuposto (conteúdo) e no consequente (solução legal), ao passo que na estrutura do conceito jurídico indeterminado a dúvida somente reside no pressuposto (conteúdo) e, não propriamente no consequente (solução legal), pois está se encontra predefinida em lei.

De fato laborou-se um aggiornamento (atualização) do repertório teórico processual o que trouxe sintonia fina com as principais vertentes do pensamento jurídico contemporâneo e, em particular, a sua sensível intervenção no direito processual civil e na teoria do processo.

É realmente a transformação da hermenêutica jurídica baseada no reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional, que passa a ser considerada como função essencial ao desenvolvimento do Direito, trazendo à baila a interpretação de textos normativos, definindo-se a norma geral que deles deve ser extraída devendo também ser aplicada a casos semelhantes.

A atual hermenêutica ainda labora a distinção teórica entre texto e norma[3] sendo essa o produto daquele, conforme leciona Ricardo Guastini, em sua obra “Das fontes às normas”.

São consagradas as máximas tais como postulados, princípios ou regras, conforme a teoria que se adote da proporcionalidade e da razoabilidade na aplicação das normas. Identifica-se o método da concretização dos textos normativos, que passa a conviver com o método da subsunção.

Teresa Arruda Alvim Wambier comentando da insuficiência da dogmática tradicional para resolver[4] os problemas jurídicos contemporâneos observa que: "muitos são os pontos em que se evidencia a fragilidade, ou pelo menos a insuficiência, do raciocínio dedutivo e da lógica formal e pura, instrumentos típicos da dogmática tradicional".

E, a professora Judith Martins-Costa representa uma das doutrinadoras que mais contribuíram para a escorreita sistematização das cláusulas gerais, e assim as define:

"Considerada do ponto de vista da técnica legislativa, a cláusula geral constitui, portanto, uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta, fluida, ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico, a qual é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandato (ou competência) para que, à vista do caso concreto, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas, mediante, o reenvio para elementos cuja concretização pode estar fora do sistema; estes elementos, contudo, fundamentarão a decisão, motivo pelo qual, reiterados no tempo os fundamentos da decisão, será viabilizada a ressistematização destes elementos originariamente extra-sistemáticos no interior do ordenamento jurídico".

Cabe ao aplicador da norma identificar o preenchimento do suporte fático e ainda determinar qual a consequência jurídica que dele será extraída.  A cláusula geral constitui técnica legislativa que em sendo cada vez mais utilizada, exatamente porque permite uma abertura do sistema jurídico a valores ainda não expressamente protegidos legislativamente, a standards, máximas de conduta, arquétipos exemplares de comportamento, de deveres de conduta não-previstos legislativamente (e, por vezes, nos casos concretos, também não-advindos da autonomia privada), de direitos e deveres configurados segundo os usos do tráfego jurídico, de diretivas econômicas, sociais e políticas, de normas, enfim, constantes de universos metajurídicos, viabilizando a sua sistematização permanente ressistematização no ordenamento positivo.

A técnica das "cláusulas gerais" contrapõe-se à técnica casuística, pois não existe sistema jurídico exclusivamente estruturado em cláusulas gerais ou em regras casuísticas (que tornariam o sistema muito rígido e fechado e pouco adequado à complexidade da vida contemporânea).

Uma das principais características dos sistemas jurídicos contemporâneos é exatamente a harmonização de enunciados normativos[5] de ambas as espécies. É certo que a criatividade judicial conhece limites e que devem ser fixados proporcionalmente de forma que não macule o conceito e funcionamento do Estado de Direito.

Indiscutivelmente a existência das cláusulas gerais[6] reforça a criatividade da atividade jurisdicional. O órgão julgador é chamado a interferir mais ativamente na construção do ordenamento jurídico, a partir da solução de problemas concretos que lhe são submetidos.

A subsunção[7] do fato ao enunciado normativo, ou seja, do fato à norma, é método próprio e útil para os textos normativos típicos e fechados, revela-se insuficiente para a aplicação de cláusulas gerais.

Portanto, as cláusulas gerais exigem concretização ao invés de subsunção. Na apreciação do caso concreto, o juiz não tem apenas de generalizar o caso; tem também individualizar até certo ponto o critério; e precisamente por isso, a sua atividade não se esgota na subsunção.

Quanto mais complexos são os aspectos peculiares do caso a decidir, tanto mais difícil e mais livre se torna a atividade do juiz, tanto mais se afasta da aparência da mera subsunção. O Direito passa a ser construído a posteriori, ora mistura a indução e dedução, e atento à complexidade da vida, que não pode ser totalmente regulada pelos esquemas lógicos reduzidos de um legislador que pensa abstrata e aprioristicamente.

As cláusulas gerais servem para a realização da justiça do caso concreto; revelam-se em feliz metáfora doutrinária, como pontos de erupção da equidade. É verdade que a liberdade motivada do juiz existente num sistema positivo e codificado consiste em determinar, em cada caso, o perímetro ou contorno das determinações legais.

Franz Wieacker[8] afirma que as cláusulas gerais constituíram notável e muito elogiada concessão do positivismo à auto-responsabilidade dos juízes, revelando uma ética social transpositiva, cujo padrão propulsor para o legislador foi construído pela organização dada pelo pretor romano ao judex para determinar o conteúdo da decisão de acordo com a bona fides.

O legislador transformou seu labor através da boa-fé, aos bons costumes, aos hábitos e costumes do tráfego jurídico, à justa causa, ao caráter desproporcionado e, em substancialmente em algo mais apto para disciplinar as mutações e, portanto, mais capaz e competente de durar do que aquilo que era de se esperar.

A principal técnica de compreensão e aplicação das cláusulas gerais é o método do grupo de casos (Fallgruppenmethode), desenvolvido pelos juristas germânicos e aplicado, por exemplo, na arrumação das hipóteses de aplicação do princípio da boa-fé processual.

Trata-se de método que reforça a função do precedente judicial na concretização das normas gerais, inclusive das cláusulas gerais.

Por meio desse método, compara-se o caso de ser decidido com os casos insolados que integram um grupo de casos já julgados sobre determinada norma. Caso haja identidade fático-normativa entre os casos, será possível agregar o novo caso ao grupo já consolidado, e no que toca à sua fundamentação, bastará a indicação que pertence ao grupo, de maneira que ocorre um verdadeiro reaproveitamento das razões já expendidas nas hipóteses assemelhadas.

Parece ter lugar nova configuração de argumentação, no sentido de que esta não busca a justificação da adequação de determinada cláusula geral ao caso em questão, mas sim, a possibilidade de comparação entre o novo caso com os casos já decididos.

A relação entre cláusula geral e o precedente judicial é bastante íntima. Já se advertiu, a propósito, que a utilização da técnica das cláusulas gerais muito nos aproximou o sistema do civil law do sistema common law.

Esta relação revela-se, sobretudo, em dois aspectos. Primeiramente, a cláusula geral reforça o papel da jurisprudência na criação de normas gerais: a reiteração da aplicação de uma mesma ratio decidendi dá especificidade ao conteúdo normativo de uma cláusula geral, sem, contudo, esvaziá-la; assim ocorre, por exemplo, quando se entende que tal conduta típica é ou não exigida pelo princípio da boa-fé.

Além disso, a cláusula geral funciona como elemento de conexão, permitindo ao juiz fundamentar a sua decisão em casos precedentemente julgados.

A vagueza da proposição normativa é aos poucos esclarecida pelas decisões judiciais, que mediante os exemplos ilustrativos e, em seguida, por via de comparação com outros casos julgados em conformidade com estes, bem como mediante a elaboração de ideias jurídicas novas e mais especiais. E, com base na análise jurídica dos casos em que estas se manifestam, conseguem enriquecer progressivamente o conteúdo da pauta relativamente indeterminada, concretizá-la em relação a certos casos e grupos de casos e, deste modo, criar finalmente um entrelaçado entre modelos de resolução em que possam ser arrumados, na sua maioria, os novos casos a julgar.

O método do agrupamento de casos não é perfeito. Porém há casos julgados em época com contextos sociais diversos, casos guiados pelos bons costumes do início do século vinte que teriam muito pouca serventia nos dias atuais.

É possível que não haja mais casos passíveis de comparação, quanto então, mas só exatamente então, só a convicção pessoal do julgador será a medida do justo e poderá finalmente oferecer a melhor e mais adequada solução.

Finalmente, ainda existe o perigo de que o agrupamento de casos, sirva de fundamento para um retorno ao método da subsunção exclusiva, impedindo o desenvolvimento judicial do Direito e acomodando a interpretação das cláusulas gerais pelos tribunais (essa dura crítica ao método de grupo de casos fora elaborada por Ralph Weber).

Mas existem outros elementos que ao lado dos precedentes também servem à concretização das cláusulas gerais.

A observância à finalidade concreta da norma é um dos elementos imprescindíveis à concretização de uma cláusula geral. O método teleológico de compreensão de normas, não obstante tenha as suas dificuldades, não pode ser ignorado.

Cabe ao aplicador procurar os reais objetivos concretos da norma: a concretização é uma atividade, é criativo processo de integração de valores e interesses concretos.

Outro elemento decisivo na concretização das cláusulas gerais é a pré-compreensão do aplicador a respeito dos elementos do enunciado normativo.

Não se pode negar que, ao apreciar as circunstâncias de fato e as hipóteses normativas, o aplicador opera seletivamente e, nessa atividade, há componentes que não estão pré-qualificados sistematicamente, mas que são, limitadamente, qualificados pelo próprio aplicador.

Não pode o aplicador, na concretização das cláusulas gerais, ignorar o consenso social já fixado a respeito de determinadas circunstâncias que devem ser por ele examinadas.

As práticas negociais de agricultores de certa região, por exemplo, não podem ser ignoradas na compreensão do que significa comportamento socialmente havido como honesto (standard ético) para fim de concretização de cláusula geral da boa-fé. Os standards servem como parâmetro para a concretização das cláusulas gerais.

Sobre os standards o pensamento de Larenz nos enuncia: não são como acertadamente observa Strache, regras configuradas conceitualmente, às quais se possa efetuar simplesmente a subsunção por via do procedimento  silogístico, mas pautas móveis, que têm que ser inferidas da conduta reconhecida como típica e que têm  que ser permanentemente concretizadas.

Pelo método de agrupamento de casos, seja pela remissão aos standards, a concretização das cláusulas gerais não pode prescindir do pensamento tipológico (ou seja, a partir de tipos, modelos).

A concretização das cláusulas gerais exige que o intérprete se debruce sobre a situação concreta e que enxergue a constelação valorativa de referência, que pondere a consequência da concretização e, ainda, que formule o juízo em termos precisos de modo que seja possível de ser sindicado.

A concretização das cláusulas gerais pode ser controlada, quer por razões formais (como incompetência do órgão julgador ou falta de fundamentação), quer por razões substanciais (má compreensão da cláusula geral). É possível tecer uma decisão que aplique mal uma cláusula geral, quer porque a aplicou de modo irrazoável ou inadequado (decisão injusta), quer porque a aplicou sem a devida fundamentação (decisão nula).

Portanto, é possível entender que as cláusulas gerais trazem consigo o grave risco de insegurança jurídica. Posto que signifiquem valer-se da parcialidade de valorações pessoais, o arrebatamento jusnaturalista ou tendências moralizantes do mesmo gênero, contra a lei e contra o espírito da ordem jurídica.

O uso inadequado das cláusulas gerais pelo legislador atribuiu ao juiz maior responsabilidade social, o que, reconheçamos, não é propriamente de seu ofício. E tais busilis podem ganhar destaque em tempos de grande efervescência social, guerras ou crise econômica.

Há o perigo quase inevitável da fuga para as cláusulas gerais, conforme a expressão de Hedemann (Die Flucht in die Generalklauseln).

É indispensável, outrossim, distinguir cláusula geral e princípio[9]. Pois a cláusula geral é texto jurídico enquanto que o princípio é norma in abstracto. São institutos que operam em diferentes níveis o fenômeno normativo.

A norma jurídica é produto de interpretação de certo texto jurídico. Já, por outro lado, é possível extrair um princípio de uma cláusula geral, e é o que costuma normalmente acontecer.

Mas, a cláusula geral é texto que pode servir de suporte para surgimento de uma regra. Da cláusula geral do devido processo legal é possível extrair a regra de que a decisão judicial deva ser motivada… Afinal, a discricionariedade não é arbitrariedade.

Conclui-se que não existe legislação apenas composta de cláusulas gerais: a existência de regras jurídicas é indispensável para a diminuição da complexidade da regulação da vida social e o prestígio da segurança jurídica; a aplicação das cláusulas gerais não dispensa a sólida fundamentação pelo órgão julgador, cuja decisão pode ser submetida ao controle formal ou substancial; o método de concretização das normas é o mais adequado para a aplicação das cláusulas gerais, que, não obstante ainda necessite de um contínuo aprimoramento teórico, exige a observância de precedentes judiciais, da finalidade concreta da norma, da pré-compreensão, da valoração judicial dos resultados da decisão e do consenso como fundamento parcial da decisão, conforme a sistematização de Humberto Ávila.

As cláusulas gerais inicialmente se desenvolveram no âmbito do direito privado, cujos principais exemplos são a boa-fé e a função social da propriedade, do contrato, da empresa, da responsabilidade civil, da família e, etc.

É verdade que recentemente assistimos a uma invasão das cláusulas gerais no território do direito processual que naturalmente quedou-se influenciado pelas transformações da metodologia jurídica no século passado. E, ainda se contaminou pelo neoprocessualismo e neoconstitucionalismo.

Afinal, o Direito Processual também necessita de normas flexíveis que permitam atender às especiais circunstâncias do caso concreto.  O princípio do devido processo legal é um clássico exemplo de cláusula geral processual, mas o CPC vigente aponta outros exemplos como: a cláusula geral executiva já existente no art. 461, quinto parágrafo; o poder geral de cautela presente no art. 798 do CPC, a cláusula geral do abuso do direito do exequente – art. 620 do CPC, da cláusula geral de boa-fé processual, art. 14, II do CPC; cláusula geral de publicidade do edital de hasta pública art. 687, segundo parágrafo, do CPC; cláusula geral de adequação do processo e da decisão em jurisdição voluntária (art.1.109 CPC, etc…).

A existência de diversas cláusulas gerais rompe com o tradicional modelo positivista de tipicidade estrita e que estruturava o processo até os meados do século XX.

No Direito processual civil brasileiro, porém, as cláusulas gerais aparecem dispersas, como se houvessem sido previstas sem qualquer preocupação sistemática.

O CPC português, por exemplo, é estruturado sobre diversas cláusulas gerais, a saber: a) o princípio da adequação formal; b) cláusula geral do acesso à justiça efetiva, tempestiva e adequada; cláusula geral da igualdade das partes; cláusula geral da cooperação processual. Nesse sentido, o CPC lusitano posiciona-se na vanguarda doutrinária mundial. Não há legislação processual de onde se possam extrair tantas cláusulas gerais expressamente consagradas.

A flexibilidade ou abertura do direito processual civil português é revelada muito explicitamente. E, a topografia das previsões legislativas lusitanas é emblemática. As cláusulas gerais do CPC português aparecem logo no início da codificação, como que compondo um prólogo indispensável à compreensão de todo o direito processual lusitano[10].

Também no CPC brasileiro, as cláusulas gerais[11] se apresentam dispersas, quase blasé, sem qualquer ligação sistemática, principalmente em face de inúmeras e sucessivas reformas legislativas que tanto desestruturaram o código de Buzaid para o direito processual civil brasileiro.

A produção doutrinária e jurisprudencial[12] sobre as cláusulas gerais também é vastíssima. Notadamente na Alemanha onde existem inúmeros ensaios sobre o tema. E, tudo isso, contribuiu positivamente para que as cláusulas gerais fossem aplicadas de forma dogmaticamente aceitável e, consequentemente, de modo a que se pudessem controlar as decisões judiciais que destas se valessem.

O princípio da boa-fé processual pode servir de bom exemplo. E as consequências normativas sobre o desrespeito ao princípio da boa-fé processual não precisam ser típicas, posto que se possa construir o efeito jurídico mais adequado para atender ao caso concreto.

A infração ao princípio da boa-fé[13] pode gerar a invalidade do ato processual, preclusão de um poder processual, e até mesmo uma supressio, o dever de indenizar (se a infração vier acompanhada de um dano seja patrimonial ou extrapatrimonial), direito a tutela inibitória, sanção disciplinar e, etc.

Essa parece ser o problema mais recorrente a respeito do manejo das cláusulas gerais processuais, o saber mensurar a consequência normativa para seu descumprimento.

E, deve-se aplicar a analogia entre o abuso do direito e a boa-fé, seguindo as considerações de Cunha de Sá sobre a sanção ao abuso do direito, cuja determinação, deverá ser feita em função e de acordo com as circunstâncias específicas do comportamento concretamente assumido pelo titular do direito.

A respeito das diversas sanções ao abuso processual de que serve de exemplo a violação aos deveres de cooperação e que podem acarretar tanto danos patrimoniais e extrapatrimoniais.

O NCPC trouxe novamente a inclusão em nosso ordenamento jurídico da cláusula geral de efetivação da tutela já prevista no CPC de 1973 no art. 461, quinto parágrafo conforme a redação da Lei 8.952/94 quando foi estabelecida uma nova ordem jurídica e social no que tange o cumprimento das sentenças judiciais, conformando-as com os novos valores consagrados na CF/1988, especialmente aqueles referentes ao Estado Democrático de Direito, acesso à justiça e à dignidade da pessoa humana.

Antes prevalecia apenas a indenização em detrimento da entrega da tutela específica. E, pela doutrina liberal, até então, adotada, a lide se resolvia pela via de perdas e danos. Independentemente qual fosse o bem tutelado, fosse a vida, uma coisa ou mercadoria, tudo poderia ser precificado e, portanto, negociável.

Tal venalidade só favorecia a parte mais poderosa e abastada das relações processuais, que se escusava da obrigação através do pagamento feito pelo vil metal, em detrimento da outra parte a qual, diante da impotência do Estado em garantir-lhe a execução da tutela específica, conformava-se com uma indenização pecuniária, que até os dias atuais, obedece a critérios nada realísticos, e até mesmo obscuros para a definição dos valores correspondentes.

Enfim, o art. 461 do CPC veio a determinar nova preferência na efetivação de sentenças quando alude que o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

Assim se modificou o regime de execução de obrigação de fazer e não fazer, repetindo o que vem estabelecido pelo CDC[14]. Assim quanto ao descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer é o da execução específica, sendo exceção à resolução em perdas e danos.

Tal mudança colocou a disposição do juiz nova ferramenta de atuação que lhe conferiu múltiplas possibilidades de agir a fim de garantir ao seu jurisdicionado a entrega da tutela específica.

Trata-se do quinto parágrafo do art. 461 do CPC que dispõe: "Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa[15] por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial".

Então o magistrado tem poderes para tomar as medidas necessárias[16] e as que melhor aprouverem ao processo, a fim de enfim promover a entrega ao jurisdicionado da tutela específica. Neste dispositivo, o legislador elencou várias hipóteses de atuação do Estado-juiz, mas, de nenhuma maneira exauriu, naquelas letras, todas as possibilidades de ação do magistrado e também do exequente também.

E como não fez numerus clausus, as hipóteses de ação do magistrado, não se podendo descartar a prisão civil do executado como meio legítimo de atuação do Estado-juiz na busca de entrega da tutela específica.

A CF/1988 em seu art. 5, inciso LVXII, veda a prisão por dívida in litteris: "não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel".

Mas a Súmula Vinculante 25 do STF prevê expressamente: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito”. Assim não existem controvérsias sobre a legitimidade constitucional da prisão civil do devedor de alimentos, mas o mesmo não se dá em relação à prisão civil do depositário infiel. E, conforme prevê o art. 7º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, que dispõe: "Ninguém deve ser detido por dívidas".

E com a adesão do Brasil a essa convenção, assim como ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, sem qualquer reserva, ambos no ano de 1992, iniciou-se um amplo debate sobre a possibilidade de revogação, por tais diplomas internacionais, da parte final do inciso LXVII, do art. 5º da CF/88, especificamente, da expressão "depositário infiel", e por consequência, de toda a legislação infraconstitucional que neste possui fundamento direto ou indireto.

Realiza-se um obtempero do texto constitucional para se chegar a melhor interpretação, bem como, sopesar todos os valores[17] envolvidos na questão, a fim de promover um entendimento da norma inserida no mundo real, considerando todos os aspectos, e, sem sentimentalismos, e enfim laicizar a discussão.

Contudo, há juristas constitucionalistas se manifestam majoritariamente pela interpretação literal do inciso LVXII, considerando que, além das duas hipóteses ali elencadas, não é permitida a prisão de pessoas por qualquer espécie de dívida.

Gilmar Mendes, o grande jurista e ministro do STF, definira bem que a prisão civil diferencia-se da prisão penal, na medida em que não consubstancia uma resposta estatal à prática de infração penal, mas antes, corresponde a um meio processual reforçado de coerção do inadimplente, posto à disposição do Estado para a execução de uma dívida.

Não possui, portanto, natureza penal, destinando-se apenas a compelir o devedor a cumprir a obrigação contraída, persuadindo-o da ineficácia de qualquer tentativa de resistência quanto à execução do débito.

Todavia, o juiz afirma que não é possível a aplicação da prisão como meio para compelir o devedor ao adimplemento da obrigação, pois entende que a vedação contida no texto constitucional é absoluta e "as exceções são expressas e taxativas: inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia”.

Na mesma esteira de pensamento, o importante o doutrinador, Alexandre de Moraes, também se manifesta contrário à possibilidade da prisão civil, aludindo que em regra, não haverá prisão civil por dívida. Excepcionalmente, porém, em dois casos seria permitida. Mas, atualmente num único caso: o de inadimplência de dívida alimentícia.

Numa visão maniqueísta lembramo-nos da figura do credor no personagem da velha agiota Aliona Ivanovna, da célebre obra de Dostoievsky, da qual, na primeira referência à personagem, feita pelo jovem Raskolnikon, ele descreve que, quando se viu diante da velha, sentiu, logo à primeira vista, uma forte antipatia por ela.

Além da antipatia devotada aos credores em geral pela via literária[18], no mundo jurídico também o credor é visto com desprezo como depreendemos da afirmação de Filangiere:

"Punir constantemente a insolvabilidade pela prisão; confundir a miséria com o crime; cobrir o inocente de toda a infâmia da perversidade, em lhe arrancando a honra; forçá-lo a renunciar a virtude; tirar de um homem de bem infeliz até a propriedade do seu corpo, que o destino inexorável lhe há deixado; fazê-lo comprar por um suplício, muitas vezes eterno, o ligeiro alívio, que ele tinha obtido em seu infortúnio; condenar à inação, aos tormentos e aos vícios, que a acompanham, aquele que não tem mais que os seus braços, ou os esforços do seu espírito, para fazer subsistir sua família e pagar seu credor; privar a sociedade de um homem que não atem ofendido, e que lhe poderia ser útil; dar a um credor implacável o poder de conservar o seu devedor neste estado de opróbrio e de desolação tanto tempo quanto ele quiser, e de satisfazer sua vingança com as armas da lei; em uma palavra, ofender a justiça, ultrajar os direitos mais preciosos do homem e do cidadão, e multiplicar as infelicidades da indigência sem favorecer as propriedades – tais são os abusos da prisão por dívidas, estabelecida em todos os países da Europa mesmo entre aqueles que mais se gloriam da sua humanidade e de sua liberdade.".  (In Filangiere apud Lobão, Execuções, página 145, parágrafo 181. Citado em Rodrigues Filho, Eulâmpio. Prisão Civil sem lei. Um equívoco. Jus Navigandi.).

O mérito do instrumento prisão civil é discutível, uma vez que se faz uma comparação entre o ideal de liberdade e um objeto inanimado ou uma pretensão de riqueza daquele chamado credor, resultando em preconceito puro.

Tratar a tutela jurisdicional como fosse igual à mercadoria, coisa a ser entregue em benefício de alguém é minimizar a importância que tem a decisão judicial[19] no Estado Democrático de Direito.

Por óbvio, existe uma enormidade de bens não materiais tutelados que ampliam, fortalecem e enobrecem o conceito de credor e a importância de sua proteção para a nossa sociedade.

A vida, a paz social, o meio ambiente entre outros bens que compõem o patrimônio jurídico dos indivíduos e de toda sociedade simultaneamente, quando tutelados pelo Estado-juiz, transformam seus titulares em credores que precisam ter seu direito garantido em benefício do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e do Estado Democrático de Direito.

Assim, cogitar em Estado Democrático de Direito é cogitar em acatamento da lei, é venerar o princípio da legalidade como expressão máxima de nossa organização social e conforme leciona José Afonso da Silva [20] apud Didier: É da essência do seu conceito (Estado Democrático de Direito) subordinar-se à Constituição e fundar-se na legalidade democrática.

Sujeita-se, como todo Estado de Direito, ao império da lei, mas da lei que realize o princípio da igualdade e da justiça não pela sua generalidade, mas pela busca de igualização das condições dos socialmente desiguais.

E continua: Pois ele (Estado Democrático de Direito) [21] tem que estar em condições de realizar, mediante lei, intervenções que impliquem diretamente uma alteração na situação da comunidade.

Aquele que não cumpre a decisão judicial[22] está afrontando toda comunidade e desrespeitando o Estado Democrático de Direito, duramente conquistado ao longo da nossa história.

Ademais, cumpre à lei, no Estado Democrático de Direito, um papel transformador, que, através de sua aplicação no caso concreto, mesmo que se utilizando de cláusulas gerais processuais.

O art. 461, quinto parágrafo do CPC quebrou o dogma da tipicidade dos meios destinados ao cumprimento das decisões judiciais. E, verificando-se que a medida coercitiva se mostra inidônea para vencer a resistência do demandado e, assim, dar justa tutela ao direito da parte, pode o juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as medidas necessárias para a obtenção da tutela específica, ainda que mediante um resultado jurídico equivalente.

O rol não é taxativo podendo a parte requerer ou o juiz[23] determinar, ainda que de ofício, a medida necessária à tutela do direito segundo as particularidades do caso concreto. Podendo determinar até o bloqueio de verbas públicas. Enfim a cláusula geral da tutela específica visa dar maior efetividade ao processo de execução tão desprestigiado na realidade brasileira.

 

Referências
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IHERING, Rudolf von. A luta pelo Direito. Trad. J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.
Notas:
[1] A partir do século XVIII e, especialmente no século XIX em diante as relações sociais tornaram-se mais complexas, carecendo de amparo legal que garantisse a certeza jurídica, de forma a permitir o pleno desenvolvimento social. Foi neste cenário é que surgiram as grandes codificações europeias. E conhece se como principais expoentes tais como o Código de Napoleão (1804) e o Código Civil alemão (BGB) e o Código Civil Italiano. A fase de expansão exigiu grandes mudanças estruturais da sociedade contemporânea, quando se passou a explorar a força de trabalho em prol de maior retorno econômico. Mas os trabalhadores se sentiam explorados e escravizados passaram a buscar seus direitos e garantias, revelando senso crítico aos acontecimentos oriundos dos objetivos capitalistas. Pois em uma sociedade pluralista provida dos mais diferentes ambientes culturais e econômicos, ocorrendo transformações em alta velocidade, houve a necessidade de buscar um sistema legislativo que, de alguma forma, acompanhasse as novas relações emanadas da sociedade. E a noção de centralidade do código civil, como o regente mor das relações privadas fora fadada ao insucesso posto que não atendesse mais e nem acompanhava o avanço das relações sociais e jurídicas. Aos poucos as leis esparsas começaram a ter relevância no ordenamento jurídico, principalmente os microssistemas jurídicos, tais como Estatuto da Infância e da Adolescente, Estatuto do Idoso, o CDC e, tantos outros. Com a constitucionalização do direito civil deu-se a abertura do sistema. Gustavo Tepedino demonstrou com astúcia o surgimento deste novo paradigma: "O Código Civil perde, assim, definitivamente, o seu papel de Constituição do direito privado. Os textos constitucionais, paulatinamente, definem princípios relacionados a temas antes reservados exclusivamente ao Código Civil e ao império da vontade: a função social da propriedade, os limites da atividade econômica, a organização da família, matérias típicas do direito privado, passam a integrar uma nova ordem pública constitucional. Por outro lado, o próprio direito civil, através da legislação extracodificada, desloca sua preocupação central, que já não se volta tanto para o indivíduo, senão para as atividades por ele desenvolvidas e os ricos delas decorrentes.".  Assim a Constituição assumiu o papel de unificar o sistema jurídico, conformando a elaboração e aplicação de várias searas jurídicas, entre estas, a cível, a processual civil, para que possa dirimir eventuais conflitos existentes nos diversos ramos da Ciência Jurídica. Trouxe a realidade mudança de atitude, pois deve o jurista interpretar o C.C. segundo a Constituição e não a Constituição, segundo o Código, como aconteceria nos tempos passados.
[2] Vale frisar que o processo judicial eletrônico deverá estar sujeito às mesmas formalidades essenciais que o processo tradicional, no tocante a ser obedecido o procedimento legalmente previsto para apuração da verdade, em uma sucessão concatenada de atos processuais, em que seja assegurado o contraditório e a ampla defesa que estão umbilicalmente ligados ao princípio do devido processo legal.
[3] Percebe-se que a distinção entre texto ou dispositivo, norma ou regra de conduta e valor ou objetividade jurídica, que são institutos claramente diferenciados. O texto consiste nos símbolos gráficos que pretendem expressar o significado, o conteúdo e a extensão das regras de conduta, assim, o texto é sempre finito e limitado. A norma tem no texto seu ponto de partida, mas vai além deste, como é o caso, por exemplo, do texto contido no inciso LVI do art. 5º são inadmissíveis no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, do qual podem se extrair várias normas, entre elas são admissíveis no processo todas as provas obtidas por meios lícitos.
[4] A partir de um texto constitucional ou legal ou contratual (seja dispositivo, artigo, parágrafo, cláusula e, etc) podemos extrair diversas normas de conduta para o caso concreto, que inspiraram autores em apontar infinitas possibilidades normativas na resolução dos casos concretos.
[5] Nomografia é ciência cujo objeto é a escrita das leis. A técnica de redação das leis guarda características próprias em cada país, embora cada vez mais se internacionalize por força de modelos adotados pelas declarações universais, tratados e demais atos internacionais, inclusive e principalmente aqueles formulados querem por pessoas jurídicas de direito público ou agentes.
[6] Karl Engisch referiu-se à cláusula geral como “conceito multissignificativo” e Canaris apontou a impossibilidade da dogmatização destas normas, porquanto, a concretização da valoração e a formação de proposições jurídicas só podem operar diante do caso concreto ou em face de grupos de casos considerados como típicos.
[7] Questionando firmemente o dogma da subsunção, Alexy lembra que sua superação é contemporaneamente um ponto de unanimidade da discussão metodológica: "Ninguém mais pode afirmar seriamente que a aplicação das normas não é senão uma subsunção lógica às premissas maiores abstratamente formuladas". Assim a sentença vista como uma ordem concreta não perde necessariamente conexão com o paradigma subsuntivo. Enfim, a sentença realiza o processo de transformação da norma jurídica do mandato abstrato em mandato concreto, mediante a sentença, o mandato toma forma, se individualiza e se concretiza.
[8] A cláusula geral funciona como catalisador de realização de justiça social e apesar das advertências de Franz Wieacker. Devemos promover o manejo responsável a fim de permitir a concretização de direitos fundamentais e de atuação de um Judiciário cidadanizante.
[9] Segundo Carnelutti, os princípios gerais do direito não são considerados direito, dada a sua amplitude diante da norma que dele emana. Em vez disso, os princípios seriam premissas éticas ou econômicas, alcançadas pelo processo de indução do material legislativo. Para Miguel Reale, “princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas”.
[10] O Novo Código Processo Civil brasileiro que ainda aguarda a sanção presidencial traz em sua estrutura uma parte dedicada com a Teoria Geral do Processo e veio valorizar as cláusulas gerais processuais, notadamente a cooperação dos sujeitos do processo.
[11] Repise-se que a multa tem natureza coercitiva e não punitiva. De modo que sem que haja violação ao princípio da correlação ou congruência, o juiz poderá majorar o valor e/ou periodicidade da multa se verificar que se tornaram insuficientes diante da persistência do réu em descumprir o comando judicial exarado em sentença, ou então, poderá reduzi-los, se verificar que se tornaram excessivos, ou até mesmo, revogar a multa. Tudo no sentido de se buscar a maior eficácia da medida coercitiva escolhida. Também é possível que a multa diária não seja propriamente diária, e se adotar outra unidade temporal, tal como semanal, mensal e, etc. enfim, o que se revele ser mais adequado e exigível ao caso concreto, conforme reza o juízo de ponderação.
[12] A guisa de exemplo e para melhor visualizar a aplicação concreta do princípio da proporcionalidade, vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal já firmou jurisprudência no sentido de que a cobrança indireta no campo fiscal é inconstitucional por violar a sub-regra da adequação. Os verbetes de súmula nº 70, 323 e 547 do Supremo Tribunal Federal, em suma, impedem a adoção de providências destinadas a obstar a atividade empresarial ou profissional do contribuinte em débito enquanto não fosse pago o tributo. De acordo com o verbete nº 70, o estabelecimento não pode ser interditado como meio coercitivo para cobrança de tributos.
[13] Foi a evolução do pensamento jurídico processual que conduziu a disposição do art. 14 II do CPC que continha, em verdade, uma cláusula geral, uma norma geral de conduta que impõe a todos aqueles que qualquer forma participam do processo uma atuação em consonância com a boa-fé objetiva. O novo CPC já aprovado pelo Senado Federal brasileiro limitou-se a repetir, quase que com as mesmas palavras, em seu art. 80. II o vetusto art.14, II do CPC vigente. Propondo que é dever das partes, de seus procuradores e de todos que qualquer forma participem do processo proceder com lealdade e boa-fé. Propondo um modelo cooperativo de processo.
[14] As regras dos artigos 84 do CDC e 461 e 461-A do CPC são respostas do legislador à ideia de que tal direito fundamental exige que o juiz concentre poder para determinar a medida executiva necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional, inclusive antecipatória. Tais regras, como já dito, instituem a possibilidade de o juiz determinar a medida executiva adequada ao caso concreto e, inclusive, variar o montante da multa necessário ao convencimento do demandado.
[15] Vale ressaltar, que o valor da multa não é ato discricionário do juiz. Este deve estar sempre atento às balizas fornecidas pelo princípio da proporcionalidade e às peculiaridades do caso concreto. Releva notar que a multa é medida coercitiva, não tendo, portanto natureza compensatória ou ressarcitória e nem de penalidade. Tal se infere do parágrafo 2º do art. 461 do diploma processual civil segundo o qual “a indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa”. Lima Guerra (1999, p.189) leciona que “a cumulatividade entre multa e perda-e-danos é a consequência lógica e natural das diferentes naturezas e finalidades dos dois institutos: a primeira visa motivar o adimplemento e a segunda define o objeto da obrigação do obrigado inadimplente”.
[16] No caso das obrigações fungíveis em que o juiz, consoante juízo de ponderação, decidirá entre o uso de medidas coercitivas ou sub-rogatórias se questiona acerca de uma ordem de preferência entre o uso das medidas coercitivas (execução indireta) e as sub-rogatórias (execução direta). Não existe uma ordem de prioridade pré-estabelecida. A opção pelo juiz da utilização de um ou outro mecanismo, ou até mesmo de ambos, ou, ainda, optando pelo uso da medida coercitiva, a escolha de qual deve ser utilizada só pode ser determinada através de um juízo de proporcionalidade que leve em consideração as circunstâncias concretas de cada caso. Dessa forma, recorre-se à regra da proporcionalidade.
[17] Mesmo contra o beneficiário da justiça gratuita é possível aplicação de multa, pois além de a gratuidade em referência não atingir o pagamento da multa, e pensar o contrário retiraria toda e qualquer força coercitiva dessa medida. Sem contar que todos os beneficiários da justiça gratuita estariam cientes e potentes a descumprir todas suas obrigações, dada a certeza que teriam no sentido de que a multa contra eles seria inócua.
[18] Cervantes, por exemplo, foi perecer numa prisão, outro exemplo foi Balzac fora perseguido por seus credores.  Rudolf Von Ihering que, no livro A luta pelo Direito, chegou a publicar seu entendimento, discordando do desfecho proposto por Shakespeare na referida história “O Mercador de Veneza”: Ninguém em Veneza duvidava da validade do título: Os amigos de Antônio, o próprio Antônio, o doge, o tribunal, todos, enfim, estavam de acordo que o judeu estava em seu direito. Imbuído da inabalável confiança no seu direito, por todos reconhecido, é que Shylock solicita o auxílio da justiça, e o sábio Daniel, depois de tentar dissuadir o credor que clamava por vingança, na concretização de seu direito, acaba reconhecendo esse mesmo direito(…)Ao reconhecer a Shylock o direito de cortar do corpo de Antônio uma libra de carne, o juiz reconheceu-lhe também o direito ao sangue, sem o qual a carne não pode existir, e quem tiver o direito de cortar uma libra de carne, pode, se quiser, tirar menos.
[19] Assim, já no século XIV, passou-se a lançar mão da chamada “comum opinião dos doutores”, com o fito de, com isso, fixar-se um patamar de regras e princípios que visam alcançar a certeza e a segurança na aplicação do Direito, valendo a opinião dos doutos, na ausência de lei, como uma verdadeira norma jurídica, trazendo, portanto, maior rigidez ao sistema.
A origem das cláusulas gerais prostra-se no século XIV quando se passou a utilizar a chamada comum opinião dos doutores, com o fito de, com isso, fixar-se um patamar de regras e princípios que visem alcançar a certeza e a segurança na aplicação do Direito, valendo a opinião dos doutos, na ausência da lei, como uma autêntica norma jurídica, e trazendo maior flexibilidade ao sistema.
Aconteceu, porém que ao final do século XX o paradigma da concepção fechada de sistema jurídico voltou a ser alterado, quando se deu a famosa crise da teoria das fontes, que trouxeram a cena os princípios tradicionalmente considerados como metajurídicos no campo da ciência do Direito. Deu-se assim uma nova concepção de ciência jurídica, preocupada em adaptar o Direito ao frenético dinamismo das relações sociais, levando-se em consideração o sistema jurídico composto pela norma codificada, os princípios, as máximas, as regras de experiência, usos e costumes diretivos reveladores da cultura.
[20] José Afonso da Silva (Pompéu, 30 de abril de 1925 em Minas Gerais) é um jurista brasileiro, mineiro, especialista em Direito Constitucional. Graduado pela Universidade de São Paulo (1957) é também livre docente (1969) pela mesma universidade, da qual é professor titular aposentado e onde também foi responsável pelo Curso de Direito Urbanístico, em nível de pós-graduação. É Procurador do Estado de São Paulo aposentado, além de ter sido livre docente de direito financeiro, de processo civil e de direito constitucional da Faculdade de Direito da UFMG. É membro de diversos institutos, dentre os quais o Instituto dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Constitucionalistas Democráticos, da qual foi presidente e fundador. Foi secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo de 1995 a 1999. É pai do atual professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da USP, Luís Virgílio Afonso da Silva.
[21] Em nome do direito fundamental à tutela executiva, o legislador preferiu estabelecer a atipicidade dos meios executivos postos à disposição do magistrado, possibilitando a ele a imposição da providência que se revele mais efetiva à luz do caso concreto, razão pela qual, não faria sentido que essa decisão ficasse sujeita aos limites do pedido formulado pelo autor. Relativiza-se, com isso, mais um princípio, o da inércia da jurisdição (art. 2º do Código de Processo Civil). Nessa linha, não estaria o juiz adstrito à medida coercitiva requerida pelo autor, podendo ele impor outra medida. Mas, nada obsta que o autor, em sua petição inicial, faça sugestão da aplicação de determinada medida atípica.
[22] É possível fazer uma primeira ponderação – em nível doutrinário e abstrato – a respeito dos meios executivos, mas é preciso deixar bem claro que essa ponderação jamais suprirá aquela reservada ao juiz diante do caso concreto. Nessa perspectiva, é possível dizer que determinadas medidas de execução direta, isto é, medidas executivas que prescindem da necessidade de constrangimento da vontade do réu, podem ser mais efetivas que a multa. Mas isso nem sempre será assim, pois há casos em que a medida de execução direta, ainda que praticada por auxiliar do juízo, implica em grande gasto de dinheiro, enquanto que em outros ela somente pode ser realizada por terceiro, que obviamente deve ser custeado. Além disso, a medida de execução direta pode gerar um dispêndio de tempo superior àquele que seria necessário para convencer o réu.
[23] A lição de Luiz Guilherme Marinoni explica que o juiz não pode ficar subordinado somente ao que está expressamente previsto em lei. Se a tarefa do juiz está subordinada à estreita previsão de meio executivo, a legislação processual poderia negar0lhe as ferramentas necessárias para o cumprimento do seu dever e para o respeito ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Não é outra senão essa a razão de o legislador processual, no art. 461 § 5º do Código de Processo Civil, lançar mão de uma cláusula geral executiva, na qual estabelece um rol exemplificativo das medidas executivas que podem ser adotadas pelo juiz, outorgando-lhe poder para, à luz do caso concreto, utilizar-se da providência que entender necessária à efetivação da sua decisão judicial.

Informações Sobre o Autor

Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.


Equipe Âmbito Jurídico

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