Resumo: Com o presente estudo busca-se refletir sobre a crise do Estado moderno, que tem sido enfrentada de diferentes maneiras por vários Estados e, em seguida, pretende-se uma compreensão acerca do Estado Plurinacional, que consiste na saída estratégica encontrada pelo Estado da Bolívia à crise do Estado capitalista neoliberal.
Palavras-chaves: Estado Plurinacional. Movimento Indígena. Estruturas Comunitárias. Política de nacionalização. Racismo. Sexismo.
Abstract With this study we try to reflect on the crisis of the modern state, which has been addressed in different ways by various states and then seeks to understand about a Multinational State, which is the exit strategy found by the Bolivian State the crisis of neoliberal capitalist state.
Keywords Multinational State. Indigenous Movement. Community Structures. Nationalization policy. Racism. Sexism.Ouvir
Sumário: 1.Introdução; 2. Estado, Constituição e Poder Constituinte; 2.1 A crise do Estado boliviano; 2.2 Recomposição do Estado Boliviano; 3. Estado: Filosofia, Gênero e Racismo; 4. Estado Plurinacional; 5. Considerações finais
1 INTRODUÇÃO
Nesse artigo busca-se compreender a experiência desenvolvida na Bolívia em termos gerais para tal, elencam-se estudos acadêmicos sobre os pressupostos fundantes do Estado Plurinacional, como nova estratégia histórica, cultural, filosófica, política e socioeconômica, de enfrentamento ao capitalismo mundial.
De acordo com distintos estudiosos Estermann, 2008; Linera, 2010; Magalhães, 2010; Negri, 2010; Santos, 2007; Tapia, 2007, 2010, o Estado capitalista está em crise. E, da crise surge diferentes alternativas, seja para dar novo fôlego à instituição, ou seja, na busca de outra possibilidade de relacionar o Estado e o povo, este é o caso concreto da experiência do Estado Plurinacional na Bolívia.
Configura-se uma ameaça à pluralidade humana a pretensão de um Estado se afirmar soberano sobre outro país ou outros países desconsiderando sua realidade interna. Tal pretensão tem praticado o Ocidente. Como exemplo, cita-se a americanização como forma hegemônica de globalização. Os Estados Unidos tem exercido a supremacia ocidental sobre continentes e populações desconhecendo suas histórias, suas culturas, suas relações internas. (SANTOS, 1998).
Assim, para analisar o Estado se requer sistematização de conhecimentos jurídicos, econômicos, filosóficos, sociológicos, políticos, psicológicos e históricos, que busca conhecer e estudar o Estado e sua função na História, passado e presente. (MAGALHÃES, 2010).
2 ESTADO, CONSTITUIÇÃO E PODER CONSTITUINTE
A abordagem do Estado demanda a discussão de democracia e Constituição. Embora a princípio Democracia e Constituição não estivessem vinculadas. A fusão entre democracia e constituição ocorre apenas na segunda metade do século XIX, quando então, por força dos movimentos operários e dos partidos de esquerda conquistou-se primeiramente o voto igualitário masculino, para depois de algum tempo, gradualmente, conquistar-se o sufrágio universal com o voto igualitário e o fim da discriminação de gênero. (MAGALHÃES, 2010).
Esta fusão entre democracia e constituição trouxe a importante noção de “democracia com segurança” que se transformou com o tempo, na idéia de que, a vontade da maioria tem limites de decisão, estabelecidos na obrigatoriedade de respeitar os direitos das minorias e no núcleo duro de qualquer constituição: os direitos fundamentais. (MAGALHÃES, 2010).
Nessa mesma ordem de sentido, Santos (2007) argumenta que é preciso reinventar a democracia porque a crise do Estado neoliberal é irreversível. Em suas palavras:
“Necessitamos inventar la democracia em el sentido intercultural y el Estado em el sentido plurinacional, porque el Estado liberal moderno no va a volver. Su crisis es irreversible y, por eso, lo peor que puede pasarmos nosotros no seamos capaces de vivir este período con gran intensidad democrática y con un sentido más profundo, más inclusivo de lo que es la bolivianidad”. (SANTOS, 2007).
Portanto, devido às complexidades construídas e acumuladas há milênios, não é possível ater-se a uma visão unitária. Para uma compreensão ampla do conhecimento e do mundo é preciso uma leitura transdisciplinar.
“O estudo e a compreensão do Estado passa pelo mesmo problema. Ou seja, para compreender o Estado é necessário associá-lo à sua história, ao histórico das sociedades e de seu comportamento delimitado num dado contexto no tempo e no espaço. É preciso buscar as motivações e os jogos do poder. É preciso buscar os desejos ocultos, os interesses em conflito. Se não fizermos isto, o estudo do Estado e do Direito corre o risco de remeter os seus estudiosos a mundo fictício” […] (MAGALHÃES, 2010).
O Constitucionalismo não nasceu democrático. Nascido na forma liberal, o constitucionalismo visava a construção de um espaço de segurança jurídica e de proteção da esfera de decisão individual.
“Segurança, propriedade privada e privacidade são as palavras que identificam o constitucionalismo liberal. Este não nasceu democrático e os direitos fundamentais, nas suas constituições protegidos, eram para poucos. Os direitos políticos eram assegurados apenas para homens, proprietários e ricos.” (MAGALHÃES, 2010).
Em seguida, argumenta que é fácil concluir que, mesmo democráticas, as constituições como limitadoras e conformadoras, mesmo sofrendo mutações interpretativas e mudanças formais de seu texto, serão sempre, em algum momento, superadas pela dinâmica social.
“Daí a existência do poder constituinte originário como poder de ruptura democrática. Este é o momento onde a democracia rompe com uma ordem que não mais responde socialmente, para então, democraticamente, estabelecer outro sistema constitucional. Este é sempre um momento de risco, pois é o momento onde a democracia se desprende do direito, se desprende dos limites jurídicos para logo estabelecer novos limites, diante do medo de que, a falta de limites, transforme esta vontade criadora livre em uma ditadura da maioria.” (MAGALHÃES, 2010).
A força do poder constituinte originário configura-se, portanto, como poder de fato, capaz de romper com a ordem vigente, e, portanto, um poder ilegal e inconstitucional em relação à ordem com a qual este poder rompe, e pela qual não se limita.
“Esta afirmativa contém a essência da segurança que busca o constitucionalismo moderno: a Constituição na sua essência deve ser tão forte e perene que nenhum poder constituído pode romper com seus fundamentos e estrutura. Somente um poder social mais forte, porque representando a força democrática da vontade histórica do povo, pode romper com a Constituição para então criar uma nova Constituição. O poder originário nasce da revolução e nem mesmo a Constituição poderá segurá-lo, pois é o poder de transformação social da própria história.” (MAGALHÃES, 2010).
Este poder será democrático na medida em que o processo constituinte sirva como arena privilegiada de demonstração dos grandes temas nacionais, para que, a partir daí, seja possível que as manifestações do jogo de forças sociais sejam legitimamente exercidas.
“É fundamental para isto que o poder de manipulação do marketing político, da propaganda, o poder de pressão econômica seja minado ao máximo. Não pode uma minoria nos bastidores se sobrepor a vontade presente nas ruas e no campo. Este poder constituinte originário democrático se manifestou na América do Sul em 2008 e 2009 na Bolívia e no Equador”. (MAGALHÃES, 2010).
Negri (2010), no trato do tema também considera que a questão central, é o problema do poder constituinte. O Poder Constituinte consiste na insurgência de um poder originário, autônomo, que rompe definitivamente com o sistema jurídico preexistente e se apresenta como uma forma de fundação de uma nova ordem jurídica. (Tradução livre)
Desenvolver uma forma de governar com os movimentos e a execução e sua vontade não é simples, pois a sociedade está plena de contradições e continua complexa. Contudo, se, se pretende intervir com o conceito da prática em comum, somente assim, governar é possível e, se tem uma maneira revolucionaria construindo o bem comum. (Tradução livre)
“Esta construcción de lo común significa recuperar todas las fuerzas de libertad y de igualdad que existen en nuestra sociedad y que están ligadas, fijense bien, a la forma que el trabajo asume. No es posible hablar del valor sin libertad, y no producimos valor sin lo común.” (NEGRI, 2010).
Linera (2010) ao abordar os movimentos das classes sociais na Bolívia, destaca sua dimensão étnica cultural como mecanismo de identidade mobilizador, ao torno do qual se despertam as convocatórias, as indignações e as propostas frente ao Estado. Tal demanda ocorre porque antes era uma sociedade racista que escondia a dominação de classes detrás de uma dominação étnica, e as classes sociais tinham visibilidade por meio da cor da pele, do idioma e do nome. (Tradução livre)
Assim, com o olhar investigativo, aborda-se a seguir, a crise do Estado capitalista na Bolívia, e a sua consequente estratégia histórica em construção: o Estado Plurinacional.
2.1 A crise do Estado boliviano
Tapia (2007) leciona que há diferentes formas de um Estado entrar em crise. Em seu trabalho sobre ‘una reflexión sobre la idea de Estado Plurinacional’ interpreta segundo seu juízo, o enfrentamento das crises do Estado boliviano como antecedentes à possibilidade de constituição do Estado Plurinacional.
Cabe menção as 4 (quatro) crises ocorridas na Bolívia – crise fiscal, crise de representação, crise de legitimidade e crise de correspondência:
“Crise fiscal com base no argumento de que as empresas públicas eram ineficientes e causavam altos déficits ao Estado as empresas de exploração dos recursos naturais foram privatizadas. Entretanto, após as privatizações não ocorre aumento da arrecadação estatal nem se constata a suposta eficiência das empresas de capital privado transnacional. Isto gerou um crescente déficit ou crise fiscal, pois o Estado tem recorrido frequentemente a endividar-se para poder sustentar seu financiamento normal.” (TAPIA, 2007). (Tradução livre)
Tapia (2007) interpreta que a crise de representação ocorre basicamente devido ao neoliberalismo e ao sistema partidário vigente.
“Algumas reformas eleitorais e a implantação do modelo neoliberal ocorrida nos anos 80 e 90, produziram um sistema de partidos com uma configuração monolítica. Os 5 (cinco) partidos existentes representavam o mesmo projeto econômico e setores da sociedade da mesma classe economicamente dominante. O resultado dessas eleições servia para se conhecer o peso que cada um teria num governo de colisão para o país, e, portanto, o povo dava apoio plebiscitário não sendo de fato representado”. (TAPIA, 2007). (Tradução livre)
A ausência de representação do povo, das diferentes culturas da sociedade boliviana, a corrupção e o cinismo dos parlamentares e do governo, no final do século XX, são questionados pelo povo e produz outra crise:
“A crise de legitimidade que se inicia com conflitos do povo em defesa da água, grandes mobilizações a favor da nacionalização e da assembleia constituinte com fortes críticas ao sistema de partidos que dava suporte político ao Estado e ao país.” (TAPIA, 2007). (Tradução livre)
Há uma assimetria entre o Estado, o governo e o povo boliviano que propicia as condições políticas para a crise de correspondência.
“A crise de correspondência entre o Estado, a configuração de seus poderes, o conteúdo de suas políticas de um lado, e, de outro lado, a diversidade cultural (auto organizada) do povo boliviano, por exemplo, a Central Sindical única de Trabalhadores Campesinos da Bolívia (CSUTCB), o partido do movimento Índio Pachacuti (2002), a organização dos Povos Indígenas da Amazônia, a unificação inter ética dos povos e sua unificação numa Confederação de Povos Indígenas do Oriente Boliviano (CIDOB)”. (TAPIA, 2007). (Tradução livre)
Magalhães (2010) entende o processo de mobilizações, organizações dos povos indígenas e suas vitórias eleitorais, como avanços históricos importantes na conquista de seus direitos usurpados.
“Em meio a estes variados processos de transformação social, percebemos que cada país, diante de suas peculiaridades históricas, vem trilhando caminhos diferentes, mas nenhum abandonou o caminho institucional da democracia representativa, somando a está uma forte democracia dialógica participativa.” (sic).
2.2 Recomposição do Estado Boliviano
O Estado Plurinacional constitui uma alternativa estratégica de enfrentamento dos efeitos do capitalismo neoliberal contra o povo boliviano. Para tal torna-se necessário recompor o Estado enfrentando o desafio de superar as crises (mencionadas no item anterior) geradas pelo poder dominante privatista e exclusivo.
Tapia (2007) entende que é preciso começar pela reforma das condições de não correspondência entre o Estado e a multiculturalidade boliviana. Sua fundamentação teórica expressa a forma como deverá ser o processo.
Deve-se considerar a forma de unificação política das diferentes nações, isto é conhecer, analisar e distinguir os diferentes tipos de nações, no sentido de revisar a heterogeneidade que contém os camponeses, também se deve considerar as nações comunitárias que se organizam sócio e politicamente em uma matriz comunitária. (Tradução livre)
“O princípio organizativo dessa forma de comunidade é a participação na comunidade que dá direito a terra, também, a participação na tomada de decisões coletivas sobre o trabalho, a reprodução e os demais aspectos da vida social. […] Embora tenha direito a propriedade não tem soberania […] As culturas aymara e quéchua são os maiores grupos do país e têm uma matriz cultural de forma comunitária.” (TAPI, 2007) (sic)
Porém, merece destaque o fato de que em cada nação (Aymara e Quéchua) há uma diversidade cultural de diferentes povos (multiculturalidade) em seu interior que reivindica ser nação e, tem gerado conflitos no decorrer de séculos, em diferentes regiões do país, em particular o norte de Potosí. (Tradução livre)
No nível político a comunidade de forma geral e comum tem como fórum a assembléia. A política é vivenciada através da presença direta nos momentos de deliberações e tomada de decisões. Assim, não há representação, de uns indivíduos, famílias ou de partidos. Mas o chefe da família representa o resto da família, inclusive a mulher, como na sociedade patriarcal presente nas sociedades modernas. (Tradução livre)
A este processo que não há delegação das decisões para outrem, com a preservação de mando material e objetiva da sociedade Linera (2010) denomina de um processo de ‘comunitarização do poder’. (Tradução livre)
Configura-se, entretanto, a ‘tutoria’ do homem, no fato do chefe de família representar a mulher, desse modo ela não participa das instâncias de poder, pois está sendo representada. Isto significa dizer que não há o seu empoderamento. Assim, cabe pesquisa mais aprofundada para desvelar a questão de gênero na experiência do Estado Plurinacional na Bolívia.
Santos (2007) coaduna com o entendimento supra mencionado, ao tratar da questão do novo constitucionalismo intercultural no contexto do Estado Plurinacional, para ele, a diferença (no caso, diferença de gênero) deve ser reconhecida e tratada em instituições apropriadas.
“Lo importante en el constitucionalismo intercultural es que si hay diferencias, el objetivo no es o un consenso por uniformidad sino un consenso por reconocimiento de las diferencias. Y aquí hay un principio fundamental para el constitucionalismo intercultural: las diferencias exigen instituciones apropiadas, las semejanzas exigen instituciones compartidas”. (SANTOS, 2007). (sic)
Ainda sobre este conteúdo pode-se acrescentar que hoje na América Latina a luta pela igualdade é também uma luta pelo reconhecimento da diferença. “Hoy, sin embargo, ya no es posible luchar por la igualdad sin luchar también por el reconocimiento de las diferencias.”(SANTOS, 2007).
Embora a nação boliviana, como as demais nações modernas, esteja atravessada por divisão de classes sociais e bastante fragmentada no decorrer de sua historicidade, quanto à estrutura da autoridade política destaca-se o seu aspecto rotativo democrático e participativo.
“La autoridad política es una especie de deber o responsabilidad más que un derecho, es decir, un cargo por el cual no se puede competir. Este tipo de estructura rotativa de los cargos es algo diferente a lo que contiene el estado moderno como forma de elección y renovación de los sujetos del gobierno”. (TAPIA, 2007). (sic)
Pode-se concluir que as nações indígenas têm uma forma organizativa e política, em sua história, que poderá contribuir para a reorganização e recomposição do Estado boliviano em outro molde democrático, que envolva os diferentes povos (e as mulheres) num processo coletivo, participativo e dialógico.
A defesa de outra forma de convivência no planeta também se encontra expressa no documento da Conferência mundial dos Povos sobre plurinacionalidade, o clima e os direitos da Terra Mãe, de 30 de abril do corrente ano, em Cochabamba (Bolívia):
“Nous exigeons la fondation d’un nouveau système qui rétablisse l’harmonie avec la nature et entre les êtres humains. L’équilibre avec la nature n’est possible que s’il y a équité entre les êtres humains. Nous proposons aux peuples du monde de récupérer, de revaloriser et de renforcer les connaissances, les savoirs et les pratiques ancestrales des Peuples indigènes, affirmés dans l’expérience et la proposition du « Vivre bien », en reconnaissant la Terre-Mère comme un être vivant, avec lequel nous avons une relation indivisible, interdépendante, complémentaire et spirituelle.”
3 ESTADO: FILOSOFIA, GÊNERO E RACISMO
Como mencionado na introdução a estratégia de saída do Estado capitalista na Bolívia ocorre em bases múltiplas – histórica, cultural, filosófica, política e socioeconômica -, com a pretensão de inclusão da multiculturalidade dos povos assim sendo, torna-se significativo abordar a reflexão que ora se apresenta no campo da filosofia andina.
Portanto, nesta discussão sobre a crise do Estado moderno e a construção do Estado Plurinacional, insere-se a crítica que o pensamento andino (sabedoria milenar encoberta por prejuízos culturais e etnocêntricos) tem sobre a filosofia ocidental (reforçada pelo poder econômico e militar do ocidente), no tocante ao discurso dominante do conquistador e imperialistas culturais que desde os tempos bíblicos, expressa um silogismo falaz, porém convincente até hoje de que: eles possuem civilização e razão e as (os) demais consideradas (os) dominadas (os) não possuem civilidade nem razão. (Tradução livre)
Os indicadores para que o Estado capitalista se considere superior aos demais países e pessoas, até hoje, são as características da raça e gênero: o outro e a outra se definem e se diferenciam a partir de um referencial estabelecido pelo dominador, juntamente com um juízo de valor que determina que o outro/a outra são inferiores. O racismo e o sexismo encontram-se disseminados nos projetos mono culturais de domínio e de conquista. Pode-se afirmar que se os livros ocidentais de filosofia tivessem cor e gênero, seriam brancos e masculinos em sua maioria. (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
Coerente com Estermann (2008), Souza (2007) argumenta que o sexismo e o racismo constituem-se em outras formas de poder em nossas sociedades. Estas são formas de desigualdade e opressão que se distanciam e se diferenciam. Obviamente, todas elas têm em comum uma certa configuração de relacionar com o outro de um ponto de vista de debilidade. (Tradução livre)
Cabe menção que o diálogo proposto nos dias atuais se dá em condições de um discurso de dominação e dentro de um contexto político, econômico e social assimétrico. Isto ocorre devido “às condições reais do processo das estratégias atuais da globalização econômica e cultural que não favorecem a um diálogo equitativo e inclusivo entre filosofia ocidental dominante e a filosofia andina”. (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
Nas palavras de Estermann (2008):
“Si se define la “filosofía” como un producto elaborado por indivíduos (personajes filosóficos) y plasmado en escritos (tratados, artículos, libros), usando una lógica binaria y una racionalidad discursiva, entonces se excluye per definitionem a todas las expresiones filosóficas que no tienen autoría individual, que no-contradicción formal y emplean una racionalidad no-discursiva. Ergo: non philosophia est”. (sic)
Assim a filosofia ocidental além de não tomar consciência de sua culturalidade centrista (racionalidade étnico centrista) e seu androcentrismo (racionalidade masculina), desconsidera as outras filosofias denominando-as como “pensamento”, “cosmovisão”, “mitologia”, “religiosidade” ou simplesmente “etno filosofia”. (Tradução livre)
Argumenta-se a necessidade de uma desconstrução por dentro da filosofia ocidental (étnico, androcêntrico e monocultural), tal medida permitirá descobrir a história secreta e suprimida da filosofia ocidental (ideias populares, marginalizadas e esquecidas) e libertar a filosofia ocidental de suas enfermidades androcêntricas (dualismos, instrumentalismos, racionalismos, egocentrismos). Acredita-se que “uma verdadeira liberação mútua e um reconhecimento verdadeiro do outro e da outra só se pode dar em uma desconstrução intercultural da filosofia”. (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
O processo pretendido de desconstrução dialógica denomina-se hermenêutica diatópica ou inter paradigmática (baseia-se na ideia de que os topoi, de uma dada cultura, por mais fortes que sejam, são tão incompletos como a própria cultura a que pertencem […] seu objetivo é ampliar ao máximo a consciência de incompletude mútua através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro, noutra) (SANTOS, 2001).
Isto porque a filosofia ocidental precisa superar sua arrogância histórica de universalizar, absolutizar, para todos, aquilo que foi produzido por brancos, da classe média num determinado momento. E, na filosofia isto é uma falácia mesmo que não reconhecida e perpetuada pela academia. (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
O pensamento andino busca a inclusão e a complementaridade. Não pretende à universalização descontextualizada, mas sim, uma pluriversidade filosófica cultural e civilizatória. Diferentemente, da filosofia ocidental que desconhece sua heterogeneidade (cultura egípcia, grega, romana, semita, árabe, germana, anglo-saxônica e hindu), a filosofia andina reconhece sua interculturalidade (culturas wari, pucara, inka, tiawanaku e ocidental). (Tradução livre)
O referido contexto de desconstrução requer enfrentamento da helenização no campo conceitual e filosófico e do androcentrismo presente nas teologias tradicionais do ocidente. Tal desafio requer “dupla hermenêutica articulada entre si; uma hermenêutica intercultural ou diatópica, e uma hermenêutica de gênero (hermenêutica diatópica de gênero), que é mais que uma hermenêutica feminista.” (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
Por fim, a filosofia ocidental precisa reconhecer as outras filosofias que a compõem e reconhecer a filosofia andina, bem como, incluir o outro e a outra, no sentido de uma “desconstrução intercultural de sua própria riqueza histórica e racional, que às vezes é uma tremenda pobreza frente à riqueza multicultural e sinfônica das sabedorias dos povos”. (ESTERMANN, 2008). (Tradução livre)
4 ESTADO PLURINACIONAL
O processo de construção da necessidade de um Estado Plurinacional na Bolívia é fruto dos movimentos indígenas de diferentes culturas e dos mestiços. Há anos vem sendo desenvolvido, porém um marco importante é o ano de 2006, quando no dia 5 de agosto foi entregue ao Presidente, Vice-Presidente do país e aos participantes da Assembleia Constituinte o documento “Propuesta para la nueva Constitución Política del Estado. “Por un Estado Plurinacional y la autodeterminación de los pueblos y naciones indígenas, originarias y campesinas”. (SANTOS, 2009). (Tradução livre)
Para as três centrais bolivianas, o que demarca o documento são as seguintes idéias: la demanda de constitucionalizarel Estado boliviano como Plurinacional, la propuesta dereordenamiento territorial para el país y la defensa de la tierra yel territorio de las comunidades, pueblos y naciones indígenas originarias y campesinas. (SANTOS, 2009). (Tradução livre)
O estudo da produção acadêmica elucida que o Estado capitalista foi erguido desde sua origem e até o momento presente tendo como seus pilares: o estabelecimento de uma classe dominante (em sua maioria homem branco) intervencionista (militar/jurídico), expropriadora (intervencionismo econômico-financeiro-jurídico), excludente (político-ideológico-filosófico-jurídico) sobre os (as) outros/outras (países e pessoas). Portanto, a nova forma de Estado deverá contrapor-se a está logicidade.
Nas palavras de Magalhães (2010)
“A uniformização de valores e comportamentos, especialmente na família e na forma de propriedade exclui radicalmente grupos sociais (étnicos e culturais) distintos que, ou se enquadram ou são jogados, aos milhões, para fora desta sociedade constitucionalizada (uniformizada). O destino destes povos é a alienação, o aculturamento e perda de raízes ou então a miséria, os presídios ou ainda os manicômios.”
Em seguida argumenta que a ideia de Estado Plurinacional pode superar as bases uniformizadoras e intolerantes do Estado nacional, onde todos os grupos sociais devem se conformar aos valores determinados na constituição nacional em termos de direito de família, direito de propriedade e sistema econômico entre outros aspectos importantes da vida social. (MAGALHÃES, 2010).
Neste contexto “a grande revolução do Estado Plurinacional é o fato que este Estado constitucional, democrático participativo e dialógico pode finalmente romper com as bases teóricas e sociais do Estado
“nacional constitucional e democrático representativo (pouco democrático e nada representativo dos grupos não uniformizados), uniformizador de valores e logo radicalmente excludente. O Estado plurinacional reconhece a democracia participativa como base da democracia representativa e garante a existência de formas de constituição da família e da economia segundo os valores tradicionais dos diversos grupos sociais (étnicos e culturais) existentes.” (MAGALHÃES, 2010).
Portanto, nesse contexto argumentativo a idéia de Estado Plurinacional pode superar as bases uniformizadoras e intolerantes do Estado nacional, onde todos os grupos sociais devem se conformar aos valores determinados na constituição nacional em termos de direito de família, direito de propriedade e sistema econômico entre outros aspectos importantes da vida social. (MAGALHÃES, 2010).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora sejam necessários, ainda outros estudos e análises profundas do processo de construção do Estado Plurinacional, o estudo sobre o mesmo nos permite compreender que uma nova organização de Estado torna-se necessária, como alternativa ao Estado capitalista neoliberal.
A estratégia boliviana que se encontra em andamento confirma que é preciso um conhecimento aprofundado da Constituição, do Processo Constituinte, das lutas dos Povos Indígenas e da importância do aspecto democrático e dialógico desse Poder Constituinte, como instrumento assegurador de envolvimento das diferentes culturas e dos diversos Povos, que reivindicam um Estado multiculturalista e inclusivo naquele país.
Referências bibliográficas:
Advogada, Especialista em Direito Público pela Universidade de Itaúna/MG, mestre em Educação Tecnológica e professora e Orientadora de monografias da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais – ESPMG
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