Resumo:[1][2] Objetiva-se, com o presente trabalho, o estudo das normas referentes ao financiamento educacional, existentes na Constituição da República brasileira de 1988 (CR/88) e no ordenamento infraconstitucional, já que tais dispositivos garantem o direito público subjetivo à educação. Salienta-se a natureza pública da educação na CR/88, como direito individual e social, bem como a sua índole nacional, cuja efetivação depende do Estado e, também, da participação popular, mediante o emprego das garantias constitucionais existentes. Por sua vez, as disposições constitucionais relativas à educação ensejaram aumento nas despesas públicas. Para garantir o pressuposto orçamentário, demandado pelo ensino, vinculou-se parcela da receita tributária, no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), regulamentado pela Lei nº 11.494/07, que criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB). Trata-se de um artigo preponderantemente teórico-documental, sob uma perspectiva dogmática, empregada como forma de análise dos resultados. Como conclusão, a educação pública brasileira é mantida, em regime de cooperação, por recursos financeiros de todos os entes federados (art. 212 CR/88) e por verbas transferidas, por meio do FUNDEB e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) (art. 60 ADCT e Lei nº 11.494/07). A Emenda Constitucional (EC) nº 53/06 reconheceu o êxito na universalização do ensino fundamental, de forma a exigir da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios empenho na manutenção e no desenvolvimento pleno da educação básica, entendida pelas educações infantil, de jovens e adultos e pelos ensinos fundamental e médio. Finalmente, as normas constitucionais educacionais podem efetivar a cidadania e a autonomia do povo brasileiro, posto que são fatores democratizadores da sociedade.
Palavras-chave: Direito Constitucional; Direito Educacional; Financiamento da Educação Brasileira; Ensino Público.
Resumén: Se desea, con el presente trabajo, el estudio de las normas relativas a la financiación educacional, existentes en la Constitución de la República brasileña de 1988 (CR/88) y en el ordenamiento infraconstitucional, ya que tales disposiciones garantizan el derecho público subjetivo a la educación. Se destaca la naturaleza pública de la educación en la CR/88, como derecho individual y social, además de su índole nacional, cuya efectivación depende del Estado y, también, de la participación popular, mediante el empleo de las garantías constitucionales existentes. A su vez, las disposiciones constitucionales relativas a la educación implicaron aumento en los gastos públicos. Para garantizar el presupuesto financiero, demandado por la enseñanza, se ha vinculado parte de los ingresos tributarios, en el artículo 60 del Acto de las Disposiciones Constitucionales Transitorias (ADCT), regulado por la Ley nº 11.494/07, que ha criado el Fundo de Mantenimiento y Desarrollo de la Educación Básica y de la Valorización de los Trabajadores de la Educación (FUNDEB). Se trata de un trabajo preponderantemente teórico-documental, en una perspectiva dogmática, empleada como forma de análisis de los resultados. Como conclusión, la educación pública brasileña es mantenida, en régimen de cooperación, por ingresos financieros de todos los entes federados (artículo 212 CR/88) y por verbas transferidas, a través del FUNDEB y del Fundo Nacional de Desarrollo de la Educación (FNDE) (artículo 60 ADCT y Ley nº 11.494/07). La Enmienda Constitucional (EC) nº 53/06 ha reconocido el éxito en la universalización de la enseñanza fundamental, de modo a exigir de la Unión, de los Estados y de los Municipios esfuerzo en el mantenimiento y en el desarrollo pleno de la educación básica, que se constituye por las educaciones infantil, de jóvenes y adultos y por las enseñanzas fundamental y media. Finalmente, las normas constitucionales educacionales pueden garantizar la ciudadanía y la autonomía del pueblo brasileño, puesto que son factores democratizadores de la sociedad.
Palabras-clave: Derecho Constitucional; Derecho Educacional; Financiación de la Educación Brasileña; Enseñanza Pública.
Sumário: 1. Introdução – 2. Financiamento educacional na CR/88 – 3. O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – 4. A Lei do FUNDEB – 5. Da evolução no financiamento da educação – 6. Financiamento na educação superior – 7. Considerações finais – 8. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Objetiva-se, com o presente trabalho, o estudo das normas referentes ao financiamento educacional, existentes na Constituição da República brasileira de 1988 (CR/88) e no ordenamento infraconstitucional, já que tais dispositivos garantem o direito público subjetivo à educação.
Segundo Cury (2005[3]), a busca pela redemocratização no país, a necessidade de um novo pacto fundamental e a urgência de normas estruturantes democráticas, ensejaram a promulgação da CR/88. A educação tornou-se o primeiro direito social (art. 6º CR/88), como direito civil e político, no respectivo Capítulo, e como dever do Estado, de diversos modos. O ensino fundamental é consagrado como direito público subjetivo e o ensino médio, na versão original da CR/88, é progressivamente obrigatório. Tais imperativos aparecem na Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (LDB). Os sistemas de ensino passam a coexistir em regime de colaboração, no âmbito de suas competências. Institui-se a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais (art. 206, inciso IV, CR/88), em qualquer nível e etapa. O sistema privado deixa de ser uma concessão do Estado, passando ao regime de autorização e de avaliação de sua qualidade (art. 209 CR/88). Assim, o ensino, mesmo oferecido pelo setor privado, não deixa de ser serviço público[4]. O corpo docente, com a demanda de concursos, ganhou a necessidade de elaboração de plano de carreira, salário profissional e de atualização de conhecimentos, tudo dentro de uma gestão democrática do ensino público[5]. Manteve-se a competência legislativa privativa da União, posteriormente explicitada pela Emenda Constitucional (EC) nº 14/96 e pelas Leis nº 9.424/96 (ambas do FUNDEF), 9.394/96 (LDB), 10.172/01 (Plano Nacional da Educação – art. 214 CR/88), 9.131/95 (sobre avaliação do rendimento escolar e institucional) e 9.121/95, sobre eleição dos dirigentes do ensino público federal, bem como variados atos administrativos normativos.
Chegou-se, portanto, à explicitação do dever do Estado brasileiro para com o ensino na CR/88. Em tal contexto, o art. 205 CR/88 aparece como uma garantia institucional. Sobre o assunto, o constitucionalista português:
“[…] Embora muitas vezes estejam consagradas e protegidas pelas leis constitucionais, elas não seriam verdadeiros direitos atribuídos directamente a uma pessoa; as instituições, como tais, têm um sujeito e um objecto diferente dos direitos dos cidadãos. Assim, a maternidade, a família, a administração autónoma, a imprensa livre, o funcionalismo público, a autonomia académica, são instituições protegidas directamente como realidades sociais objectivas e só, indirectamente, se expandem para a protecção dos direitos individuais. […] Sob o ponto de vista da protecção jurídica constitucional, as garantias institucionais não garantem aos particulares posições subjectivas autónomas e daí a inaplicabilidade do regime dos direitos, liberdades e garantias”[6].
Portanto, a educação “tem sujeito e objeto distintos do direito individual e social à educação, e por isso é protegida diretamente como realidade social. Esta proteção, é certo, expande-se indiretamente para a proteção daqueles direitos fundamentais”[7].
Com isso, mantêm-se a educação como dever do Estado (art. 205 CR/88), de maneira a ofertá-la, obrigatória e gratuitamente, ao ensino público fundamental, sem vinculação à idade dos discentes (art. 208, inciso I, CR/88). Assim, o ordenamento constitucional acaba por conceder ao acesso ao ensino fundamental natureza jurídica de direito público subjetivo (art. 208, § 1º, CR/88)[8], a responsabilizar a Administração Pública pela ausência ou deficiência na oferta desse nível de educação (art. 208, § 2º, CR/88). O art. 208, inciso II, CR/88, obriga o Estado a oferecer, progressiva e universalmente, ensino médio gratuito, ampliando o conceito de educação básica, a teor do art. 21, inciso I, LDB[9]. Destaca-se que, no tema da dimensão democrática da educação:
“[…] o seu reconhecimento como direito público subjetivo, em especial, atua mais fortemente neste sentido, na medida em que permite, por meio do poder de ação que lhe é inerente, a defesa da educação como bem jurídico, tanto no plano individual como no coletivo. Tal poder de ação constitui, ainda, um instrumento que se volta ao ideal da universalização do ensino fundamental”[10].
Desde 1934, algumas Constituições Estaduais previam a extensão da gratuidade do ensino, inclusive para o ensino superior, como, por exemplo, a Constituição Paulista, de 1946, que é enfática a esse respeito. A gratuidade do ensino brasileiro, nos estabelecimentos oficiais de todos os níveis, está prevista no art. 206, inciso IV, CR/88, bem como em acordos internacionais. O art. 13, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, referendado pelo Decreto nº 591, de 06 de julho de 1992, demonstra o compromisso firmado pelos Estados em garantir o direito pleno à educação, em termos similares aos comandos constitucionais supramencionados. Com isso, o art. 5º, § 2º, CR/88, explicita que os direitos e garantias fundamentais apresentados nos incisos do artigo em questão “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (BRASIL, 1988). A Declaração Mundial sobre Educação para Todos, assinada pelo Brasil, em março de 1990, na Tailândia, ratificou novamente os dispositivos constitucionais. Dessa forma, resume-se que a gratuidade no ensino é um princípio constitucional educacional, sendo, ainda, um direito fundamental individual.
Salienta-se, então, a natureza pública da educação na CR/88, como direito individual e social, bem como a sua índole nacional, cuja efetivação depende do Estado e, também, da participação popular, mediante o emprego das garantias constitucionais, entre elas o direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, CR/88), o mandado de segurança (art. 5º, incisos LXIX e LXX, CR/88), o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI, CR/88) e a ação popular (art. 5º, inciso LXXIII, CR/88), sem prejuízo das medidas processuais cabíveis, pelo princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV, CR/88).
Este artigo é preponderantemente teórico-documental, exaurindo a parte legal que trata do tema abordado, sob uma perspectiva dogmática, empregada como forma de análise dos resultados.
2. FINANCIAMENTO EDUCACIONAL NA CR/88
Dessa maneira, as disposições constitucionais relativas à educação ensejaram aumento nas despesas públicas. Para garantir o pressuposto orçamentário, demandado pelo ensino, vinculou-se parcela da receita tributária, conforme art. 212 CR/88:
“Art. 212 CR/88. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º – A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º – Para efeito do cumprimento do disposto no “caput” deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
§ 3º – A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, nos termos do plano nacional de educação.
§ 4º – Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
§ 5º – A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
§ 6º – As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino” (BRASIL, 1988).
Constata-se que o art. 212 e seus §§ 1º, 2º e 6º, CR/88, são normas constitucionais auto-aplicáveis, ou seja, de eficácia plena, com exceção do § 3º que se trata de comando institutivo e dos §§ 4º e 5º com conteúdo programático, dirigidos à ordem econômico-social.
Cabe esclarecer que Silva (2002[11]) apresenta uma tradicional classificação brasileira[12] das normas constitucionais, tendo em vista a sua aplicabilidade:
Classificam-se em normas constitucionais de eficácia plena, pois se aplicam e produzem efeitos essenciais desde a entrada em vigor da CR/88, integral e imediatamente, já que o legislador constituinte pretendeu regular, direta e normativamente, tais situações, como, por exemplo, o art. 13 CR/88. As normas constitucionais de eficácia contida são aquelas que, apesar de possuírem aplicação imediata e direta, podem ser restringidas por leis infraconstitucionais e, por isso, possuem aplicação não integral, pois deixam competência redutível discricionária ao Poder Público, nos termos de tais regras (art. 5º, inciso XIII, CR/88). As normas constitucionais de eficácia limitada ou reduzida são as que se aplicam de modo indireto e mediato, a reduzir sua incidência a interesses somente quando se editar outras normas que regulamentem sua aplicabilidade (art. 37, inciso VII, CR/88). As mesmas se subdividem em normas de princípio institutivo ou organizativo, que definem e orientam a criação de instituições jurídicas (como, por exemplo, a formação de novos Estados membros, através de plebiscito e lei complementar), cujo conteúdo é simplesmente regulativo (esquemas gerais) e indicam lei ulterior para lhes completar a eficácia e dar aplicação efetiva, e normas de princípio programático, segundo Silva (2002). Assim, norma de conteúdo programático é uma espécie de norma de eficácia limitada, cuja aplicação plena depende de legislação futura que lhe integre eficácia e dê capacidade de execução, a regulamentar como serão promovidos os interesses visados. Com isso, mostra que a norma programática informa a concepção do Estado, inspira a sua ordenação jurídica, constitui sentido teleológico para a interpretação, integração e aplicação das normas jurídicas e condiciona a atividade discricionária da Administração Pública e do Poder Judiciário, estabelecendo obrigações de resultado e princípios a serem respeitados.
Em conformidade com Ranieri (2000[13]), a previsão orçamentária deve constar na respectiva Lei de Diretrizes de cada ente federado, determinando uma anual atualização das verbas atribuídas ao ensino brasileiro, por força do art. 165, inciso III, CR/88. Desse modo, a destinação de tais recursos emprega o princípio da anualidade, sendo inaceitável o parcelamento de dívidas para período posterior ao ano corrente.
Ainda no tocante ao financiamento da educação, cabe salientar a existência do art. 213 CR/88:
“Art. 213 CR/88. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I – comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II – assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º – Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º – As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público” (BRASIL, 1988).
Trata-se de norma constitucional institutiva de eficácia limitada, posto que necessita de regulamentação em ordenamento infraconstitucional (art. 213, caput, CR/88). O repasse de recursos públicos às escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas decorre da eventual necessidade de incentivo ao setor privado e da obrigação de colaboração de toda sociedade no desenvolvimento da educação, em conformidade com os arts. 150, inciso VI, alínea “c”, seu § 4º, e 205 CR/88. Para que seja aplicada tal transferência de verbas públicas a escolas privadas, as instituições devem cumprir os requisitos dos incisos I e II, do art. 213 CR/88, posto que são normas constitucionais preceptivas auto-exequíveis. O § 1º, do art. 213 CR/88, como princípio institutivo, autoriza o repasse dos recursos em questão a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na hipótese de carência financeira dos discentes, cumulada com a deficiência de vagas, no segmento público de residência do aluno. Nesse caso, a CR/88 exige, com conteúdo programático, uma expansão de vagas nos mencionados níveis de ensino naquele local. O § 2º, do art. 213 CR/88, por sua vez, autoriza o fomento das atividades de pesquisa e extensão, em universidades, por meio de patrocínio da Administração Pública, com índole auto-aplicável.
Sabe-se que o Poder Público, mediante suas políticas e aplicação analógica do art. 213, § 1º, CR/88, tem contribuído para o aumento de acesso ao nível superior no Brasil, dentro de suas possibilidades, posto que, além do progressivo acréscimo de matrículas na rede pública, vem incentivando o mesmo aumento na rede privada, como, por exemplo, através do Programa Universidade para Todos (PROUNI)[14].
3. O ART. 60 DO ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS
O art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) foi alterado duas vezes. A primeira, pela EC nº 14/96 e, a segunda, pela EC nº 53/06, que lhe outorgou sua atual redação[15].
A EC nº 53/06 determinou, no caput, do art. 60 ADCT, durante 14 anos, contados da aprovação da emenda constitucional, a vinculação de parte dos recursos mencionados no caput, do art. 212 CR/88, por parte dos Estados membros, Distrito Federal e Municípios, a fim de manter e desenvolver a educação básica, valorizando os profissionais da educação. A forma de vinculação ficou estabelecida nos incisos e §§ da norma em questão. Assim, a educação é considerada uma das exceções à regra da impossibilidade de vinculação de receita tributária, nos termos dos arts. 167, inciso IV, e 218, § 5º, CR/88.
Como fonte adicional de financiamento, o art. 212, § 5º, CR/88 determina que a educação básica pública (hoje compreendida pela educação infantil, os ensinos fundamental, médio e a educação de jovens e adultos) também receberá recursos econômicos da contribuição social do salário-educação. Tal verba é recolhida por empresas e administrada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)[16], na forma indicada em lei infraconstitucional[17]. Destaca-se, novamente, que o comando constitucional em análise é norma programática remetida à ordem sócio-econômica, pois somente a forma de recolhimento do salário-educação pelas pessoas jurídicas de Direito Privado necessita de regulamentação específica, sendo, nesta parte, norma de eficácia limitada.
Como dito anteriormente, a EC nº 14/96 alterou o art. 60 ADCT. Tal emenda constitucional instituiu o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), como sendo um “fundo de natureza contábil, com finalidade redistributiva”[18]. A EC nº 53/06 concedeu a vigente redação do art. 60 ADCT, segundo a qual se criou o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB), com a mesma natureza e finalidade.
Os atuais incisos I e V, do art. 60 ADCT, garantem efetividade ao regime de colaboração entre União, Estados, entre eles o Distrito Federal, e os Municípios, nos seus sistemas de ensino, como previsto no art. 211, caput e § 4º, CR/88.
4. A LEI DO FUNDEB
O novo sistema, em conformidade com a Lei nº 11.494/07, funcionará, diferentemente do FUNDEF, com “pelo menos 5% (cinco por cento) do montante dos impostos e transferências que compõem a cesta de recursos do FUNDEB” (BRASIL, 2007, art. 1º, parágrafo único, inciso I), acrescidos de 20% (vinte por cento) das fontes de receita tributária de competência estadual e, em alguns casos, das transferências municipais. De maneira que os Estados membros, incluído o Distrito Federal, deverão dispor do referido quinhão, referente aos impostos sobre “transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos”; “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transportes interestadual e intermunicipal e de comunicação”; “a propriedade de veículos automotores”; a “parcela do produto da arrecadação do imposto que a União eventualmente instituir no exercício da competência”; a “parcela do produto da arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural, relativamente a imóveis situados nos Municípios”; a “parcela do produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados devida ao Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal” (FPE); a “parcela do produto da arrecadação do imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza e do imposto sobre produtos industrializados devida ao Fundo de Participação dos Municípios” (FPM); a “parcela do produto da arrecadação do imposto sobre produtos industrializados devida aos Estados e ao Distrito Federal”, e, por fim, as “receitas da dívida ativa tributária relativa aos impostos previstos neste artigo, bem como juros e multas eventualmente incidentes” (BRASIL, 2007, art. 3º). Destaca-se, ainda, que os §§ do referido artigo determinam que os recursos financeiros transferidos pela União aos entes federados também serão incluídos na base de cálculo dos 20% (vinte por cento), para destinação ao FUNDEB, sem prejuízo da complementação a ser assegurada pelo Governo Federal, a teor e modo dos arts. 4º a 7º, Lei nº 11.494/07.
A referida complementação da União aos recursos do FUNDEB se dará sempre que, no Distrito Federal e nos Estados membros, o valor por discente não lograr o mínimo nacional estabelecido (art. 60, incisos V, VI e VII, ADCT), proibindo-se o emprego da contribuição social do salário-educação (art. 212, § 5º, CR/88). O art. 60, incisos VII e IX, apresenta os períodos e os valores mínimos da complementação, por parte do Governo Federal, colocando de manifesto a indispensável atualização anual das quantias indicadas. Tais verbas englobam as indicadas no inciso VIII, do art. 60 ADCT, determinando que a União suporte o máximo de 30% (trinta por cento) da complementação, a fim de assegurar os recursos necessários à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, segundo art. 212 CR/88. Proibiu-se à União a retenção ou qualquer restrição ao repasse da complementação aos entes federados, a teor do caput, do art. 160 CR/88, impondo crime de responsabilidade à autoridade competente o desrespeito às normas ora apresentadas. Manteve-se, portanto, a vinculação ao número anual “de alunos matriculados nas respectivas redes de educação básica pública presencial” (BRASIL, 2007, art. 8º).
Destaca-se que a criação do FUNDEB “e a aplicação de seus recursos não isentam os Estados, o Distrito Federal e os Municípios da obrigatoriedade” de investimento “na manutenção e no desenvolvimento do ensino”, conforme o art. 212 CR/88, inciso VI, do caput e parágrafo único, do art. 10 e inciso I, do caput, do art. 11, Lei nº 9.394/96. Garantir-se-á, após a soma de todos os recursos previstos na Lei nº 11.494/07, um mínimo de 25% (vinte e cinco por cento) dos demais impostos e transferências a favor do objetivo final da CR/88 e do fundo (BRASIL, 2007, art. 1º, parágrafo único).
5. DA EVOLUÇÃO NO FINANCIAMENTO DA EDUCACÃO
Com isso, houve uma flagrante evolução no art. 60 ADCT, posto que:
“a versão aprovada pela Assembléia Constituinte em 1988[19] tinha natureza programática e não discriminava entre os diversos níveis de governo ao infirmar a meta da eliminação do analfabetismo e a universalização do ensino fundamental”[20].
A versão instituída pela EC nº 14/96[21] demonstrou uma preocupação com os docentes, sem prejuízo das metas anteriores, distribuindo atribuições aos entes federados. Ademais, tornou-se norma constitucional auto-aplicável, em alguns de seus dispositivos (art. 60 ADCT, §§ 3º e 4º, CR/88) e programática atrelada ao princípio da legalidade (art. 60 ADCT, § 7º, CR/88), pois houve posterior regulamentação pela Lei nº 9.424/96. Já a EC nº 53/06 explicitou ainda mais as responsabilidades estatais, vinculando valores da receita tributária, sem olvidar todas as conquistas anteriores da EC nº 14/96[22]. Deslocou a principal preocupação do ensino fundamental, supostamente já universalizado, para a educação básica, mais abrangente, porque composta pela educação infantil, pelos ensinos fundamental, médio e pela educação de jovens e adultos.
Portanto, antes da EC nº 53/06, a vinculação da receita municipal ficava subordinada, primeiramente, à universalização do ensino fundamental obrigatório, autorizando-se a atuação em outros níveis de ensino, preferencialmente a educação infantil, após o atendimento pleno das necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela CR/88 à manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 11, inciso V, LDB). Ou seja, “atingida esta meta, até 40% dos recursos vinculados” poderiam “ser destinados à educação infantil”[23]. Por sua vez, a receita estadual e distrital vinculada, com exceção das quantias inerentes ao ensino fundamental, isto é, “o restante da verba educacional vinculada (40% dos 25% de receita de impostos)” deveria ser destinada “prioritariamente ao ensino médio (artigo 212, § 3º), tendo em vista a progressiva universalização de sua gratuidade (artigo 208, II)”[24]. Nos dias de hoje, não é mais assim, já que a nova redação do art. 60 ADCT previu destinação a toda a educação básica (utilizando-se para o cálculo o número de discentes matriculados), entendida como ensino fundamental, educação infantil, ensino médio e educação de jovens e adultos, apesar do repasse aos 03 últimos níveis aumentar, progressivamente, nos 03 anos seguintes à vigência plena da Lei do FUNDEB (arts. 60, § 4º, ADCT, 31, § 2º, e 49, Lei nº 11.494/07).
Desse modo, os beneficiários dos recursos públicos, relativos à manutenção e ao desenvolvimento da educação pública, podem ser ordenados por prioridade, em conformidade com a CR/88, como, em primeiro lugar, o ensino fundamental (obrigatório e gratuito), depois a educação infantil, o ensino médio (progressiva universalização) e a educação de jovens e adultos, seguidos, por último, do ensino superior. Para se comprovar a afirmativa anterior, o atual art. 60, § 4º, ADCT, apresenta um regime progressivo de destinação de verbas públicas às educações infantil, de jovens e adultos e o ensino médio, considerando, no primeiro ano, apenas um terço das matrículas discentes, no segundo, dois terços, e, somente a partir do terceiro ano, a totalidade das mesmas; mantendo-se, em qualquer caso, a totalidade das matrículas no ensino fundamental (art. 31, § 2º, Lei nº 11.494/07), para fins de repasse de verbas.
Atualmente e por interpretação sistêmica do art. 60 ADCT, a educação básica receberá até 30% (trinta por cento) da referida complementação da União (arts. 212 CR/88 e 60, inciso VIII, ADCT); 25% da receita total dos Estados membros e Municípios (arts. 212, caput, CR/88, 60, caput, ADCT, 1º, parágrafo único, e 3º, ambos da Lei nº 11.494/07); as contribuições sociais do salário-educação recolhido por empresas (art. 212, § 5º, CR/88); os repasses do FUNDEB, sendo que 60% (sessenta por cento) dos mesmos serão destinados ao pagamento dos docentes da educação básica, desde que em efetivo exercício (art. 60, inciso XII, ADCT).
6. FINANCIAMENTO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Como conseqüência, não existe qualquer vinculação de receitas ao ensino superior, ressalvado o comando do art. 212, nos termos dos arts. 206, inciso IV e 213, § 2º, todos da CR/88. Dessa forma, “das verbas federais, o restante dos recursos vinculados (70% dos 18% de receitas de impostos) deve ser empregado na educação superior”[25]. Esse maior investimento na educação superior, por parte da União, é derivado da divisão de competências estabelecida pela CR/88, levando em conta sua obrigação de atuar, supletivamente, nos demais níveis de ensino, devendo manter, economicamente, todo o sistema educacional brasileiro (arts. 211, § 1º, CR/88 e 55 LDB).
Assim, Ranieri (2000[26]) criticava a falta de vinculação de recursos à educação infantil (remediada pelo advento da EC nº 53/06 e pela Lei nº 11.494/07) e ao ensino superior (excetuados os 70% da receita federal, absorvidos pelo sistema federal de ensino superior), apesar da flagrante associação entre tais níveis e os ensinos fundamental e médio. Isso ocorria porque a LDB dispõe que a educação infantil, mesmo sem objetivo de promoção, é o primeiro nível da educação básica (arts. 29 e 31 LDB) e ordena a formação de docentes em nível superior (art. 62 LDB), pleiteando, por parte dos entes federados locais, grande arrecadação e implementação de políticas públicas efetivas ao intento. Portanto, os gastos do nível superior não obstam a manutenção dos demais níveis, tendo em vista a dependência recíproca entre todos os planos educacionais, ante a obrigação do primeiro em formar professores para os ensinos fundamental e médio. A mesma autora (2000), apresentando informações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), constantes em documento denominado “Reavaliação Crítica do Padrão de Receita e do Gasto em Educação no Brasil, com base no exercício de 1995”, apresentou nova crítica. Segundo ela, 75% (setenta e cinco por cento) do orçamento da União, disponibilizados para a educação e a cultura, em média, serviam à manutenção das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), sendo que 90% (noventa por cento) de tal montante estavam engessados com o pagamento dos recursos humanos. Com isso, a União, para cumprir os comandos constitucionais, ainda segundo Ranieri (2000), deveria aumentar os recursos federais, relativos à educação ou reduzir as despesas das IFES, o que se mostrou inviável na prática, ante a vinculação de receitas pré-existentes e as prerrogativas dos funcionários públicos. Além disso, Ranieri (2000) reconhece a enorme magnitude dos recursos investidos na educação nacional, demonstrando preocupação com a forma e a qualidade dessas despesas públicas, ou seja, a qualidade das mesmas deve ser efetivamente fiscalizada, para se alcançarem os objetivos pretendidos pelo ordenamento jurídico e pela sociedade.
Por fim, o capítulo dos recursos financeiros na LDB define uma diretriz às universidades públicas, qual seja, a de buscarem fontes alternativas de manutenção, a fim de se cumprir o disposto no art. 167, inciso IV, CR/88[27].
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a educação pública brasileira é mantida, em regime de cooperação, por recursos financeiros de todos os entes federados (art. 212 CR/88)[28] e por verbas transferidas, por meio do FUNDEB e do FNDE (art. 60 ADCT e Lei nº 11.494/07). A EC nº 53/06 reconheceu o êxito na universalização do ensino fundamental, de forma a exigir da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios empenho na manutenção e no desenvolvimento pleno da educação básica, entendida pelas educações infantil, de jovens e adultos e pelos ensinos fundamental e médio.
A LDB, ao tratar do financiamento da educação, estipulou prazos para os repasses das verbas públicas às instituições de ensino e penalidades aos gestores públicos que não cumprissem suas disposições, conforme art. 69 LDB. O art. 55 LDB reforça o financiamento das IFES, cabendo “à União assegurar, anualmente, em seu orçamento geral, recursos suficientes para manutenção e desenvolvimento das instituições de educação superior por ela mantidas”, o que demonstra a essencial responsabilização do Poder Público, devendo ser aplicado, analogicamente, aos Estados membros, Distrito Federal e Municípios.
Por sua vez e em complementação às receitas previstas no art. 212 CR/88, o art. 70 LDB explicita o que se consideram despesas para manutenção e desenvolvimento do ensino, em todos os níveis, no âmbito de todos os entes federados e das suas respectivas universidades, essas dotadas de autonomia económica após a percepção dos recursos públicos (art. 207 CR/88). Dessa forma, são considerados gastos do ensino público os que se relacionam com a concretização dos objetivos essenciais das instituições educacionais, ou seja, os inerentes às atividades-meio das mesmas. As referidas despesas devem constar em relatórios bimestrais de execução orçamentária, nos termos do art. 165, § 3º, CR/88. Contrariamente, o art. 71 LDB discrimina e exemplifica o que não se insere no conceito desse tipo de despesa.
Finalmente, as normas constitucionais educacionais podem efetivar a cidadania e a autonomia do povo brasileiro, posto que são fatores democratizadores da sociedade. Além de derivar da luta dos educadores pela efetiva dignidade das pessoas, tais regras devem orientar a interpretação e aplicação do ordenamento infraconstitucional, para possibilitarem educação qualitativa a todos. Apesar da antinomia entre as leis e a realidade social, as primeiras continuam sendo instrumento para ampliar o acesso da população ao ensino, a fim de se socializar as próximas gerações em parâmetros democráticos, autônomos e de cidadania.
Pós-doutor em Direito Público e Educação pela Universidade Nova de Lisboa-Portugal. Pós-doutor em Direito Civil e Processual Civil, Doutor em Direito e Mestre em Direito Processual, pela Universidad de Deusto-Espanha. Mestre em Educação pela PUC Minas. Professor Adjunto da PUC Minas. Coordenador do NADIP da Faculdade Padre Arnaldo Janssen. Advogado Sócio do Escritório Raffaele & Federici Advocacia Associada
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