Contratação dos serviços de manutenção predial pela administração pública: concorrência ou pregão eletrônico? Aspectos a serem considerados

Resumo: Abordagem doutrinária sobre as modalidades de contratação cabíveis para os serviços de manutenção predial preventiva e corretiva com o fornecimento de materiais de contratos com valor superior a R 1.500.00000. Análise da opção pela modalidade de concorrência em detrimento do pregão eletrônico e vice-versa. Debate sobre os precedentes do TCU à luz da legislação em vigor.

Palavras chave: Administrativo. Licitação. Serviços de manutenção predial preventiva e corretiva com o fornecimento de materiais. Contratos de valor superior a R$ 1.500.000,00. Opção pela modalidade de concorrência em detrimento do pregão eletrônico. Possibilidade ou impossibilidade?

Não raras vezes, a administração pública confunde os critérios de enquadramento do procedimento licitatório tendente à contratação dos serviços de manutenção predial. A confusão, geralmente, se dá no âmbito de contratos vultosos (de valores acima de R$ 1.500.000,00), pois, via de regra, o caso engloba serviços de grande monta – que podem ou não ser complexos. E é aí que surge a dúvida: se o caso permite a utilização do pregão eletrônico ou se requer, necessariamente, uma concorrência pública. São sempre os contratos de grandes itens (de alto valor) dotados de complexidade? A magnitude da contratação é critério de decisão para a opção entre pregão eletrônico ou concorrência? Veremos adiante. 

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Em primeiro lugar, vale ressaltar que a análise deve ser feita caso a caso e independe da situação abstrata caracterizada pela vontade do gestor. Depende sim dos documentos constantes dos autos. Em alguns casos, os documentos do processo de licitação tratam e caracterizam o objeto da contratação como sendo um “serviço comum”, mas os serviços listados ensejam tamanha especificidade técnica, que acabam por desvirtuar o caráter “comum” dos serviços a serem prestados.

De outro lado, às vezes o gestor trata o objeto da contratação como passível da escolha pela modalidade da concorrência, mas verifica-se a ausência de complexidade dos serviços a serem prestados, gerando a obrigatoriedade do uso do pregão eletrônico no caso concreto.

Mas quando optar pelo pregão eletrônico em detrimento da concorrência e vice-versa?

Medida que se impõe, por parte do parecerista, tem natureza de verdadeira investigação, até mesmo se debruçando em área de conhecimento que não lhe é afeta – no caso, a engenharia.

De início, cumpre esclarecer que tal caracterização (serviço comum ou não) integra a fase de planejamento do processo. A essa é a fase mais importante do certame, pois serve para delimitar todos os demais aspectos a serem analisados no processo de contratação. Assim, vale a pena transcrever o seguinte posicionamento do TCU:

“Súmula do TCU, nº 177: “A definição precisa e suficiente do objeto licitado constitui regra indispensável da competição, até mesmo como pressuposto do postulado de igualdade entre os licitantes, do qual é subsidiário o princípio da publicidade, que envolve o conhecimento, pelos concorrentes potenciais das condições básicas da licitação, constituindo, na hipótese particular da licitação para compra, a quantidade demandada uma das especificações mínimas e essenciais à definição do objeto do pregão”

Uma vez que a administração não delinear com clareza qual o real objetivo da contratação, pode restar caracterizada uma contratação “guarda-chuva”, o que é inteiramente vedado pela jurisprudência do TCU.

Num caso concreto onde, por exemplo, se prevê a contratação de serviços de manutenção predial (manutenção preventiva, corretiva e serviços eventuais, emergenciais ou urgentes), o que, via de regra, por cuidar de serviço comum (com fornecimento de materiais comuns), é feito pelo pregão eletrônico, mas, ao mesmo tempo, há informação da contratação de serviços/materiais como mobilização e desmobilização de equipamentos de sondagem (análise de solo), montagem de barracão de obra, ligação provisória de água e energia, carga e descarga mecanizada de solo, demolição, escavação, reaterro, serviços topográficos, etc., é evidente que o serviço a ser prestado não é comum. É uma verdadeira obra de engenharia.       

Insta lembrar que o gestor deve deixar consignado, de forma clara, qual o real objetivo da contratação, não podendo confundir o serviço de manutenção predial com os serviços que envolvem execução de obras.

Caso a admnistração tenha identificado a necessidade de fazer obras pontuais, levando em conta que se trata de obra de engenharia (artigo 6º, inciso I, da Lei 8.666/93), e não de serviço de engenharia (artigo 6º, inciso II, da Lei 8.666/93), a situação está a denotar a inviabilidade de se processar o objeto por meio da modalidade pregão. Com efeito, assim preceitua a Súmula 257 do TCU, verbis:

O uso do pregão nas contratações de serviços comuns de engenharia encontra amparo na Lei 10.520/2002.” 

A súmula não diz, então, sobre a possibilidade de se contratar obra de engenharia por meio de pregão. Apenas serviços de engenharia, desde que considerados comuns, podem ser contratados mediante pregão. Sobre o assunto, vale ainda citar o artigo 1º da Lei 10.520/2002 e o artigo 6º do Decreto 5.450/2005, verbis:

“Art. 1º Para aquisição de bens e serviços comuns, poderá ser adotada a licitação na modalidade de pregão, que será regida por esta Lei.

Parágrafo único. Consideram-se bens e serviços comuns, para os fins e efeitos deste artigo, aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado. (…)

Art. 6o A licitação na modalidade de pregão, na forma eletrônica, não se aplica às contratações de obras de engenharia, bem como às locações imobiliárias e alienações em geral.”

Por vias transversas, desde que comuns, a Lei 10.520/2002 autoriza o pregão para compras (aquisição de bens) e serviços. E se não há no seu texto nada sobre contratação de obras, não está autorizado o pregão para este tipo de contratação. Não bastasse, o Decreto 5.450/2005 é expresso em vedar a contratação de obras de engenharia por meio do pregão.

No entanto, caso o que se pretenda seja realmente a contratação dos serviços de manutenção predial, serviços aqueles comuns, com a aquisição de materiais também comuns, seguindo as regras usuais do comércio, a modalidade a ser escolhida é realmente o pregão. Situação diferente do caso de a administração pretender fazer uma obra. Este caso não comporta o pregão. A contratação deve ser por uma das tradicionais modalidades previstas na Lei 8666/93, a devidamente adequada ao valor (no casos dos grandes contrato, geralmente a concorrência).

E, sendo mesmo o caso de contratação de obra na modalidade de concorrência, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, atendendo ao art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666/1993, sendo ilegal a sua revisão ou a elaboração de projeto executivo que transfigure o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos. Assim é o que prevê literalmente a súmula n° 261 do TCU:

“Súmula do TCU, nº 261: “Em licitações de obras e serviços de engenharia, é necessária a elaboração de projeto básico adequado e atualizado, assim considerado aquele aprovado com todos os elementos descritos no art. 6º, inciso IX, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, constituindo prática ilegal a revisão de projeto básico ou a elaboração de projeto executivo que transfigurem o objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos”.

Já sobre o projeto executivo, vale salientar que o TCU já se manifestou no sentido de que:

“O projeto executivo constitui-se em detalhamento do projeto básico, determinando, de forma minuciosa, as condições de execução. É dizer, trata-se de etapa complementar, não havendo sentido que seja deixada a cargo do projeto executivo a definição de itens essenciais da obra. Com base nesse entendimento, o Plenário fixou prazo para o 4º Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo (CINDACTA IV) adotar as medidas necessárias à anulação da Concorrência n.º 001/2009, que tinha por objeto a construção do novo prédio de comando do órgão. A decisão foi tomada em processo de representação formulada ao TCU contra cláusula editalícia que exigia que os licitantes apresentassem, junto com a proposta de preços, o projeto executivo da obra, em afronta ao art. 9º, § 2º, da Lei n.º 8.666/93, o qual faculta a exigência de projeto executivo somente do contratado. Chamados aos autos, os gestores do CINDACTA IV defenderam que a exigência de apresentação do projeto executivo, juntamente com a proposta de preços, justificar-se-ia pelo fato de tratar-se, em verdade, de projeto executivo complementar, a englobar a construção de estruturas (vigas, pilares e fundações) e das instalações de água, esgoto, pára-raios, telefone, contra-incêndio e elétrica. O relator concluiu que os elementos integrantes do chamado projeto executivo complementar deveriam ter constado do projeto básico da obra, por serem itens necessários e suficientes para caracterizar o empreendimento, conforme previsto no art. 6º, IX, da Lei n.º 8.666/1993. Ao final, ressaltou o relator que a apresentação desses elementos posteriormente à licitação poderia provocar significativo incremento de custo, com o risco de tornar o empreendimento inviável do ponto de vista orçamentário-financeiro. Além da anulação do certame, o Plenário também determinou ao CINDACTA IV que caso entenda oportuno lançar novo procedimento licitatório, abstenha-se de deixar para o projeto executivo o papel de identificar os elementos necessários e suficientes à caracterização dos serviços da obra a ser executada, especificando-os de modo que fiquem devidamente caracterizados por meio de um projeto básico adequado. Precedentes citados: Acórdãos n.os 2.640/2007, 628/2008, 1.874/2007, 925/2006, 1.523/2005 e 1.461/2003, todos do Plenário. (Acórdão n.º 80/2010, TC-025.219/2009-7, rel. Min-Subst. Marcos Bemquerer Costa, 27.01.2010).

Assim, o que é essencial para a administração pública é que se esclareça, efetivamente, o que pretende: se contratar uma empresa de manutenção predial (para intervenções emergenciais/eventuais) ou se identificou que está precisando realizar obras/construções e pretende contratar uma empresa para este fim.

Sendo o caso da contratação de serviços de manutenção predial, ela deve abrir um processo específico para este fim, com todos os documentos e requisitos necessários, deixando claro que os serviços/materiais contratados são comuns, bem como deixando evidente que não estão contempladas obras/construções no referido procedimento;

Sendo o caso da contratação de obras, ela deve abrir um processo específico para este fim, com todos os documentos e requisitos necessários – inclusive os respectivos projetos -, com a individualização objetiva das obras que pretende realizar;

Tendo identificado que ambas as situações são necessárias, ele deve instaurar procedimentos específicos para cada situação – um para serviços comuns eventuais e emergenciais de manutenção predial e outro para a contratação das eventuais construções/obras específicas às quais porventura estejam necessitando a administração. 

Ao nosso ver, essas são as conclusões mais seguras a serem seguidas pelo administrador público.

 

Fontes de pesquisa das citações: http://www.tcu.gov.br e http://www.planalto.gov.br.  


Informações Sobre o Autor

Rômulo Gabriel M. Lunelli

Procurador Federal. Especialista em Direito do Estado. Professor de Direito Administrativo


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Equipe Âmbito Jurídico

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