Após a inesperada desvalorização da
moeda no início do ano de 1999, milhares de consumidores acorreram ao
Judiciário, visando a obter revisão de contratos de leasing com cláusula de
variação cambial, pleiteando a indexação das prestações mensais por índice de
variação do INPC. No Estado do Rio de Janeiro, tais pleitos vieram a Juízo,
através de Ações Cautelares e Ordinárias com pedido de antecipação de tutela
tendo muito dos requerentes, em boa parte logrado a
concessão de liminares que, em sede de Agravo, foram, em sua maioria, mantidas
pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Com raríssimas exceções, a fundamentação dos pedidos revisionais vêm amparadas nos
termos que dispõe o art. 6o do Código de Defesa do Consumidor – Lei
8078, invocando, os requerentes, a Teoria da Imprevisão como forma adequada de
equilibrar a equação econômico-financeira dos contratos que se tornou
desproporcional após a crise cambial.
Por sua vez, as empresas de
arrendamento mercantil, sustentam em farta maioria, que o Código de Defesa do
Consumidor – Lei 8.078 não é aplicável aos contratos de leasing, bem assim que
as avenças foram firmadas de acordo com a legislação aplicável e que as partes
eram livres para contratar. Sustentam, ainda, a inincidência
do art. 6o do CDC e também a ininvocabilidade
da Teoria da Imprevisão, ao argumento de que a desvalorização da moeda não era
fato imprevisível, vindo, alguns, a advogar a inconstitucionalidade do citado
art. 6o do CDC.
Inicialmente cabe o registro de que a
composição antecipada da lide, nestes casos, atende aos princípios da
celeridade e economia processual. Nenhuma razão existe para que os juízes
admitam a produção de provas documentais e periciais que só serviriam para
eternizar as demandas e torná-las inda mais onerosas.
Por igual, deferir a realização de
exame pericial para comprovar que a arrendadora captou recursos no exterior é
providência que não tem sentido prático. A prova deste fato pode ser feita (mas
não tem sido), com a demonstração da regularidade do contrato que possibilitou
o acesso aos recursos externos e isto se dá, através de mera declaração das
autoridades bancárias, mais especialmente do BACEN.
O que não se concebe é que as
instituições financeiras, sequer tragam aos autos os contratos de mútuo para repasse
de recursos externos com a chancela das autoridades fazendárias. A
entrada de moeda estrangeira no País implica em registro no Banco Central que,
através de seu Departamento de Capitais Estrangeiros, emite um Certificado de
Registro atestando os detalhes da operação de captação. Não basta, pois, exibir
os contratos, muitos dos quais firmados com empresas do mesmo grupo. Exige-se
prova de sua regularidade.
Adite-se que um exame pericial contábil
ordinário não poderia atestar, sequer com razoável certeza que os recursos
externos captados pela arrendadora foram, efetivamente, vertidos para operações
de leasing e muito menos ainda, que os respectivos montantes, financiados ao
consumidor, correspondiam ao repasse de moeda estrangeira. Afinal de contas, não
se pode descartar a possibilidade de que certas empresas tenham se utilizado de
recursos próprios, isto é, moeda nacional, para financiar leasing com cláusula
de reajuste cambial.
A propósito, a sonegação de informações
ao BACEN de operação de captação de moeda estrangeira configura, em tese, crime
contra o Sistema Financeiro Nacional.
Lei nº 7. 492
de 16 de Junho de 1986
Art. 21 – Atribuir-se, ou atribuir a terceiro, falsa identidade, para realização de operação de
câmbio: Pena – Detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, para o mesmo fim, sonega
informação que devia prestar ou presta informação falsa.
Muito menos merece acolhida
eventual requerimento de deferimento de prova documental para comprovação da
captação de recursos no exterior. Trata-se de documentação que deve ser
trazida com a resposta e que nada tem de superveniente. É impensável que uma
empresa do porte das arrendadoras mercantis brasileiras não tenha pronto acesso a cópias dos contratos que firma, data venia.
Requisitos da tutela de urgência.
As empresas de leasing costumam alegar,
em sede de Agravo, a inexistência das condições legitimantes
ao deferimento da tutela antecipada, mas já por ocasião da concessão das
medidas liminares tem-se vislumbrado evidências do direito invocado pelos
autores, sendo, mesmo, intuitivo que após a abrupta e violenta alta do dólar,
houve notório desequilíbrio contratual.
Por outro lado, o chamado periculum in mora se entremostra concreto na medida em que
a escalada de desvalorização da moeda em jan/99 foi
de tal monta que em pouco mais de um mês as prestações mensais atreladas ao
dólar, nos contratos de leasing, alçaram o patamar de 50% e isto, numa economia
que se pretendia dexindexada e com ínfima taxa de
inflação, corresponde a um efetivo risco de inadimplência com todas as suas
óbvias conseqüências.
O contrato de leasing e o CDC.
Ocioso digredir
sobre a incidência das normas contidas no Código de Defesa do Consumidor – Lei
8.078 quanto aos contratos de leasing. Muito embora parte da Doutrina reconheça
no leasing u’a mera operação financeira, não há como
negar que a relação jurídica existente entre arrendador e arrendatário envolve
contrato submetido ao regramento consumerista ex vi
de expressa disposição legal (art. 3o §2o).
Bem verdade que logo após a
promulgação do Código de Defesa do Consumidor boa parte da intelligentsia
jurídica brasileira, (representada por três de seus mais afiados aríetes)
trouxe a público pareceres nos quais esposavam, com
invulgar proficiência, a inaplicabilidade do CDC quanto aos contratos de
crédito. Mas a tese não resistiu à letra clara da lei e foi cumpridamente
proscrita pelos Tribunais.
Não dá frutos, outrossim, o argumento déjà vu a respeito do ato jurídico perfeito. As normas de
ordem pública incidem sobre os contratos de execução continuada ou diferida,
ainda que firmados em momento anterior. Ora, o campo de incidência da revisão
judicial do contrato é mesmo o ato jurídico perfeito, dês que o imperfeito, não
carece de revisão, porque que é nulo ou anulável. Já é lugar comum, nesse tema,
invocar-se aresto da lavra do Min. RUY ROSADO DE AGUIAR, sem favor, o mais
completo jurista brasileiro da atualidade.
“A modificação superveniente da base do
negócio, com aplicação de índices diversos para a atualização da renda do
devedor e para a elevação do preço contratado, inviabilizando a continuidade do
pagamento, pode justificar a revisão ou a resolução judicial do contrato, sem
ofensa ao artigo 6º, da LICC.” (R. Esp 73.370/AM)
A tripla nulidade das cláusulas de
reajuste cambial.
Na composição da lide, o juiz perpassa
etapas lógicas do raciocínio jurídico, de tal forma que, senhor dos fatos que
individualizam o conflito existente entre as partes, antes mesmo de qualquer
elaboração jurídica, conclui sobre a procedência ou não do pedido através de um
juízo ético em que se define o dever-ser.
Assim, diante das questões postas,
decide o resultado da demanda num juízo preliminar de eqüidade. Isto é,
o juiz julga de acordo com o que parece mais justo e só depois passa ao exame
de considerações técnicas aplicáveis à espécie fática dos autos. Trata-se de
delicada faina em busca de conteúdo legal, doutrinário e jurisprudencial para
fundamentar uma conclusão que, a priori, se chegou em
relação à lide, conferindo, pois, suporte jurídico a uma decisão justa.
Neste sentido, impõe-se observar que em
linha de princípio são defesas, no Direito Brasileiro, as cláusulas negociais
que, em contratos de mútuo, prevejam reajuste das prestações pela variação do
câmbio. Aqui e ali, entretanto – adejando nos ventos da chamada globalização –
o Governo autorizou a realização de certos contratos de massa com variação
cambial das prestações, tal como se tem observado no leasing de veículos automotores.
Entre outros requisitos, condiciona-se
a formação de tais contratos à origem dos recursos do financiamento, segundo
uma lógica que, grosso modo, significa legitimar o reajuste das prestações dos
mutuários à variação cambial, para assegurar equilíbrio, relativamente
às obrigações do mutuante (uma instituição financeira) para com aqueles dos
quais captou a moeda estrangeira; ou seja garantindo
paridade entre os reajustes cambiais do empréstimo tomado no exterior com
aqueles a que se obrigam os mutuários finais.
Reza o art. 6o da Lei no
8.880/94:
É nula de pleno direito a contratação
de reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando expressamente
autorizado por lei federal e nos contratos de arrendamento mercantil celebrados
entre pessoas residentes no País, com base em captação de recursos provenientes
do exterior.
À vista de tal disposição, dúvida não
pode haver de que os contratos de leasing com reajustes atrelados à variação
cambial não logram validez jurídica se os recursos envolvidos no financiamento
do arrendamento não forem provenientes de empréstimos captados no exterior
através da conhecida Resolução 63.
A arrendante
recebe os recursos – em regra com intermediação de Bancos Múltiplos – e os repassa, convertidos, aos consumidores que, naturalmente, se
obrigam a pagar as prestações sujeitas à flutuação cambial, tal qual a tomadora
do empréstimo deverá honrar. Daí pode-se ser levado a crer que o deferimento do
pedido, como requerido, importaria, isto sim, na
quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, notadamente quando se
sabe que o financiamento com atualização em dólar era uma das alternativas à
disposição do lesee que poderia ter optado por outros
índices de reajuste, não pós-fixados.
No Brasil e em qualquer outro lugar do
mundo capitalista (exceto nas sendas Argentinas, por enquanto) não há câmbio
fixo e qualquer pessoa, por menos esclarecida que seja, deveria saber dos
riscos que corre assumindo dívidas em moeda estrangeira cuja variação jamais é
fixada eternamente pelos Governos, mas, sim, pelo mercado, a mais concreta das
entidades abstratas.
Contudo, tais argumentos trazem, em si,
o gérmen de sua própria destruição, dês que, tratando-se de operação de alto
risco para o consumidor, cabia às instituições financeiras o dever de
informação que se lhes impunha expressamente o disposto nos capi dos art. 14 e 52 do CDC. Isto porque os consumidores
deviam saber dos riscos a que estavam expostos, mas
não sabiam, pois criam firmemente que a cotação do dólar norte-americano
ficaria estável.
Pois se é a LEI a dispor que no
contrato que envolva a outorga de crédito ou concessão de financiamento ao
consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo
prévia e adequadamente sobre: I – Preço do produto ou serviço em moeda corrente
nacional, parece evidente que em hipótese em que se
vinha de firmar contrato de massa, com suporte em brutal publicidade na mídia,
os consumidores que estavam se endividando em dólar, deviam ser advertidos do
enorme risco que corriam.
Dir-se-á que a economia do País era
estável e que os próprios empresários não poderiam prever o rompimento do
sistema de bandas-cambiais. Falso! O mercado financeiro sabia da iminência do
choque cambial, tanto assim que a Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso
Nacional que foi cogitada para apurar os escabrosos lucros dos Bancos com a
alta do dólar em razão de inside informations,
nada apurou, porque a sangria foi generalizada.
De qualquer forma, a atividade bancária
e financeira tem riscos inerentes ao próprio negócio; riscos que não podem e
nem devem ser imputados ao consumidor num caso em que uma abrupta
desvalorização da moeda causou enorme desproporcionalidade entre o valor
do bem adquirido pelo consumidor e o preço final a ser pago.
O dever de informação clara e precisa
em todos os contratos que envolvem relações de consumo, não é uma formalidade
criada pela jurisprudência ou por princípios do chamado direito alternativo; é
uma imposição da lei. Especialmente nos contratos de crédito a adequada
informação assume aspecto de crucial relevância, pela direta repercussão na
vontade real do consumidor – pilar básico do princípio da confiança.
Não há um só doutrinador ou uma única
manifestação da jurisprudência que desconsidere tal dever das instituições
financeiras. Seja como for, era indeclinável o dever de informação, impondo-se
afastar, outrossim, qualquer idéia de supremacia do princípio do pacta sunt servanda,
há muito relegado a plano secundário pelas novas legislações que, em tema de
relações de consumo, privilegiam o dirigismo contratual e a proteção da parte
mais frágil, dando especial ênfase à boa-fé.
Em monumental dissertação de
doutoramento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, ANTONIO MANUEL
DA ROCHA E MENEZES CORDEIRO expõe entendimento pertinente ao caso.
“A conclusão de um contrato na base de
falsas indicações, de informação deficiente… independentemente da
aplicabilidade do regime próprio dos vícios na formação da vontade, implica o
dever de indemnizar, por culpa na formação do contrato.
Este dever de esclarecimento tem intensidade particular quando um contratante
surja, perante outro, como carecido de protecção
especial.” (DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Vol. I, Ed. Almeidina, 1984, p. 549/550) – grifei.
E nem se alegue que a questão relativa
à falta do dever de informação deve ser abordada, necessariamente na
petição inicial. Aqui a eiva é absoluta. Sobre a nulidade das cláusulas
abusivas, CLÁUDIA LIMA MARQUES adverte:
“O Poder Judiciário declarará a
nulidade absoluta destas cláusulas, a pedido do consumidor, de suas entidade de
proteção, do Ministério Público e mesmo, incidentalmente, ex officio. A vontade das partes manifestada livremente no
contrato não é mais o fator decisivo para o Direito, pois as normas do Código
instituem novos valores superiores como o equilíbrio e a boa-fé nas relações de
consumo.” (CONTRATOS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Editora Rev. Tribunais,
3ª ed., p. 391)
Assim, a fundamentação jurídica a
embasar a revisão contratual, nestas hipóteses, menos implica no reconhecimento
da sujeição da vontade das partes à cláusula rebus
sic stantibus prevista no art. 6o do
Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078, que na consideração de que as
instituições financeiras devem ser responsabilizadas perante seus próprios clientes
sempre que lhes tenham outorgado créditos de altíssimo risco, sem prestar
efetivas informações;
e, sobretudo, sem se assenhorar da capacidade
econômico-financeira dos consumidores que, em sua grossa maioria de
assalariados e liberais de classe média, poderiam não ter condições (como de
fato, não tinham) de honrar suas prestações em caso de expressiva variação
cambial, a maior.
A responsabilidade dos Bancos e
Financeiras, em casos tais, pode ser novidade entre nós, mas como demonstrou
com viva erudição o civilista e Desembargador SEMY GLANZ em professoral artigo
dado a público na Revista de Direito do T.J.R.J., vol. 36, afirma-se que o
Banco tem o dever de analisar a capacidade econômica e financeira do cliente
(fls.84) revelando-se que em grande parte dos Países do mundo civilizado
estão assentados os princípios reitores da responsabilidade das instituições
financeiras pela má concessão do crédito, seja em relação ao cliente, seja
em relação a terceiros – sempre objetivamente. Fez escola a
conhecida Lei Neiertz de 31/12/89, em França, que
estabeleceu a responsabilidade dos Bancos em casos tais, lembrando THIERY
BONNEAU que “Pode haver responsabilidade contratual ou delitual,
conforme seja a vítima o cliente ou um terceiro. O banqueiro tem um dever de
vigilância, e, sem se imiscuir com os negócios do cliente, deve agir com
prudência e discernimento, pois, se o empréstimo causar um dano, torna-se o
banco responsável.” (citado por SEMY GLANZ no artigo referido – p.88)
Ora se as instituições financeiras
respondem objetivamente pelos danos causados a seus clientes, resta fixado o
quadro que, diante de situação em que houve falta do dever de informação
sobre os riscos do empréstimo, permite que o juiz, ao
vislumbre de evidentíssimo risco de prejuízos
para o consumidor, adeqüe o índice de reajuste das
prestações de tal forma que, (preservado o valor da moeda nacional pela fixação
de índice oficial – INPC) restaure a proporcionalidade que deve existir entre o
valor de mercado do bem adquirido e o quantum por ele pago.
Acresce que se tem disseminado na
consciência jurídica brasileira, o óbvio legal concernente à descaracterização
do contrato de arrendamento mercantil quando o valor residual do contrato for
pago antes do término da avença, hipótese em que se reputa o leasing u’a mera compra e venda – negócio que, decerto, não admite
cláusula de reajuste cambial. Com efeito, dispõe o art. 10o do Anexo
à Res. 2.309 BACEN de 28/8/96, ratificando o que
dispunha a revogada Res. no
980 BACEN de 13/12/84, que A operação de arrendamento mercantil será
considerada como de compra e venda à prestação se a opção de compra for
exercida antes de decorrido o respectivo prazo mínimo estabelecido no art. 8o
deste Regulamento.
“De acordo com o parágrafo 1º, do
artigo 11 da Lei nº 6.099/74, a aquisição de bens
arrendados em desacordo com as disposições legais será considerada operação de
compra e venda à prestação. 0 artigo 11 da Resolução no
980 do Banco Central reforça a lei afirmando que a operação será
considerada como de compra e venda à prestação se a opção de compra for
exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento.” (cf. http//www.palhares.com.br,
precedentes jurisprudenciais a respeito)
Sobre o risco do empreendimento
O cotejo entre as diversas teorias que
se debruçam na análise dos riscos, em casos como o dos autos, aponta no sentido
de que nos contratos de adesão e, muito especialmente naqueles em que uma das
partes careça de proteção especial diante da outra, os riscos do empreendimento
devam ser suportados por aquela em que o risco é inerente a sua atividade. Poder-se-ía
chamar a isto uma teoria do spread.
Toda atividade empresarial no meio
financeiro é marcada por operações de segurança cujos custos, quem há de
negar? São repassados aos preços dos produtos, sejam eles bens duráveis,
consumíveis ou mesmo o crédito que é um produto como outro qualquer.
Na composição das taxas de juros de um
empréstimo bancário, vg, considera-se,
invariavelmente, o percentual relativo aos riscos da mora e do inadimplemento
do universo de mutuários. Trata-se de mecanismo atuarial sem o qual resta
inviável a atividade empresarial que visa lucro.
Questão relevante, assim, é aquela
vinculada à prudência que se poderia esperar das instituições financeiras que
assumiram dívidas em moeda estrangeira, repassando recursos aos consumidores.
As empresas de leasing contam com profissionais especializados e versados na
volatilidade do câmbio que deveriam ter tido o cuidado de se precaver contra
futuras e (para eles) previsíveis e até esperadas alterações na frustrada
política de mini bandas cambiais engendrada pelo
Governo.
As empresas de arrendamento mercantil
tinham a sua disposição corriqueiras operações de hedge
cambial ou podiam se valer de algumas das formas de
swap disponíveis no mercado (Res. no 1.902
do BACEN) Através de uma operação de swap, a empresa que se obriga a pagar um
financiamento no exterior sujeito a variação cambial pode contratar uma
operação que transforma sua dívida com taxa fixa de reajuste. As vantagens do
swap são conhecidas, sendo este o mais tradicional mecanismo de proteção contra
grande flutuações de taxas de juros que pode, mesmo,
incluir todo o valor da dívida numa única operação.
Não se sabe se as arrendadoras se
precaveram contra a explosão cambial. O que se sabe (e os fatos notórios
independem de prova) é que as financeiras foram as maiores beneficiárias dos
enormes lucros proporcionados pela repentina crise. Recentemente, os principais
jornais do País revelaram que um dos maiores Bancos brasileiros teve lucro record, este ano, por ganhos
oriundos da maxidesvalorização da moeda. Seja como for, parece óbvio ao Direito
e ao bom senso que numa operação financeira, os riscos derivados de medidas
governamentais que atinjam o equilíbrio financeiro de contratos de massa, devam
ser suportados pela parte que faz do risco o seu negócio e poderia evitar
prejuízos.
Não por outros motivos se tem afirmado
que
“Se a instituição financeira fez uma
operação de hedge ou está protegida por qualquer
outra forma, não há sentido em repassar o reajuste da variação cambial aos
arrendatários, pois isto implicaria enriquecimento indevido. A empresa
arrendadora lucraria duplamente: Ganharia vasto lucro na operação de hedge e repassaria integralmente o reajuste cambial aos
arrendatários. Na hipótese de não ter feito a operação de hedge, assumiu o risco da variação
cambial e, portanto, deve arcar com o prejuízo. A especialização das atividades
das instituições financeiras exigia proteção contra a valorização da moeda
estrangeira.” (RENATO VENTURA RIBEIRO, Crise cambial e revisão judicial dos
Contratos de Leasing indexados em moeda estrangeira. RT 766/.47)
Nada disso tem vindo à tona. Aliás, ao
menos se tem visto prova de que esta ou aquela empresa lessor
tenha, efetivamente, repassado ao arrendatário,
recursos captados no exterior…
O art. 6o do CDC. A revisão
do contrato
Inda, porém, que se pudesse concluir
licitamente pela validez de uma cláusula de reajuste cambial, firmada sem
adequada informação e no bojo de contrato ilegal (por falta de prova da
condição aludida no art. 6o da Lei 8.880/94 e diluição do valor
residual) não se há de negar que a desproporcionalidade verificada entre as
prestações recíprocas reclama por revisão judicial.
Registre-se, neste passo, o ousio de alguns em sustentar a inconstitucionalidade
do o art. 6o do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8.078. Embora
seja óbvia a possibilidade de declaração incidental da inconstitucionalidade,
trata-se de argüição absolutamente indigente de respaldo jurídico.
O referido dispositivo legal,
diferentemente do que se pretende, está integralmente acorde com a norma
programática da Constituição Federal que em seu art.170 traz disposição
expressa segundo a qual a Ordem Econômica tem por fim assegurar a justiça
social observando, entre outros princípios, a defesa do consumidor.
Pois a revisão judicial dos contratos
que impliquem em onerosidade excessiva das prestações devidas pelos
consumidores, reequilibrando a equação
econômico-financeira da avença é a mais importante ferramenta legal de defesa
do consumidor em
Juízo. Neste sentido, o que parece inconstitucional não é o
art. 6o,V do Código de Defesa do Consumidor
– Lei 8.078, mas, sim, a tese. Alegar que o poder-dever de revisão contratual
viola o princípio de tripartição dos Poderes revela incontinência argumentativa
de quem, a outrance,
pretende elidir direito incontestável de parte contrária!
Num ponto, entretanto, procede o argumento de inincidência
dos postulados da Teoria da Imprevisão, nestes casos. Diferentemente do que sói
ocorrer os vetustos princípios informativos da chamada Teoria da Imprevisão não
se adequam à hipótese dos autos, cujo cerne, como o
próprio nome está a indicar, pressupõe a superveniência de um fato imprevisível
quanto ao momento de formação do contrato.
Posto que em nosso País sabe ao absurdo afirmar que a inflação e a desvalorização da
moeda são fatos imprevisíveis, não pareceria razoável o raciocínio de que os
contratos de leasing, com cláusula de reajuste por variação cambial, pudessem
ser revistos pelo Judiciário com base na imprevisão. Mesmo para o homem
médio, a desvalorização da moeda era e é fato de todo previsível.
Vive-se sob o jugo histórico e
resistente de uma incompetente Administração Pública que tem desmentido todas
as teorias econômicas, utilizadas, entre nós, como mórbidos métodos
experimentais de nefastos e conhecidos efeitos; e por mais bem intencionado que
seja este ou aquele Administrador, a insanidade política é quem dita as regras.
Regras pífias que vicejam num País sem consciência constitucional; num País em
que há um Presidente da República legislador e que num só mandato produziu
(sobre matérias raramente urgentes e relevantes, mas freqüentemente
inconstitucionais) mais medidas provisórias que o número de leis que o
Congresso Nacional pôde promulgar em 12 anos! E tudo isto sob as excelsas
vistas dos demais poderes da República…
Mas se a revelha
teoria da imprevisão não tem utilidade, qual, então o fundamento da revisão do
contrato nesse tipo de contrato? Invoque-se a Teoria da Base Objetiva do
Negócio Jurídico como suporte à decisão revisional. Bem de ver que o disposto
no art. 6º, V, 2ª parte, do Código de Defesa do Consumidor – Lei 8078, prevê a revisão das cláusulas contratuais em razão
de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
Pois entre as diversas teorias
revisionais arroladas em Doutrina, a Teoria da Base Objetiva do Negócio
Jurídico é a que parece ter sido encampada pelo CDC, dês que a mais tosca
leitura do citado dispositivo revela que a norma não faz qualquer referência ao
pressuposto da imprevisibilidade como condição legitimadora da revisão
contratual.
A invocação dos princípios reitores
desta teoria – que constitui uma espécie de up grade
da bicentenária Teoria da Imprevisão – guarda estreita fidelidade aos
princípios insculpidos na lei brasileira que,
repita-se, acolheu-a contribuindo para que tenhamos hoje em nosso País uma
das mais completas e eficazes legislações consumeristas
de todo o mundo.
A respeito do Código de Defesa do
Consumidor – Lei 8.078, ensina, ainda, a festejada contratualista
CLÁUDIA LIMA MARQUES:
“A norma do artigo 6º, do CDC, avança
ao não exigir que o fato superveniente seja imprevisível ou irresistível, apenas
exige a quebra da base objetiva do negócio, a quebra do seu equilíbrio
intrínseco, a destruição da relação de equivalência entre prestações. Ao
desaparecimento do fim essencial do contrato. Em outras palavras, o elementa autoraizador da ação
modificadora do Judiciário é o resultado objetivo da engenharia contratual que
agora apresenta mencionada onerosidade excessiva para o consumidor, resultado
de simples fato superveniente, fato que não necessita ser extraordinário,
irresistível, fato que poderia ser previsto e não foi”. (Contratos no Código de
Defesa do Consumidor, RT, 2ª ed., p. 299. Citada por WERSON FRANCO PEREIRA RÊGO
no excelente artigo Contratos na real publicado no AMAERJ Notícias no
2/99)
Afirma-se que a desvalorização da moeda
ocorrida em jan/99 deve ser considerado
fato previsível, mas, certamente, inesperado para os
consumidores. O Governo Federal os convenceu de que a Economia tinha como
âncora, o dólar norte-americano. E âncoras não sobem.
“O governo não mexe no câmbio”
Fernando Henrique Cardoso, Presidente
do Brasil, em 29/11/96.
“O déficit da balança comercial é
perfeitamente financiável pelos investimentos externos no país. Aliás, já o foi
neste ano de 1996”
Pedro Malan, Ministro da Fazenda, em
1996.
“Não consideramos a hipótese de alterar
a atual política cambial”
Fernando Henrique Cardoso, Presidente
do Brasil, em 12/9/97.
“Quaisquer que sejam as circunstâncias,
uma coisa é certa: não haverá desvios nem retrocessos. Desvalorizar a moeda é o
passado”
Fernando Henrique Cardoso, Presidente
do Brasil, em 31/1/98.
E, na véspera…
“São absolutamente improcedentes e
inverídicas as especulações do mercado sobre a possibilidade de adoção de um
regime de flutuação do câmbio” Francisco Lopes, Presidente do Banco Central, em
15/1/99.
Fonte: Revista Carta Maior – Palhares
Advogados
Pois a teoria da base objetiva
prescinde do fator imprevisibilidade como pressuposto da
intervenção judicial no contrato, exigindo, apenas, um severo
desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato.
“La expresión
base del negocio puede ser entendida, y así lo há
sido, en un doble sentido. En primer lugar, como la base “subjetiva” de la
determinación de la voluntad de una o ambas partes, como una representación
mental existente al concluir el negocio que há influído grandemente en la formación de los motivos. En
segundo lugar, como la base objetiva del contrato (en cuanto complejo de
sentido inteligible), o sea, como el conjunto de circunstancias cuya existencia
o persistencia presupone debidamente el contrato – sépanlo o no los
contratantes –, ya que, de no ser así, no se lograría el fin del contrato, el
propósito de las partes contratantes y la subsistencia del contrato no tendría
“sentido, fin u objeto”. (KARL LARENZ, Base Del Negocio Juridico
y Cumplimiento de los Contratos – Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid,
1956, p.37)
À jurisprudência não é estranha tal
exegese.
“Mais moderna, a teoria do rompimento
da base negocial lida com elementos objetivos. Rompe-se a base negocial
sempre que a modificação das circunstâncias presentes na formação do contrato
inviabilizar a sua finalidade. Em última análise, a base negocial
é o conjunto de circunstâncias existentes na formação do contrato e que
permite, às partes contratantes, terem presente a sua viabilidade econômica…
Não se perquire mais, como na teoria da
imprevisão, sobre a previsibilidade do fato econômico superveniente, E nem se
deveria. Com efeito, o fato pode até ser previsível, mas não é esperado, porque
se esperado fosse, nem o banco emprestaria o dinheiro e nem o tomador assumiria
um compromisso que não pode arcar. Logo, o fato previsível, mas não esperado,
situa-se na área de risco inerente a qualquer atividade negocial.” (Ap. Cível nº 193.051.083 4a Câmara Cível do TARGS, Rel.
MÁRCIO DE OLIVEIRA PUGGINA)
Rejeite-se, por fim, a repetida tese
segundo a qual o contrato de leasing não se insere na qualificação legal de
contratos de adesão. A supremacia da posição contratual da arrendadora que
impõe claúsulas pré-estabelecidas em relação às quais
o consumidor apenas adere e não tem qualquer possibilidade de discutir, revela
tal conteúdo que não é elidido – mas, ao revés se reforça – pelo fato de que a
maior parte das condições resulta de regramento governamental, a teor da Res. no 2.309 do BACEN
e da Lei no 6.099/74.
Pois, como afirmou GENOVESE, tal
categoria contratual vem de se definir por uma prévia formulazione
de un contenuto negoziale uniforme respetti ad una serie di contratti futuri.
E não há quem negue a adesão em relação
aos contratos de arrendamento mercantil no direito brasileiro valendo, por
todos, invocar o magistério do Desembargador ARNALDO
RIZZARDO.
“Devido às cláusulas estanques e
uniformizadas, previamente formuladas pela arrendante,
e impostas unilateralmente, o contrato é considerado de adesão… No
arrendamento, o cliente, em geral, assina o impresso, no qual as cláusulas se
encontram fixadas unilaterlmente pela arrendante. Não interfere ele na confecção das condições,
idênticas para todas as operações de crédito de igual gênero. Simplesmente
aceita ou recusa, exceto no que se refere ao prazo e, conseqüentemente, ao
valor das prestações.” (LEASING, Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro,
3a ed., Ed. RT, p. 66/67).
Nem colhe, outrossim, o argumento de
que o INPC não pode ser utilizado como indexador nos contratos de leasing, como
disposto no art. 1o da Circular no
2.463 BACEN. Toda e qualquer vedação, ainda que legal,
à utilização de índices de reajuste monetário não vincula decisões
judiciais muito especialmente quando se trata de questão afeta ao CDC ou de
cunho alimentar. E tanto isto é verdade que os Tribunais Superiores jamais acolheram, vg, a tese de proibição
de vinculação de pensionamento devido pela prática de
ato ilícito ao salário mínimo, em que pese expressa e conhecida norma
constitucional que tornou defesa tal indexação.
E é preciso não perder de vista que
quase toda a Economia está indexada, a partir dos impostos e contratos
públicos, considerando-se letra morta a regulamentação
do Plano Real a respeito, sendo certo que a jurisprudência tem considerado o
INPC como o índice que, atualmente, melhor reflete a desvalorização da moeda.
Em conclusão:
É de rigor a revisão judicial dos
contratos de arrendamento mercantil atingidos pela abrupta desvalorização da
moeda em janeiro de 1999. Verificando o juiz que nos autos do
processo não há prova de emissão do Certificado de Registro do Departamento de
Capitais Estrangeiros do Banco Central (fato que revela graves indícios
de violação do art. 6o da Lei 8.880/94 e das normas administrativas
do BACEN quanto à captação e repasse de recursos estrangeiros por parte das
empresas de leasing e que, em tese, pode configurar crime contra o Sistema
Financeiro Nacional) deve determinar a extração de cópias dos autos com remessa
ao Banco Central do Brasil e à Procuradoria Geral da República para as
providências cabíveis.
Bibliografia:
CORDEIRO, ANTONIO MANUEL DA ROCHA E
MENEZES – DA BOA FÉ NO DIREITO CIVIL, Vol. I, Ed. Almeidina,
1984
MARQUES, CLÁUDIA LIMA – CONTRATOS NO
CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, Editora Rev. Tribunais, 3ª ed.
GLANZ, SEMY Revista de Direito do
T.J.R.J., vol. 36
RIBEIRO, RENATO VENTURA, Crise cambial e
revisão judicial dos Contratos de Leasing indexados em moeda estrangeira.
Editora Revista dos Tribunais 766/.47)
SILVA, JOSÉ AFONSO – Aplicabilidade das
Normas Constitucionais, 2a ed, Editora
Revista dos Tribunais.
RÊGO, WERSON
FRANCO PEREIRA – Contratos na real publicado no AMAERJ Notícias no
2/99)
LARENZ, KARL – Base Del Negocio Juridico y
Cumplimiento de los Contratos – Editorial Revista de Derecho Privado, Madrid,
1956
RIZZARDO, ARNALDO – LEASING,
Arrendamento Mercantil no Direito Brasileiro, 3a ed., Editora
Revista dos Tribunais.
Juiz de Direito Titular da 50ª Vara Cível do TJ/RJ
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