Contrato de Trabalho docente: qualificação jurídica e a subordinação

Profissional de essencial importância para o desenvolvimento de qualquer nação, o Professor é tratado do Brasil há muitas décadas sem a valorização que merece. Parcos salários impõem, conseqüentemente, jornadas extenuantes em mais de um vínculo empregatício como único meio de auferir um salário que possa fazer face as suas despesas básicas.

O descaso com que o Brasil trata tal profissional remota antes da década de 70 do século passado. Em obra publicada no ano de 1970 (O Magistério Particular e as Leis Trabalhistas), o Professor e Advogado Emilio Gonçalves já denunciava os valores salariais pagos aos professores, bem assim a necessidade de pactuação de melhores condições de trabalho.

Antes de ser analisado o ponto central a ser aqui tratado, impõe-se fazer algumas observações sobre o empregado “professor”.

Trata-se de categoria diferenciada, cujas tutelas especiais encontram-se disciplinadas nos artigos 317 a 323 da CLT.

Inicialmente vale ressaltar que não há unanimidade na conceituação do que seja o profissional “Professor”. Não há texto legal que defina a profissão de professor. Não há, tão pouco,  unicidade jurisprudencial acerca deste conceito.

Ainda que não exista um posicionamento unânime sobre a conceituação de “professor”, a doutrina e a jurisprudência se inclinam a entender como professor aquele profissional que exerce o magistério em estabelecimento de ensino (particulares ou públicos), portador de habilitação legal e registro no Ministério da Educação (art. 317 da CLT). Desta conceituação nasce uma questão: serão os orientadores dos cursos livres professores?

A Lei nº 9.394 de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases), nos seus artigos 62 e 66 dispõe:

“Art. 62. A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal.

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado.

Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência de título acadêmico.”

A despeito do texto expresso da Lei de Diretrizes e Bases impondo a necessidade de formação dos docentes através de freqüência a curso superior ou pelo menos a formação em nível médio na modalidade normal, algumas Convenções Coletivas de Trabalho de sindicatos brasileiros de professores incluem os que ensinam em cursos livres, de pré-vestibular, preparatórios, de línguas e afins nesta categoria.

Tal posicionamento se justifica porque também esses profissionais trabalham contribuindo para a formação (acadêmica ou livre) de outros brasileiros.

Comungo do pensamento que, por ser categoria diferenciada, a todo profissional exercente do magistério e ainda que lecione em escola de curso livre e sem o registro no Ministério da Educação devem ser asseguradas as normas celetistas constantes dos artigos 317 a 323 da CLT.

É também o texto expresso da CLT que estabelece jornada diferenciada para os professores (art. 318), qual seja o máximo de 04 (quatro) aulas consecutivas ou 06 (seis) intercaladas. Veda também, o mesmo diploma legal, a regência de aulas aos domingos – diferente dos demais trabalhadores que terão os seus descansos semanais remunerados preferencialmente aos domingos.

Outro ponto importante é saber que a remuneração do professor é calculada a base de hora-aula. Dita referência não consta no texto da CLT, mas está regrado pelas Portarias nº 204 (05/04/45) e nº 522 (23/05/52), ambas do Ministério da Educação e Cultura. Ditas portarias foram tão utilizadas que já fazem parte da cultura jurídica como instrumento estipulador do tempo de duração da hora-aula – ainda que esse parâmetro tenha sido incorporado ao sistema jurídico através de simples Portarias do Ministério da Educação e Cultura e não por Lei, como era de se esperar.

A forma de cálculo da remuneração do professor encontra-se no art. 320 da CLT – tomando-se por base o número de aulas semanais multiplicado por 4,5 semanas.

Outra ressalva que se faz é que no valor calculado na forma do art. 320 não se encontra quitado o repouso semanal remunerado (instituído por força da Lei nº 605/49). Desta forma, necessário se faz acrescer à remuneração do Professor o valor equivalente a um sexto do seu salário como forma de remunerar o repouso semanal.

Outra garantia estabelecida pela CLT é a que no período de recesso escolar é garantida ao professor a remuneração daquele período, podendo suas férias ser gozadas neste mesmo período. Entretanto, se não estiver em gozo das férias, poderá exclusivamente  ser exigido do professor no período de recesso escolar o exercício de atividades relacionadas com os exames de final de curso. Ficando, assim, o professor a disposição do seu empregador.

Sendo o professor despedido durante o período do recesso escolar ou no término do ano letivo fará jus à percepção dos salários equivalentes àquele período.

Feitas essas considerações iniciais sobre a atividade do professor, impõe-se analisar o seu contrato de trabalho sob a ótica da sua natureza jurídica em contraponto com a subordinação.

Segundo Alice Monteiro de Barros na obra Curso de Direito do Trabalho, Edt. LTr, 2005, p. 256 não há impossibilidade de se enquadrar os trabalhadores intelectuais como empregados nos moldes celetistas. Diz a Autora que a subordinação como elemento essencial à caracterização da relação de emprego, é jurídica, ou seja, “ela traduz critérios disciplinador da organização do trabalho, sendo indispensável à produção econômica”.

Explica a referida autora que a subordinação do empregado ao empregador acontece porque sendo este o dono do meio de produção a ele cabem os frutos da atividade, bem assim os riscos econômicos, por isso somente ao empregador cabe a organização da forma da prestação do serviço pela empresa.

Importa lembrar ainda que a subordinação própria do contrato de trabalho é a subordinação objetiva, que no dizer que Mauricio Godinho Delgado “atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do empregado”. Assim, a subordinação que deve estar presente como elemento caracterizador do vínculo empregatício é a que submete o modo de executar a tarefa pelo empregado ao comando do empregador, vez que a autonomia da vontade do obreiro é limitada pelo poder diretivo do empregador.

Não deve haver, no contrato de trabalho a visão da subordinação subjetiva, ou seja, a sujeição da pessoa do trabalhador.

Tanto é assim que, observando-se o contrato de trabalho dos trabalhadores intelectuais (como o professor, por exemplo), dita visão subjetiva da subordinação impede a observação da própria subordinação nestes contratos. Ainda assim, não se pode dizer ausente a subordinação dos trabalhadores intelectuais aos seus empregadores.

Trata-se, pois, a subordinação de fenômeno estritamente jurídico, limitando-se tal poder do empregador ao modo de execução das funções do empregado.

Desta maneira, conclui-se que os trabalhadores que executam atividade intelectual têm rarefeita a subordinação nos seus contratos de trabalho. Isso porque, a atividade desenvolvida por esses profissionais goza de maior iniciativa pessoal já que depende exatamente da sua intelectualidade, mitigando-se assim, a subordinação deste tipo de empregado ao modo de executar as tarefas impostas pelo empregador. Tal acontece porque as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores intelectuais pressupõem um conhecimento científico ou mesmo artístico por parte daqueles profissionais, conhecimento que nem sempre detém o empregador. A esse fenômeno a doutrina nomeia de “subordinação técnico invertida, ou seja, o dono dos meios de produção (empregadores) não são os que detêm o conhecimento sobre o exercício de determinada tarefa (intelectual, técnica ou artística), ficando, por isso, impedido de exercitar plenamente a subordinação com a mesma intensidade em que faz nos contratos de trabalho que exijam do empregado menor (ou quase nenhum) conhecimento cientifico, técnico ou artístico sobre a tarefa por ele desempenhada.

Tendo e vista que nos contratos de trabalho dos empregados que exercem atividade intelectual, técnica ou artística a subordinação encontra-se mitigada em favor da autonomia da vontade do empregado (em face da natureza das atividades por ele desempenhadas), pode-se observar nestes contratos de trabalho outro elemento que não deixa lugar à dúvida sobre o seu enquadramento como contrato de trabalho: o poder residual de controle.

Esse poder do empregador é observado na possibilidade que este tem em aplicar sanções disciplinares ao empregado bem assim na possibilidade de fixação de salários segundo o seu interesse (observada eventual legislação especial ou acordo coletivo de trabalho).

Verificando-se que tanto a subordinação jurídica quanto o poder residual de controle são de difícil verificação em determinado caso concreto deverá o aplicador das leis verificar outros elementos para a declaração ou não na ocorrência de contrato de trabalho posta em julgamento. Tais elementos podem ser se a atividade executada pode ser terceirizada, se os instrumentos de trabalho utilizados pelo empregado são próprios ou da tomadora de serviços, se há assunção dos riscos pela empresa tomadora dos sérvios, se a remuneração é fixada pelo parâmetro tempo, se há predeterminação de horário para o exercício da tarefa contratada, dentre outros critérios.

Sobre a subordinação como elemento essencial para a caracterização do contrato de trabalho vale trazer à observação a lição de Emilio Gonçalves na sua obra O Magistério Particular e as Leis Trabalhistas, LTR,1970, p. 31:

“(…) é conveniente ressaltar que essa dependência é suscetível de apresentar diversos graus, atenuando-se à medida que cresce a importância do empregado na empresa e em função da natureza dos serviços prestados, até atingir o ponto mais tênue, no caso de latos empregados que exercem funções de comando e direção. Isso porque a proporção que aumenta a intelectualidade da prestação diminui gradativamente a intensidade da subordinação.

Com relação aos professores, o vinculo de subordinação também e apresenta atenuado, por se tratar de profissão especializada, de natureza intelectual. A subordinação a que está sujeito o professor, como empregado, é mais administrativa que técnica, diz respeito mais à disciplina interna do estabelecimento de ensino que propriamente à execução do trabalho. Com efeito, nesse particular, cabe ao professor a direção da aula, em cuja execução adotará o método didático e os recursos, técnicas e procedimentos que entender mais convenientes, em vista das necessidades dos educandos, variando-os por livre decisão, quando verificar que tal se torna aconselhável“.

Não se pode olvidar que, em contra-ponto à subordinação do professor ao seu empregador há a liberdade de cátedra assegurada constitucionalmente através do inciso II do art. 206 da CF/88 Art. 206, que diz: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (omisses) II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.

Desta maneira, mesmo verificando-se o critério da subordinação própria do contrato de trabalho de determinado professor ao seu empregador sempre restará a este assegurada a autonomia da sua vontade no exercício das suas atividades em classe em face da regra constitucional da liberdade de ensinar.

Mais uma vez reitera-se o entendimento de que a subordinação presente no contrato de trabalho do professor (assim como nos artistas e os que desenvolvem atividade técnica), é sensivelmente diminuída em face do caráter das suas atividades.

Sem medo de errar e sabendo-se que para a configuração da relação de emprego é mister observar-se além da subordinação, a prestação por pessoa física, pessoalmente, sem o caráter de eventualidade, onerosamente, pode-se dizer que a natureza jurídica do contrato de trabalho do docente é contratualista, fugindo-se das teses de ter tal relação natureza jurídica de arrendamento, compra-e-venda, mandato, sociedade ou mesmo ter caráter institucional.

Pode-se dizer que os contratos de trabalho – incluindo-se os dos trabalhadores intelectuais como os professores – têm natureza jurídica de contrato. Entretanto, tal contrato é de adesão, vez que a vontade do trabalhador é mitigada em face das regras pré-definidas pelo empregador que elabora unilateralmente as cláusulas contratuais.

Ainda que haja a possibilidade de pactuação entre professores e donos de instituições de ensino de algumas cláusulas do contrato de trabalho, a sua essência é ditada pela vontade do empregador, não fugindo – ainda assim – o contrato de trabalho firmado pelos componentes desta categoria à natureza jurídica de contrato de adesão.

Ora, é um contrato cujo objetivo é a prestação por uma das partes (empregado) de uma obrigação de fazer continuada, pessoal (em face principalmente da natureza técnica, intelectual ou artística da obrigação contratada), não eventual, cuja contraprestação da outra parte consiste em obrigação de pagar (onerosidade), observando-se as regras gerais impostas pelo empregador.

Não há como se afastar a natureza jurídica de contrato (de adesão) ao contrato de trabalho firmado pelos docentes ainda que a subordinação esteja mitigada nestes pactos, uma vez que as regras gerais (fixação de horários, salários, número de turmas e etc) são impostas unilateralmente pelo empregador (observando-se os limites legais e convencionais), observando-se ainda a presença dos demais elementos caracterizadores da relação de emprego (onerosidade, pessoalidade, não eventualidade).

A diferença primordial entre os contratos de trabalho firmados por essa categoria (bem assim qualquer contrato de trabalho onde a atividade a ser prestada tem caráter técnico ou artístico) e os demais contratos de trabalho reside unicamente na maior liberdade do empregado na forma como executa as tarefas para as quais foi contratado. Dita liberdade, como dito anteriormente, tem sede no caráter da prestação dos serviços: intelectual (técnica ou artística).

Destarte, mesmo que a subordinação do professor ao seu empregador esteja fortemente diminuída, limitando-se a questões administrativas da prestação dos serviços, quer pela segurança constitucional da liberdade de ensino, quer pela necessidade de tal liberdade em face da própria natureza da prestação do serviço estar vinculada ao conteúdo intelectual do profissional, não há como afastar a natureza de contrato de adesão ao contrato de trabalho pactuado entre tal profissional e os proprietários das instituições de ensino, desde que presentes concomitantemente os demais elementos caracterizadores do contrato de trabalho.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Jussara Fernandez Baqueiro de Moraes

 

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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