Resumo: Este trabalho tem por objetivo expor um breve estudo sobre a temática doutrinária, legislativa e jurisprudencial relativa aos contratos de arrendamento rural. Além de apresentar alguns princípios orientadores do direito agrário, dedica-se, essencialmente, ao exame dos requisitos essenciais de formatação e execução destes importantes instrumentos de transferência e circulação de riquezas. Nessa esteira, a pesquisa objetiva contribuir na prática forense daqueles que operam com o direito, considerando que põe à vista as circunstâncias e as exigências legais de validade contratual, bem como, confronta situações onde a legislação é omissa ou silenciosa com a hodierna jurisprudência dos Tribunais e Cortes nacionais. Para tanto, as indagações foram respondidas utilizando-se, essencialmente, da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial. Derradeiramente, giza-se que a correta elaboração de um contrato de arrendamento rural requer complexo conhecimento e domínio da legislação pertinente. Justifica-se, por conseqüência, dedicar atenção ao tema.
Palavras-chave: contrato, arrendador, arrendatário, cláusulas, prova, despejo.
Sumário: Introdução. 1 A função social do contrato. 2 Princípios específicos dos contratos agrários. 2.1 Princípio da irrenunciabilidade e da obrigatoriedade. 2.2 Princípio da justiça social. 2.3 Princípio da prevalência do interesse público. 2.4 Princípio da valorização do trabalho humano. 2.5 Princípio da solidariedade possessória entre os contratantes. 2.6 As leis agrárias tem aplicação imediata. 3 O contrato de arrendamento rural. 3.1 A informalidade do contrato de arrendamento rural. 3.2 As partes. 3.2.1 O arrendamento por estrangeiros. 3.2.1.1 O arrendamento por estrangeiro pessoa natural. 3.2.1.2 O arrendamento por estrangeiro pessoa jurídica. 3.3 Condutas e obrigações legais dos contratantes. 3.3.1 Os prazos de arrendamento terminarão depois de ultimada a colheita. 3.3.2 Prazo mínimo para o contrato de arrendamento rural. 3.3.3 Início de nova cultura próximo ao término do prazo contratual. 3.3.4 Direito de preferência à renovação do contrato. 3.3.5 Prorrogação e renovação dos contratos. 3.3.6 O direito de preferência de alienação do imóvel contratado. 3.3.7 Subarrendamento do imóvel arrendado. 3.3.8 Direito de pactuar a substituição da área arrendada. 3.3.9 Indenização por benfeitorias. 3.3.10 Animais, máquinas, equipamentos, etc., incluídos no arrendamento. 3.3.11 O arrendatário não responde por deterioração que não provocou. .3.12 Preço e pagamento do arrendamento. 3.3.13 Limite à remuneração do arrendamento. 4 Contrato de arrendamento rural escrito. 4.1 Lugar e data da assinatura do contrato. 4.2 Nome completo e endereço dos contratantes. 4.3 Qualificação do arrendador e do arrendatário. 4.4 Objeto do contrato. 4.5 Identificação do imóvel e descrição da gleba. 4.6 Prazo e preço do arrendamento. 4.7 Cláusulas obrigatórias. 5 Meios de prova para a comprovação da avença. 6 Despejo nos contratos de arrendamento rural. 7 Rito processual nas ações de arrendamento rural. Conclusão. Referências.
Introdução
Historicamente, as bases da economia mundial estão assentadas na produção primária, na qual se destacam as atividades extrativistas, a agricultura e a pecuária, praticadas em terras públicas ou particulares.
Em nosso país não é diferente, visto que temos acentuada vocação agropastoril. Tanto que popularmente cunhamos a conhecida expressão “Brasil, celeiro do mundo”. Essa vocação e a necessidade de produzir alimentos fez surgir as diversas situações de exploração da terra por terceiro não proprietário, reguladas pelos contratos agrários.
Existentes desde o período colonial, quando as terras brasileiras pertenciam à Coroa Portuguesa, e eram cedidas aos capitães-donatários através de uma espécie de contrato agrário chamado carta-régia, passando pelo Código Civil de 1916, de característica eminentemente individualista e patrimonialístico, quando foram tratados supletivamente na locação de prédio rústico.
Desse modo, até 1964, predominou a soberana liberdade individual de contratar. Isso significa dizer que, até então, nenhum fator externo influenciava, direta ou indiretamente, na vontade de quem contratava. Ocorre que essa total liberdade e falta de dirigismo normalmente possibilitavam o desequilíbrio contratual, que impunha ao não proprietário apenas a hipótese de aderir à vontade do proprietário.
Todavia, em 1964 o Estatuto da Terra procurou regrar as relações contratuais advindas do uso e da posse da terra. O Estado passou a dirigir as vontades das partes nos contratos agrários, com uma visível conotação social, assegurando maior proteção contratual ao detentor da força de trabalho e que vem temporariamente possuir a terra de forma onerosa.
Esse é o propósito deste trabalho. Tenciona, sem a pretensão de esgotar o assunto ou esmiuçá-lo totalmente, fazer uma abordagem técnica do contrato agrário nominado de arrendamento rural. Sem deixar de atentar para as características e os costumes da nossa região e do Estado, que, por vezes, deixam de considerar a legislação pertinente para adotarem regras próprias que não deixam de operar como normas.
Para tanto, ataca inicialmente o princípio da função social dos contratos, norma orientadora que apesar de não ser contemporânea ao Estatuto da Terra, contempla sua ideologia, e veio como instrumento de segurança e harmonia social no mundo dos negócios.
Posteriormente, segue com a apresentação de alguns princípios específicos do Direito Agrário. Para, logo após, se dedicar à análise do art. 95 da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), que dispõe sobre as condutas e obrigações dos contratantes, do Decreto 59.566/66 que o regulamenta e da legislação pertinente. Este é o foco principal do estudo apresentado. Pretende expor tanto as condutas obrigatórias dos contratantes, quanto às regras básicas dos contratos de arrendamento rural.
E, por fim, dedica breve atenção aos possíveis meios de comprovação da avença, e, ainda, apresenta as hipóteses de despejo nos contratos agrários.
Importa referir que este estudo teve como fonte a pesquisa jurisprudencial e bibliográfica, que encontramos bastante restrita e com poucos títulos publicados.
Assim, esta artigo pretende colaborar com aqueles que se dedicam ao estudo do tema ou tem necessidade de conhecer o assunto. Aspira ser útil tanto aos advogados, magistrados e acadêmicos de Direito, quanto às partes envolvidas nos contratos de arrendamento, já que se procurou utilizar linguagem acessível e pouco técnica.
1 A Função social do contrato
O texto constitucional brasileiro de 1988 dá garantia de inviolabilidade à propriedade, garantindo-a (art. 5º, XXII), porém, dispõe que a propriedade privada deve atender à função social (art. 5º, XXIII). Nesse mandamento constitucional insere-se também o contrato contemporâneo, que agora objetiva tornar a relação negocial economicamente útil e socialmente valiosa.
Sobre o tema se registra a lição de Pablo Stolze Gagliano: “Aliás, de nada adianta concebermos um contrato com acentuado potencial econômico ou financeiro, se, em contrapartida, nos deparamos com um impacto negativo ou desvalioso no campo social.” (GAGLIANO, 2006, p. 43).
Assim, deduzimos que a avença contratual não pode mais ser avaliada apenas em seus requisitos formais de validade, como, por exemplo, agente capaz, objeto lícito, forma prescrita em lei, livre manifestação de vontade, etc., mas atualmente, também é necessário que se observem os limites à liberdade de contratar em prol do bem comum. Podemos afirmar, sem dúvida, que atualmente o contrato não é considerado somente como um instrumento de circulação de riquezas, mas, também, de desenvolvimento social.
Nesse contexto, podemos destacar que o contrato de arrendamento rural, que tem como propósito principal a exploração agropecuária da propriedade, e, consequentemente, a produção de alimentos, é de interesse social. A esse respeito assim diz Helena Maria Bezerra Ramos: “O princípio da função social do contrato determina que nenhum contrato e, portanto, também o de arrendamento rural, seja transformado em instrumento de abuso e arbitrariedade que cause dano à outra parte ou a terceiros ou, ainda, que traga privilégios excessivos a somente uma das partes contratantes”. (RAMOS, 2013, p. 42).
Intimamente ligado ao princípio da função social do contrato está o princípio da função social da propriedade. Desse modo, pertinente algumas considerações a respeito, já que o Estatuto da Terra, mesmo produzido em uma época em que o Brasil estava sob um regime de restrições políticas, se encarrega de disciplinar como a propriedade rural deve ser explorada para atingir integralmente a função social. Nessa perspectiva o art. 2º dispõe: “É assegurada a todos a oportunidade de acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social, na forma prevista nesta Lei”. (grifo nosso). E logo adiante o § 1º dá o significado de função social desejado pelo retro mencionado Estatuto: “A propriedade da terra desempenha integralmente a sua função social quando, simultaneamente: a) favorece o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores que nela labutam, assim como de suas famílias; b) mantém níveis satisfatórios de produtividade; c) assegura a conservação dos recursos naturais; d) observa as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que a possuem e a cultivem”. (grifo nosso).
O princípio da função social da propriedade, longe de negar o direito de propriedade, informa que na utilização da propriedade deve ser levado em conta o direito da coletividade, a justiça social, os interesses metaindividuais, prevalecendo estes sobre o conceito de uso egoístico, com exclusivo proveito. E por ser um dos princípios essenciais do direito agrário, também é aplicável aos contratos de arrendamento rural, já que a propriedade sem produção não é aceita pelo novo direito agrário.
2 Princípios específicos dos contratos agrários
Princípios são enunciados normativos que ordenam, informam e orientam o direto, mesmo sem estarem positivados. Desse modo, além dos princípios norteadores do sistema contratual brasileiro, como da autonomia da vontade, da supremacia da ordem pública, do consensualismo, da relatividade dos contratos, da revisão por onerosidade excessiva, da boa-fé, etc., alguns são de aplicação exclusiva dos contratos agrários, e por conseqüência dos contratos de arrendamento rural. Pertinente assinalar que a exclusividade apontada nos princípios apresentados diz respeito apenas ao direito contratual, haja vista que estes mesmos princípios também podem orientar outros ramos do direito.
2.1 Princípio da irrenunciabilidade e da obrigatoriedade
Tendo em vista que o Estatuto da Terra, bem como seu Decreto regulamentador, têm caráter eminentemente social e protetivo, suas normas são de ordem pública, e, por isso, irrenunciáveis e de aplicação obrigatórias, sobrepondo-se à livre manifestação de vontade dos contratantes. A esse respeito é muito claro o art. 2º do Decreto 59.566/66, e não deixa dúvida que é nula toda a disposição contratual que o contrarie: “Todos os contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e vantagens nelas instituídos (art.13, inciso IV da Lei nº 4.947-66).
Parágrafo único. Qualquer estipulação contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito e de nenhum efeito”. (grifo nosso).
Pode-se afirmar que o art. 95 da Lei 4.504/64 (Estatuto da Terra), que dispõe sobre o arrendamento rural, o Decreto 59.566/66 que o regulamenta, devem servir de direção orientadora dos contratos agrários. Entendemos importante referir a firme sustentação de Alencar Mello Proença: “Tanto a obrigatória aplicação como a irrenunciabilidade dos direitos e vantagens estão a indicar que as normas, relativas aos contratos agrários, constantes do Estatuto da Terra e de seu Regulamento, devem sobrepor à vontade das partes, aplicando-se compulsoriamente, mesmo que as partes pretendam dispor de modo diverso.” (PROENÇA, 2007, p. 234).
Tem-se, então, que todo o contrato agrário, que deixar de observar as disposições normativas mencionadas, ou incluir cláusulas conflitantes com as mesmas, é nulo no todo ou em parte, e de nenhum efeito.
2.2 Princípio da justiça social
Segundo o art. 103 do Estatuto da Terra, sua aplicação deverá objetivar a perfeita ordenação do sistema agrário brasileiro, de acordo com o princípio da justiça social. Dessa forma, os contratos agrários estão inteiramente subordinados à compensação de eventual desigualdade que possa existir entre os contratantes, condição imprescindível para assegurar oportunidades de desenvolvimento social no meio rural. Então, é uníssono que os contratos agrários, além de promoverem a circulação de riquezas, o desenvolvimento econômico e rentabilidade aos contratantes, devem, também, estarem orientando para garantir a soberania alimentar e promover o abastecimento nutricional e alimentar da população, sempre conciliando a liberdade de iniciativa com a valorização do trabalho humano.
2.3 Princípio da prevalência do interesse público
Sempre que o interesse coletivo estiver em confronto com o individual, aquele deve prevalecer. Não significa que os direitos do indivíduo serão desrespeitados por qualquer razão. Todavia, como a atividade agropastoril envolve interesses de uma coletividade plural, temos que as disposições dos contratos de arrendamento rural também devem contemplar suas aspirações. Assim, as manifestações de vontade excessivamente individualistas ou de características egoísticas são consideradas nulas.
Sobre o tema convém transcrever o que assegura Nelson Marques: “[…] no que concerne ao acordo de vontades e ao objeto: a vontade individual nos contratos agrários é residual e na componente objeto estão a atividade produtiva em sentido lato e a terra, bem de produção […].” (MARQUES, 1986, p. 97)
2.4 Princípio da valorização do trabalho humano
A legislação referente aos contratos de arrendamento rural, além de outros propósitos, tem como óbice a exploração desumana da força de trabalho empregada pelo arrendatário. Esta valorização está contida, por exemplo, na expressa vedação da inclusão de cláusula contratual que estabeleça prestação de serviço gratuito pelo arrendatário, exclusividade da venda de frutos ou produtos ao arrendador, ou na limitação da remuneração paga pelo arrendamento. Assim, podemos afirmar que as restrições, que consideram nulas as cláusulas que tirem excessivo proveito da força de trabalho do arrendador ou que provoquem o desequilíbrio econômico do contrato, asseguram a valorização e o proveito econômico do trabalho realizado pelo arrendatário.
2.5 Princípio da solidariedade possessória entre os contratantes
Conforme o art. 92 do Estatuto da Terra, a posse e o uso temporário da terra, pelo arrendatário ou do parceiro agrícola, são exercidos em razão de contrato expresso ou tácito estabelecido entre o proprietário e os que nelas explorem atividades rurais produtivas. Já o § 1º do referido artigo e o art. 40 do Decreto regulamentador estabelecem que o proprietário garantirá ao arrendatário o uso e gozo do imóvel ou cedido em arrendamento, durante todo o prazo de duração do contrato. A norma faz concluir que, em caso de turbação ou esbulho, o arrendador, ou parceiro outorgante, deverá assumir a defesa da posse. Vejamos como leciona Wellington Pacheco Barros: “Se o conflito toma o caminho do processo, o arrendador ou parceiro-outorgante deverá assumir a defesa da posse, quer na condição de autor, ou de réu, e nesta situação o arrendatário ou parceiro-outorgado poderá assisti-lo.” (BARROS, 2002, p. 118).
Entendemos que estes são os princípios fundamentais que, associados àqueles princípios gerais dos contratos, orientam o tema e que devem ser observados na elaboração dos contratos de arrendamento rural. Alguns autores elencam também certas condições de validade dos contratos de arrendamento rural como princípios. Entretanto, filiamo-nos à corrente doutrinária que julga que estas condições não se tratam de preceitos fundamentais ou aspectos substanciais do direito contratual rural. Temos que se tratam de normas cogentes, que estão positivadas no Estatuto da Terra e em seu Decreto regulamentador.
2.6 As leis agrárias tem aplicação imediata
Por se tratarem de normas de ordem pública e de cunho cogente, julga-se que qualquer nova norma agrária de cunho protetivo tem aplicação imediata. Impondo-se, indistintamente, a todos os contratos que estiverem em vigor, evidentemente que adaptando aquilo a executar. Também o art. 80 do Decreto 59.566/66 estabeleceu regras de ajustamento e adaptação dos contratos em vigência na época.
3 O contrato de arrendamento rural
O art. 3° do Decreto 59.566/66, que regulamenta o Estatuto da Terra, fornece o conceito de arrendamento rural: “Arrendamento rural é o contrato agrário pelo qual uma pessoa se obriga a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso e gozo de imóvel rural, parte ou partes do mesmo, incluindo, ou não, outros bens, benfeitorias e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista, mediante, certa retribuição ou aluguel, observados os limites percentuais da Lei”.
Já para Altamir Pettersen e Nilson Marques, contrato agrário é: “Todo aquele que a lei reconhece para o fim de posse ou uso temporário da terra, entre quem detenha a posse ou livre administração de um imóvel rural e aquele que nele exerça qualquer atividade agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou mista.” (PETTERSEN; MARQUES, 1980, p. 327).
Em nosso direito pátrio, os contratos de arrendamento rural estão disciplinados no Estatuto da Terra sob o título “Do Uso ou da Posse Temporária da Terra”, no Capítulo IV do Título III da Lei N° 4.504/64, além da Lei N° 4.947/66 e do Decreto 59.566/66. E por fonte subsidiária têm o Código Civil, consoante informa o art. 92, § 9º do Estatuto da Terra.
3.1 A informalidade do contrato de arrendamento rural
Como o sistema legal que regra os contratos de arrendamento rural tem uma visível conotação social e dispensa nítida proteção ao arrendatário, o legislador facilitou propositadamente a liberdade de formas contratuais. A lógica do legislador, em admitir que os contratos de arrendamento rural possam ser estabelecidos de forma expressa ou tácita (art. 92 do Estatuto da Terra), e, ainda, de forma escrita ou verbal (art. 11 do Decreto 59.666/66), leva em conta a realidade rural onde residem os contratantes. Talvez, atualmente, esta realidade não seja a mesma da época da elaboração das aludidas leis. Todavia ainda existem pessoas que substituem o documento pela palavra empenhada. Assim, se o legislador não considerasse a possibilidade de haverem contratos tácitos ou verbais, estaria dificultando ou impedindo a demonstração de direitos que tanto buscou proteger.
Importante referir que, no caso de contratos verbais ou tácitos, a informalidade não retira a força das clausulas obrigatórias estabelecidas em lei. Podemos afirmar que o art. 13 do Decreto 59.566/66 e o § 8º, do art. 92 do Estatuto da Terra conferem presunção juris et de jure (de direito e por direito, como expressão da verdade) para esses contratos.
Desse modo, não havendo convenção expressa, a exegese deve inclinar-se pela proteção que a lei desejou conferir ao economicamente mais fraco. Todavia, para os contratos escritos a lei impõe os requisitos formais estabelecidos pelo art. 12 do Decreto 59.566/66.
Sendo que outros ajustes, que as partes julgarem convenientes, e desde que não contrariem a lei, podem ser estipulados.
3.2 As partes
O contrato de arrendamento rural, por ser ato jurídico bilateral e consensual, necessariamente é formado por duas partes que apresentam interesses antagônicos. Uma pessoa que cede à outra, por tempo determinado, o uso e gozo de imóvel rural, mediante contraprestação limitada por lei.
Sendo assim, o § 2º do art. 3º do Decreto 59.566/66 encarrega-se de definir as partes contratantes.
Chama-se arrendador a pessoa que cede o imóvel rural em arrendamento. Segundo Antônio Luiz Ribeiro Machado: “Arrendador é o proprietário, o usufrutuário, o usuário ou possuidor do imóvel. Deve encontrar-se na posse do imóvel rural e dos bens, a qualquer título que lhe dê direito de exploração e de destinação aos fins contratuais” (MACHADO, 1971, p. 8).
Por outro lado, se denomina de arrendatário a pessoa que recebe o imóvel rural para explorá-lo economicamente em arrendamento. De acordo com o dispositivo de lei supracitado arrendatário é “a pessoa ou conjunto familiar, representado pelo seu chefe que o recebe ou toma por aluguel”.
Necessário destacar que o conceito de pessoa, que trata a lei, deve ser interpretado de maneira ampla, e jamais de modo restritivo. Ou seja, quando a lei estabelece que o contrato de arrendamento rural é aquele realizado entre duas pessoas, ela está ampliando para qualquer tipo de pessoa.
Portanto, podem fazer parte do contrato de arrendamento rural tanto pessoas físicas como jurídicas, individualmente ou em grupo, desde que atendam o requisito de validade do negócio jurídico estabelecido pelo art. 104, I, do Código Civil.
3.2.1 O arrendamento por estrangeiros
O arrendamento rural por estrangeiros, pessoas naturais residentes no país ou jurídicas autorizadas a funcionar no Brasil, encontram limites na Lei 5.709/71 e no art. 190 da Constituição Federal.
Ainda que a Constituição Federal apenas refira que a lei limitará o arrendamento rural por estrangeiros, e a Lei 5.709/71 não faça referência aos contratos de arrendamento rural realizados pelos estrangeiros, o § 1º do art. 23 da Lei 8.629/93, determina que todas as restrições, limites e condições impostas pela Lei 5.709/71 à aquisição de imóvel rural por estrangeiros, também serão aplicadas aos contratos de arrendamento rural.
Importa mencionar, também, que duas das limitações impostas pela lei dizem respeito tanto aos estrangeiros pessoas naturais quanto às pessoa jurídicas. A primeira cuida do tamanho da área, que é medida em módulos de exploração indefinida, fixados pelo INCRA para cada região do Brasil. A outra refere-se à localização territorial, haja vista que a legislação pátria não permite o arrendamento rural por estrangeiros na considerada “faixa de fronteira”, o que legalmente está caracterizado no art. 1º da Lei 6.634/79: “É considerada área indispensável à Segurança Nacional a faixa interna de 150 Km (cento e cinqüenta quilômetros) de largura, paralela à linha divisória terrestre do território nacional, que será designada como Faixa de Fronteira”.
Existe outro fator de limitação, mas se relaciona apenas aos estrangeiros pessoas jurídicas, e será apresentado posteriormente quando abordarmos o assunto correspondente.
3.2.1.1 O arrendamento por estrangeiro pessoa natural
Desse modo, consoante art. 3º da Lei 5.709/71, os estrangeiros pessoas físicas residentes no Brasil somente poderão arrendar área que não exceda a 50 módulos de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua.
Quando a área não ultrapassar a 3 módulos de exploração indefinida independe de autorização ou licença. Para áreas superiores e que não ultrapassem os 50 módulos de exploração indefinida, cabe ao INCRA o controle e a expedição da autorização para o arrendamento.
Excepcionalmente, de acordo com o art. 5º da Instrução Normativa nº 70/2011 editada pelo INCRA, é possível à pessoa natural estrangeira arrendar área superior a 50 módulos de exploração indefinida. No entanto necessita autorização do Congresso Nacional.
3.2.1.2 O arrendamento por estrangeiro pessoa jurídica
Já para a pessoa jurídica estrangeira o limite territorial para o arrendamento rural é maior. Da interpretação do art. 6º da Instrução Normativa nº 70/2011 editada pelo INCRA, infere-se que, até 100 módulos de exploração indefinida, necessitam apenas de autorização do INCRA. Todavia, áreas superiores a 100 módulos de exploração indefinida necessitam de prévia autorização fornecida pelo Congresso Nacional.
Como dissemos acima, a destinação das áreas arrendadas pelas pessoas jurídicas estrangeiras também é fator de limitação. Dispõe o art. 5º da Lei 5.709/71 que a utilização dessas áreas deve ser destinada a projetos agrícolas, pecuários, industriais ou de colonização, vinculados aos objetivos de seus estatutos. E, ainda, que estes projetos estejam aprovados pelo Ministério da Agricultura.
Por fim, de acordo com o art. 7º da Instrução Normativa nº 70/2011 editada pelo INCRA e art. 12 da Lei 5.709/71, a soma das áreas arrendadas às pessoas estrangeiras, naturais ou jurídicas, não poderá ultrapassar a 25% da superfície total do município de localização do imóvel pretendido. Já o § 1º, do art. 7º da Instrução Normativa nº 70/2011 editada pelo INCRA, não permite que pessoas de mesma nacionalidade arrendem área que ultrapasse 10% da superfície territorial de um mesmo município.
Ainda convém registrar que os procedimentos administrativos para o processamento de requerimento de autorização para o arrendamento de imóvel rural por pessoa estrangeira, submetida ao regime da Lei 5.709/71, estão estabelecidos na Instrução Normativa Conjunta nº 1/2012, que explicita a quem é encaminhada a solicitação e quais os documentos são necessários para instruir o procedimento.
3.3 Condutas e obrigações legais dos contratantes
No decorrer deste título examinaremos o art. 95 do Estatuto da Terra, que aponta decisões particulares e obrigações legais vinculadas aos contratantes. Todas elas apresentam dimensões de peso ou importância na execução do contrato de arrendamento rural. A seguir, veremos as condutas e obrigações dos contratantes aplicáveis aos contratos de arrendamento rural.
3.3.1 Os prazos de arrendamento terminarão depois de ultimada a colheita
O inciso I resguarda o direito do arrendatário de permanecer na posse do imóvel até a ultimação da colheita. Caso haja um retardamento justificável na colheita, que a legislação disciplinadora trata como motivo de força maior, os prazos serão prorrogados nas mesmas condições contratadas até a sua ultimação.
Nesse viés, acertadamente comenta Maria Helena Bezerra Ramos: “Por questão de coerência, equidade e justiça, o Estatuto estabelece que, se o prazo final para o encerramento do contrato recair em época de colheita, será esse prorrogado até que seja ultimada a colheita”. (RAMOS, 2013, p. 49).
Entretanto, se o arrendatário, em conduta imprudente e de má-fé, inicia nova cultura que, sabidamente, não ultimará até o final do contrato, deve arcar com os prejuízos provocados.
Wellington Pacheco Barros sustenta que “a situação é outra se o arrendatário ou parceiro-outorgante inicia nova cultura que sabidamente não terminará no prazo da cultura anterior.” (BARROS, 2002, p.122).
3.3.2 Prazo mínimo para o contrato de arrendamento rural
Consoante dispõe o inciso II, o prazo mínimo para os contratos de arrendamento rural, avençados por tempo indeterminado, é de 3 anos. Sabe-se que os contratos de arrendamento rural são regidos por normas de caráter público e social, e de observação obrigatória e irrenunciáveis. È unânime a doutrina e uniforme a jurisprudência nesse sentido, conforme sustenta o Ministro Luis Felipe Salomão: “O prazo mínimo do contrato de arrendamento é um direito irrenunciável que não pode ser afastado pela vontade das partes sob pena de nulidade.” (REsp Nº 1.339-432-MS, 16/04/2013).
Ocorre que o Decreto 59.566/66, na regulamentação prevista na alínea “b” do inciso XI do mesmo artigo, fixou outros prazos mínimos para os contratos de arrendamento rural, levando em consideração o tipo de atividade agropastoril. Desse modo, fixou o prazo mínimo de 3 anos para arrendamento rural em que ocorra a exploração de lavoura temporária ou de pecuária de pequeno porte. De 5 anos para arrendamento onde ocorra a exploração de lavouras permanentes ou pecuária de grande porte, e de 7 anos para a exploração de atividade florestal.
Observa-se, entretanto, que quanto aos prazos supracitados a jurisprudência é divergente. Em sentidos opostos existem precedentes. Para a Quarta Turma Cível do STJ os prazos mínimos estabelecidos pelo Decreto 59.566/66 não extrapolam os limites do Estatuto da Terra, haja vista que a ele incumbia fixar os prazos mínimos a serem observados nos contratos (REsp 195.177/BARROS MONTEIRO, Relator para acórdão Ministro RUY ROSADO). Em sentido oposto, a Terceira Turma firmou convencimento que os prazos legais mínimos, fixados pelo Decreto 59.566/66, podem ser afastados pela convenção, conforme ementa colacionada:
“ESTATUTO DA TERRA – CONTRATOS AGRÍCOLAS – PRAZO MÍNIMO.
– Nos contratos agrícolas, o prazo legal mínimo pode ser afastado pela convenção das partes. Decreto regulamentador não pode limitar, onde a Lei não o fez. O Art. 13, II, a, do Dec. 59.566⁄66 não se afina com o Art. 96 da Lei 4.504⁄64.” (REsp 806.094-SP, Ministro Humberto Gomes de Barros, 18/12/2006).
Assim, se por um lado é pacífico, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, o entendimento de que a estipulação de prazo contratual inferior a 3 anos é causa de nulidade contratual, por outro os prazos estabelecidos pelo art. 13, II, “a” do Decreto 59.566/66, acolhem juízos distintos.
3.3.3 Início de nova cultura próximo ao término do prazo contratual
Pretendendo o arrendatário iniciar nova cultura, cuja colheita não possa ser concluída antes do término do prazo de arrendamento, deverá ajustar previamente com o arrendador a forma de pagamento pelo uso excedente da terra. A respeito assim pondera Helena Maria Bezerra de Ramos: “Tal se deve ao fato de que o arrendatário não pode começar a cultura cujo tempo, para a colheita, se sabe ser insuficiente (Regulamento, art. 21, § 3º). Consequentemente, no caso de não haver o ajuste da indenização do arrendador por esse prazo excedente, não pode o arrendatário começar o plantio de qualquer cultura, nos termos do art. 26, inc. I, do Regulamento”. (RAMOS, 2013, p.100).
Então, se o arrendatário tem conhecimento de que não iniciará a colheita da nova cultura antes do final do prazo de extinção do contrato, e não havendo qualquer ajuste contratual a respeito de um adicional de preço pelo tempo a mais que permanecer na posse do imóvel, não tem razão de evocar a prerrogativa legal estabelecida pelo art. 95, I, do Estatuto da Terra. A ele cabe arcar com os prejuízos de sua conduta imprudente.
3.3.4 Direito de preferência à renovação do contrato
Infere-se da interpretação literal do inciso IV do art. 95 do Estatuto da Terra que o arrendatário, em iguais condições com estranhos e desde que comunicado através de notificação válida instruída com as cópias autênticas das propostas recebidas, em até 6 meses antes do vencimento do contrato, terá preferência à renovação do contrato de arrendamento. Tem relevância a lúcida lição do Prof. Alencar Melo Proença sobre o assunto: “deverá o arrendador, com a devida antecedência, colher propostas escritas de terceiros interessados em arrendar o imóvel, para encaminhá-las ao arrendatário, através de notificação extrajudicial, com vistas que exerça ou não seu direito de preferência” (PROENÇA, 2007, p. 281).
Inexistindo a intimação, presume-se automaticamente prorrogado o contrato por igual período. Tem sido este o posicionamento consubstanciado pelos Tribunais e Cortes nacionais.
Todavia, se o arrendatário no prazo de 30 dias contados do término do prazo para notificação, manifestar a desistência o contrato se encerrará naturalmente pelo vencimento. Igualmente, poderá, no mesmo prazo, formular nova proposta, se não lhe convierem as condições antigas, que, naturalmente, a outra parte aceitará ou não.
Também merece realce que a insinceridade do arrendador, por exemplo, quando notifica o arrendatário com proposta mais vantajosa, mas simulada, enganosa, implicará na obrigação de responder por perdas e danos provocados ao arrendatário. Cabendo a este requerer em juízo as indenizações correspondentes.
Já se o arrendador pretender retomar o imóvel arrendado para, explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente, deverá notificar o arrendatário por meio válido, no prazo de 6 meses antes do vencimento do contrato. Ainda, conforme o inciso V do artigo em comento, o exercício da retomada está condicionado à exploração do imóvel arrendado diretamente pelo arrendador ou por descendente seu.
Verifica-se que também nestes casos está presente a regra já comentada do inciso I, ou seja, o arrendatário tem o direito de ser mantido na posse até que seja ultimada a colheita.
3.3.5 Prorrogação e renovação dos contratos
Prorrogar significa tornar mais longo, mais dilatado um prazo preestabelecido. Tratando-se de contratos de arrendamento rural é alternativa excepcional, que visa resguardar o direito do arrendatário a permanecer na posse do imóvel até a arrecadação dos frutos, desde que já tenham se iniciado ou estejam prestes a iniciar.
A prorrogação tem por finalidade assegurar ao arrendatário os resultados do negócio, dilatando-se o prazo estipulado, nas mesmas condições contratadas, por atraso na colheita, para o abate dos animais ou na parição do rebanho.
Por sua vez, renovar significa substituir por mais novo. Nesse diapasão, a renovação consiste na repetição do contrato entre as mesmas partes, repetindo-se as condições anteriores, ou com as modificações que ficarem ajustadas.
3.3.6 O direito de preferência de alienação do imóvel contratado
O direito de preferência do arrendatário não é abordado dentro das condutas e obrigações dos contratantes elencadas no art. 95 do Estatuto da Terra, proposta principal de estudo desta obra. Mas por ter relação próxima com o direito à renovação do contrato, dedicaremos, ao mesmo, breve atenção. A preferência do arrendatário na compra do imóvel arrendado está caracterizada no art. 92 § 3º do Estatuto da Terra e no art. 45 do Decreto 59.566/66.
Pretendendo o arrendador alienar o imóvel arrendado, deve cientificar o arrendatário, através de intimação válida, para exercer seu direito de preferência em igualdade de condições, no prazo de 30 dias, contado da notificação. Dita notificação deve dar conhecimento ao arrendatário da disposição do arrendador em vender o imóvel, informando o notificado das propostas sugeridas, das condições da transação e do preço oferecido.
A lei ainda assegura, como registra o art. 46 e parágrafos do Decreto 59.566/66, que se o imóvel rural em venda estiver sendo explorado em parcelas, por mais de um arrendatário, todos devem ser notificados. E o direito de preferência somente poderá ser exercido para a aquisição total da área em venda. Isto é, o proprietário do imóvel rural arrendado, não está obrigado a vender apenas a parcela ou as parcelas arrendadas, se não abranger a totalidade da área oferecida.
Por fim, na hipótese comentada, fica assegurado a qualquer dos arrendatários, se os outros não usarem o direito de preferência, adquirir para si o imóvel objeto da alienação. Entretanto, se mais de um forem os arrendatários interessados na aquisição do imóvel rural, através do direito de preferência, terá prioridade aquele que oferecer o maior preço ou as melhores condições para a transação.
Ainda assim, sobrevindo ofertas iguais, caberá, naturalmente, a preferência tendo em vista as proporções no arrendamento. Paralelamente, importa tornar saliente que tal aquisição somente pode ocorrer se não resultar na formação de minifúndio.
3.3.7 Subarrendamento do imóvel arrendado
O Regulamento (Decreto 59.566/66) classifica o subarrendamento como o contrato pelo qual o arrendatário transfere a outrem, no todo ou em parte, seus direitos e obrigações surgidas do contrato de arrendamento. Nestes casos, o arrendatário outorgante, para todos os efeitos, será considerado arrendador.
Tanto o inciso VI do art. 95 do Estatuto da Terra quanto o art. 31 do Regulamento vedam categoricamente que o arrendatário subarrende, total ou parcialmente, o imóvel arrendado, sem o consentimento expresso do arrendador.
José Fernando Lutz Coelho sustenta que: “o ser necessariamente expresso não implica dizer necessariamente por escrito, mesmo porque os contratos agrários podem ser celebrados verbalmente” (COELHO, 2002, p.137).
Conforme ensina Lutz Coelho, o consentimento deve ser expresso, manifesto, declarado, mas não necessariamente escrito, visto que os contratos de arrendamento rural gozam da hipótese da informalidade. Evidentemente que, para os contratos escritos, o consentimento deve ser expresso da mesma forma.
Havendo necessidade de dirimir questões legais ou controversas, decorrente da contratação verbal ou tácita, são reconhecidos todos os meios de provas legalmente admitidos.
Vale ressaltar que a inobservância dos dispositivos legais, referidos acima, constitui grave infração contratual, que possibilita o despejo do arrendatário pelo arrendador, conforme art. 32, II do Decreto regulamentador.
Também convém referir que o subarrendatário não tem relação de locação com o arrendador, mas sim com o subarrendador. Portanto, eventual ação de despejo promovida pelo arrendador, deve ser proposta em desfavor do arrendatário, e não contra o subarrendatário.
3.3.8 Direito de pactuar a substituição da área arrendada
Arrendador e arrendatário têm a possibilidade de pactuarem a substituição da área arrendada por outra equivalente, mantendo-se as demais cláusulas contratuais. Essa permissão legal está prevista no inciso VII do art. 95 do Estatuto da Terra e no art. 33 do Decreto 59.566/66.
Convém frisar que a substituição da área originalmente arrendada, por outra equivalente, deve estar previamente consignada no contrato, esclarecendo quanto, ao limite, a localização, etc., evitando conflito no momento da substituição. Caso em que a substituição estabelecida deve respeitar as condições do contrato e os direitos do arrendatário.
Importante mencionar, ainda, que a nova área, que substituirá a atualmente explorada, deve estar localizada no mesmo imóvel rural. De outro modo, se em imóvel diverso, estaremos diante de um novo contrato.
3.3.9 Indenização por benfeitorias
Inicialmente convém trazer à colação a lição de Arnaldo Rizzardo: “Na forma do art. 95, inc. VIII, do Estatuto da Terra, e do art. 25 do Decreto nº 59.566, o arrendatário terá direito à indenização das benfeitorias úteis e necessárias que ele construir” (RIZARDO, 2010, p.1094).
Portanto, são indenizáveis as benfeitorias úteis e as necessárias que eventualmente o arrendatário tenha realizado na área arrendada. Já as benfeitorias voluptuárias somente serão indenizadas se previamente autorizadas pelo arrendador.
A classificação das benfeitorias vem encartada no art. 24 do Decreto 59.566/66, assinalando que podem ser voluptuárias, as de mero deleite ou recreio; úteis, as que aumentam ou facilitam o uso do imóvel arrendado; e as necessárias, que têm por finalidade conservar e evitar que o imóvel rural se deteriore.
Impende considerar também a hipótese do parágrafo único do mesmo artigo, que dá liberdade aos contratantes de mutuamente ajustarem a classificação e finalidade de determinadas benfeitorias. Alternativa que pretende evitar desnecessárias demandas para discutir a classificação das benfeitorias.
Ainda, de acordo com o parágrafo 2º do art. 25 do Decreto regulamentador, também o arrendador pode construir benfeitorias úteis ou necessárias, durante o prazo do arrendamento, que beneficiem o arrendatário provocando aumento nos rendimentos da área arrendada. Estas benfeitorias não serão indenizadas pelo arrendatário no final do contrato. Todavia, se não houverem pactuado de modo diverso, pode o arrendador elevar proporcionalmente o preço do arrendamento.
Observa-se também que as correspondentes indenizações pelas benfeitorias construídas somente podem ser exigidas ao termo do contrato. Inequívoco que esta exigência somente poderá ser de iniciativa do arrendatário, visto que as benfeitorias realizadas agregaram valor à propriedade do arrendador. Do direito de ser indenizado pelas benfeitorias realizadas, surge para o arrendatário o direito de retenção do imóvel arrendado, nos mesmos termos do contrato, até a correspondente indenização.
3.3.10 Animais, máquinas, equipamentos, etc., incluídos no arrendamento
Pode acontecer que as partes convencionem que, no arrendamento, sejam incluídos animais de trabalho, de cria, máquinas, equipamentos, ou outros meios destinados à produção pecuária ou agrícola, além da área arrendada. Se constar no contrato de arrendamento a forma de restituição, deve o arrendatário devolver conforme pactuado. Pode ocorrer que nada combinem a respeito, neste caso, ao final do contrato, deve o arrendatário restituir os animais ou bens em igual número, espécie, quantidade e qualidade. Estes são os termos previstos no inciso IX do art. 95 do Estatuto da Terra e o correspondente art. 43 do Decreto 59.566/66.
3.3.11 O arrendatário não responde por deterioração que não provocou
Toda vez que o arrendatário danificar ou tornar pior o imóvel arrendado, suas instalações, causar estrago nos equipamentos que eventualmente tenham sido incluídos no arrendamento ou extraviar animais arrendados, surge para o arrendador o direito de exigir a correspondente indenização, na mesma proporção do dano causado, e para o arrendatário a obrigação de indenizar.
Essa obrigação é chamada de responsabilidade civil, caracterizada pela conduta ativa ou omissiva do agente (arrendatário), pela ocorrência do dano, pela culpa e pelo nexo de causalidade ou vinculação entre a conduta do agente e o dano sofrido.
Desse modo, torna firme o inciso X do art. 95 do Estatuto da Terra que, não estando demonstrada com exatidão a responsabilidade civil do arrendatário, por eventual prejuízo ou deterioração provocado, não pode o arrendador exigir-lhe indenização.
3.3.12 Preço e pagamento do arrendamento
Segundo expressam os art. 95, XI, “a”, do Estatuto da Terra e art. 18, parágrafo único, Decreto 59.566/66, não é permitido ajustar como preço do arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou seu equivalente em dinheiro.
Como dissemos anteriormente, é causa de ineficácia absoluta por incidência de nulidade a cláusula contratual que afronte o Estatuto da Terra ou o Decreto regulamentador e que prejudique direitos e vantagens do arrendatário, por tratar-se de norma de ordem pública e aplicação cogente.
Todavia, aqui se abre uma exceção e se desunem os tribunais e cortes pátrios, como se verifica pelos precedentes reproduzidos.
Iniciamos discorrendo sobre o posicionamento dominante no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que tem adotado considerar válida a cláusula dita nula, desde que ausente prejuízo ao arrendatário. Convém registrar raciocínio adotado pela Des.ª Iris Helena Medeiros Nogueira: “É bem verdade que o art. 18 do Decreto n. 59.566/66 determina seja o preço estabelecido em quantia fixa de dinheiro, podendo seu pagamento ocorrer em produtos. Mas nosso Tribunal de Justiça, considerando a modificação das características da época em que a legislação agrária foi ditada, mais os costumes de nosso Estado, onde tem sido praxe estabelecer-se o preço dos contratos em produtos da safra, dada a praticidade para ambas as partes na manutenção do valor por prescindir de atualização monetária, tem mitigado o rigor da lei, respeitando o costume sempre que não demonstrados pelo arrendatário os prejuízos decorrentes de tal formulação do preço.” (AC 70009131772, 9ª CC/TJRS, Des.ª Rel.ª Iris Helena Medeiros Nogueira, 11/08/2004, grifo nosso).
Dá a conhecer o que diz a Desembargadora que o nosso tribunal estadual dá relevância ao costume, que também é fonte material de direito, sempre que ajustados aos princípios e regras fundamentais do ordenamento, desde que prejuízo algum tenha provocado.
Nesses casos, quando o preço do arrendamento é fixado em valor correspondente a produtos ou frutos, a lógica adota pelo TJRS é de não anular o ato jurídico pelo simples anular, se prejuízo algum tenha provocado.
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça coloca-se em posição diversa. A jurisprudência da Corte orienta-se precisamente nessa linha: “É vedada a fixação do preço do arrendamento em quantidade de produtos, ao teor do art. 18 do Decreto n. 59.566/1966” (REsp. nº 566.520/RS, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior).
Também a Ementa adiante colacionada mantem firme posição de decidir pela nulidade da cláusula que fixa o arrendamento em produto:
“CIVIL E PROCESSO CIVIL. É NULA CLÁUSULA QUE FIXA O PREÇO EM CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL, EM QUANTIDADE DE PRODUTOS OU SEU EQUIVALENTE EM DINHEIRO (ART. 18, PARÁGRAFO ÚNICO DO DECRETO N.º 59.566⁄66). AUSÊNCIA DE INTERESSE PROCESSUAL QUANDO A MATÉRIA FOI DECIDIDA NO MESMO SENTIDO DO QUE PRETENDE O RECORRENTE. FUNDAMENTO SUFICIENTE NÃO IMPUGNADO, COM INCIDÊNCIA DA SÚMULA 283⁄STF. PLEITO DERENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DO CONTRATO QUE, A DESPEITO DA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS, NÃO FOI OBJETO DE DELIBERAÇÃO PELO TRIBUNAL "A QUO", NEM PODERIA SER TRATADA EM SEDE DE AÇÃO MONITÓRIA. SÚMULA 211⁄STJ.
1. Segundo deflui dos arts. 95, XI, “a”, da lei nº 4.504, de 30.11.1964 (estatuto da terra), e 18, parágrafo único, do decreto nº 59.566, de 14.11.1966, é defeso ajustar como preço do arrendamento quantidade fixa de frutos ou produtos, ou o seu equivalente em dinheiro.
2. Conforme precedentes desta corte, “a cláusula que fixa o preço do arrendamento rural em quantidades de produtos é nula."
3. Não tendo o recorrente impugnado especificamente o fundamento do tribunal de origem no sentido que a nulidade da cláusula não contamina o contrato, persistindo o débito, incide, no ponto, o enunciado da súmula 283⁄STF.
4. Falece ao recorrente interesse processual quando o tribunal julga a matéria no mesmo sentido do reclamado no recurso.
5. A renovação automática do contrato, impossível de ser discutida em sede de ação monitória, também não foi objeto de prequestionamento, mesmo após a interposição de embargos de declaração. "É inviável a apreciação da questão federal trazida no recurso especial se não houve o debate prévio no acórdão recorrido, mesmo após a interposição de embargos de declaração, a teor do enunciado 211 da súmula do STJ".
6. Não há falar em dissídio interpretativo quando os paradigmas se mostram no mesmo sentido do acórdão recorrido.
RECURSO NÃO CONHECIDO.” (REsp. 231.177-RS, 4ª Turma/STJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, 26/08/2008, grifo nosso).
Indicam as decisões do STJ que não tem validade a cláusula que fixa o preço do arrendamento rural em produtos, e que não cabem interpretações em discrepância com a lei, a pretexto de atender a praxe do campo. Nota-se que é esta a orientação do STJ, in verbis:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO SUMARÍSSIMA DE COBRANÇA DE PREÇO DE ARRENDAMENTO RURAL. CLÁUSULA QUE FIXA O PREÇO EM QUANTIDADE DE PRODUTOS. NULIDADE. DECRETO N. 59.566⁄1966, ART. 18. APURAÇÃO DO VALOR MEDIANTE LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA, POR ARBITRAMENTO.
I. É vedada a fixação do preço do arrendamento em quantidade de produtos, ao teor do art. 18 do Decreto n. 59.566⁄1966. Precedentes do STJ.
II. Afastada, por nula, a cláusula de preço, cabe a sua substituição pelo que for apurado em liquidação de sentença, por arbitramento.
III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido”. (REsp. 566.520-RS, 4ª Turma/STJ, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, grifo nosso).
Importante observar que os dois Recursos Especiais, colacionados acima, eram originários do Estado do Rio Grande do Sul, e se opõem às decisões adotados pelo Tribunal de Justiça do RS, que reconhecem a validade da fixação da cláusula que fixa o preço do arrendamento em produtos.
Perfilados com a ideologia dominante no Tribunal de Justiça do RS estão José Fernando Lutz Coelho e Vilson Ferreto, que afirmam ser a flexibilização da norma possível, devendo o julgador levar em conta também os usos e costumes, atribuindo-lhes valor normativo. Para eles o arrendatário viabiliza o investimento estimando o resultado da produção. E a partir daí tem condições de estabelecer o preço do arrendamento que guardará apenas a variação nominal do preço do produto. Enquanto que a variação do dinheiro sofre influência de fatores diversos.
Podemos afirmar, portanto, que a questão não é pacífica, comportando modos de decidir e convicções divergentes. Apesar disso, devemos considerar que o Superior Tribunal de Justiça é a última instância da Justiça brasileira para as questões infraconstitucionais. É a Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal em todo o Brasil. Dito isso, vale advertir que é nula a convenção que estabelece o preço do arrendamento em produtos ou frutos e não em quantidade fixa de dinheiro.
Em arremate, proveitoso reproduzir o que refere o Prof. Paulo Torminn Borges: “Não se pode estabelecer, como contraprestação, no arrendamento, que o arrendatário entregue ao arrendador tais e tais frutos ou produtos. […] É de sua essência que haja um preço. E que este preço seja estipulado em valor monetário, em dinheiro.” (BORGES, 1987, p.96).
Por outro lado, em relação ao pagamento do preço, da vantagem atribuída ao arrendador, não existe controvérsia. Este sim pode ser estipulado que se faça em dinheiro ou em produtos.
O art. 18 do Decreto 59.599/66 acentua que o pagamento pode ser feito em dinheiro ou quantidade de produtos ou frutos.
Novamente se busca apoio nas lúcidas lições do Prof. Paulo Torminn Borges: “Agora, o pagamento, que é feito mediante contrato, ele, sim, pode ser estipulado que se faça em frutos ou produtos.” (BORGES, 1987, p.96).
Entretanto, se o pagamento for em frutos ou produtos, estes devem receber preço corrente no mercado local e nunca inferior ao preço mínimo oficial.
3.3.13 Limite à remuneração do arrendamento
Cuida o inciso XII, do artigo em comento de estabelecer limite para a remuneração do arrendamento. Convém registrar que a Lei 11.443/2007 deu nova redação para este inciso, substituindo a palavra “preço” pela palavra “remuneração”. Alteração de pouco efeito prático, haja vista que o sentido da lei não foi alterado, mantendo as mesmas limitações existentes anteriormente.
Ordinariamente não pode superar o percentual de 15% (quinze por cento) do valor cadastral do imóvel, incluídas as benfeitorias que entrarem na composição do contrato. Para a doutrina pesquisada o valor cadastral é aquele constante do cadastro do INCRA. Todavia, é notório na jurisprudência considerar adequado aplicar o percentual sobre o valor real do imóvel, devidamente atualizado, com incorporações de benfeitorias e acessões (REsp. 641.222-RS, 3ª Turma, 05/08/2004). Ressaltou, ainda, o Ministro Humberto Gomes de Barros, na decisão referida, que o valor cadastral deve corresponder ao valor real econômico do imóvel, e não sobre a terra nua.
Extraordinariamente a remuneração paga pelo arrendamento pode ir até o limite de 30% (trinta por cento). Admite-se este percentual quando o arrendamento não incidir sobre a totalidade da área ocupada pelo imóvel rural, arrendamento parcial e recair apenas em glebas selecionadas para fins de exploração intensiva de alta rentabilidade.
4 Contrato de arrendamento rural escrito
Como vimos a forma escrita não é essencial ou indispensável para a existência do contrato de arrendamento rural. É o que convenciona o art. 11 do Decreto 59.566/66.
Apesar de a legislação prestigiar as formas escrita ou verbal de mesmo modo, e considerar as duas formas igualmente válidas, o legislador, sabendo da importância que a forma escrita possui para a prova do ato, convencionou que qualquer das partes contratantes pode exigir da outra a celebração do ajuste por escrito (§ 2º, art. 11 do Decreto 59.566/66).
Nesses casos, na forma escrita, as partes podem ajustar todas as estipulações que julgarem convenientes, desde que não violem o Estatuto da Terra e o Decreto regulamentador. Contudo, devem estar presentes os requisitos do art. 12 do Decreto regulamentador e os ajustes obrigatórios estabelecidos pelo art. 13, conforme apresentamos adiante.
4.1 Lugar e data da assinatura do contrato
Falamos em primeiro desta exigência que faz o art. 12 do Decreto, porque assim vêm elencados seus incisos. Todavia esta é uma das últimas informações presentes em qualquer contrato. Todos os contratos escritos devem registrar o lugar e a data de sua celebração.
4.2 Nome completo e endereço dos contratantes
Também, como todo e qualquer ajuste escrito, as partes, que convencionaram, devem ser identificadas pelo nome completo. De mesma importância o endereço de domicílio, que em muitos casos pode não corresponder ao do imóvel objeto do arrendamento.
4.3 Qualificação do arrendador e do arrendatário
Qualquer contrato escrito deverá trazer a qualificação pormenorizada das partes envolvidas, permitindo que sejam individualizadas e encontradas. Não é diferente nos contratos de arrendamento rural.
Além do nome completo e do endereço de domicílio ou sede, se pessoa jurídica, também são necessários para as pessoas físicas a nacionalidade, o estado civil, os números dos documentos, como o RG e o CPF. Tratando-se de pessoa jurídica, a espécie de pessoa, a nacionalidade, o CNPJ, o capital registrado e a data da constituição, que é seu representante, também devidamente qualificado.
4.4 Objeto do contrato
Dar a conhecer que se trata de contrato de arrendamento rural e que tipo de exploração econômica será realizado. Se exclusivamente pecuária, agricultura ou mista, pecuária e agricultura. Quando a atividade de exploração envolver a agricultura, indicar quais os tipos de plantas serão cultivados. Informar também qual a destinação do imóvel ou dos bens.
4.5 Identificação do imóvel e descrição da gleba
Outro dado importante é a identificação do imóvel, permitindo a sua particularização. Distinguindo-o dos demais imóveis rurais pelo seu número de matrícula no Cartório de Registro de Imóveis e pelo número de registro no Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA.
Definir a área total da gleba arrendada em hectares e sua localização no imóvel, com as correspondentes confrontações.
Descrever também as benfeitorias existentes, os equipamentos encontrados, as máquinas, os animais, e outros bens e facilidades com que contribua o arrendador.
4.6 Prazo e preço do arrendamento
Assuntos já comentados neste trabalho, concluindo que a inobservância das regras estabelecidas, pelo Estatuto da Terra e pelo Decreto 59.566/66, são causas de nulidade.
Nesse contexto, tanto o prazo de duração do contrato de arrendamento rural, quanto o preço, que é a retribuição pela utilização da gleba, são da essência do contrato, e não devem se afastar da regulamentação legal imposta pelos diplomas aludidos.
4.7 Cláusulas obrigatórias
O inciso IX do art. 13 do Decreto regulamentador aponta para a obrigatoriedade de cláusulas contratuais que descrevam as medidas de conservação ambiental da gleba arrendada e as medidas de proteção socioeconômicas do arrendatário.
A propósito da proteção da matriz de onde emerge a produção, Paulo Torminn Borges acrescenta que: “[…] É preocupação, aliás, que está dentro da órbita do Estado, pois a este compete estar vigilante para o direito de propriedade, embora legítimo, não se exceda ou se exercite de maneira ilegítima. […]” (BORGES, 1987, p. 87).
Na prática, julgamos que a ausência de cláusulas contratuais, que convencionem as medidas de proteção aos recursos naturais, ou que indiquem as condutas de amparo social e econômico do arrendatário, não implica em nulidade do contrato. Reputamos que tanto a proteção da pessoa do arrendatário, quanto o desenvolvimento agrícola e pastoril sustentável, são princípios cogentes, de aplicação obrigatória, e atualmente recebem a proteção e a tutela constitucional; portanto, aparentam inócuas as suas estipulações no contrato.
Ainda assim, deve ser observado que estabelecer estas cláusulas contratuais agrega segurança aos contratantes. Um contrato de arrendamento rural que não prevê a conservação dos recursos naturais pelo arrendatário, pode, em uma eventual fiscalização ambiental, gerar uma multa ao arrendador, já que nessa situação quem responde pela correta utilização, e conservação dos recursos naturais é o proprietário.
Pertinente registrar, ainda, que, embora não exista previsão no regramento dos contratos de arrendamento rural estabelecido pelo Estatuto da Terra, temos que o contrato deve conter cláusula que estabeleça índices satisfatórios de produtividade, de acordo com a região de localização da gleba. Desse modo, evita que a propriedade rural seja considerada improdutiva, e, portanto, suscetível de desapropriação para a utilização na reforma agrária.
5 Meios de prova para a comprovação da avença.
Como já mencionamos o legislador propositadamente facilitou a liberdade de formas de contratar. Desse modo, o contrato de arrendamento rural reputa-se perfeito com o simples acerto de vontades, tanto de forma escrita como verbal, e até mesmo tácita.
Tratando-se de contrato de arrendamento rural elaborado na forma escrita é tranquila a comprovação da avença, já que o contrato faz prova documental indubitável quanto às disposições do acordo.
Por outro lado, de acordo com o art. 92, § 8º do Estatuto da Terra, aos contratos verbais ou tácitos, é admitida a prova exclusivamente testemunhal, como meio de comprovação de sua existência, independentemente do valor alcançado.
Observa-se que se trata de hipótese extraordinária, haja vista que, aos contratos de natureza civil, a prova testemunhal somente será admitida se o preço contratado não ultrapassar o valor do décuplo do salário mínimo vigente ao tempo em que foi celebrado, consoante dispõe o art. 401 do CPC.
Surge daí outra questão relevante. Saber definir, em um eventual litígio, se o contrato em questão é agrário, e regulado pelo Estatuto da Terra e Decreto 59.566/66, ou de natureza civil, e submetido ao regramento ordinário civil.
Temos que não se pode levar em consideração apenas o fator localização, pois é possível que se tenha um contrato de locação em uma área rural, ou um contrato agrário em uma área urbanizada.
Parece-nos que o fator determinante para a caracterização do contrato agrário é o seu propósito. É fundamental que se demonstre que a essência daquele contrato é a atividade agrária. Portanto, cabe ao operador do direito identificar claramente a finalidade do ajuste, que, associado a fatores como a localização, determinará se o contrato tem natureza agrária ou se trata de simples relação de direito civil.
6 Despejo nos contratos de arrendamento rural
O art. 32 do Decreto 59.566/66, em relação restritiva, elenca as situações em que o despejo do arrendatário é admitido. Observa-se que o texto legal é taxativo, e não admite interpretação extensiva.
Inicialmente temos a posse injusta do arrendatário, que se pode se dar pelo término do prazo contratual ou de sua renovação. Neste caso, a condição legal a ser considerada é a notificação do arrendatário, 6 meses antes do término do contrato. Já se disse que, inexistindo a intimação, se presume automaticamente prorrogado o contrato de arrendamento rural.
Ocorre a falta grave se o arrendatário subarrendar, ceder ou emprestar o imóvel rural, no todo ou em parte, sem o prévio ou expresso consentimento do arrendador. O art. 95, VI do Estatuto da Terra, veda que o arrendatário subarrende, sem o consentimento do arrendador, total ou parcialmente, o imóvel arrendado. Diz Antônio Luiz Ribeiro Machado que nestes casos “a ação de despejo independe de prévia notificação por se tratar de infração grave” (MACHADO, 1971, p.51).
O arrendador também pode interpor a ação de despejo se o arrendatário não pagar o aluguel ou renda no prazo convencionado. O pagamento do preço do arrendamento deve ser realizado no dia e local estabelecidos no contrato. De outro modo, o arrendatário incorrerá em mora e poderá sofrer a ação de despejo promovida pelo arrendador.
Outra situação prevista diz respeito ao dano causado à gleba arrendada ou às colheitas, provado o dolo ou a culpa do arrendatário. Observa-se que, para invocar esta causa como justificativa para propor a ação de despejo, o demandante, necessariamente, deve comprovar que o procedimento do arrendatário foi culposo ou o doloso.
Também é possível o despejo se o arrendatário mudar a destinação do imóvel ou pelo abandono total ou parcial do cultivo. Ambos os casos tratam da transgressão ou violação de cláusulas contratuais.
Ainda temos a hipótese de inobservância das normas obrigatórias fixadas no art. 13 deste Regulamento. Tais normas asseguram a conservação dos recursos naturais e garantem proteção social e econômica ao arrendatário. Logo, por se tratar dos casos em que a lei permite o despejo do arrendatário, temos que a regra autoriza o despejo do arrendatário em casos comprovados de severa agressão ou descuido com o ambiente natural.
Por fim temos, respectivamente, nos casos de pedido de retomada, permitidos e previstos em lei e neste Regulamento, comprovada em juízo a sinceridade do pedido, circunstância sem necessidade de comentários; e se o arrendatário infringir obrigação legal, ou cometer infração grave de obrigação contratual. Aqui a lei presume, além da violação de cláusulas pactuadas no contrato, também àquelas obrigações legais inerentes ao contrato, ainda que este as omita.
7 Rito processual das ações de arrendamento rural
De modo preliminar julga-se necessário por em relevo que o rito processual dos litígios judiciais entre arrendador e arrendatário, é instituído pelo art. 86 do Decreto 59.566/66. Tal dispositivo legal estabelece que essas lides obedecerão ao procedimento sumário, previsto no art. 685 do Código de Processo Civil daquela época.
Quis o legislador que o rito processual utilizado, nessas demandas, apresentasse forma mais simplificada e concentração de atos.
O propósito não foi privilegiar o hipotético hipossuficiente econômico, mas sim tornar real o princípio da igualdade jurídica, que consiste em tratar desigualmente os desiguais.
A opção pelo rito processual sumário pretende economizar forças do suposto mais fraco economicamente.
Sendo procedimento que encurta a duração do processo judicial e também reduz o dispêndio econômico, consequentemente torna a realização do direito mais certa e imediata, além de facilitar a solução dos conflitos.
Convém mencionar que na época da edição do Decreto 59.566/66, vigorava o Código de Processo Civil de 1939.
No atual Código de Processo Civil, de 1973, o procedimento sumário está regrado pelo art. 275 e seguintes, até o art. 281. É rito processual destinado à composição de litígios de menor complexidade discursiva, e também, para as causas de menor conteúdo econômico.
Nesse passo, o pré-citado artigo, em harmonia com o Decreto 59.566/66, preceitua que as demandas judiciais, qualquer que seja o valor da causa, que envolvam conflitos de interesse havidos entre os pactuantes do arrendamento rural, poderão adotar a forma disposta no procedimento sumário.
Contudo, ainda que o art. 275, inciso II, alínea a, do CPC, determine que se aplique o rito sumário nos casos de arrendamento rural e opiniões de autoridades, como por exemplo, Humberto Theodoro Junior que afirma que “Não pode o autor nem mesmo com o assentimento do réu, substituir o procedimento sumário pelo ordinário naqueles casos em que a lei manda observar o primeiro.” (THEODORO JUNIOR, 1977, p.342), ou como Cândido Rangel Dinamarco que sustenta que as normas processuais têm características cogentes e que o Estado quer que seus juízes exerçam a jurisdição pelos modos que ele indica na lei e não como preferirem os particulares (DINAMARCO, 2009, p. 345), em sentido contrário a jurisprudência atual converge, harmoniosamente, para considerar possível a adoção do rito ordinário nestas demandas judiciais.
A propósito importa registrar o ensinamento de José Carlos Barbosa Moreira: “Cumpre reconhecer, aliás, que a prática judiciária tem condescendido com certa largueza na utilização do procedimento ordinário em vez do sumário, sobretudo à vista da circunstância de que este, por diversas razões, nem sempre assegura de ‘fato’ o julgamento mais rápido da causa.” (Moreira, 2012, p.103).
O exposto deflui que as partes podem exercer o direito de opção entre os ritos processuais sumário e ordinário, não sendo de considerar nulo o processamento de ação judicial, originária de litígio decorrente de contrato de arrendamento rural, pelo rito ordinário.
Considera-se que compete aquele litigante insatisfeito com a adoção do rito ordinário naquelas ações que demandam sobre contratos de arrendamento rural, opor irresignação na primeira oportunidade que falarem nos autos. De outro modo fica evidenciada a aceitação tácita do rito elegido pela parte adversa.
Igualmente, reputa-se importante frizar que esta liberdade de escolha sobre o rito processual adotado, não pode prejudicar o contraditório e a ampla defesa.
Por fim, é de observar que uma novidade normativa se avizinha. Em março de 2016, entrada em a vigência a Lei 13.105/2015, novo Código de Processo Civil, que adota um único procedimento comum, e aplicável a todas as causas, salvo aos procedimentos especiais e ao processo de execução (art. 318), simplificando o rito processual.
“LEI 13.105/205.
Art. 318. Aplica-se a todas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrário deste Código ou de lei.
Parágrafo único. O procedimento comum aplica-se subsidiariamente aos demais procedimentos especiais e ao processo de execução”.
Desse modo, superada estará a questão relativa ao rito processual adotado pelas ações judiciais que envolvam demandas decorrentes de contratos de arrendamento rural, haja vista que o novo Código de Processo Civil prevê a adoção de rito processual único, sem a atual distinção procedimento sumário e ordinário.
Conclusão
No decorrer deste trabalho constatou-se que tanto o Estatuto da Terra quanto o Decreto 59.566/66 estão repletos de princípios de uso obrigatório e cogentes e que se ocupam da proteção do homem do campo e dos recursos naturais. Ambos representaram grande avanço na legislação brasileira da época, tanto pelas normas de cunho social que passaram a reger o tema, como pela estruturação de um instrumento político de modernização rural.
Pode-se afirmar que foram normas inovadoras para a época, quando nas avenças vigorava a supremacia da vontade e o individualismo exagerado, marcadamente presentes no Código Civil de 1916.
Princípios como o da função social da propriedade, amplamente albergado pela Constituição Federal de 1988, que significa a prevalência do proveito coletivo em detrimento do meramente individual, já era condição de acesso à propriedade da terra prevista pelo Estatuto da Terra.
E foi com este espírito vanguardeiro que a legislação regulamentadora tratou os contratos de arrendamento rural. Tanto o Estatuto da Terra quanto o Decreto regulamentador trazem dispositivos de caráter protetivo e publicista, como a proteção social e econômica do arrendatário, a informalidade na elaboração dos contratos, os prazos mínimos, a obrigatoriedade de conservar os recursos naturais, etc. Fez com que as normas, que regem os contratos de arrendamento rural, sejam obrigatórias, imperativas e irrenunciáveis.
Da investigação realizada conclui-se que qualquer disposição contratual, que entre em conflito com a legislação pertinente aos contratos de arrendamento rural, é nula ou suscetível de anulação, haja vista que se trata de normas de ordem pública.
Finalizando esta exposição faz-se necessário registrar que o contrato de arrendamento rural é um contrato muito comum no Brasil, principalmente em nossa região, que orbita em torno do agronegócio, sendo possível considerá-lo como vetor de mobilização da riqueza. Daí se infere que sua elaboração requer atenção detalhada à regulamentação em vigência, precavendo eventuais prejuízos aos contratantes.
Bacharel em Direito pela Universidade da Região da Campanha, advogado, pós-graduando em Direito de Família e Sucessões pelo Centro Educacional Damásio de Jesus, procurador jurídico do Município de Candiota/RS
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