Resumo: O objetivo primordial desta monografia é demonstrar que um ato administrativo discricionário praticado no bojo de uma permissão de uso de bem público e que extrapole os ditames descritos pelo ordenamento jurídico, está sujeito ao controle externo pelo poder judiciário, tanto no aspecto da legalidade, quanto no aspecto do mérito do ato. Os elementos norteadores da discricionariedade que garantem ao administrador público a prerrogativa de decidir diante da possibilidade de várias condutas a que melhor atinja a finalidade social, segundo os critérios de oportunidade e conveniência é conferida por lei e não está em hipótese nenhuma imune ao Poder Judicial, pois os princípios constitucionais que regem a Administração Pública corroboram com este controle, visto que é no mérito do ato que as transgressões são perpetradas com maior facilidade e seu controle se torna mais difícil, o que justificaria, portanto, maior amplitude do controle jurisdicional, para adequar toda e qualquer conduta administrativa desvirtuada do preceito normativo, sem que tal exame, invada a área de competência do Poder Executivo e tampouco, viole o princípio constitucional de independência e harmonia entre os poderes da união.[1]
Palavras-chave: Discricionariedade; permissão de uso; limites; controle jurisdicional; princípios.
Sumário: 1. Introdução. 2. Discricionariedade administrativa. 2.1. Distinções entre atos vinculados e atos discricionários. 2.2. Justificações da discricionariedade no âmbito administrativo. 2.3. Discricionariedade não é arbitrariedade. 2.4. Discricionariedade nos conceitos jurídicos indeterminados. 3. Permissão de uso de bem público. 3.1. Natureza jurídica da permissão de uso. 3.2. A discricionariedade no aspecto da precariedade da permissão de uso do bem público. 3.3. Do ato revogatório da permissão de uso. 4. Discricionariedade e controle jurisdicional. 4.1. Do controle da administração pública 4.1.1 Espécies de controle da administração pública. 4.2. Do controle administrativo 4.2.1 Meios de controle administrativo. 4.3. Do controle legislativo. 4.4. Do controle jurisdicional da discricionariedade face aos princípios administrativos. 4.4.1. Princípios da administração pública. 4.4.1.1. Princípio da legalidade. 4.4.1. Princípio da moralidade. 4.4.1.3. Princípio da razoabilidade e proporcionalidade. 4.4.2. Limites ao controle jurisdicional quanto ao aspecto da legalidade e mérito do ato administrativo. 4.5. Controle jurisdicional da discricionariedade na permissão de uso de bem público. 4.5.1. Revogação ilegal da permissão de uso e o direito do permissionário a indenização. 5. Conclusões. Referências bibliográficas.
“É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, mas não têm a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, ao final da jornada na terra, não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se ante Ele por terem simplesmente passado pela vida”. (Robert Nesta Marley)
1. INTRODUÇÃO
Não muito raro, o nosso país é assolado com inúmeras denúncias de corrupções, e favorecimentos praticadas pelo administrador público no exercício de suas funções, pois um poder que é conferido a Administração para auxiliar no alcance de interesses públicos, se revela terreno fértil para a prática de arbitrariedades nas mãos de gestores inescrupulosos. Estamos falando da discricionariedade Administrativa.
A discricionariedade administrativa é um poder conferido por lei ao administrador para que diante de um fato concreto em que existam possibilidades de vários comportamentos, seja tomada, analisando-se os critérios de oportunidade e conveniência, aquela decisão que seja mais benéfica ao interesse público, entretanto, o que vemos é a utilização desta prerrogativa para expedição de atos administrativos sem nenhum interesse social, com a finalidade precípua de satisfazer interesses pessoais, de terceiros, de grupos políticos ou econômicos e, por conseguinte, vindo a ferir direitos tanto coletivo como individuais.
Dentre os exemplos possíveis da má utilização do poder discricionário, podemos citar: compras superfaturadas e licitações com vencedor predefinido, no entanto, existe um instituto denominado de permissão de uso de bem público onde a administração transfere a exclusividade do uso do patrimônio público a um particular, que possui como característica peculiar a natureza precária e seu deferimento é determinado analisando-se a conveniência e oportunidade do administrador, facilitando e muito a pratica de arbitrariedades no bojo do ato.
O poder seduz as pessoas, e isto é fato! Basta apenas nos ater ao celebre ditado que diz “quer conhecer uma pessoa? Dê poder a ela!”. Ademais, a possível facilidade dada ao administrador pelo poder discricionário, pode corromper mesmo aqueles que primam pela honestidade, por isso, uma chancela jurisdicional deve estar sempre imperativa para combater tais percalços.
Desta forma, observamos que o poder discricionário conferido a administração é exorbitado a todo o momento, ultrapassando os limites impostos por lei e principalmente se afastando dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, expresso no art. 37 da Carta Magna de 1988, resultando em atos totalmente ilegais ou pior, em medidas que possuam seu arcabouço alicerçado na lei e seu conteúdo totalmente ilegal, o que dificulta ainda mais a possibilidade de coibição deste tipo de arbitrariedade.
Assim, faz-se necessário identificarmos quando essa margem de liberdade que é conferida a administração para permitir o uso de um bem público se torna arbitrária, descaracterizando a sua real função, e prejudicando a sociedade. Trabalho nada fácil, haja vista que não existe uma linha tênue que separe a discricionariedade do abuso de poder, o que notadamente e amiúde facilita o desvirtuamento dessa prerrogativa, igualmente, devemos por menor coligar a arbitrariedade, para que os lesados possam se socorrer da tutela jurisdicional, pois o poder discricionário não é ilimitado e nem absoluto.
Nesse sentido, o controle jurisdicional da discricionariedade administrativa é tema bastante debatido pelos doutrinadores, pois qualquer decisão tomada pela administração no exercício de suas funções deve ser constantemente questionada num Estado democrático de Direito
Surge então a seguinte problemática: qual o alcance do controle jurisdicional dos atos administrativos proferidos no exercício do poder discricionário para o deferimento de uma permissão de uso que se revele ilegal?
Certo que fórmulas mágicas para tentarmos identificar e combater a arbitrariedade não existe, contudo, temos que ter pelo menos, uma noção para identificarmos o limite da legalidade e do abuso de poder.
Nesta árdua tarefa na busca de ilegalidades perpetradas pela Administração, muitos doutrinadores e alguns Magistrados são peremptórios ao afirmar a impossibilidade do exame do mérito do ato administrativo discricionário pelo Poder Judiciário, admitindo, apenas, a possibilidade de verificação da legalidade sob o aspecto formal do ato, alegando como justificativa, que tal apreciação do Judiciário no que tange ao aspecto discricionário, invadiria a seara de decisões do administrador público e, por conseguinte, haveria uma usurpação de um poder sobre o outro, ferindo assim, o principio constitucional de independência e harmonia entre os Poderes da União.
Neste diapasão, discordamos inteiramente deste pensamento, a nosso ver, retrogrado baseado numa interpretação política e principalmente positivista do sistema normativo, quando na verdade, deveríamos nos ater aos princípios constitucionais que zelam pela legalidade, moralidade e razoabilidade dos atos administrativos, sem que ocasione a ingerência entre os dos três poderes.
Em razão disto, a presente monografia, tem como objetivo fundamental, propor e demonstrar, como hipótese da problemática suscitada, que o controle jurisdicional da atividade discricionária administrativa dentro de uma permissão de uso é possível em todos os aspectos (legalidade e mérito), analisando a conveniência, oportunidade, finalidade e motivos do ato, visto que os princípios constitucionais, principalmente o da moralidade administrativa, imploram todas as medidas possíveis para se coibir e cessar possíveis arbitrariedades, sem que isto implique, em afronta ao princípio da separação dos poderes.
Para tanto, buscaremos ao logo do nosso estudo, fundamentos que sustentem a possibilidade do controle jurisdicional “latu sensu” dos atos administrativos, baseando-se nos princípios constitucionais e alertando que o poder discricionário conferido ao administrador, deve respeitar os ditames legais delineados não só pela regras, mas também, pelos princípios que conduzem o regime administrativo pátrio.
Diante da atual conjetura político social do Brasil, faz-se crucial o estudo sobre o controle jurisdicional e a discricionariedade, principalmente no que tange a permissão administrativa de uso, em virtude do forte preconceito, de cunho positivista, alicerçado na falsa idéia que tal controle, na amplitude que é requerida, mitigaria o princípio da separação dos poderes.
No mais, nossa intenção neste trabalho é tentar se aprofundar sobre a questão do poder discricionário no momento do deferimento da permissão administrativa, e alertar para as possíveis arbitrariedades que possam ocorrer no decorrer da permissão, para então, combatê-las, visto que, muitas vezes o particular é prejudicado por atos arbitrários ditos discricionários.
Entender o excesso do poder discricionário e principalmente saber utilizar os mecanismos hábeis para exterminar tais atos é de suma importância social, pois conscientizará os cidadãos brasileiros sobre os direitos que a Constituição Federal lhes assegura, para que possam combater com veemência qualquer ilegalidade cometida pela Administração Pública.
2 DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRAIVA
2.1 DISTINÇÕES ENTRE ATOS VINCULADOS E ATOS DISCRICIONÁRIOS
Todos os comandos necessários para a Administração pública exercer suas funções no organismo estatal, se faz através de atos, que a doutrina costuma dividir em categorias interna denominada de: atos legislativos, atos judiciais e atos administrativos.
A Administração pública realiza sua função executiva por meio de atos jurídicos que recebem a denominação especial de atos administrativos[2]. Assim, é através dos atos administrativos que o poder público disciplina seus órgãos e agentes, com intuito de determinar o que deve ser feito para alcançar o bem estar social.
Alguns autores sem propõe a definir o que seja ato administrativo, e na lição de Hely Lopes Meirelles[3], “é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direito, ou impor obrigações aos administrados ou a sim própria”.
No mesmo sentido, trazemos às palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[4], que defini o ato administrativo como “a declaração do Estado ou de quem o represente, que produz efeitos jurídicos imediatos, com observância da lei, sob regime jurídico de direito público e sujeita a controle pelo Poder Judiciário”.
A prática desses atos que abarcam a Administração Pública é limitada pela lei e somente por ela pode ser estendida, obstacularizando desta forma o abuso de poder, que no dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo, “enquanto o particular pode fazer tudo àquilo que não lhe é proibido, estando em vigor o princípio geral da liberdade, a Administração só pode fazer o que lhe é permitido[5]”. Portanto, resta clarividente que o poder administrativo surge da lei, e deste será sempre dependente.
Para que o administrador público no exercício de suas funções alcance as finalidades legais, deve-se utilizar o poder que é posto ao seu alcance, sem, contudo, extrapolar os limites traçados pela lei, sob pena de ilegalidade do ato.
“Assim, o administrador público pode ser classificado como alguém responsável pela gestão do interesse coletivo, tendo o dever de agir em prol da coletividade, quer dizer, sempre voltado às finalidades legais. Ocorre que, para alcance dessas finalidades, indispensável é que seja atribuído poder àquele administrador público, cuja razão de existir é propiciar-lhe a realização dos fins legais”.[6]
Ocorre que, dependendo da atividade a ser exercida pela Administração, a lei pode determinar o tipo de limitação, visando sempre o bom funcionamento da máquina estatal.
Por conveniência do serviço público e obediência ao princípio da isonomia, o legislador decidiu adrede vincular determinados fatos à imediata disciplina legal, afastando de pronto, a ingerência da Administração com relação ao mérito do assunto. Por outro lado, existem atos que não estão atrelados à simples execução, exigindo um juízo valorativo por parte do agente encarregado de praticá-lo, de modo que ele selecionará a forma de execução, ou mesmo, se abster de fazê-lo. Temos os chamados atos vinculados e atos discricionários respectivamente.[7]
Portanto, há vinculação no ato administrativo quando a lei diz expressamente qual será o comportamento da Administração perante o caso concreto, devendo se utilizar obrigatoriamente deste comportamento, ou seja, a atuação estatal estará vinculada à norma e o administrador restrito ao comando normativo, devendo praticá-los nos ditames legais, sem poder dispor do que lhes é determinado.
“[…] o ato vinculado está literalmente engessado nos moldes da lei. Aqui não remanesce o mínimo de apreciação quanto à conveniência e à oportunidade. O juízo valorativo é suplantado pelo comando cogente da ordem positiva. Vale dizer: dês que surja determinada situação, sendo esta prevista e inteiramente regulada na lei, haverá o administrador de resolvê-la em estrita consonância com os dispositivos legais. Defeso lhe é, portanto, aquilatar os motivos, medir as conseqüências e perquirir efeitos da pratica do ato, uma vez que está ele jungido aos ditames da lei”.[8]
Interessante é o posicionamento de Antônio Telles, ressaltado que:
“O ato vinculado, portanto, não deixa qualquer alternativa à Administração Pública, senão a de praticá-lo exatamente, conforme preceitua a lei, decorrendo, ademais, desta conduta, direitos, em certos casos, aos particulares deles destinatários. Conclui ainda o mesmo autor frisando que desta forma, a atuação do Poder Público restringe-se, através da atuação de seus agentes, ao estrito cumprimento daquilo que se contém no interior dos contornos da lei”.[9]
Outrossim, Odete Medauar Frisa com eloqüência que:
“Há poder vinculado, também denominado competência vinculada quando a autoridade, ante determinada circunstância, é obrigada a tomar decisão determinada, pois sua conduta é ditada previamente pela norma jurídica. O ordenamento confere ao administrador um poder de decisão, mas predetermina as situações e condições, canalizando-o a uma só direção. Por isso, na doutrina se diz que há matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da Administração ao bloco de juridicidade é máximo. Se houver uma só solução, como conseqüência da aplicação de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado”.[10]
Observa-se que na prática de um ato vinculado, a lei estabelece a única forma possível de comportamento a ser praticado, haja vista que o legislador acredita veemente que aquela conduta é a mais correta para aquele descrito caso. “Desta forma, quando a lei estabelece um único comportamento diante da ocorrência da situação por ela prescrita, significa que aquele comportamento apontado, a princípio, será o único caminho a atingir satisfatoriamente a finalidade da norma”.[11]
Destarte, apesar da lei determinar o procedimento a ser adotado pelo administrador, e alcançar eficazmente o interesse público em determinados casos, como bem previu o legislador, pode ocorrer, por algum motivo, que o comportamento expresso em lei comprometa de forma negativa o objetivo que lhe foi designado, visto que a Administração não pode prevê todas as soluções aos crescentes problemas que emergem da sociedade. Por isso, é dado ao administrador certa margem de liberdade para que diante do caso concreto, escolha dentre os comportamentos possíveis, aquele que melhor atinja a finalidade legal, é o chamado de ato discricionário.
Antes de definirmos o que sejam atos discricionários, é bom frisar que não é o ato em si que possui natureza discricionária, mas, tão somente, a sua prática que está adstrita ao poder discricionário conferido por lei, portanto, quando nos reportarmos aos atos discricionários, na verdade estamos dizendo que existem atos que são praticados dentro do poder discricionário.
Nesse sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, esclarece tal distinção:
“Uma das grandes distinções que se faz entre os atos administrativos e a qual se atribui o maior relevo, com justa razão, é a que os separa em atos vinculados e “discricionários”. Em rigor, estes últimos só se nominariam adequadamente como “atos praticados no exercício de competência discricionária”. Com efeito, a dicção “ato discricionário”, só pode ser tolerada como uma forma elíptica de dizer “ato praticado no exercício de competência ensejadora de certa discrição” e, mesmo assim, cumpre advertir que a impropriedade da nomenclatura corrente (que leva à oposição ato discricionário/ato vinculado) é causa de inúmeros e graves equívocos jurídicos”.[12]
Após tecermos os esclarecimentos alhures, podemos finalmente definir o que sejam atos discricionários, que na concepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro “a atuação é discricionária quando a Administração, diante do caso concreto, tem a possibilidade de apreciá-lo segundo critérios de oportunidade e conveniência e escolher uma dentre duas ou mais soluções, todas válidas para o direito”.[13]
Com o mesmo entendimento, Cretella Júnior, salienta:
“a discricionariedade consiste na possibilidade de a autoridade selecionar dentre as várias hipóteses que a norma oferece a que melhor traduza, em dado momento, a vontade da Administração, orientada para o interesse público. Obviamente que a escolha de uma dentre as possibilidades conferidas por lei deverá obedecer a critérios de conveniência, oportunidade e justiça quando da ocorrência do caso concreto”.[14]
Assim, ciente da diversidade das situações concretas que acarretam a variedade de soluções – algumas delas adequadas para alguns casos e outras adequadas a outros casos – a lei incumbe ao agente administrativo valorar a respeito de qual decisão adotar para conseguir dar satisfação ao interesse previsto na lei, ou seja, confere discricionariedade na estática da norma.[15]
Portanto, diante de um fato concreto e utilizando-se do poder discricionário, a Administração pública tem a obrigação de escolher dentre os diversos comportamentos possíveis o que melhor atinja a finalidade e interesse público. Cumpre salientar desde logo, que o poder discricionário não é ilimitado nem absoluto, evitando que os governantes se aproveitem desta autorização e pratiquem arbitrariedades que visam objetivos próprios e não os da sociedade.
Bastante interessante é o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, quando fala que:
“Na ciência do Direito Administrativo, quer-se articular de forma errônea e até contraditória os institutos do direito administrativo, em torno da idéia de poder quando deveriam articulá-los em torno da idéia de dever de comportamentos a ser cumpridos. Não é o poder discricionário e sim o dever que impulsiona toda a lógica do direito administrativo. Assim o que a lei traz em seu bojo é um dever que indica a finalidade a ser cumprida pelos agentes públicos. Tendo conhecimento desses fatos, ou seja, da obrigatória submissão da Administração pública as leis, e, portanto observando por este ângulo, chega-se a conclusão que o dito poder discricionário nada mais é, do que, o dever da Administração de atingir as finalidades impostas pela lei. Somente desta forma que se poderá entender o real contorno e dimensão, entendendo o que há na verdade é um dever discricionário e não um poder, haja vista que os poderes são ferramentas coercitivas para obrigar alguém a cumprir seu dever o que evidentemente não se cogita na Administração. O que se pretende é demonstrar que a noção de discricionariedade enfatizada com a noção de poder está equivocada, precisando urgentemente reciclar a idéia de discricionariedade, para adequá-la ao próprio direito positivo de um Estado democrático”.[16]
É notório que a razão de existir da Administração pública é o preceito de que a mesma deve exercer suas funções em detrimento do que é permitido expressamente por lei. Sendo assim, como pode ser cumprida a lei, se no exercício da mesma é dado ao administrador certa liberdade para seu cumprimento nas situações em que exista a discricionariedade?
Para responder a tal questionamento, cumpre-nos analisar o entendimento de Laun, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, no que se referi a problemática de se distinguir com precisão o poder discricionário e o poder vinculado da Administração.
“Sua teoria deixa de lado a idéia de opor direitos subjetivos individuais ao poder discricionário da Administração; ele parte da idéia de que nem sempre a lei resolve claramente quando se está diante de um poder discricionário ou de um direito subjetivo. Para ele, o problema da discricionariedade ou vinculação deve colocar-se de outro modo. Partindo da idéia de que o estado deve perseguir determinados fins, ele considera que alguns são mediatos, diretos, definidos pela Própria Constituição, enquanto outros são próximos e imediatos: desses alguns são fixados pelo legislador e outros são deixados para livre determinação pelos órgãos subordinados (administrativos e judiciais). Na primeira hipótese, o poder é vinculado e, na segunda, é discricionário”.[17]
Portanto, o pensamento de Laun, tem como alicerce a Constituição Federal, onde traz em seu bojo os objetivos cruciais para se construir uma sociedade justa e igualitária, por outro lado, como em certos casos a Carta Magna não atenderá de forma eficaz as necessidades sociais, é dado ao administrador a prerrogativa de escolher a conduta que melhor atinja a finalidade da norma, haja vista que inúmeras dessas condutas não se encontram na Lei Maior, sendo o agente público uma extensão da norma a fim de atingir o objetivo comum.
Nesse diapasão, constatamos que o poder discricionário só não existiria, caso a lei pudesse trazer em seu conteúdo todas as situações de fato possíveis de acontecer com os respectivos comportamentos que a Administração deveria seguir. Entretanto sabemos que isto é impossível, pois a sociedade está em constante mutação e as normas não evoluem de forma tão rápido como aquela.
Em sendo assim, em casos ditos excepcionais em que as normas não ditam expressamente as situações de fato (descrevendo-a apenas com expressões que possuem conceitos vagos e imprecisos, tais como “situação urgente”, “notável saber”), é que a lei deferi ao administrador uma carga de subjetividade no comando da norma. Em ditas situações, o administrador analisará subjetivamente quais as condutas possíveis e a que melhor satisfaça o interesse público, exercendo desta forma a correta aplicação do poder discricionário.
2.2 JUSTIFICAÇÕES DA DISCRICIONARIEDADE NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO
As regras que regem um Estado Democrático são normas previamente estabelecidas pelo Poder Legislativo, onde a Administração não poderá fazer ou deixar de fazer senão em virtude da lei, sendo assim, como entender que esta mesma lei em determinados casos, conceda um poder discricionário autorizando o agente público escolher dentre os possíveis comportamentos aquele que melhor atenda ao interesse público?
Inúmeros doutrinadores fundamentam a discricionariedade administrativa por diferentes ângulos, assim, propusemos justificar a existência do poder discricionário sob três aspectos: a) impossibilidade material da previsão legislativa; b) impossibilidade lógica e c) impossibilidade jurídica.[18]
A impossibilidade material da previsão legislativa é explicada por Celso Antonio Bandeira de Mello, onde ressalta a impraticabilidade de “o legislador prever todas as situações, donde a necessidade de recorrer a fórmulas de regulação mais flexíveis, capazes, bem por isso, de abarcar amplamente os acontecimentos sociais, dimanando daí, a zona de liberdade que assiste ao administrador”.[19]
No mesmo sentido, Rita Tourinho afirma que
“O administrador por estar em contato com o mundo empírico, saberá, em determinada ocasião, tomar as decisões referentes aos casos novos. Conclui a autora ressaltando que caso o legislador estipulasse, em todos os casos, uma vinculação radical à atividade do administrador, provavelmente casos existiriam em que sua conduta não alcançaria da forma satisfatória, a finalidade desejada”.[20]
Portanto, em relação à impossibilidade material, podemos observar que em virtude da constante dinâmica do interesse público, o legislador não tem como prever todas as gamas de situações que ocorrerão na vida social, sendo assim, a discricionariedade vislumbra como aparato para corrigir tal impossibilidade, haja vista que sem esta, o administrador teria que agir sempre vinculado aos dizeres das normas, o que fatalmente levaria ao automatismo e a carência de matérias específicas a situações emergentes. Isso sem falar, que a discricionariedade é indispensável para permitir o poder de iniciativa da Administração, necessário para atender as infinitas, complexas e sempre crescentes, necessidades coletivas.[21]
No que tange a justificativa de natureza prática, Regis Fernandes de Oliveira nos ensina:
“Que é logicamente impossível ao legislador transmitir comandos precisos e induvidosos aos administrados. E que na elaboração das normas, utiliza-se de conceitos. Conclui ainda ressaltando que todo conceito por ser conceito, tem limites. Ainda que todo ele possua um núcleo mínimo de significação e compreensão, na maior parte das vezes são vagos”.[22]
Ainda quanto à justificativa de ordem lógica, Afonso Rodrigues Queiró, alude que:
“A norma é obra de um legislador, e seria insensato negar que a este legislador é impossível, material e logicamente impossível, para muitíssimas hipóteses, transmitir ao agente mais do que ordens e enunciar os fatos com conceitos de caráter em certa medida vago e incerto, de tal maneira que o agente ao executar essas ordens e interpretar esses conceitos deve fixar-se, devendo agir em uma dentre várias interpretações possíveis deste último”.[23]
Para o referido autor, os conceitos vagos abarcam o poder discricionário conferido a Administração, pela impossibilidade do legislador precisar objetivamente a finalidade de todos os conceitos presentes nas normas jurídicas. Conclui ainda, que é logicamente necessário que, nos limites da incerteza conceitual, o agente deva fixar-se, ele próprio, numa das interpretações possíveis, e, tendo-a fixado, deva agir conseqüentemente.[24]
No entanto, acreditamos que discricionariedade e interpretação não se confundem[25], motivo pelo qual ousamos discordar de tal posicionamento.
Por seu turno, discricionariedade e interpretação não se enleiam, haja vista que a interpretação só aceita uma única conduta do agente administrativo, se opondo a discricionariedade, onde o administrador tem a prerrogativa de escolher dentre as condutas possíveis e diante do caso concreto, aquela que melhor atenda a finalidade da norma para satisfazer o interesse público.
Solidificando nosso entendimento, trazemos as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Com efeito, se cada norma contém um esquema com muitas possibilidades de execução à escolha do executor do ato, a interpretação, na realidade, corresponderia a essa atividade de opção entre várias soluções possíveis. Na realidade, na interpretação, o que cabe é extrair do próprio ordenamento jurídico o sentido verdadeiro da norma interpretada, excluída a possibilidade de mais de uma solução correta; já na discricionariedade existe o poder de escolha entre várias opções que decorrem da norma.”[26] (grifos nossos)
Além das justificativas de natureza material e lógica, temos ainda, a impossibilidade de natureza jurídica. Para embasar esta fundamentação, é utilizada a teoria da formação do Direito por degraus, de Kelsen[27] “considerando-se os vários graus pelos quais se expressa o direito, a cada ato acrescenta-se um elemento novo não previsto no anterior; esse acréscimo se faz com o uso da discricionariedade; esta existe para tornar possível o acréscimo”.
Neste sentido, sempre existirá uma norma superior (que no direito brasileiro é a Constituição Federal) e como seria impossível ao legislador vincular todas as situações que possam ocorrer na sociedade, surge à discricionariedade administrativa, com intuito de agregar elementos para que possa abarcar aquelas matérias que a lei maior não consegue, e assim, atingir a finalidade normativa, não esquecendo que todos os atos, tanto de produção como de execução, devem alicerçar-se na lei maior.
Também em relação à inviabilidade jurídica, Afonso Rodrigues Queiró[28], “afirma que há um limite para a determinação dos conceitos utilizados pelas normas, além do qual não há legislador que, enquanto tal, possa ir, sob pena de passar da abstração à individualização, da norma abstrata à ordem individualizada: quer dizer, sob pena de abandonar o objetivo do próprio Estado de Direito”.
Encampando este entendimento, Regis de Oliveira observa que diante disso:
“Impõe-se notar que, caso possível fosse o legislador descer a minúcias e, utilizando-se da cibernética, pudesse prever, na atividade legiferante, todas as ocorrências possíveis, então teríamos, pura e simplesmente, a substituição de um órgão do poder por outro, ou seja, teríamos a supressão do órgão administrativo ou executivo. Este não passaria de mero cumpridor de ordens emanadas, concretamente, do Poder Legislativo. Conclui o renomado autor: em sendo assim, ocorreria verdadeira invasão dos órgãos encarregados do exercício do poder, com a dualidade deles, perderia validade a noção tripartida, consagrada em nosso direito positivo ( art. 6º da emenda constitucional 1/69). Há, pois, impossibilidade jurídica da previsão legislativa ampla, sob pena de invasão e substituição indevida dos órgãos do poder.”[29]
A nosso ver, a justificativa da discricionariedade consiste na autorização legislativa para que diante do caso concreto e na ausência de normas precisas, o administrador possa através dos conceitos fluídos, analisar e buscar a melhor solução possível para atender a finalidade da lei, sem, contudo, se afastar dos contornos delineados pela Constituição Federal de 1988.
Importante acrescentar, que o fundamento do poder discricionário atribuído a Administração se encontra no ordenamento jurídico, seja ele constitucional ou infraconstitucional, flexibilizando assim, a atuação administrativa, para que almeje resultados satisfatórios de interesse social.
2.3 DISCRICIONARIEDADE NÃO É ARBITRARIEDADE
Administração pública possui seus contornos delineados por inúmeros princípios, que uma vez seguidos, determinarão a boa atuação estatal no cumprimento do seu dever, refletindo, portanto, a vontade popular. A importância dos princípios é tanta, que a Carta Magna de 1998, traz no seu art. 37 que a “Administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Entre estes princípios, destacamos o da legalidade, sendo aclamado como o alicerce de um Democrático Estado de Direito. Assim, o Poder Público só age em detrimento do que é previamente determinado por lei, pois as regras devem ser definidas antes do jogo e não durante o mesmo. Essas regras são editadas pelo Poder Legislativo, no intuito de fazer cumprir os deveres dos agentes público.
Celso Antônio Bandeira de Mello define a função pública no Estado Democrático de direito como “a atividade exercida no cumprimento do dever de alcançar o interesse público, mediante o uso dos poderes instrumentalmente necessários conferidos pela ordem jurídica”.[30]
Com efeito, observa-se que toda e qualquer função administrativa, é uma função subordinada à lei, devendo fazer apenas o que lhe é previamente determinado, sob pena de caracterização de excesso de poder, sujeitando-se às sanções cabíveis.
As leis são criadas com a finalidade específica de atender os interesses sociais, quer seja disciplinando, quer seja estruturando ou até mesmo sancionando. Entender de outra forma é descaracterizar o objetivo precípuo para o qual se direciona.
Destarte, se a Administração tem um objetivo emanado pelas normas no intuito de atingir uma finalidade legal, quando age contrariamente a lei, se diz que extrapolou os limites do poder que lhe são concedidos, e quando isso acontece, emerge a linha divisória entre a discricionariedade e a arbitrariedade. Se a Administração baseia-se no princípio da legalidade para praticar seus atos, quando extrapola essa prerrogativa, surge, por conseguinte, a prática do ato arbitrário, atitude totalmente contrário ao referido princípio.
Infelizmente, a prática de arbitrariedades encontra terreno fértil no poder discricionário, conferido ao agente como critério de escolha da oportunidade e conveniência sobre determinadas condutas, se aproveitando do fato de que a lei não tem o condão de determinar especificamente todas as atitudes a serem tomadas pelo administrador, se utiliza desta flexibilidade, para buscar objetivos injustificáveis, onde o faz, sob o rótulo da oportunidade e da conveniência, porém, de forma desvirtuada, sem a devida pertinência com o interesse coletivo, traduzindo-se no desvio de finalidade[31].
Cumpre salientar que este critério de escolha que é dado ao administrador público, estará sempre limitado a lei, para que não confunda discricionariedade com arbitrariedade, haja vista que são atitudes totalmente opostas e muito comuns no nosso cotidiano.
Com grande maestria, Celso Antônio explica a diferença de ambas as condutas:
“Não se confundem discricionariedade e arbitrariedade. Ao agir arbitrariamente o agente estará agredindo a ordem jurídica, pois terá se comportando fora do que lhe permite a lei. Seu ato, em conseqüência, é ilícito e por isso mesmo corrigível judicialmente. Ao agir discricionariamente o agente estará, quando a lei lhe outorgar tal faculdade (que é simultaneamente um dever), cumprindo a determinação normativa de ajuizar sobre o melhor meio de dar satisfação ao interesse público por força da indeterminação legal quanto ao comportamento adequado à satisfação do interesse público no caso concreto”.[32]
Corroborando com tal entendimento, Hely Lopes[33] retrata que “discricionariedade é liberdade de ação administrativa, dentro dos limites permitidos por lei; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, quando autorizado pelo Direito, é legal; ato arbitrário é sempre ilegítimo e invalido”.
Assim, podemos observar que o comportamento discricionário praticado pelo agente sempre surgirá da lei, tendo como alicerce o ordenamento jurídico e sendo autorizado por um comando legal, enquanto que o ato arbitrário não possui base legal, se revelando como um ato ilegal, ilegítimo, totalmente contrário a lei.
Desta forma, se observa que a arbitrariedade se encontra no plano do excesso de poder ocorrendo no momento que a autoridade, embora competente para praticar o ato, vai além do permitido e exorbita no uso de suas faculdades administrativas[34].
Este é o momento exato que a arbitrariedade se envolve no manto da discricionariedade, pois o administrador, dentro do poder discricionário que lhe é conferido, se utiliza dos contornos delineadores do interesse público, para auferir vantagens, quer seja para si, quer para terceiros, se beneficiando ou perseguindo, a depender do objetivo almejado.
“Em tal caso, a autoridade pratica um ato administrativo movido pela amizade ou inimizade, pessoal ou política, ou até em proveito próprio. Não raro está impulsionada pelo propósito de captar vantagem indevida, angariar prosélitos ou cegada por objetivos torpes de saciar sua ira contra inimigos ou adversários políticos, buscando molestá-los ou, pior ainda, vergá-los a suas conveniências”.[35]
Na mesma linha de pensamento, Celso Antonio Bandeira de Mello, repudia veemente a arbitrariedade que macula os atos administrativos, salientando que:
“Trata-se, pois, de um vício particularmente censurável, já que traduz em comportamento insidioso. A autoridade atua embuçada em pretenso interesse público, ocultando dessarte seu malicioso desígnio. Sob a máscara da legalidade, procura à esconsa, alcançar finalidade estranha a competência que possui. Em outras palavras: atua à falsa–fé. Enquanto de público o ato se apresente escorreito, na verdade possui uma outra face que se forceja por ocultar, já que é constituída de má-morte e orientada para escopos subalternos”.[36]
Esta prática de favorecimento é comum no palco nacional, não raro somos informados de inúmeras falcatruas proporcionadas pelos representantes do povo, que ao invés de exercer as funções em prol da sociedade, buscam vantagens ilícitas e favorecimento a terceiros, através da máquina administrativa.
Nesse diapasão, José dos Santos Carvalho Filho, retrata o assunto:
“A liberdade da escolha dos critérios de conveniência e oportunidade não se coaduna com a atuação fora dos limites da lei. Enquanto atua nos limites da lei, que admite a escolha segundo aqueles critérios, o agente exerce a sua função com discricionariedade, e sua conduta se caracteriza como inteiramente legítima. Ocorre que algumas vezes o agente, a pretexto de agir discricionariamente, se conduz fora dos limites da lei ou em direta ofensa a esta. Aqui comete arbitrariedade conduta ilegítima e suscetível de controle de legalidade. Conclui o renomado autor quando afirma que neste ponto se situa a linha diferencial entre ambas: não há discricionariedade contra legem”. [37]
Com bastante clareza, se demonstra que entre a finalidade da lei e o ato arbitrário existe uma distância enorme, haja vista que a autoridade almeja um objetivo ilegal que na verdade nasce com uma finalidade amparada pela norma. É como se houvesse um caminho a seguir, e em determinado trecho, existisse uma bifurcação, onde de um lado estivesse à finalidade precípua da lei, e do outro, o fim escuso focado pelo agente público e diante da bifurcação (que seria o caso concreto), este opta pelo seu interesse, ou seja, o ato se forma a luz da lei, sendo que seu conteúdo é totalmente ilegítimo.
O excesso de poder, portanto, vem à tona quando o seu conteúdo extrapola os limites impostos pela lei. Ilustrando nosso comentário, Gaparini exemplifica este ato ilegal:
“A lei prescreve que a permissão de uso de bem público só pode ser outorgada a título precário, mas o agente outorga por certo prazo. Também há esse vício quando a lei estabelece que qualquer concessão de serviço público só pode ser outorgada sem exclusividade, mas o agente público celebra o contrato de concessão com essa cláusula. Mais um exemplo: a lei permite a entrada de qualquer pessoa em dado recinto público, o ato, no entanto, veda ingresso de mulheres. Nesses exemplos ocorreu a ilegalidade conhecida por excesso de poder.”[38]
Portanto, quando o administrador ao invés de objetivar o interesse público, pratica uma conduta dita discricionária, mas, com finalidade contrária, este ato se revela carecedor de motivação e fundamentação, o que comprova a arbitrariedade contida no ato, visando apenas o capricho do administrador.
Neste contexto, Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, alerta que o agente:
“Na sua discrição não pode exceder aos limites do razoável na apreciação dos fatos que constituem o motivo do ato administrativo. Deve haver proporcionalidade entre o ato administrativo e o fato que originou. Este deve ser suficiente para justificar o aquele. Conseqüentemente, impõe examinar-se se os fatos que motivaram o ato foram devidamente observados”.[39]
Não restam dúvidas que os atos discricionários devem ser motivados, fundamentados e escolhidos de forma que atenda da melhor forma o bem comum, haja vista que se um ato é praticado sem nenhum motivo que o justifique, não resta outro entendimento, senão, que o autor do referido ato agiu de forma arbitrária, seguindo os seus próprios ditames sem, contudo, respalda-se na lei.
A motivação e fundamentação do ato surgem como divisor de águas entre a discricionariedade e a arbitrariedade, devendo o administrador ao optar por algum comportamento, fazê-lo em detrimento de um motivo plausível, como bem expressa a Constituição Federal de 1988, sob pena de nulidade[40].
Nesse sentido, valiosas são as palavras de Bartolone Fiorini que,
“Ao se referir à discricionariedade, aponta os motivos errôneos e os motivos lógicos para sua fundamentação. Os motivos errôneos são aqueles que colocam a discricionariedade como instrumento utilizado pelos governantes para realizar seu trabalho sem nenhum controle ou como forma de suprir as deficiências legislativas. Assim, a discricionariedade seria obra do acaso ou de erro, posição repudiada pelo autor. Ao tratar dos motivos lógicos, Fiorini aduz que a discricionariedade não é fruto de um esquecimento do legislador, mas, de uma faculdade conscientemente atribuída ao administrador, em benefício da gestão do interesse público, uma vez que, diante das mutações da vida social, seria impossível para o legislador prever todas as situações possíveis, nem poderia estabelecer formas perenes e imutáveis de proceder”.[41]
Outrossim, ao explanarmos sobre a motivação e fundamentação do ato discricionário como forma de obstáculo ao abuso de poder, cumpre-nos falar da discricionariedade no comando da norma diante do caso concreto, perquirindo que antigamente, no chamado “Estado de Polícia”, os poderes se concentravam nas mãos do príncipe soberano, e desta forma, praticava os atos administrativos de forma impositiva, sem a necessidade de fundamentar ou mesmo explicar aos seus súditos os motivos de suas decisões, tendo a Administração (que neste caso era o próprio príncipe), ampla liberdade para fazer o que quisesse, não havendo nesta ocasião qualquer fiscalização aos atos praticados, como bem afirma Carlos Ari Sundfeld “nesta época não se podia falar de ato administrativo, mas sim, em ato de autoridade”.[42]
Atualmente, as coisas são diferentes, “em tese”, diga-se de passagem, pois para cada ato que Administração pratique deve existir uma norma ditando os caminhos a seguir, tendo em vista que, enquanto o cidadão pode fazer tudo o que não é juridicamente proibido, a Administração pública só deve fazer ou deixar de fazer, em virtude dos ditames da lei.
“O plexo de poderes depositados em mão da Administração, ante seu caráter serviente, instrumental, não é para ser manejado em quaisquer circunstâncias, para quaisquer fins ou por quaisquer formas. Pelo contrario, é previsto como utilizável perante certas circunstâncias, para alcançar determinados fins e através de especificadas formas. Daí que existe um completo entrosamento entre os diversos aspectos denominados “elementos” ou “requisitos” ou “pressupostos” do ato administrativo”.[43]
A Administração Pública tem a função de zelar pelo interesse coletivo e o poder discricionário surge como uma ferramenta hábil para que isso ocorra sem se desvirtuar dos preceitos legais, sob pena de ver declarado pelo Poder Judiciário à nulidade do ato.
Para Hely Lopes:
“o bem comum, identificado com o interesse social ou interesse coletivo, impõe que toda atividade administrativa lhe seja endereçada. Fixa, assim, o rumo que o ato administrativo deve procurar. Se o administrador se desviar desse roteiro, praticando ato que, embora discricionário, busque outro objetivo, incidirá em ilegalidade, por desvio de poder ou de finalidade, que poderá ser reconhecido e declarado pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário”.[44]
Portanto, é dever do administrador diante da possibilidade de escolha da conduta, fazê-la à luz dos princípios que regem a Administração, devendo sempre optar pelo melhor ato a ser praticado dentre as opções estabelecidas em lei, e não qualquer deles, haja vista que deve ser escolhido o que melhor satisfaça e com absoluta precisão a finalidade da lei.
Por fim, cumpre salientar que não se deve apenas recorrer ao Judiciário quando se tratar de atos arbitrários contidos sobre o manto da discricionariedade, muito pelo contrário, deve-se pedir a guarida daquele também na hipótese dos atos vinculado, quando estes não atendam satisfatoriamente o interesse público, pois o que deve ser rechaçado não é o ato em si, mas as conseqüências que advém deles, pois, muitas vezes, com a concretização da ilegalidade, é impossível se retornar ao status quo anterior, resultando apenas em perdas e danos ao lesado, o que geralmente não compensa.
2.4 DISCRICIONARIEDADE NOS CONCEITOS JURÍDICOS INDETERMINADOS
A expressão conceitos jurídicos indeterminados, ficou consagrado na doutrina de vários países, como Espanha, Portugal, Itália, Alemanha e atualmente no Brasil.
A constante mutação é inerente a natureza das sociedades, e para acompanhar tal processo, é necessário que o poder Legislativo crie novas leis para as diversas situações que surgem a cada dia. A conseqüência disso foi que, com o aumento das quantidades de leis, adotou-se com freqüência a técnica de empregar formulas gerais, conceitos indeterminados, conceitos de valor, deixando ao executor a tarefa de determinar o sentido dos aspectos não delimitados, com precisão, pelo legislador.[45]
A grande idéia dos conceitos jurídicos paira na questão de que a Administração não tem o condão de criar leis que acompanhe o desenvolvimento social e nem de precisar com objetividade todos os vocábulos ou expressões presente nas normas jurídicas, no que concerne às condutas dos agentes públicos, por isso, ela dita preceitos vagos, na qual, a determinação para o alcance e eficácia do significado, ficará a cargo do administrador. Desta forma, almejavam os Legisladores que a crescente laboração de leis diminuísse, visto que os conceitos indeterminados poderiam abranger diversas situações.
Na tarefa de definir o que sejam os conceitos jurídicos indeterminados, Rita Tourinho nos fornece sua contribuição:
“Da mesma forma que existem conceitos jurídicos de conteúdo inequívoco, existe outros, no entanto, que possuem uma inequivocidade difícil de ser alcançada, ou seja, têm um campo amplo de significação necessitando de uma atividade interpretativa para se obter o seu real sentido, tais como: a noção de interesse público, notável saber, urgência, bons costumes, falta de probidade, ordem pública, atividade perigosa, etc. Os limites desses conceitos não são traçados com exatidão pela lei, visto que não admitem uma quantificação ou determinação rigorosa.”[46]
Nesse diapasão, José dos Santos Carvalho Filho dá a sua definição:
“São termos ou expressões contidos em normas jurídicas, que, por não terem exatidão em seu sentido, permitem que o interprete ou aplicador possam atribuir certo significado, mutável em função da valoração que se proceda diante dos pressupostos das normas. É o que sucede com as expressões do tipo “ordem pública”, “bons costumes”, “interesse público”, “segurança nacional” e outras do gênero.”[47],
Ocorre que, apesar da expressão conceitos imprecisos, não podemos interpretá-la na sua forma mais pobre, qual seja, a literal, pois seria irracional visualizar uma norma indeterminada, sem nada a expressar, outrossim, o que se mostra indeterminado é o enunciado da lei em face da impossibilidade da Administração especificar claramente a conduta que será adotada pelo administrador, sendo papel deste, agir de forma que a Administração alcance o fim almejado.
Tal é o ensinamento de Celso Antônio onde retrata:
“Que não há como esquivar-se a este dilema; ou as palavras da lei significam sempre, em qualquer caso, realmente algumas coisa, ou nada valem, nada identificam – que seria o mesmo que inexistirem. Reduzindo tudo à sua expressão última: ou há lei, ou não há lei, pois negar consistência a suas expressões é contestar-lhe a existência. [48] Conclui o referido autor esclarecendo que sendo universalmente sabido que as palavras são simples rótulos sobrepostos a objetos de pensamentos, é de meridiana obviedade que elas não possuem, em si mesma, outra densidade que não (por via indireta) a do objeto que se reportam; logo, só podem ser vagas ou imprecisas se vago ou impreciso for o conceito que recobrem, assim como só podem ser precisas se preciso for o conceito recoberto, visto que elas próprias, as palavras, nada aportam ao objeto rotulado”[49].
Na mesma linha de raciocínio, Maria Sylvia Zanella Di Pietro complementa aludindo que:
“Quando o direito administrativo estabelece normas que impõem à Administração o dever de atender ao interesse público, ao bem comum, à conveniência do serviço e outros semelhantes, está deixando as portas abertas para a flexibilidade das decisões, em função da infinita gama de situações concretas a atender, na dinâmica crescente das relações sociais que a Administração pública tem que regular e fiscalizar”[50].
Grande polêmica e críticas envolvem os conceitos legais imprecisos, existindo divergência na doutrina no que se refere à existência ou não da discricionariedade com o fito de interpretá-los. Alguns doutrinadores têm tratado a discricionariedade e os conceitos jurídicos indeterminados como uma unidade e outros preferem fazer a distinção dos institutos.
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro existem duas grandes correntes:
“A dos que entendem que eles não conferem discricionariedade a Administração, porque, diante deles, a Administração tem que fazer um trabalho de interpretação que leve à única solução válida possível; e a dos que entendem que eles podem conferir discricionariedade à Administração, desde que se trate de conceitos de valor, que impliquem a possibilidade de apreciação do interesse público, em cada caso concreto, afastada a discricionariedade diante de certos conceitos de experiência ou de conceitos técnicos, que não admitem soluções alternativas”.[51]
Em outra obra, a referida autora, comenta novamente o tema, aludindo que “o poder discricionário está precisamente nos conceitos indeterminados, que implicam apreciação subjetiva por parte de quem aplica a lei. A administração é considerada como se fosse um “perito do interesse público”; ela age como se fosse um técnico, cuja conclusão é insindicável por terceiros, inclusive pelo Poder Judiciário”.[52]
Conclui a autora se posicionando a favor da existência da discricionariedade nos conceitos vagos, salientado que “será discricionário quando a lei define o motivo utilizando noções vagas, vocábulos plurissignificativos, os chamados conceitos jurídicos indeterminados, que deixam a Administração a possibilidade de apreciação segundo critérios de oportunidade e conveniência administrativa.[53] Nessa esfera de indeterminação é que se localiza o poder discricionário da Administração.[54]
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, a norma em algumas hipóteses se apresenta com conceitos vagos e indeterminados, incumbindo à Administração no âmbito da discricionariedade que lhes é inerente, delinear o alcance e significado em detrimento de tais conceitos, para plena aplicabilidade ao caso concreto.
Destarte, apesar de a interpretação ser tarefa do administrador, a norma traz em seu bojo contornos delineadores que vão retratar a real intenção do poder público “nunca existe imprecisão absoluta, por mais vagas e fluídas que sejam as noções manipuladas pela lei. Sobretudo dentro de um sistema de normas, há sempre referenciais que permitem circunscrever o âmbito da significação das palavras vagas e reduzir-lhes a fluidez a um mínimo”.[55]
Neste plano, Mello ressalta ainda que, o poder discricionário fica, então, acantonado nas regiões em que a dúvida sobre a extensão ou sobre o alcance da vontade legal é inelimitável.[56] Sendo assim, a discricionariedade administrativa se revela como a ferramenta hábil para que a vontade estatal alcance o seu propósito de existência em prol do interesse público, nos casos em que a norma se revele imprecisa e que necessite de uma intelecção.
No mesmo sentido, José dos Santos Carvalho Filho fornece seu entendimento:
“A discricionariedade não pressupõe imprecisão de sentido, como ocorre nos conceitos jurídicos indeterminados, mas, ao contrário, espelha a situação jurídica diante da qual o administrador pode optar por uma dentre as várias condutas lícitas e possíveis. Aqui é a própria norma que, ao ser criada, oferece ao aplicador a oportunidade de fazer a subsunção do fato à hipótese normativa mediante processo de escolha, considerando necessariamente o fim a que se destina a norma. Completa orientando que não é, portanto, uma opção absolutamente livre, visto que tem como parâmetro de legitimidade o objetivo colimado pela norma”.[57]
Mais adiante, o referido autor explica a razão da existência da discricionariedade no momento de interpretar os conceitos imprecisos:
“A razão pela qual têm sido confundidos os institutos decorre da circunstância de que ambos se enquadram na atividade não vinculada da Administração, uma vez que neles a norma não exibe padrões objetivos de atuação. Mas, enquanto o conceito jurídico indeterminado situa-se no plano de previsão da norma (antecedente), porque a lei já estabelece os efeitos que devem emanar do fato correspondente ao pressuposto nela contido, a discricionariedade aloja-se na estatuição da norma (conseqüente), visto que o legislador deixa ao órgão administrativo o poder de ele mesmo configurar esses efeitos”.[58]
Com bastante eloqüência, Regis Fernandes Oliveira consegue com objetividade distinguir discricionariedade e interpretação, dando maior sustentação para a presença da discricionariedade no momento da escolha dos conceitos vagos:
“Não se pode confundir discricionariedade com interpretação. Esta apenas nos leva a uma só solução e a única possível, valendo-se de dados concretos ou objetivados. Enquanto se apura a determinação do sentido da norma se aplicar, dirigida à modificação jurídica (já agora se falando da interpretação específica da norma) que se pretende operar no mundo jurídico, está-se diante da interpretação. A partir do momento em que não se tem dados objetivos de firmeza da apuração da determinação do sentido da norma ingressa-se no campo da discricionariedade. Diante de certas posições fáticas, na presença de certos acontecimentos empíricos, não se pode, com exatidão, falar em interpretação, mas sim em discricionariedade do administrador”.[59]
Dentre os que se posicionam contrariamente a existência da discricionariedade nos conceitos imprecisos, destacamos Eduardo García de Enterría, em monografia intitulada La Lucha Contra Las Inmunidades Del Poder, aduzindo que:
“Nos conceitos jurídicos indeterminados existe somente uma unidade de solução justa na aplicação do conceito a uma situação concreta. Já na discricionariedade, existe a possibilidade de pluralidades de soluções justas possíveis, como conseqüência do seu exercício. Desta maneira, na aplicação dos conceitos jurídicos indeterminados não há um processo volitivo, como ocorre na discricionariedade, mas sim, um processo de aplicação e interpretação da lei”.[60]
Corroborando com este mesmo entendimento, Rita Tourinho[61] retratando que “em se tratando de conceitos jurídicos indeterminados, obviamente que nem sempre o processo interpretativo da norma jurídica levará a uma solução indubitável. Casos existirão em que não se chegará a uma única posição. Porém, não se pode daí afirmar-se estar diante de um caso de discricionariedade”.
Respeitando o posicionamento dos autores que se inclinam pela inexistência da discricionariedade no processo de escolha dos conceitos jurídicos indeterminados, data máxima vênia, não concordamos.
Os conceitos jurídicos indeterminados necessitam de uma avaliação subjetiva do administrador para ser aplicado ao caso concreto, e por mais que este se esforce nessa árdua tarefa, a incerteza ou dubiedade se apresentam como elementos inerentes as normas imprecisas, pelo simples fato de inexistir exatidão no seu preceito legal, suplicando inevitavelmente pela discricionariedade, para auxiliar no processo de escolha desses conceitos.
Diante disso, observamos que se somente fosse permitido se extrair uma única solução através da interpretação, acreditamos não estar diante de normas imprecisas, e sim de atos vinculados, haja vista que, a objetividade, precisão e determinação estariam presentes na norma em comento, o que dispensaria qualquer tipo de juízo valorativo, pois a conduta a ser adotada já estaria determinada pelo comando cogente da ordem positiva.
Fundamentando nosso entendimento, trazemos as palavras de Maria Sylvia Zanella Di Pietro lecionando que:
“Quando a lei usa noções imprecisas, cabe ao interprete encontrar a única solução possível, inexistindo discricionariedade, pois se trata de apreciação vinculada. Mesmo quando, em determinadas hipóteses, pode parecer que se está diante de um poder discricionário – porque a lei fixa apenas o fim e não o motivo e o objeto -, a apreciação será vinculada, porque o administrador terá que encontrar qual o meio mais apto para atingir aquela finalidade fixada na lei; as várias soluções deixadas por esta não são equivalentes, porque só uma atinge aquele objetivo, cabendo à autoridade administrativa descobri-la, por meio de um trabalho de pura interpretação.”[62]
Sendo assim, se realmente esses conceitos não necessitassem da discricionariedade para alcançar seus preceitos teleológicos, estaríamos falando de atos vinculados, pois, neste a lei direciona a uma interpretação cabível levando a uma única solução possível. Contrariamente, quando se fala em indeterminação, sempre restará uma zona de incerteza, o que naturalmente, enseja as pessoas ponderarem quanto a mais correta das decisões possíveis em relação ao fato, e é aí que se encontra a discricionariedade.
Reforçando nosso pensamento, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos contempla mais uma vez com seu posicionamento:
“Se, pela via da interpretação ou mesmo da integração de normas jurídicas (em especial, pelo recurso aos princípios gerais do direito) for possível chegar a uma única solução válida perante o direito, não haverá discricionariedade; se, após terminado o trabalho de interpretação, remanescerem duas ou mais hipóteses viáveis, a escolha far-se-á discricionariamente pela Administração e não poderá ser revista pelo Poder Judiciário”[63].
Em conclusão, na definição dos conceitos fluidos, nos posicionamos pela margem de discricionariedade por parte da Administração, sempre que houver dúvidas sobre o alcance das expressões ou vocábulos existente nas normas, objetivando interpretar possíveis ambigüidades com razoabilidade, caso contrário, caberá ao Poder Judiciário interferir, quando houver indícios que o administrador ao aplicar a regra se afastou dos contornos significativos de sua aplicação.
Por outro lado, cumpre-nos salientar que estando diante de conceitos vagos, deve o administrador se utilizar da discricionariedade para escolher o fato que servirá de parâmetro para delimitação da conduta enquadrada naqueles conceitos, e dentre as inúmeras opiniões possíveis, se utilize daquele que tenha maior eficácia em detrimento da sociedade, apesar da carga subjetiva do ato, não pode escolher ao seu livre alvitre, senão, aquela que melhor atinja a finalidade que espera a Administração, sempre alicerçado nos princípio constitucionais.
Assim, embora em relação a tais conceitos a lei não determine seus precisos limites, espera o legislador que, no momento de sua aplicação às hipóteses in concreto, seu verdadeiro sentido e seus limites estejam definidos pela atuação interpretativa do agente público[64].
Sylvia de Pietro,[65] alerta que “no entanto, essa possibilidade de apreciação subjetiva, não é ilimitada, porque o administrador público, ao aplicar a lei, não pode afastar-se das concepções sociais dominantes; se ele decidir de forma contraria a essa concepção, é porque teve intenção de abandonar a apreciação técnica ou incidir em erro grosseiro”.
Sobre a discricionariedade do agente público no caso concreto, Regis Fernandes de Oliveira tem um entendimento, que para nós se mostra um tanto equivocado, onde preleciona:
“Como a discricionariedade implica escolha de um dos vários comportamentos possíveis, o administrador é senhor do complementamento da norma genérica e abstrata. Existe a prévia validação de qualquer das escolhas do agente. Qualquer dos comportamentos possíveis, previamente validados pela norma, será campo e linde do poder discricionário.”[66] (grifos nossos)
E ainda:
“A margem de liberdade que assiste ao administrador para atingir a finalidade da norma pode ser mais ou menos ampla. Se a lei apenas faculta ao administrador agir ou não, então, há limitação do comportamento. Caso a lei valide uma série maior de comportamentos possíveis ter-se-á liberdade mais ampla.”
Discordando, José de Ribamar Barreiros Soares[67] aduz “que encontrando-se o administrador diante de duas ou mais soluções legais e possíveis, na aplicação de tais conceitos, deverá guiar-se pelos princípios da razoabilidade, do melhor interesse público e da boa Administração”.
No mesmo sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro aludi:
“As autoridades incumbidas de aplicar a lei não têm liberdade de escolher, segundo seus próprios critérios, a solução que lhes pareça mais conveniente; elas têm que observar os limites legais e obedecer ao fim especificado de interesse público expresso na lei, seguindo as regras da mais racional administração. Finaliza ressaltando que o titular do poder discricionário tem competência para decidir, no caso concreto, o que é melhor para o interesse público.”[68]
Portanto, entendemos que estando o administrador diante de normas indeterminadas e da possibilidade de vários comportamentos, não poderá este, escolher ao seu bem qualquer conduta, devendo se ater aquela que melhor satisfaça o interesse público. O poder discricionário é facultado justamente para que diante do caso concreto e da impossibilidade da norma especificar a conduta desejada, o agente escolha o procedimento que melhor reflita a finalidade da lei, não podendo, desta forma, eleger a que bem entender, sob pena de abuso de poder.
3 PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO
3.1 NATUREZA JURÍDICA DA PERMISSÃO DE USO
A priori o Estado tem a prerrogativa de utilização e destinação dos bens públicos, desde que, em prol do interesse público. Ademais, em determinadas situações, os particulares, tanto pessoa física como jurídica, desde que preenchidos os requisitos legais, possuem também o mesmo direito, que dependendo da regulamentação, pode ser através da autorização, permissão e concessão.
Para Cretella Júnior:
“em todas as hipóteses configuradas, entretanto, um princípio regerá a utilização dos bens públicos – é o de que o uso deve ser compatível com a destinação desse mesmo bem, uso esse constante das leis e dos regulamentos. Conclui ainda, a utilização incompatível com a destinação pode e deve ser combatida na esfera administrativa e judicial.’[69]
Antes de adentrar sobre o tema da discricionariedade na permissão de uso, faz-se mister, definir o que seja o instituto que nas palavras de Hely Lopes Meirelles[70] “é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário, através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público”.
Para Cretella Júnior[71], a permissão de uso é ato unilateral, no que se refere à participação da autoridade prolatora do ato, que é uma; é discricionária, porque cabe à Administração concedê-la ou não; é precária porque o interesse público poderá determinar que seja revogada, em certas condições.
Nesse diapasão para Antônio Telles[72] a permissão de uso é um ato administrativo, discricionário, unilateral e precário, através do qual o Poder Público (permitente) entrega ao particular (permissionário), pessoa física ou jurídica, o direito de usufruir um determinado bem público.
Não obstante os conceitos proferidos pelos doutrinadores alhures, a Lei nº 9.636, de 15.5.98, cuida da disciplina da permissão de uso, mais precisamente no seu Art. 22, in verbis:
“Art. 22. A utilização, a título precário, de áreas de domínio da União para a realização de eventos de curta duração, de natureza recreativa, esportiva, cultural, religiosa ou educacional, poderá ser autorizada, na forma do regulamento, sob o regime de permissão de uso, em ato do Secretário do Patrimônio da União, publicado no Diário Oficial da União”.
Desta forma, observamos que a permissão de uso é um ato unilateral, precário, discricionário, onde diante do caso concreto, cabe a Administração observar a conveniência e oportunidade da referida permissão e, a depender da situação, revogá-la a qualquer tempo, desde que presente o interesse público.
No entanto, alguns doutrinadores discordam deste entendimento, defendendo a teoria de que a partir da Carta Magna de 1998, a permissão administrativa “latu sensu” tomou forma contratual, dentre eles destacamos José Arthur Diniz Borges[73] onde preleciona que “hoje, o art. 175 da CF[74] impõe a licitação tanto para a concessão como para a permissão, dando, portanto, ao ato de permissão uma feição contratual”.
Sufragam da mesma opinião de José Borges, Odete Medauar[75] salientando que: a Constituição Federal, no seu art. 175, estabeleceu a exigência de licitação o que levava a aproximar a permissão da natureza de contrato.
Diferente não é o entendimento do Juiz Federal, Durval Carneiro Neto[76], onde aludi:
“Tradicionalmente todas as permissões (de serviços públicos e de uso de bem público) eram tratadas como atos unilaterais da Administração, no entanto, após a nova Carta, porém, as permissões de serviços públicos foram tratadas como contrato administrativos. Comenta ainda que, apesar de a Carta Magna de 1988 remeter a permissão de serviços públicos ao regime de licitações típicos dos contratos, a doutrina tradicional, do Direito Administrativo contesta o seu caráter contratual, eis que sempre foi tratada como sendo um ato unilateral da Administração. Assim, conclui brilhantemente: o que se observa é que o tratamento classicamente dado pela doutrina a permissão (na modalidade de serviços públicos) não mais se coaduna com o texto constitucional vigente, pois não s pode reputar unilateral algo que a Lei Maior submeteu ao regime de contratos e licitações. A permissão, portanto, é ato bilateral, ainda que substancialmente um contrato de adesão, precário, revogável unilateralmente, como consta no art. 40 da Lei 8987/95.”
Para terceira corrente, qual seja a que aceitam ambas as conotações atribuídas à natureza jurídica da permissão administrativa destacamos Carvalho Filho:
“A permissão, em toda a doutrina clássica, sempre teve a natureza jurídica de ato administrativo, indicando o consentimento que a Administração dispensava a determinada pessoa física ou jurídica para executar serviço público de forma descentralizada. Por outro lado ressalta que regulamentando a norma constitucional, a Lei nº 8.987/95 dispôs que a permissão deveria ser formalizada mediante contrato de adesão, realçando assim o aspecto da bilateralidade do instituto, própria da figura do contrato. Finaliza desabafando: outrora, qualificamos a permissão como ato administrativo, mas, tendo em vista o absurdo adotado pela lei, somos forçados a nos render a caracterização nela estabelecida, qual seja, a de contrato administrativo de adesão. Com bastante ironia finaliza o autor: seja como for, a lei foi peremptória quanto à natureza jurídica da permissão, de modo que, com toda sua erronia e as críticas que merece, não há como deixar de considerá-la de caráter contratual.”[77]
Para Hely Lopes:
“apesar do art. 40 da lei 8.987/95 determinar que a permissão seja formalizada mediante contrato de adesão, ajuste de Direito privado, que tem características próprias e que não deveria ser utilizado para fins de prestação de serviços, o mesmo autor diz ser contrário a este posicionamento, mas acata o que a norma disciplinadora da matéria expõe. No entanto, oportunamente, salienta uma contradição, salientando que “basta considerar que embora formalizada mediante contrato, a permissão não perde seu caráter de precariedade e de revogabilidade por ato unilateral do poder concedente, idéias incompatíveis com a noção de contrato privado.”[78]
Como se pode observar, o tema está longe de ser pacífico, tendo divergências inclusive, dentro do próprio STF (Supremo Tribunal Federal), conforme nos ensina José dos Santos Carvalho Filho:
“A incoerência da lei (e também do art.175, parágrafo único, da CF) foi tão flagrante que dividiu o próprio STF. Em ação direta de inconstitucionalidade, na qual se discutia a questão relativa á forma de delegação do serviço móvel celular, prevista na lei 9.295/96, a Corte decidiu, pela apertada maioria de seis a cinco, que o art. 175, parágrafo único, da CF, afastou qualquer distinção conceitual entre permissão e concessão, ao conferir àquela caráter contratual próprio desta. Conclui o autor dizendo: significa que, a despeito de inúmeras vozes discordantes dentro do próprio Tribunal, a maioria do STF considerou que atualmente a concessão e a permissão de serviços públicos têm a mesma natureza jurídica: contrato administrativo.”[79]
Diante de inúmeros posicionamentos, nos inclinamos pela corrente defendida principalmente por Hely Lopes Meirelles, Cretella Júnior e Antônio Telles que tratam a permissão de uso de bem público como um ato administrativo, unilateral, precário e discricionário.
Apesar da Constituição Federal tratar a permissão administrativa como contrato sujeito à licitação, não podemos entender que também esteja incluso o instituto da permissão de uso de bem público, pois além de alguns doutrinadores entenderem que o seu deferimento dispensaria licitação o seu pressuposto se encontra na conveniência e oportunidade da disposição do bem pelo Poder Público.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, “existem, contudo, casos de dispensa de licitação que escapam à discricionariedade administrativa, por estarem já determinada por lei; […] é o caso de alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis”.[80]
Tal afirmação, advém da interpretação do parágrafo único do art.2º da lei 8.666/93, onde expressa que somente as permissões de serviço público estão sujeitas a licitação, estando excluído, portanto, as permissões de uso, haja vista seu caráter precário, senão vejamos:
“Art.2º – As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.
Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.”
Desta forma, somente as permissões que objetivem a prática de serviços públicos é que possuem caráter contratual e estão sujeitas a licitação, estando, portanto, excluídas destas exigências, a permissão de uso de bem público, por se tratar de ajuste precário.
Corroborando com este entendimento, o STJ, já estabeleceu que a permissão de uso de imóvel municipal por particular é ato administrativo, com as peculiaridades inerentes a este como a natureza precária e discricionária.
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO DE USO DE IMÓVEL MUNICIPAL POR PARTICULAR. NATUREZA PRECÁRIA E DISCRICIONÁRIA. POSSIBILIDADE DE CANCELAMENTO. PREVISÃO CONTRATUAL. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. 1. A autorização de uso de imóvel municipal por particular é ato unilateral da Administração Pública, de natureza discricionária, precária, através do qual esta consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Trata-se, portanto, de ato revogável, sumariamente, a qualquer tempo, e sem ônus para o Poder Público. 2. Como a Administração Pública Municipal não mais consente a permanência da impetrante no local, a autorização perdeu sua eficácia. Logo, não há direito líquido e certo a ser tutelado na hipótese dos autos. 3. Comprovação nos autos da existência de previsão contratual no tocante ao cancelamento da permissão debatida. 4. Recurso não provido.”[81]
E ainda:
“BENS PÚBLICOS MUNICIPAIS – PROGRAMAS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL – COOPERATIVAS HABITACIONAIS – PERMISSÃO DE USO – DISPENSA DE LICITAÇÃO – REQUISITOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS. À luz do ordenamento constitucional e da legislação local, o Município pode ceder, na forma de Permissão de Uso, área de terras destinada a Programas habitacionais de Interesse Social para Cooperativas Habitacionais, com a dispensa de licitação prevista no art. 17, inciso I, letra f, da Lei nº 8.666/93, mediante autorização legislativa e prévia avaliação”[82].
Portanto, não restam dúvidas que a permissão de uso de bem público, é um ato administrativo, conferido dentro do poder discricionário, onde diante da conveniência e oportunidade do caso concreto a Administração pode ou não permitir o uso ao particular, devendo este, aceitar ou não as condições impostas pela Administração. No entanto, apesar de ser discricionária a permissão de uso, a Administração não pode praticar ilegalidades com o permissionário, mas, caso ocorra, o administrado pode se socorrer do poder judiciário, haja vista que discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
Concretizando este entendimento, trazemos as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, o qual aduz que até mesmo a permissão de serviço público, não possui não possui natureza contratual e, que nomenclatura “contrato” presente no Art. 175 da CF/88, nada mais é, do que mais um dos inúmeros equívocos do legislador. Dentre eles destacamos Celso Antônio Bandeira de Mello que esclarece:
“Desde a Constituição de 1988, intérpretes desavisados passaram a entender que a permissão de serviços públicos adquiriu natureza contratual, circunstância, esta, que, naturalmente, viria engendrar uma identificação entre tal instituto e a concessão de serviços públicos no que cada qual tem de mais significativo. E ainda, dita conclusão rebarbativa, foi extraída da defeituosa redação do art. 175, I, no qual a palavra “contrato’ é utilizada indistintamente, de modo a abranger ambos os institutos. Esta linguagem infeliz não pode ter sido senão uma impropriedade redacional, pois, se o texto nominou dois institutos, é claro que os acolheu como entidades jurídicas distintas”[83]. (Grifos Nossos)
Neste contexto, a Lei Federal nº 9.433 de 01.3.2005 no seu art. 47, reforça a teoria que a permissão de uso é um ato administrativo, senão vejamos:
“Art. 47 – A permissão de uso de bens públicos estaduais será efetuada a título precário ou clausulada, por ato administrativo, em caráter gratuito ou mediante remuneração, sempre com imposição de encargos e após chamamento público dos interessados para seleção, dispensado este quando o permissionário for entidade filantrópica ou assistencial.”
Somente para exemplificar a aplicabilidade da lei no caso concreto, temos a problemática das barracas de praia na orla de Salvador, onde o Poder Público diante da conveniência e oportunidade permiti a utilização e exploração do terreno pelos barraqueiros e sem a necessidade de licitação, o que vem confirmar a natureza de ato discricionário da permissão de uso.
3.2 A DISCRICIONARIEDADE NO ASPECTO DA PRECARIEDADE DA PERMISSÃO DE USO DO BEM PÚBLICO
Vimos que apesar da norma constitucional tratar a permissão administrativa como um contrato, esta não abarca as permissões de uso,que se trata de ato discricionário, unilateral e precário.
Destarte, um dos grandes atributos da permissão de uso, diz respeito à precariedade na outorga para utilização do bem por um particular. Desta forma, cumpre-nos comentar sobre tal característica, a fim de amenizar os inúmeros entendimentos a respeito dessa peculiaridade inerente ao instituto.
Para Celso Antônio Bandeira de Mello, dita precariedade significa a final, que a Administração dispõe de poderes para, flexivelmente, estabelecer alterações ou encerrá-la, a qualquer tempo, desde que fundadas razões de interesse público o aconselhem, sem obrigação de indenizar o permissionário.[84]
Concordando em parte com o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[85], diz que a permissão como ato precário, pode ser alterado ou revogado a qualquer momento pela Administração, por motivo de interesse público.
Por outro lado bastante interessante é o entendimento de José Cretella Júnior, ressaltando que:
“Modernamente, a tendência do Direito Administrativo é estabelecer princípios restritivos da precariedade, introduzindo, nas permissões, a conotação do termo ad quem. Acrescenta salientado que o vocábulo não tem um sentido pontual preciso, matemático, milimetrado. Sabe-se que é de pouca duração, mas não se sabe de quanto. Não se sabe, se aplicado ao tempo, o precário diz respeito a horas, dias, meses ou anos. É termo, pois de significado relativo.”[86]
Assim, observa-se a preocupação de Cretella em relação à aplicação do aspecto precário da permissão no momento do deferimento da permissão do uso, haja vista que esta é uma decisão discricionária do administrador, terreno fértil para as não raras arbitrariedades perpetradas pelas autoridades, que ao invés de visar o interesse público, visam os seus próprios interesses. Conclui, ainda, o referido autor que a expressão a título precário é empregada em dois sentidos: por pouco tempo e revogável a qualquer tempo e que o permissionário poderá responsabilizar o Estado, por perdas e danos, como na concessão, em casos de revogação do ato permissivo, sem motivo justificado.[87]
Nesse sentido, se inclinando para a corrente daqueles que precariedade é sinônimo de transitoriedade, Hely Lopes Meirelles afirma que:
“a permissão, por sua natureza precária, presta-se à execução de serviços ou atividades transitórias, ou mesmo permanentes, mas que exijam freqüentes modificações para acompanhar a evolução técnica ou as variações do interesse público, tais como o transporte coletivo, o abastecimento da população e demais atividades cometidas a particulares, mas dependentes do controle estatal.”[88]
É incrível que com o passar do tempo os contornos delineadores da permissão de uso estão sendo desvirtuado, graças à discricionariedade que lhe é inerente e aos administradores que ao seu livre alvitre utilizam esta modalidade de permissão de forma indevida.
Assim, muitas vezes, a permissão de uso é conferida a bens que não se coadunam com o caráter de transitoriedade, por serem patrimônio público de uso comum e que não podem ser conferido a um particular com o caráter de utente exclusivo do bem. O que facilita a Administração atuar arbitrariamente nesses casos é o caráter discricionário do instituto, onde o administrador se utiliza da prerrogativa administrativa para formalizar a permissão de uso onde esta não caberia, traindo veementemente os princípios que norteiam o Poder Público.
Outro não é o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que com eloqüência retrata tal arbitrariedade:
“Em sendo precária a permissão, o permissionário fica em situação de instabilidade perigosa quando os valores econômicos em jogo são de grande monta. É bem verdade que o uso da permissão em tais casos incentiva a corrupção, porque, de um lado, enseja pressões indevidas, fáceis de se fazer sobre quem não tenha garantia nenhuma de segurança quanto a permanência do vínculo, e , de outro, porque o sujeito que não é assistido por direito algum recorre a quaisquer meios para obter o que não se lhe quer dar de direito. Conclui, advertindo que perante situações do gênero, a forma óbvia de evitar a perigosa instabilidade inerente às permissões, com os consectários maus efeitos, seria de se outorgar tais serviços em concessão.”[89]
Não obstante a permissão de uso ter caráter discricionário e precário, o regime administrativo não se coaduna com ilegalidades, suplicando o dever de lealdade que deve haver, de parte a parte.
Podemos observar que, diante da precariedade do ato da permissão de uso, o administrador, agindo arbitrariamente, permite que um particular utilize de um patrimônio público e no momento que achar que a permissão não é mais conveniente para o particular, o agente a revoga, para atender interesses próprios ou de terceiros, sem a menor garantia para o antigo permissionário.
Essa arbitrariedade se mostra como uma manobra ardilosa do agente público que, ao utilizar da prerrogativa discricionária que lhe assiste, pratica o desvio de finalidade com um único intuito, enriquecimento ilícito e por conseqüência lesar terceiros.
Por esta razão, assegura Hely Lopes Meirelles[90] que a permissão, enquanto vigente, assegura o permissionário o uso especial e individual do bem público, conforme fixado pela Administração, e gera direitos subjetivos defensáveis pelas vias judiciais, inclusive ações possessórias para proteger a utilização na forma permitida.
Corroboramos com o pensamento de Cretella Júnior, onde a precariedade de uso deve ser vista como sinônimo de temporário, sendo utilizada apenas em bens que suportem pouco tempo de uso, cabendo ao administrador, dentro do poder discricionário que lhe és concedido, analisar diante da situação se o bem público que se deseja delegar se enquadra no termo precário.
Seguindo esta linha, Hely Lopes Meirelles ressalta que:
“Qualquer bem público admite permissão de uso especial a particular, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade que irá fruir certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de utilidade pública, tal como ocorre com as bancas de jornais, os vestiários em praia e outras instalações particulares convenientes em logradouro público”.[91]
Outrossim, nos posicionamos a favor da revogação da permissão a qualquer tempo, entretanto, deve a Administração, ao conceder uma permissão, dispor um mínimo de garantia ao permissionário, para que este não fique em situação desvantajosa em relação ao pactuado, devendo assim, em caso de uma revogação por interesse público, indenizar o permissionário pelos eventuais danos sofridos sob pena de se caracterizar locupletamento ilícito.
3.3 DO ATO REVOGATÓRIO DA PERMISSÃO DE USO
Para a Administração exercer com eficácia sua função social, precisa se sobrepor ao particular, ou seja, necessita de certos privilégios em relação a este, caso contrário, seria impossível aquela cumprir seu papel, haja vista que a Administração preza pela coletividade, enquanto o particular visa o lucro.
Este entendimento é corolário do princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado que nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[92], é o princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. E ainda, como expressão dessa supremacia, a Administração, por representar o interesse público, tem a possibilidade, nos termos da lei, de constituir terceiros em obrigações mediante atos unilaterais.
Nos atos administrativos, esta supremacia pode emergir, através da revogação unilateral, que nas palavras de Lúcia Valle Figueiredo:
“é um provimento secundário, constitutivo, emanado no exercício do mesmo poder de prover, por parte de órgão ainda titular da relação jurídica, e cuja finalidade é a supressão definitiva dos efeitos do provimento inicial (primário), por motivo de conveniência e oportunidade, assentado em novo interesse público, concreto, atual e da mesma natureza”[93].
Com o mesmo entendimento, Celso Antônio[94], aduz que “a revogação tem lugar quando uma autoridade, no exercício da competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e por isso resolve eliminá-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas”.
Assim, uma vez concedida à permissão de uso a um particular, a Administração tem o poder discricionário de revogá-la a qualquer momento, com a finalidade de suprimir os efeitos da permissão anteriormente concedida, que, por eventual situação posterior, tornou-se inoportuna.
Neste sentido, Lúcia Valle Figueiredo explica:
“Entendida a revogação inserida em competência discricionária da Administração ativa encontramo-la circunscrita a interesse público da mesma grandeza (de aí haver um mesmo poder), concreto, atual, e de maior relevância dentro de nova sistemática de regras, ou de nova avaliação do administrador. Considerar que a mera menção ao interesse público genérico e abstrato possa justificar ato de revogação seria dar abrangência por demais larga a esta faculdade, e com prejuízo evidente da certeza do Direito”[95].
A revogação possui natureza de ato administrativo e como tal deve ser analisada, levando-se em consideração todas as características inerentes a esta espécie.
Se uma permissão de uso é concedida a um particular, somente a autoridade investida na competência administrativa é que tem o poder de revogá-la. No caso das permissões de uso, normalmente esta competência é atribuída ao próprio agente que a deferiu ou a autoridade superior, no exercício do poder hierárquico.
É necessário assinalar que não se pode presumir a competência revogatória. Deve haver expressa previsão[96]. Desta forma, a competência para revogar o ato deve estar prevista em lei, havendo, excepcionalmente, a possibilidade de delegação da competência discricionária onde um órgão da Administração poderá revogar ato de outro órgão.
Reforçando nosso entendimento, Celso Antônio Bandeira de Mello explica que:
“O fundamento do poder de revogar é a competência que permite o agente dispor discricionariamente sobre a mesma situação que já fora objeto de anterior provimento ou, então, norma expressa que defira a algum sujeito o poder de suprimir disposição precedente, mesmo que lhe faltasse o poder de iniciativa para editar o primeiro ato”[97].
Desta forma, a competência discricionária para revogar deve alicerçar-se em normas que autorizem tal conduta e desde que a autoridade esteja investida da função que autorize a revogação da permissão, pois é atributo da função, e não da pessoa que a executa.
O objeto da revogação sempre será a relação jurídica existente entre a administração e o permissionário do bem de uso público, que pelo relevante motivo de interesse social, não mais se mostre interessante para a coletividade, ou seja, visa desconstituir os efeitos da permissão anterior que já não mais atende os interesses do Poder Público.
Desta forma, a revogação de uma determinada permissão de uso extingue seus efeitos a partir da data revogatória, como bem demonstra Celso Antônio Bandeira de Mello salientando que “a revogação suprimi um ato ou seus efeitos, mas respeita os efeitos que já se transcorreram; portanto, o ato revogador tem sempre eficácia ex nunc, ou seja, desde agora”.[98]
Cumpre salientar que qualquer revogação deve ser fundamentada na nova oportunidade e conveniência que surgiram após a permissão concedida anteriormente, pois se for constatado capricho ou implicância da autoridade com o administrado, este poderá recorrer ao Poder Judiciário, como forma de obstacularizar o ato ilegal.
Exatamente para que se possa aferir a existência, ou não, de situações arbitrárias, com graves lesões individuais, ou até mesmo para o erário, deve a Administração motivar sua decisão[99].
Destarte, inquestionável é a prerrogativa da Administração, dentro do poder discricionário que lhe assiste, podendo desta forma, revogar a permissão desde que presentes o interesse público no caso concreto, além da motivação e justificação da conduta, sob pena de ilegalidade do ato.
4 DISCRICIONARIEDADE E CONTROLE JURISDICIONAL
4.1 DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como vimos nos tópicos anteriores, a discricionariedade é um poder que é facultado a Administração Pública para que perante determinadas situações, possa escolher a melhor conduta dentro dos parâmetros da oportunidade e conveniência no intuito de melhor atender as necessidades coletivas. No entanto, este poder possui seus limites delineados na lei, e caso o administrador extrapole estes contornos, configurará o abuso de poder, devendo ser combatido através dos controles administrativos.
Nesta árdua tarefa de combater as arbitrariedades administrativas, existe um mútuo objetivo entre todos os Poderes da União com o fito de fiscalizar os possíveis atos eivados de ilegalidades, ao qual chamamos de controle da Administração Pública.
Na definição do que seja controle da Administração, trouxemos as palavras de Hely Lopes Meirelles[100] “controle, em tema de administração pública, é a faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce sobre a conduta funcional de outro”.
Diferente não é a definição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[101] onde define o controle da Administração Pública como “o poder de fiscalização e correção que sobre ela exercem os órgãos dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, com o objetivo de garantir a conformidade de sua atuação com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico”.
Desta forma, os controles da Administração pública possuem papel fundamental na sociedade, pois evitam que atos administrativos sem o devido respaldo legal, ofenda, tanto interesses públicos, como interesses particulares.
Portanto, a Administração Pública no exercício de suas atividades, é submetida ao controle por parte dos Poderes Legislativo e principalmente Judiciário, além, dela mesma, exercer o próprio controle sobre todos os seus atos.
Cumpre salientar, que este controle é exercido em todos e por todos os Poderes do Estado, abrangendo a Administração Pública em todos os sentidos e não somente na esfera Executiva, haja vista a possibilidades dos outros Poderes exercerem funções que são típicas da Administração e por isso, estarão também submetidos ao referido controle.
Apesar de ser incumbência do Estado o exercício do controle da Administração Pública, o jurisdicionado possui papel importante para acioná-lo, pois, existe uma gama de ferramentas hábeis para impedir qualquer tipo de abuso de poder e não apenas quando o seu direito individual for violado, mas também, quando se tratar de diretos difusos.
Com bases nesses elementos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro nos enriquece com suas palavras ao se reportar sobre a precípua finalidade do controle exercido sobre a Administração Pública:
“A finalidade do controle é a de assegurar que a Administração atue em consonância com os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, como os da legalidade, moralidade, finalidade pública, publicidade, motivação, impessoalidade; em determinadas circunstâncias, abrange também o controle chamado de mérito e que diz respeito aos aspectos discricionários da atuação administrativa.”[102]
Podemos observar então, que o controle da Administração Pública é crucial para o bom funcionamento da máquina estatal, visto que, é através dele que as atividades arbitrárias e ilegais perpetradas pela Administração (em sentido amplo) serão coibidas, e a finalidade legal, alcançada.
4.1.1 Espécies de controle da administração pública
Os critérios de classificação das espécies de controle administrativo dependem muito dos doutrinadores, haja vista a peculiaridade de cada um ao classificar aquelas modalidades, sendo assim, dentre eles, destacamos José Borges[103] que será nosso referencial nesta tarefa.
Assim, quanto ao órgão que o exerce, o controle pode ser:
1) Administrativo – origina-se na própria Administração Pública – Autotutela (Súmulas 346 e 473 do STF[104]).
2) Legislativo – exercido por meio do poder Legislativo (Congresso Nacional) (Senado Federal) (Ex.: Art. 49 da Constituição Federal[105]) ou do órgão vinculado a este poder (Tribunal de contas – Art. 70 da Constituição Federal[106]).
3) Judicial – levado a efeito pelo Poder Judiciário (Art. 5º, XXXV da Constituição Federal[107]).
Quanto ao momento – à oportunidade, o controle pode ser:
1) Prévio (preventivo) (“a priori”) – visa a impedir a prática de ato ilegal ou contrário ao interesse público – (Art. 49,II,III,XV,XVI,Art.52,III,IV,V[108] da Constituição Federal).
2) Concomitante – no mesmo instante da atuação administrativa – sistema de auditoria.
3) Posterior (“a posteriori”) – rever os atos já praticados – visa a corrigir, desfazer, confirmar – aprovação, homologação, revogação, convalidação e anulação.
Quanto à origem – se decorre ou não da própria estrutura em que se insere o órgão controlado:
1) Interno – cada poder exerce sobre seus próprios atos (Arts. 70 a 74 da Constituição Federal).
2) Externo – a cargo do Congresso Nacional – auxílio do Tribunal de Contas (Art. 71 e Art. 2º da Constituição Federal) ou via Poder Judiciário (Art. 5º, XXXV da Constituição Federal)
Quanto ao aspecto da atividade administrativa a ser controlada:
1) Legalidade – pode ser exercido pelos 3 Poderes ( Art. 5º,XXXV; Art. 71; Art. 70 a 74 da Constituição Federal).
a) Executivo – exercita-o de ofício ou mediante provocação recursal;
b) Legislativo – só nos casos expressos na Constituição Federal;
c) Judiciário – via ação adequada.
2) Mérito – só cabe à própria Administração Pública (Súmulas 346/473 do STF – revogação), e com limitações ao Poder Legislativo (Art.49,IX e X da Constituição Federal).
Quanto à iniciativa em face da Administração Pública:
1) De ofício – ex officio – executado pela própria Administração pública – poder de autotutela.
2) Provocado – deflagrado por terceiros, via direta de petição, de representação, de obtenção de certidões, obtenção de informações, recursos administrativos.
Não obstante a preferência pelos critérios estabelecidos por José Diniz para classificar os controles da Administração, é de grande valia demonstrar as modalidades deste controle na visão de Carlos Pinto Coelho Mota[109], no qual as divide, a depender da vinculação ou não com a Administração em: controles formais e controles informais ou democráticos da Administração, como veremos a seguir:
Segundo o autor, os Controles Formais são vinculados diretamente de algum modo à Administração, enquanto que os Controles Informais não possui vinculação com esta, e são exercidas por grupos de profissionais ou diferentes segmentos da sociedade civil.
4.2 DO CONTROLE ADMINISTRATIVO
Nas palavras de Edimur Farias o controle administrativo ou controle interno:
“Se exerce normalmente pelo poder hierárquico. Consiste no poder-dever da Administração de controlar seus atos. Dessa forma, os órgãos superiores fiscalizam e controlam os inferiores. A Presidência da República controla a cúpula dos Ministérios de Estado. As Secretarias-Gerais destes controlam os órgãos imediatamente inferiores e, assim por diante, até chegar ao último órgão subalterno. Há um controle de responsabilidade dos Ministérios de Estado que não é hierárquico propriamente, mas que decorre da sua superioridade sobre o ente controlado. É o exercido sobre as entidades públicas vinculadas, autarquias, sociedade de economia mista, empresa pública e fundação pública. O controle sobre esses entes não é hierárquico pelo fato de não se tratar de órgãos subordinados”.[110]
Destarte, o controle administrativo, também denominado de controle interno é corolário do princípio da autotutela onde a Administração Pública, seja ela direta ou indireta, opera um controle sobre os seus próprios atos, podendo anulá-los quando eivados de ilegalidades ou revogá-los, quando se revelarem inconvenientes ou inoportunos, sem a necessidade de intervenção do Poder Judiciário, como já foi pacificado pelas súmulas 346 e 473 do STF, in verbis:
“Súmula nº346 do STF: A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula nº473 do STF: A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”
Nesse diapasão, a Lei nº 9.784/99 disciplinadora do Processo Administrativo no Âmbito da Administração Pública, no seu Art. 53 reforça tal prerrogativa ao estabelecer que “a Administração deve anular seus próprios atos, quando eivados de vício de legalidade, e pode revogá-los por motivo de conveniência ou oportunidade respeitados os direitos adquiridos”. (Grifos Nossos)
Portanto, a Administração tem o poder-dever de rever seus atos, seja nos aspectos de legalidade e/ou de mérito, para que as funções públicas sejam exercidas na mais perfeita harmonia e eficiência, focando o interesse público, sem ferir direitos individuais.
Para tanto, os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela deverão dar ciência ao Tribunal de Contas da União, para que as medidas cabíveis sejam tomadas, conforme expressa o Art. 70 da Carta Magna, sob pena de responsabilidade solidária, sendo parte legítima para a prática de atos de denúncia, qualquer cidadão, partido político ou sindicato[111]. Neste contexto, a eficácia do controle interno exige uma cooperação mútua dos poderes da União, como bem determina a Lei nº 8.443/92 no seu Art. 49[112].
Cumpre salientar, que apesar da possibilidade da Administração rever seus próprios atos pelo controle interno, este não é ilimitado e nem definitivo, visto que qualquer medida ou decisão de anulação ou revogação de atos que conseqüentemente venha causar violação ou ameaça a direitos individuais, pode ser combatido tanto pelo Poder Legislativo no âmbito de suas funções, com o auxílio do Tribunal de Contas, como pelo Poder Judiciário, neste caso, como bem expressa o inciso XXXV[113] do Art. 5º, da Constituição Federal de 1988.
4.2.1 Meios de controle administrativo
Dentre os meios de controle interno, Hely Lopes propõe uma divisão onde aponta 3 (três) mecanismos para o exercício deste controle, quais sejam: a fiscalização hierárquica, a supervisão ministerial e os recursos administrativos.
A fiscalização hierárquica é exercida pelos órgãos superiores sobre os inferiores da mesma Administração, visando a ordenar, coordenar, orientar e corrigir suas atividades e agentes. É inerente ao poder hierárquico, em que se baseia a organização administrativa, e, por isso mesmo, há de estar presente em todos os órgãos do Executivo. São características da fiscalização hierárquica a permanência e a automaticidade, visto que se exercita perenemente, sem descontinuidade e independentemente de ordem ou de solicitação especial. É um poder-dever de chefia, e, como tal, o chefe que não a exerce comete inexação funcional.[114]
A supervisão ministerial é um meio atenuado de controle administrativo geralmente aplicável nas entidades da Administração indireta vinculadas a um Ministério (Dec.-lei 200/67, arts.19 e ss.). Supervisão não é subordinação, pois que esta decorre do poder hierárquico e aquela resulta do sistema legal imposto às autarquias e entidades paraestatais, sujeitas, apenas, ao controle finalístico da Administração que as instituiu. A subordinação admite o controle pleno do órgão superior sobre o inferior; a supervisão é limitada aos aspectos que a lei indica, para não suprimir a autonomia administrativa e financeira das entidades vinculadas à Administração central.[115]
Os recursos administrativos são todos os meios hábeis a propiciar o reexame de decisão interna pela própria Administração. No exercício de sua jurisdição a Administração aprecia e decide as pretensões dos administrados e de seus servidores, aplicando o Direito que entenda cabível, segundo a interpretação de seus órgãos técnicos e jurídicos. Pratica, assim, atividade jurisdicional típica, de caráter parajudicial quando provém de seus tribunais ou comissões de julgamento. Essas decisões geralmente escalonam-se em instâncias, subindo da inferior para a superior através do respectivo recurso administrativo previsto em lei ou regulamento.[116]
No que tange aos meios de provocação da autotutela, podem ser ex officio, quando a autoridade competente pelo controle, constatar alguma ilegalidade, inconveniência ou inoportunidade dos seus atos ou dos atos de seus subordinados; ou ainda, pode ser provocada pelos próprios administrados através dos recursos administrativos existentes (representação, reclamação administrativa, do pedido de reconsideração, dos recursos hierárquicos, próprios e impróprios e da revisão) que serão manuseados a depender do caso concreto, não sendo, portanto, tratados aqui, por fugirem ao objetivo deste trabalho.
4.3 DO CONTROLE LEGISLATIVO
O Poder Legislativo, dentre outras funções determinada constitucionalmente, exerce um controle externo ou parlamentar sobre os atos emanados pela Administração Pública, com intuito de fiscalizar e corrigir eventuais ilegalidades que possam advir. Ademais, este controle legislativo externo, que paradoxalmente recebe também a nomenclatura de controle parlamentar (haja vista que em nosso país não vigora o regime parlamentarista), pode ser direto ou indireto a depender da atuação dos órgãos envolvidos. Desta forma, será direto quando for exercido pelo Congresso Nacional a nível federal, pelas Assembléias Legislativas a nível estadual e distrital e pelas Câmaras Municipais a nível municipal. No entanto, será indireto, quando exercido pelos Tribunais de Contas respectivos, que atuam como auxiliares do Poder Legislativo.
Sob esta rubrica aqui são considerados apenas os mecanismos de fiscalização emanados diretamente das casas legislativas, não abrangendo as instituições que extraem do Legislativo sua força para exercer controle ou que significam prolongamento desse poder[117].
Não obstante, se tratar de um controle, o que amiúde vemos é uma total ineficácia do Poder Legislativo nesta função, visto que é notório as investigações acabarem nas famosas “pizzas” que a sociedade não suporta mais ouvir noticiar. Com esta mesma visão Odete Medauar[118] comenta o assunto:
“A função de controle sobre o Executivo aparece hoje como inerente ao legislativo, em qualquer regime de governo do mundo ocidental. Mas, independente das peculiaridades do regime de governo, que propiciariam maior ou menor intensidade do controle, registra-se a descrença genérica quanto à eficácia e mesmo operacionalidade da fiscalização parlamentar. Paradoxal, assim, que se afirme, ao mesmo tempo, a relevância da função de controle do Legislativo e a escassez de resultados desta atuação. Salvo atuações episódicas (no Brasil, “impeachment” de um Presidente da República), o controle parlamentar da Administração apresenta-se inefetivo. Vários fatores vêm apontados para justificar este quadro: falta de interesse político na realização concreta e eficaz da vigilância, para não desagradar ao detentor do Poder Executivo; ausência, em geral, de sanção, pois nem o Congresso, nem suas comissões podem anular ou modificar atos administrativos ou aplicar sanções a administradores.”
Assim, podemos observar que a falta de competência para impor sanções a eventuais ilegalidades cometidas, inclusive quando apuradas pelas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) é a grande responsável pela ineficácia do controle legislativo, pois se os mecanismos tivessem a eficácia desejada, contraporia aos interesses das autoridades Administrativas, que não raramente almejam locupletar-se do dinheiro público, seja em detrimento próprio ou alheio, esquecendo-se do seu real papel, de zelar pelo patrimônio e pelo interesse público.
Cumpre salientar, que o controle legislativo tem seu fundamento previsto na Constituição Federal de 1988 e deve se limitar ao que está previsto constitucionalmente, para que não ocorra ingerência de um poder sobre o outro, zelando sempre pela harmonia deles. Sendo assim, podemos dividir o controle legislativo em: político e financeiro.
O controle político, que é também denominado controle legislativo ou parlamentar direto, é exercido pelo Congresso Nacional[119], Senado Federal[120] e pelas Câmaras dos Deputados[121], tendo todas as atribuições para o exercício do controle, previstas na Constituição Federal de 1988, ressaltando, contudo, que tais hipóteses são taxativas, não podendo ir além do que está expresso.
No que tange ao controle financeiro, limita-se fundamentalmente a prestação de contas de todos aqueles que administram o patrimônio público, no seu aspecto “latu senso”. Cumpre ressaltar, que neste tipo de controle, o que obriga a prestação de contas, não está relacionado nem com o encargo ou obrigação de quem administra e tampouco o órgão que o administrador trabalha, sendo, portanto, ambos irrelevantes, haja vista que a prestação de contas advém da necessidade de se comprovar o dever de boa gestão daqueles que possuem tal incumbência, visto que se trata de patrimônio que pertence à coletividade.
Assim, existem duas formas de se efetivar o controle financeiro, podendo o mesmo ser: interno e externo.[122]
O controle financeiro interno está previsto no Art. 70 da Constituição Federal de 1988, onde ressalva que cada Poder tem que possuir um órgão especializado a fiscalizar e verificar as destinações dos recursos públicos.
Por outro lado, o controle financeiro externo é exercido pelo Poder Legislativo com o auxílio dos Tribunais de Contas[123] respectivos (da União, dos Estados e de alguns Municípios) objetivando a fiscalização nos âmbitos contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial.
Por fim, falaremos da natureza do controle financeiro, que vem expresso nos Arts. 70 e 71 da Constituição Federal e que a depender do caso pode estar relacionada quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e quanto à renúncia de receitas.
4.4 DO CONTROLE JURISDICIONAL DA DISCRICIONARIEDADE FACE AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS
O controle judicial é realizado pelo Judiciário, exclusivamente, competindo a este o exame dos atos administrativos dos Poderes Executivo, Legislativo e do próprio Judiciário, nos casos em que este realiza atividade administrativa.[124]
A expressão Controle Jurisdicional da Administração abrange a apreciação, efetuada pelo Poder Judiciário, sobre atos, processos e contratos administrativos, atividades ou operações materiais e mesmo a omissão ou inércia da Administração.[125]
No Brasil, ao contrário do que ocorre em inúmeros países europeus, vigora o sistema de jurisdição única, de sorte que assiste exclusivamente ao Poder Judiciário decidir, com força de definitividade, toda e qualquer contenda sobre a adequada aplicação do Direito a um caso concreto, sejam quais forem os litigantes ou a índole da relação jurídica controvertida.[126] O fundamento Constitucional para tal jurisdição advém do art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988, onde assegura a todos os cidadãos, a possibilidade de evitar lesão ou ameaça de direitos pelas vias judiciais.
A partir desta garantia Constitucional, podemos extrair uma conseqüência de suma importância para o jurisdicionado, qual seja, a não exigência de esgotamento das vias administrativas para que possa ingressar em juízo. Assim, quem sofrer lesão a direito ou estiver sob ameaça de lesão a direito, advinda de atividade da Administração, não é obrigado a interpor inicialmente recurso administrativo, para depois, decidido este, ajuizar ação.[127]
Neste contexto, apesar de alguns dispositivos de lei[128] aparentarem exceção a desnecessidade de prévio esgotamento das vias administrativas como requisito de acesso ao Judiciário, alguns doutrinadores, dentre eles Odete Medauar e José dos Santos Carvalho Filho, atestam que nenhum texto de lei, ou interpretação poderá obstruir o acesso a Justiça na defesa de direitos, isso porque, em muitos casos, no momento em que a Administração Pública desempenha seu papel para alcançar seus fins, pode nascer um conflito de interesses entre seus administrados, haja vista a ocorrências de ilegalidades ou injustiças a respeito do ato praticado, o que demanda uma solução por alguém estranho a relação jurídica para coibir qualquer tipo de arbitrariedade praticada.
Neste diapasão, se o Estado tem o poder de impor sujeições à sociedade para que reine a paz social, nada mais justo que as mesmas sujeições, sirvam para obstruir quaisquer arbitrariedades advindas da própria Administração, como uma espécie de freio às ações administrativas ilegais.
Desta forma, o controle jurisdicional em regra, caracteriza-se como um controle externo, provocado, direto e repressivo, ou seja, “a posteriori”. É um controle externo, pois não faz parte da mesma estrutura organizacional da Administração Pública. É provocado, visto que há necessidade da parte interessada acioná-lo para verificação de possíveis arbitrariedades, no entanto, existem hipóteses excepcionais que o Judiciário atua de ofício. É direto, porque visa analisar as ilegalidades dos atos e atividades administrativas. E é repressivo, pelo motivo que os atos administrativos, só produzem efeito após adentrarem no mundo jurídico, para então, causarem danos.
Cumpre salientar, que excepcionalmente o controle jurisdicional pode ser preventivo, visando evitar lesão ou ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos, que se revelem irreversíveis. O fundamento jurídico desse controle se encontra expresso no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, onde expressa que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”.
No entanto, para a sustação preventiva dos atos administrativos, além do fato concreto evidenciando ilegalidades, o interessado deverá demonstrar o (fumus boni iuris) e o (periculum in mora), ensejando desta forma, a possibilidade do Juiz sustar os efeitos que poderiam advir da medida administrativa.[129]
4.4.1 Princípios da administração pública
A Constituição federal de 1988, no seu Art. 37 inovou ao determinar que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”.
Tal determinação advém da evidência de que o ordenamento jurídico é alicerçado nos princípios, tendo, portanto, importante papel, no regime do Direito Administrativo, pois é a partir deles que a Administração juntamente com o Poder Judiciário, determinará o necessário equilíbrio entre os direitos dos cidadãos e as prerrogativas administrativas.
Cumpre ressaltar que os princípios constitucionais, não se esgotam na Carta Maior, pois outros princípios de natureza administrativa estão colacionados em normas infraconstitucionais, como por exemplo, a Lei nº 9.784/99, que trata do processo Administrativo Federal, referindo-se aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público, e eficiência.
Nesse sentido, observamos que a Constituição é categórica ao afirmar que todas as atividades e atos administrativos devem pautar-se nos princípios mencionados, como forma padronizada de conduta dos agentes públicos, sendo assim, a prática de atos sem o reflexo dos princípios, constitui práticas arbitrária, altamente combatida pelo regime jurídico estatal.
Apesar da gama de princípios existentes, nos ateremos aos princípios da legalidade, moralidade e razoabilidade e proporcionalidade, tendo em vista que estes princípios possuem importância direta no nosso trabalho.
4.4.1.1 Princípio da legalidade
Este princípio constitui um dos mais importantes do Direito Administrativo, haja vista nascer juntamente com o Estado Democrático de Direito e de representar a defesa dos direitos individuais frente o Estado. O princípio da legalidade é o termômetro das condutas administrativas, isto porque, estabelece os limites da atuação estatal quando a mesma restringe direitos individuais em face da coletividade.
Nesse diapasão, a vontade da Administração é a vontade da lei, não podendo fazer além do que esta determina, como bem leciona Hely Lopes[130] “na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto que na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa “pode fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim”.
O postulado da legalidade é refletido também nos art. 5º, inciso II da Constituição Federal estabelecendo que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, desta forma, a atuação estatal está intimamente relacionada com determinação legal, não podendo ir além do que está expresso, pois transbordaria sua competência.
Em decorrência disso, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar obrigações ou impor vedações aos administrados; para tanto, ela depende de lei[131].
Apesar do poder discricionário ser estabelecido por lei, a Administração no exercício desta prerrogativa, deve focar a legalidade do ato praticado, pois a discricionariedade é conferida justamente na falta do comando normativo para determinados casos, no entanto, isto não justifica a prática de atos arbitrários e ilegais, pois mesmo os atos discricionários, devem atingir a real finalidade da lei.
Nesse contexto, não podemos aceitar que o gestor público, sobre o fundamento do poder discricionário, viole o princípio da legalidade em detrimento de direitos individuais. Se existem normas que defendem direitos individuais, coletivos e administrativos, não obstante, sua interpretação deve ser harmônica, para não violar direitos de um em detrimento de outros, a não ser, em excepcionais casos, mas todos devidamente expressos em lei.
Portanto, a consonância entre o poder discricionário e o princípio da legalidade, paira na idéia de que a Administração Pública não age somente em detrimento de normas específicas, mas, de que toda atuação administrativa deverá se embasar num dispositivo legal que justifique a tomada de decisão, caso assim não fosse, não haveria motivos para a prática de atos sobre a égide do poder discricionário, e sim de atos exclusivamente vinculados. No entanto, sabemos que a impossibilidade jurídica de se prevê todas as condutas sociais é impossível, o que justificaria a prerrogativa discricionária no âmbito estatal sob o manto da legalidade.
4.4.1.2 Princípio da moralidade
Pelo princípio da moralidade administrativa, o administrador público não deve apenas exercer suas funções baseado no estrito cumprimento da legalidade, devendo também, observar os princípios éticos de proporcionalidade e razoabilidade, visto que, a partir da Constituição Federal de 1988, a moralidade é requisito de validade de todo ato administrativo.
Seguindo esta linha de raciocínio, Rita Tourinho salienta que:
“Não satisfaz a atuação administrativa compatível apenas com a ordem legal. O Estado Democrático de Direito exige muito mais. Exige que a administração da coisa pública atenda a uma série de valores e princípios abraçados pelo texto constitucional. […] Ao optar por uma medida administrativa no exercício de atribuição discricionária, o administrador público não pode distanciar-se dos valores éticos vigentes na sociedade. Assim, deve atuar com lisura, boa-fé, honestidade, dando a cada um o que é seu de direito, satisfazendo não somente às exigências legais, como, também, às exigências morais”.[132]
Destarte, as regras morais devem obrigatoriamente ser observadas pela Administração Pública, pois qualquer desvirtuamento desta ensejaria correção através do Poder Judiciário, mesmo se tratando do mérito administrativo, como veremos adiante.
Portanto, a Constituição Federal de 1988, expressamente declarou a moralidade como principio constitucional autônomo, isso significa dizer que, um ato administrativo imoral será tão invalido como um ato ilegal, haja vista tratar-se da mesma arbitrariedade, só que uma se revela na formalidade da conduta e a outra no seu conteúdo.
4.4.1.3 Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
Apesar da falta de previsão expressa dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade na Constituição de 1988, não restam dúvidas de que os mesmos se fazem presente implicitamente, devido à importância tanto no Direito Administrativo, quanto na atividade discricionária administrativa.
Alguns autores preferem estudar tais princípios separadamente, devido à previsão do Art. 2º, da lei 9.784/96, que os tratam distintamente, entretanto, como o princípio da razoabilidade abarca também o da proporcionalidade, preferimos nos reportar a este como sendo uma extensão daquele, seguindo a opção, por exemplo, de Celso Antônio Bandeira de Mello[133] “em rigor, o princípio da proporcionalidade não é senão faceta do princípio da proporcionalidade”.
Este princípio, sem dúvida pode ser chamado de princípio da proibição de excesso, que, em última análise, objetiva aferir a compatibilidade entre os meios e os fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas por parte da Administração Pública, com lesão aos direitos fundamentais[134].
Nesse diapasão, a razoabilidade está intimamente relacionada à discricionariedade, como forma de limitação desta prerrogativa, aumentando a abrangência de controle pelo Poder Judiciário nos casos de ilegalidades na atividade administrativa.
Corroborando com nosso entendimento, Lúcia Valle Figueiredo aduz que:
“A discricionariedade é a competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de um critério de razoabilidade, e afastado se seus próprios Standards ou ideologias, portanto, dentro do critério da razoabilidade geral, qual melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma”.[135]
Desta forma, o administrador público no exercício do poder discricionário, dever agir de modo adequado, (razoabilidade) e necessário (proporcionalidade), para atingir a verdadeira finalidade da norma. Assim, entre os meios utilizados e os fins almejados, deverá existir uma adequação, para que um não se sobreponha ao outro, e conseqüentemente, exorbite os limites discricionários, conferido por lei.
4.4.2 Limites ao controle jurisdicional quanto ao aspecto da legalidade e mérito do ato administrativo
Como vimos, não existem atos absolutamente discricionários ou que estejam imunes ao Controle Jurisdicional, cabendo a este, portanto, a verificação para constatação de possíveis ilegalidades existentes, impedindo dessa forma, que a arbitrariedade não se envolva no manto da discricionariedade, e por conseqüência, lese direitos.
Neste diapasão, a maioria da doutrina entende que o Poder Judiciário pode e deve quando suscitado, examinar o ato ou atividade administrativa para anulá-los quando ilegais ou confirmá-los quando legais. No entanto, para esta corrente, a tutela jurisdicional se limita a analise dos aspectos de legalidade e legitimidade do ato, sendo defeso qualquer apreciação de mérito, isto é , de conveniência ou oportunidade, visto que são prerrogativas exclusivas da Administração pública que advém do próprio poder discricionário e que o Judiciário não está autorizado a averiguar, sob pena de invasão de um poder sobre outro.
“Dentre os defensores desta corrente destacamos Hely Lopes Meirelles onde suscita que:
“Ao Poder Judiciário é permitido perquirir todos os aspectos de legalidade e legitimidade para descobrir e pronunciar a nulidade do ato administrativo onde ela se encontre, e seja qual for o artifício que a encubra. O que não se permite ao Judiciário é pronunciar-se sobre o mérito administrativo, ou seja, sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, porque, se assim, agisse, estaria emitindo pronunciamento de administração e não de jurisdição judicial.[136]
Com o mesmo pensamento Petrônio Braz nos cede sua contribuição:
“O reexame da ação da administração pelo Poder Judiciário limita-se à verificação da legalidade ou legitimidade do ato, isto porque à Administração e só a ela compete a análise da oportunidade e conveniência da ação administrativa. Assim, só o direito e não o interesse do administrado poderá ser objeto da ação revisória do Poder Judiciário. Não pode o Poder Judiciário adentrar no mérito do ato administrativo para perscrutar-lhe a oportunidade e a conveniência, mas tão somente a legitimidade, isto é, a sua conformidade com a lei.”[137]
Corroborando com tal corrente, Jose dos Santos Carvalho Filho, aduz:
“O controle judicial sobre os atos da Administração é exclusivamente de legalidade. Significa dizer que o Judiciário tem o poder de confrontar qualquer ato administrativo coma lei ou com a Constituição e verificar se há ou não compatibilidade normativa. O que é vedado ao judiciário, como corretamente tem decidido os Tribunais, é apreciar o que se denomina normalmente de mérito administrativo, vale dizer, a ele é interditado o poder de reavaliar critérios de conveniência e oportunidade dos atos, que são privativos do administrador público” [138]
Diferente não é o posicionamento de Lucia Valle Figueiredo:
“A discricionariedade, como foi descrita, deve provir da valoração do interprete dentro de critérios de razoabilidade e da principiologia do ordenamento. E pode ser controlada pelo judiciário. Aliás, doutrina e jurisprudência o estão a admitir, esbarrando, entretanto, no chamado “mérito”, como vinha sendo entendido, como tinha trânsito normal, e ainda parcialmente tem, constitui-se na conveniência e oportunidade do ato, porém consideradas insuscetíveis de controle, de aferição pelo Poder Judiciário”.[139]
Data máxima vênia, não concordamos com o posicionamento dos renomados doutrinadores, pois entendemos que o controle jurisdicional pode e deve adentrar ao mérito do ato como uma forma de averiguar possíveis lesões ou ameaça a direito.
Corroborando com nosso pensamento, Rita Torinho leciona sobre o tema:
“Muitos criticam a possibilidade deste controle, derivado do princípio da moralidade, entendendo que ao julgar o mérito das ações praticadas pelo administrador público, o judiciário, estaria rompendo com o princípio da de separação dos poderes, adentrando o campo de opções políticas do legislador. Pensamos, no entanto, que tal posicionamento tenderá a desaparecer, uma vez que, ao ser previsto constitucionalmente ao lado de outros princípios, inclusive o da legalidade, pode-se afirmar que o ato administrativo imoral será tão invalido quanto aquele ilegal.”[140]
É inadmissível, um Estado Democrático de Direito não se subsumir aos seus princípios basilares. Tão grande é a importância deles, que a nossa Constituição de 1988, expressa claramente no seu texto a autonomia dos princípios da legalidade (art. 5º, inciso LXXIII[141]), da moralidade (art. 37) e implicitamente da razoabilidade e proporcionalidade, que são corolários de outros princípios, como o esculpido no art. 5º, XXXV, onde reflete que nenhuma lesão ou ameaça de direito poderá fugir da apreciação do Judiciário.
A principiologia na Administração reflete para sociedade a garantia de que qualquer ato produzido no exercício de suas funções e que exorbitem aos mandamentos legais, serão combatidos, via poder Judiciário.
Nesse diapasão Celso Antônio Bandeira de Mello nos traz grande ensinamento:
“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, ofende-lo, abatem-se as vigas que os sustêm e alui-se toda a estrutura nelas forçadas.”[142]
Desta forma, se a Carta Magna prevê princípios que norteiam a legalidade e moralidade dos atos Administrativos, não vemos nenhum motivo para o Judiciário não poder analisá-los quanto ao aspecto do mérito, visto que é no campo da discricionariedade no que tange a conveniência e oportunidade do ato que as autoridades encontram terreno fértil para cometerem ilegalidades sem nenhuma preocupação quanto à possibilidade de exame pelo Judiciário.
Ainda sim, como a todo o momento somos informados de uma série de corrupções que assolam nosso país, resta clarividente que os agentes que têm o intuito de cometer arbitrariedades, com certeza, se cercarão de todos os cuidados possíveis para não serem descobertos, encontrando no mérito do ato discricionário a possibilidade de praticar ilegalidades revestidas de legalidade, tudo isso sem a possibilidade de tutela jurisdicional, como defendem alguns doutrinadores.
Nesse sentido, trazemos novamente as palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Assim como ao Judiciário compete fulminar todo comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assistiam, violando, por tal modo, os ditames normativos que assinalam os confins da liberdade discricionária”.[143]
Convenhamos que, se o ato foi produzido dentro das formalidades legais, seguindo os princípios basilares da Administração, não há motivos para o administrador público temer uma possível averiguação de suposta ilegalidade por parte do poder judiciário, pelo contrário, terá sua imagem política vinculada à honestidade e de uma pessoa que zela pela sociedade e honra o cargo que lhe foi atribuído, como diz o velho ditado “quem não deve não teme!”.
Para a validade e eficácia de um ato administrativo, a legalidade se revela como condição precípua. Um Estado Democrático de Direito, não pode admitir em hipótese alguma, ilegalidades, imoralidades, abusos de poder e arbitrariedades. Se a lei é medida reguladora da convivência social entre os particulares, a Administração Pública também estará sujeita a esta mesma lei, niveladora dos poderes do Estado e os direitos dos cidadãos.
Os atos arbitrários podem muito bem ser produzidos de forma desvirtuada, sem o devido interesse social, apoiado na justificativa da conveniência e oportunidade. Muitos doutrinadores que pensam desta forma apóiam a corrente que defendem a possibilidade do exame de mérito dos referidos atos e em caso de ilegalidade, da sua anulação pelo poder judiciário.
A respeito do tema, o magistrado federal, Durval Carneiro Neto aduz o seguinte:
“Entrementes, mister se faz, verificar, segundo a ótica do princípio da razoabilidade, se tais critérios de conveniência e oportunidade refletem, em cada caso, verdadeiro interesse público, ou se traduzem mero interesse pessoal do administrador público, ou se traduzem mero interesse pessoal do administrador público, ardilmente camuflado e, portanto, com desvio de finalidade. Nesse caso, é dado ao Judiciário agir, anulando o ato.”[144]
Nesse mesmo diapasão, Maria Silvia Zanella Di Pietro, comenta as teorias que vêm sendo elaboradas para limitar ainda mais a discricionariedade administrativa e autorizar o exame do mérito do ato discricionário pelo Poder Judiciário em caso de ilegalidade, senão, vejamos:
“Algumas teorias têm sido elaboradas para fixar limites ao exercício do poder discricionário, de modo a ampliar a possibilidade de sua apreciação pelo Poder Judiciário. Uma das teorias é a relativa ao desvio de poder, formulada com esse objetivo; o desvio de poder ocorre quando a autoridade usa do poder discricionário para atingir fim diferente daquele que a lei fixou. Quando isso ocorre, fica o Poder Judiciário autorizado a decretar a nulidade do ato, já que a Administração fez uso indevido da discricionariedade, ao desviar-se dos fins de interesse público definidos na lei. Outra é a teoria dos motivos determinantes, já mencionada: quando a Administração indica os motivos que a levaram a praticar o ato, este somente será válido se os motivos forem verdadeiros. Para apreciar esse aspecto, o Judiciário terá que examinar os motivos, ou seja, os pressupostos de fato e as provas de sua ocorrência. Por exemplo, quando a lei pune um funcionário, pela prática de infração, o Judiciário pode examinar as provas constantes do processo administrativo, para verificar se o motivo (a infração) realmente existiu. Se não existiu ou não for verdadeiro, anulará o ato. Começa a surgir no direito brasileiro forte tendência mo sentido de limitar-se ainda mais a discricionariedade administrativa, de modo a ampliar-se o controle judicial. (…) Essa tendência que se observa na doutrina, de ampliar o alcance da apreciação do Poder Judiciário, não implica invasão na discricionariedade administrativa; o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distingui-la da interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente”.[145]
Ainda sobre o tema, Odete Medauar, aduz que a possibilidade do controle mais apurado dos atos administrativo, nasceu muito antes da Carta Magna de 1998, vindo a assentuar-se após a promulgação desta, senão vejamos:
“A tendência de ampliação do controle jurisdicional da Administração se acentuou a partir da Constituição Federal de 1988. O texto de 1988 está impregnado de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias ante o poder público. Uma das decorrências desse espírito vislumbra-se na indicação de mais parâmetros de atuação, mesmo discricionária, da Administração, tais como o princípio da moralidade e o princípio da impessoalidade. O princípio da publicidade, por sua vez, impõe transparência na atuação administrativa, o que enseja maior controle. E a ação popular pode ter com um dos seus fulcros a anulação de ato lesivo da moralidade administrativa, independente de considerações de estrita legalidade. Hoje no ordenamento pátrio, sem dúvida, a legalidade assenta em bases mais amplas e, por conseguinte, há respaldo constitucional para um controle mais amplo sobre a atividade da Administração, como coroamento de uma evolução já verificada na doutrina e na jurisprudência antes de outubro de 1988. Evidente que a ampliação do controle jurisdicional não há de levar à substituição do administrador pelo Juiz, encontrando limites.”[146]
A moralidade administrativa é, para José de Ribamar Barreiros Soares, o fundamento e justificativa da possibilidade de exame do mérito administrativo pelo judiciário, haja vista que a Constituição Federal a erigiu ao “status” de princípio constitucional. Sendo assim, não restam dúvidas da possibilidade do exame jurisdicional do mérito, como bem leciona o autor, retratando que “a moralidade constitui um dos elementos integrantes do conceito de conveniência e oportunidade do ato administrativo e, portanto, do seu mérito, daí a possibilidade de seu exame pelo Judiciário”.[147]
Nesse diapasão, se um agente pratica um ato com todas as formalidades legais, mas com seu conteúdo imoral, este ato é tão arbitrário quanto um ato ilegal, encontrando na discricionariedade terreno fértil para a prática dessas imoralidades.
Apesar de posicionamentos contrários, ao controle da moralidade administrativa, não há o que se discutir quanto a sua possibilidade, uma vez que a Carta Constitucional deixou abertas as portas para o controle dos atos imorais no art. 5º, LXXIII, art. 37, §4º e art. 85, V[148].
Desta forma, se a Constituição diferenciou legalidade de moralidade é porque ambos serão analisados pelo judiciário diferentemente, visto que a moralidade é inerente ao mérito, possibilitando a verificação de possíveis arbitrariedades existente no seu conteúdo, como podemos conferir através do julgamento de Mandado de Segurança originário do STJ – Superior Tribunal de Justiça (STJ, MS 6166/DF, Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ de 06/12/1999[149]).
Mais uma vez, Ribamar nos contempla com seu comentário a respeito do assunto:
“A conveniência e oportunidade do ato administrativo devem levar em conta tais princípios, não podendo ser o mérito algo imune ao exame do Poder Judiciário, a quem compete verificar se o administrador, a título de critérios de conveniência e oportunidade, não desbordou desse poder discricionário – valendo-se de sua faculdade de livre apreciação -, de forma contrária à moralidade administrativa (…). A moralidade administrativa é, sem dúvida, um limite à discricionariedade administrativa. Cabe, portanto, ao Poder Judiciário o exame do mérito do ato administrativo, quando deste exsurgir o vício da imoralidade administrativa, podendo, neste caso, invalidar o ato da administração pública por força do princípio da moralidade administrativa, insculpido na Carta Magna.”[150]
Conclui-se, portanto, que dentre todos os tipos de controle, o mais importante sem dúvidas, é o controle jurisdicional, pois se efetua a pedido da parte interessada que se encontra lesada, e/ou ameaçada de lesão por uma conduta administrativa. No momento que o administrador comete um ato fundamentado na conveniência e oportunidade, mas que, no entanto, exorbitam os limites legais, o Poder Judiciário tem legitimidade para suprimi-lo, mesmo que para isso tenha que adentrar no mérito, visto que a conveniência e oportunidade encontram limites no interesse coletivo e principalmente no princípio da moralidade administrativa.
4.5 CONTROLE JURISDICIONAL DA DISCRICIONARIEDADE NA PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO
Como vimos, a discricionariedade é um poder conferido ao administrador público, para que diante de determinadas situações em que a lei não especifique objetivamente a conduta do agente, este, possa, através do juízo valorativo de oportunidade e conveniência, escolher dentre os comportamentos possíveis, aquele que melhor atinja o interesse coletivo.
Em sendo assim, se observa que este poder conferido à autoridade administrativa é autorizado por lei, encontrando nesta o seu limite e alcance. Caso o agente público exorbite os contornos delineados por lei, estará praticando o desvio de poder, ou seja, desvirtuando o poder discricionário conferido, e conseqüentemente, a finalidade ou motivo do ato, o que é passível de controle pelo Poder Judiciário.
Nesse diapasão, Hely Lopes Meirelles em seu trabalho “os Poderes do Administrador Público salienta que o desvio de poder:
“a que os franceses chamam détournement de pouvoir, nada mais é que a violação dissimulada da lei pelo agente administrativo, que embora nos limites de suas atribuições, usa de seu poder para fins ou por motivos diversos daqueles em virtude dos quais o poder lhe foi conferido. O desvio de poder é, em última análise, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei visando o administrador público a fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo legal. Embora fundado na lei, o administrador comete, em tal caso, um abuso de poder, pela imoralidade do fim visado, encobertamente, ou pela imoralidade dos meios e dos motivos invocados para o cometimento do ato.”[151]
Todo ato administrativo deve buscar uma finalidade desejada pela lei e, um motivo que justifique a prática da conduta. A partir disso, temos que todos os atos são carecedores desses elementos e com a permissão de uso de bem público não seria diferente.
A permissão de uso de bem público, é um ato administrativo, praticado dentro do poder discricionário que a depender da oportunidade e conveniência é deferido para um particular, de forma exclusiva para que este possa usufruí-lo, desde que, em prol do interesse público.
Temos então, que a oportunidade e conveniência implicam adequação, razoabilidade, moralidade e economicidade. O ato administrativo, desarrazoado, não econômico, imoral e inadequado não atende aos seus fins, não atende ao interesse público e vai de encontro ao sentido ontológico da Administração.[152]
Examinemos um caso relacionado a uma permissão de uso de um determinado bem público, onde a autoridade competente, levando em consideração a oportunidade e conveniência, após seu juízo valorativo, decidi ou não pelo deferimento da permissão do bem ao particular. Suponhamos que neste caso, após a análise dos pressupostos de conveniência e oportunidade, a autoridade competente se convença que a permissão do bem seja interessante para o poder público e assim permiti o uso do bem para o particular, depois de transcorridas todas as formalidades legais. Acontece, que este mesmo agente, movido por razões pessoais, resolve revogar a permissão conferida ao particular, concedendo-a para um parente de um político influente da região, que posteriormente, pode lhe garantir benefícios na sua carreira pública.
Deve-se esclarecer que discricionariedade não é arbitrariedade. Assim, o interesse público exige que um ato praticado no exercício do poder discricionário, preencha todos os requisitos determinados na lei.
Portanto, não seria do interesse público que uma autoridade deferisse a permissão de uso de um bem para um administrado que, além de haver a possibilidade de não preencher as condições exigidas, é concedida visando tanto interesses particulares do agente como interesses de terceiros.
No exemplo apresentado, não obstante, o parente do político preencher os requisitos da aludida permissão, ainda assim, seria contraria ao interesse público, visto que o ato foi praticado visando interesses alheios a vontade da lei, portanto, esta permissão de uso é carecedora da finalidade pública almejada por lei, caracterizando-se como um ato ilegal e passível de controle pelo judiciário.
Ainda em relação ao caso hipotético, o antigo permissionário prejudicado pela revogação ilegal, caso demonstre que os critérios de conveniência e oportunidade escondiam interesses e vontades pessoais da autoridade competente para a edição da permissão, poderá se socorrer através do poder judiciário para requerer a anulação da permissão, pois eivada de nulidade, ferindo o princípio da moralidade administrativa. Ademais, poderá também pleitear indenização, como veremos adiante, fundamentado no § 6º, do Art. 37 da Constituição Federal, onde expressa que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Corroborando com este entendimento, Jose de Ribamar Barreiros Soares, explica que:
“revelando-se o ato administrativo nocivo ao interesse público, impondo sacrifícios descomedidos, injustos e imorais a população e ostentando claramente uma hipótese de má gestão a coisa pública, deve o ato ser passível de anulação pelo Poder judiciário, em face da predominância do melhor interesse público”[153].
Resta clarividente que no exemplo em comento, caberia o Poder Judiciário analisar os aspectos da conveniência e oportunidade presente na permissão de uso concedida, não com o fito de explanar se foi conveniente ou não para a administração, mas com intuito de corrigir a ilegalidade administrativa que eivou a permissão de nulidade.
Cumpre esclarecer, que o objetivo da análise da conveniência e oportunidade pelo Judiciário, de forma alguma viola o princípio da separação dos poderes insculpido no art. 2º da nossa Carta, visto que sua finalidade é demonstrar motivos escusos e imorais que se escondem sobre a justificativa do poder discricionário, e que na verdade, tem o propósito de satisfazer interesses particulares do administrador.
Não obstante a possibilidade de controle jurisdicional da permissão de uso no que tange a oportunidade e conveniência cumpre-nos tecer também alguns comentários sobre os vícios que norteiam a finalidade e/ou os motivos de uma determinada permissão de uso.
A finalidade do ato, é o fim objetivado por lei, é o resultado almejado pela Administração como resultado da prática do referido ato.
A finalidade objetivada pelos atos administrativos é tarefa do legislador, desta forma, haverá possibilidades de escolhas do desígnio do ato pelo agente apenas em alguns casos. Quando não há liberdade de opção do agente, estamos falando da finalidade imediata do ato, não obstante, quando se referir a finalidade mediata da conduta, o administrador terá o poder discricionário para deliberar o escopo do ato praticado. Desta forma, se a autoridade no bojo de uma permissão de uso, se afasta da determinação legal, este ato se mostra ilegal, pois praticado com desvio de finalidade do interesse coletivo.
No que tange a esta modalidade de desvio de poder, Celso Antônio bandeira de Mello, esclarece que:
“O desvio de poder, com alheiamento a qualquer finalidade pública, é um vício que encontra espaço para medrar precisamente quando o agente público está no exercício de competência discricionária. A doutrina caracteriza genericamente o desvio de poder como ilegitimidade específica desta categoria de atos nos quais a administração dispõe de certa liberdade. No desvio de poder, praticado com fins alheios ao interesse público, a autoridade, invocando sua discrição administrativa, arroja-se à busca de objetivos inconfessáveis. É bem de ver que o faz disfarçadamente, exibindo como capa do ato algum motivo liso perante o direito”[154].
Como exemplo deste tipo de arbitrariedade, temos a situação hipotética de uma permissão de uso de um determinado bem público, concedida legalmente sob todos os aspectos a um particular, e na gestão de um determinado governo. Com a transição de governo, surge novos administradores públicos e coincidentemente a autoridade competente para a revogação das permissões, é inimigo do particular ao qual o bem público foi concedido para uso, ressaltando nos ditames da lei. Em sendo assim, a autoridade aproveitando-se da competência discricionária que a lei confere, e impulsionado por interesse de represália, resolve revogar a permissão de uso anteriormente concedida para perseguir seu desafeto, visando apenas satisfazer seu interesse de vingança, em total desatendimento ao fim público que deveria delinear a conduta do agente, revelando-se num ato totalmente ilegal, e por isso passível de controle jurisdicional.
“Em tal caso, a autoridade pratica um ato administrativo movido pela amizade ou inimizade, pessoal ou política, ou até em proveito próprio. Não raro está impulsionada pelo propósito de captar vantagem indevida, angariar prosélitos ou cegada por objetivos torpes de saciar sua ira contra inimigos ou adversários políticos, buscando molestá-los ou, pior ainda, vergá-los a suas conveniências”.[155]
Portanto, no desvio de finalidade, a autoridade competente pratica um ato administrativo, sem nenhuma finalidade pública, apenas almejando interesses particulares de amizade ou inimizades, de interesse próprio ou de terceiros, usando a máquina estatal para fins ilícitos, o que justificaria de pronto o controle jurisdicional dos lesados com o ato ilegal.
Por fim, resta-nos tecer alguns comentários sobre as possíveis ilegalidades perpetradas pelo agente público no deferimento ou revogação de uma permissão de uso quanto ao aspecto do motivo do ato.
Antes de adentrarmos no assunto, mister se faz diferenciar motivo de motivação e para isso, utilizamos as palavras de Sylvia Maria Zanella Di Pietro:
“Motivo segundo a autora é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. […] Não se confundem motivo e motivação do ato. Motivação é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os pressupostos de fato realmente existiram. A motivação diz respeito às formalidades do ato, que integram o próprio ato, vindo sob a forma de “consideranda”; outras vezes, está contida em parecer, laudo, relatório, emitido pelo próprio órgão expedidor do ato ou outro órgão, técnico ou jurídico, hipótese em que o ato faz remissão a esses atos precedentes”[156].
Motivo do ato, portanto, é a situação fática descrita na lei que serve de pressuposto para a edição do referido ato, caso, obviamente, que esta situação se realize.
Ainda sobre o motivo do ato, Diogo de Figueiredo alude sua importância:
“No plano público, o motivo sempre importará ora determinando uma conduta administrativa, ora possibilitando uma ou várias condutas juridicamente admissíveis. O motivo poderá ser, todavia, tanto um fato, como um direito ou uma conjugação de ambos, neste caso, um motivo composto, fático e jurídico, desde que preexistentes, ao ato administrativo, e suficientes para dar-lhe justificação e suporte. A distinção tem suma importância: se a lei prevê situação de fato e de direito como determinante da ação, o administrador público não terá outra alternativa que praticar o ato administrativo e tem-se o motivo vinculado; mas, se a lei, explícita ou implicitamente, deixar ao administrador a possibilidade de escolha, dentro de um campo de operações relativamente à oportunidade e à conveniência da atuação, tem-se o motivo discricionário”.[157]
A demonstração do motivo do ato é de suma importância para sua validade, pois segundo a teoria dos motivos determinantes, “a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija motivação, ele só será valido se os motivos forem verdadeiros”.[158]
Sufragando o mesmo entendimento Celso Antonio Bandeira de Mello, explica que:
“Se inocorrem os motivos supostos na lei, falta à autoridade um requisito insuprimível para mobilizar poderes cuja disponibilidade está, de antemão, condicionada à presença do evento que lhes justifica o uso. É claro que, além disto, à míngua deles, não se alcançaria a finalidade legal. Não há como superar o motivo da finalidade, pois são noções interrelacionadas.”[159]
Como exemplo desta manobra ardilosa da autoridade administrativa, temos a hipótese da revogação de uma permissão de uso de um determinado bem público, sob a alegação do agente administrativo de que a referida permissão tornou-se incompatível com a destinação do bem que fora objeto da permissão; e, uma vez revogada a permissão, a autoridade administrativa a deferi para terceira pessoa e com a mesma destinação que, segundo ele, era incompatível com o bem. Neste caso, o agente revogou a permissão ilegalmente, pois o seu ato estava viciado quanto ao motivo.
O agente público deve sempre ter em mente que não é proprietário do patrimônio da Administração, sendo apenas gestor dele, para objetivar o interesse coletivo, razão pelo qual lhe é conferido o poder discricionário, ferramenta hábil para que as finalidades legais sejam atendidas eficazmente em prol da sociedade.
Não existem ilegalidades praticadas no exercício da discricionariedade que estejam imunes ao controle jurisdicional. Explicando tal afirmativa, José de Ribamar Barreiros Soares prescreve:
“Não há, dessa forma, poder discricionário para mal gerir os negócios públicos, para administrar em afronta ao interesse público, quer quanto à legalidade, quer quanto à conveniência, à oportunidade e à moralidade. Submeter o ato administrativo a possibilidade de exame pelo Poder Judiciário, mesmo quanto a seu mérito, é forçar o administrador a zelar pelo interesse público no exercício das suas atribuições, agindo em conformidade com a moralidade pública que lhe é exigida”[160].
Portanto, a competência do Juiz no exercício de suas atribuições não é substituir os critérios valorativos de oportunidade e conveniência do administrador, mas, analisar e obstacularizar as possíveis imoralidades ou ilegalidades presentes nos atos praticados sobre a égide do poder discricionário.
4.5.1 Revogação ilegal da permissão de uso e o direito do permissionário a indenização
Como foi explanado em tópico pertinente, a Administração tem a prerrogativa de revogar a permissão de uso quando a mesma se mostre inconveniente ou inoportuna a coletividade.
No entanto, surge uma questão relevante em relação à revogação da permissão de uso de bem público, qual seja, é saber se nos casos de revogação se o permissionário teria direito a indenização e se eventualmente tivesse, em quais hipóteses seriam.
A questão da indenização do permissionário em caso de revogação é bastante controvertida, existindo correntes em todos os sentidos.
Para os que entendem que a revogação da permissão de uso não deve assistir nenhuma indenização ao permissionário, selecionamos Celso Antônio Bandeira de Mello onde explica que a permissão:
“Em suma, e para melhor caracterizar os casos de seu cabimento, poder-se-ia dizer que seu préstimo ajustar-se-ia às hipóteses em que a possibilidade de revogação unilateral a qualquer tempo e sem indenização – traço que se lhe dava como característico – não acarretaria conseqüências econômicas perniciosas, sendo, pois, um instituto aplicável, sobretudo em face de situações efêmeras, transitórias”.[161]
Alguns doutrinadores entendem que a própria Administração por desvirtuar o caráter transitório e sem prazo da permissão de uso, abriu precedentes para o direito a indenizações, mas somente nos casos em que o instituto tivesse prazo fixado, pois, nesses casos, os efeitos se igualariam a uma verdadeira concessão, com a natureza contratual própria desta, entretanto, alertam que a regra ainda é a outorga sem prazo fixado e por conseqüência sem direito a qualquer tipo de indenização.
Filia-se a esta corrente Maria Sylvia Zanella Di Pietro[162], retratando que não obstante seja de sua natureza a outorga sem prazo, tem a doutrina admitido a possibilidade de fixação de prazo, hipótese em que a revogação antes do termo estabelecido dará ao permissionário direito a indenização.
“Segundo a doutrinadora, a fixação de prazo aproxima de tal forma a permissão de uso da concessão que quase desaparecem as diferenças entre os dois institutos. Em muitos casos, nota-se que a Administração celebra verdadeiros contratos de concessão sob o nome de permissão. Isto ocorre porque a precariedade inerente a permissão, com possibilidade de revogação a qualquer momento, sem indenização, plenamente admissível quando se trata de permissão de uso de bem público (sem maiores gastos para o permissionário), é inteiramente inadequada quando se cuida de prestação de serviço público. Trata-se de um empreendimento que, como outro qualquer, envolve gastos; de modo que dificilmente alguém se interessará, sem ter as garantias de respeito ao equilíbrio econômico-financeiro, somente assegurado pelo contrato com prazo estabelecido”[163].
Se reportando a permissão de uso por prazo determinado, Cretella Júnior diz que:
“Em relação a esses institutos, que outorgam utilização privativa de bens públicos, as expressões a título precário e precariedade significam “revogáveis ad libitum” da Administração, a qualquer momento; se o Poder Público marca o termo final para qualquer desses institutos deixa ele de ser precário, visto não mais poder ser revogável a qualquer tempo, mas numa determinada época já conhecida, de antemão, pelo beneficiário, assinalando-se o prazo, tanto a concessão de uso, como a permissão e a autorização deixam de ser precárias, porque há um compromisso da Administração em respeitar a data assinalada. Assim, revogada a concessão ou permissão, antes do prazo, impõe-se a indenização.”[164]
Dando seguimento ao seu pensamento, o autor propõe a divisão da permissão de uso do patrimônio público em duas modalidades:
“Permissão de primeiro grau ou permissão simples que é configurada na hipótese de ocupação superficial que não ocasiona nenhuma alteração na fisionomia do bem público utilizado, como as outorgas para a instalação de bancas de jornais e revistas, nas calçadas, mesas e cadeiras para servir café e lanches, pequenas barracas móveis e transportáveis, cabina de banho nas praias e sendo assim, não gerará nenhuma indenização em caso de revogação e a a permissão de segundo grau ou qualificada que para ele, diz respeito à utilização privativa do domínio público com empresas, ou seja, com instalações onerosas que se aprofundam no solo ou que aparelham a parte do domínio ocupado para melhor aproveitamento do local, e neste caso, o permissionário terá direito a indenização.”[165]
Destarte, para o autor, a divisão da permissão em modalidades depende da fixação ou não do prazo final desta, e a depender da situação ela pode ser denominada “permissão de primeiro grau ou permissão simples”, modalidade geralmente utilizada, haja vista que, não há fixação de prazo, e assim, ocorrendo uma suposta revogação por parte da Administração, esta se dará em qualquer tempo e sem direitos indenizatórios e a “permissão de segundo grau ou permissão qualificada” quando houver tempo final assinalado, situação em que uma eventual revogação se dará mediante indenização.
Conclui Cretella, justificando a divisão da permissão de uso em modalidades, visto que, para ele a permissão é instituto que não se apresenta como um bloco infracionável. Ao contrário, suscetível de graduação, situa-se numa escala, conforme o solo público seja utilizado mais intensamente ou o tempo de uso seja maior ou menor[166].
Sufragando da mesma opinião, Hely Lopes Meirelles também concorda com a possibilidade de permissão com prazo fixo, a qual denomina de permissão condicionada, salientando que a indenização ao particular só caberá neste caso, inexistindo qualquer direito quanto à outorga sem prazo.
“É admissível a permissão condicionada, ou seja, aquela em que o próprio Poder Público, autolimita-se na faculdade discricionária de revogá-la a qualquer tempo, fixando em norma legal o prazo de sua exigência e/ou assegurando outras vantagens ao permissionário, como incentivo para a execução do serviço. Complementa assinalando que a assim, reduzem-se a discricionariedade e a precariedade da permissão às condições legais. Aduz ainda que se o interesse público exigir a revogação ou alteração de tais permissões, a Administração poderá fazê-lo, desde que indenize o permissionário dos danos que o descumprimento do prazo ou das condições da outorga lhe causar.”[167]
Por outro lado, cumpre salientar que, uma vez presente o interesse público, a limitação discricionária em comento desaparece, podendo o administrador revogar a permissão dentro da conveniência e oportunidade que do caso possam surgir, devendo, no entanto, indenizar o particular em caso de prejuízo, visto que não deu causa a extinção da permissão.
No que tange a modalidade de permissão sem prazo que é normalmente utilizada pela administração, Hely Lopes se posiciona contra a possibilidade de indenização, aludindo que:
“Enquanto, porém, o poder público não modificar as condições ou cassar a permissão, prevalece o estabelecido e poderá o permissionário defender seus direitos perante a Administração ou terceiros. E finaliza, cessará, repetimos, qualquer direito anteriormente reconhecido desde o momento em que o permitente, unilateral e discricionariamente, cassar a permissão ou impuser novas condições ao permissionário”.[168]
Desta forma, segundo o autor, o direito que assiste ao particular durante a vigência da permissão de uso, cessará quando o administrador revogá-lo, e sendo assim, nenhuma indenização caberá ao particular.
Será que esta atitude do Poder Público se coaduna com o princípio da Legalidade corolário de um Democrático Estado de Direito? Definitivamente não! Se a Administração vir a revogar ou alterar uma permissão de uso, que o faça, pois dispõe de uma prerrogativa discricionária para tal, desde que haja oportunidade e conveniência para o interesse social, no entanto, ao fazê-lo, deve necessariamente ressarcir o permissionário, se daquela decorrer danos, visto que não seria correto este arcar com o prejuízo sozinho, o que conseqüentemente tornaria o ato discricionário em arbitrário.
Para terceira corrente, qual seja a que defende a indenização em qualquer permissão de uso, quer seja com prazo fixado, quer seja nas sem prazo, em caso de suposta revogação, destacamos José dos Santos Carvalho Filho[169] que inicialmente esclarece que a precariedade da permissão de uso é um atributo indicativo de que o particular que firmou ajuste com a Administração está sujeito ao livre desfazimento por parte desta, sem que lhe assista direito a indenização por eventuais prejuízos.
Neste mesmo sentido e brilhantemente, Lucia Valle[170], comenta a responsabilidade da administração no caso de extinção da permissão de uso “A Administração Pública é responsável pelos danos a que der causa, ainda que esteja a agir de maneira lícita, na tutela de novo interesse público. Basta que se prove o nexo causal entre o dano e a conduta estatal e inexistam, as excludentes”.
Mais adiante, a autora afirma ser na responsabilidade do estado a justificativa para a indenização em caso de revogação, aludindo que “convém, entretanto, enfatizar; entendemos ser no instituto da responsabilidade do estado que se há de encontrar suporte para a indenização na hipótese de rescisão unilateral administrativa”.[171]
Ademais, diante de inúmeros posicionamentos, concordamos plenamente com o pensamento de Carvalho Filho e de Lúcia Valle Figueiredo, nos afiliando a corrente que defende o direito a indenização do permissionário em caso de desfazimento do ajuste por parte da Administração. Tal opinião advém da segurança jurídica que deve nortear as parcerias jurídicas, num mínimo de garantia ao administrado, pois este não pode ficar a todo livre alvitre do administrador, visto que, em parte, já estão (devido à discricionariedade do ato revogatório).
Outrossim, da leitura do art. 37, §6º[172] da Constituição Federal de 1988, se observa que a Administração Pública é responsável por qualquer atividade danosa que venha a causar a terceiros, visto que a sua responsabilidade é objetiva, ou seja, independente de culpa, desde que, cumpre salientar, inexistam as excludentes. Sendo assim, se a revogação da permissão de uso ensejar qualquer tipo de lesão ao permissionário, a administração estará obrigada a ressarcir os prejuízos que eventualmente provocarem.
Portanto, se a Administração revogar uma permissão de uso e conseqüentemente lesar direito do permissionário, este terá direito a indenização, sob pena de socorrer-se ao poder judiciário para fazer valer seu direito.
5 CONCLUSÕES
Como foi visto neste trabalho, a discricionariedade é um poder conferido por lei, inerente aos atos administrativos, onde, diante do caso concreto e da impossibilidade material de previsão legislativa de todas as condutas sociais, o administrador público, utilizando-se do seu juízo de valor e critérios de oportunidade e conveniência está autorizado a escolher dentre as possibilidades possíveis de solução, aquela que melhor se adéqüe as finalidades legais e interesse público simultaneamente.
Por tudo que foi estudado, observa-se a importância do poder discricionário no âmbito administrativo, visto que o próprio ordenamento jurídico concede ao administrador a prerrogativa de praticar atos segundo critérios subjetivos, o que se mostra raridade na administração pública, pois em regra os atos são vinculados, ou seja, seus contornos estão pré-estabelecidos na lei. No entanto, apesar da característica principal de servir como instrumento de eficácia social, muitos governantes inescrupulosos desvirtuam a discricionariedade do seu escopo principal, praticando atos com conteúdo totalmente ilegal, mas com arcabouço legal, resultando nos conhecidos atos arbitrários envolvidos sobre o manto da discricionariedade.
Dentre os atos conferidos dentro do poder discricionário, destacamos a permissão de uso de bem público, para demonstrarmos as facilidades de práticas ilegais, haja vista o seu caráter precário e a possibilidade de revogação unilateralmente pela administração sem a possibilidade de indenização do permissionário, incentivando o administrador público a objetivar no bojo do ato administrativo interesses particulares ou de terceiros, ao invés do interesse público, o que seria a regra.
A margem de liberdade conferida à administração não é absoluta tampouco ilimitada, isto porque as condutas estatais são alicerçadas nos princípios da legalidade, moralidade e razoabilidade e a eles devem submissão, visando desta forma coibir quaisquer atitudes que fujam da finalidade legal e por conseqüência gere a nulidade do ato proferido. Nesse sentido, o poder discricionário sofre limitações de natureza interna e externa, como demonstrado neste trabalho.
Dentre os controles externo o Jurisdicional, sem dúvida é o mais importante, visto que é requerido pela parte interessada quando diante de alguma ilegalidade perpetrada pela Administração. Desta forma, mediante o emprego dos remédios constitucionais, o cidadão provoca o pronunciamento do Poder Judiciário para que examine o ato e, demonstrado a ilegalidade, que retire do mundo jurídico os efeitos produzidos ou os que se produziriam caso o ato nulo continuasse a ter validade e eficácia.
Neste diapasão, explanamos que o controle jurisdicional dos atos administrativos, é tema de suma importância no direito moderno num Estado democrático de direito, pois se a Administração dita normas disciplinadora da sociedade não há motivos para ela não se sujeitar as referidas normas.
Destarte, somente o Poder Judiciário tem o poder-dever de coibir quaisquer arbitrariedades cometidas pelo gestor público ao deferir uma permissão de uso, quer seja na oportunidade e conveniência, no motivo ou na finalidade da permissão como demonstrado. Ademais, a competência do Judiciário não é somente no entendimento ultrapassado do aspecto da legalidade, mas também, sobre o aspecto do mérito administrativo, visto que é nele que os vícios se escondem com maior facilidade o que enseja punições severas para todos que maculem a imagem da à Administração Pública no seu sentindo mais amplo, como reflexo dos princípios constitucionais.
Entretanto surge um grande problema no momento de aplicar uma sanção aos infratores, pois se torna muito difícil identificar se realmente o ato desviou da sua finalidade precípua, haja vista, tratar-se de uma prerrogativa do administrador que poderá muito bem burlar de maneira imperceptível a arbitrariedade que introduzira no ato.
Diante desta possibilidade de insídia do agente ímprobo, surgi à necessidade de investigar e identificar a inescrupulosa intenção da autoridade responsável pelo ato e, por conseguinte conseguir a prova da improbidade. Tarefa esta nada fácil, tendo em vista que aqueles que agem com segundas intenções se cercam de toda cautela para não serem desmascarados.
Ademais, diante da dificuldade de se provar a conduta ilícita do agente administrativo, visa-se buscar não uma prova plena e sim, uma prova demonstrando que se aquele ato fosse praticado de forma diferente da que o agente fez, poderia proporcionar a finalidade que fora objetivada pela lei e que não foi seguida, assim, resta inequívoco que o agente agiu de má-fé devendo, por conseguinte ser punido pelo seu ato escuso.
No entanto também não se pode coadunar que o agente seja acusado da prática de um ato arbitrário, apenas por conjecturas, meras alegações da pratica daquele ato, acompanhado de elementos frágeis e sem nenhum respaldo jurídico.
Portanto, o judiciário deve buscar a prova com olhos de lince, não se atendo a provas absolutas que levam a quase verdade, mas também não se atendo somente a resquícios de provas. Deve se basear no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, diante de cada caso concreto que demonstre indícios de arbitrariedades no ato administrativo.
O que foi demonstrado neste trabalho é a necessidade de um controle mais amplo do poder discricionário tanto no aspecto formal quanto de mérito e não somente um controle restrito como defendem alguns doutrinadores, visto que se trata de patrimônio público o que requer maior fiscalização para que os objetivos legais não sejam desvirtuados e venham causar lesões ou ameaça de direitos a particulares ou coletividade.
Advogado, pós-graduando em direito civil pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia – UFBA
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