Resumo: A administração indireta, dada a sua própria definição, tem por característica certa autonomia com relação ao ente a qual está vinculada. No caso das agências reguladoras, essa autonomia assume ainda maior envergadura, trazendo o nosso ordenamento uma série de prerrogativas e de instrumentos hábeis a garantir a livre atuação da atividade regulatória. Essa liberdade, entretanto, não se dá em termos absolutos, tendo o Judiciário e a Administração Pública já se manifestado no sentido de ser cabível a supervisão e o controle hierárquico dos Ministérios em face das agências, por meio de recursos administrativos ou revisão ex officio. O artigo estuda os limites da autonomia das agências e os casos em que o controle ministerial é admissível.
Palavras-chave: Direito Constitucional e Administrativo. Agências Reguladoras. Autonomia. Controle ministerial.
Sumario: 1 – Introdução; 2 – Autonomia da Administração Indireta (características e extensão); 3 – Autonomia das agências e Contrato de Gestão; 4 – Controle exercido pela Administração Direta; 5 – Relação entre as agências e os ministérios; 6 – Conclusão. Referencias.
1. Introdução.
Tem o presente trabalho o escopo de analisar os limites e a extensão da atividade das Agências Reguladoras, o que pressupõe a perquirição dos limites das suas competências e os eventuais conflitos com a atuação do Poder Executivo e seus Ministérios.
Trata-se ainda, no presente estudo, da possibilidade de intervenção ministerial na atividade das agências e quais seriam os instrumentos aptos para tal.
Ab inicio, pretende-se proceder a uma exploração introdutória, de modo a analisar de forma genérica a questão da autonomia dos entes da administração indireta.
Em seguida, adentra-se à específica questão das agências, analisando os instrumentos hábeis conferidos pelo ordenamento jurídico pátrio com o objetivo de garantir um maior grau de autonomia para a atividade regulatória.
Essa liberdade, porém, não se dá em termos absolutos, tendo a doutrina, a jurisprudência dos tribunais superiores e a própria administração já se manifestado pela possibilidade de controle ministerial das atividades regulatórias em determinadas situações.
Na realidade, o que se tem entendido é que descabe intervenção da Administração Indireta caso a matéria em questão envolva a atividade finalística da agência (matéria de regulação) e ela esteja adequada às políticas públicas setoriais e ao ordenamento jurídico.
Por fim, será feita uma analise da relação entre as agências reguladoras e o poder público, mormente no que tange a atuação do Poder Executivo central em face das agências, como o fito de delimitar qual o papel de cada ente e assegurar um balanço coerente entre autonomia e controle externo.
2. Autonomia da Administração Indireta (limites e extensão).
A Administração Indireta, na análise de Hely Lopes Meirelles, “é o conjunto dos entes (entidades com personalidade jurídica) que vinculados a um órgão da Administração Direta, prestam serviço público ou de interesse público”[1].
Como cediço, na atuação dos entes da administração indireta, a participação Poder Executivo é, em tese, reduzida, haja vista que a própria concepção de autarquia pressupõe a idéia de relativa independência e autonomia.
É de se notar, porém, que, conquanto seja inegável esse grau de independência e autonomia de que gozam as autarquias, seus atos devem respeito às orientações emanadas pelos ministérios a que estão vinculadas, e as decisões das suas autoridades, conforme o caso, podem ser revistas por autoridades superiores externas. Nesse sentido, completa o referenciado autor, aduzindo que as autarquias “São entes autônomos, mas não são autonomias. Inconfundível é autonomia com autarquias: aquela legisla para si; esta administra a si própria, segundo as leis editadas pela entidade que a criou”.[2]
Ademais, temos que os dirigentes autárquicos podem ser destituídos dos seus cargos ad nutum, o que, na prática, vincula inteiramente tais entidades às orientações e às políticas traçadas pelo Presidente da República, de sorte que, no âmbito das autarquias e fundações públicas, não se pode, dado o poder de tutela que o executivo exerce sobre elas, falar em independência funcional, sem fazer as devidas ressalvas.
Trazendo à baila a idéia invocada de tutela das autarquias e corroborando com o entendimento aqui esposado, Celso Antônio Bandeira de Melo preconiza:
“Tutela ou controle das autarquias – isto é, o poder de influir sobre elas com o propósito de conformá-las ao cumprimento dos objetivos públicos em vista dos quais foram criadas, harmonizando-as com a atuação administrativa global do Estado – está designado como supervisão ministerial. Todas as entidades da Administração indireta encontram-se sujeitas à supervisão da Presidência da República ou do Ministro a cuja Pasta estejam vinculadas. Este último a desempenha auxiliado pelos órgãos superiores do Ministério.
São objetivos deste controle ou ‘supervisão’ assegurar o cumprimento dos objetivos fixados em seu ato de criação; harmonizar sua atuação com a política e programação do Governo no correspondente setor de atividade; zelar pela obtenção de eficiência administrativa e pelo asseguramento de sua autonomia administrativa, operacional e financeira.”[3]
Vê-se assim que autonomia conferida à administração indireta encontra uma série de óbices, dada a sua vinculação legal ante aos ministérios.
3. Autonomia das agências e Contrato de Gestão.
No caso específico das agências reguladoras e de algumas outras autarquias de regime especial, tem-se que as mesmas foram idealizadas com um grau de autonomia bem maior do que a estabelecida por lei para as autarquias convencionais.[4]
A existência de mandato fixo para os dirigentes, a conseqüente estabilidade destes,[5] a falta de subordinação aos Ministérios, os poucos casos de recursos hierárquicos externos e outras garantias previstas nas respectivas leis de criação das autarquias asseguram, pelo menos em tese, uma maior autonomia e desvinculação de suas decisões às vontades políticas da situação.
Ademais, foi introduzida no Direito pátrio o instituto do Contrato de Gestão, instrumento hábil a conferir autonomia ainda maior à atividade regulatória, razão pelo qual merece uma analise criteriosa neste estudo.
Conforme ensina Diógenes Gasparini[6], trata-se o contrato de gestão de um:
“Ajuste celebrado pelo Poder Público com órgãos e entidades da Administração direta, indireta e entidades privadas qualificadas como organizações sociais, para lhes ampliar a autonomia gerencial, orçamentária e financeira ou para lhes prestar variados auxílios e lhes fixar metas de desempenho na consecução de seus objetivos.”
Como assevera Leila Cuéllar, o contrato de gestão é celebrado entre um ministério supervisor e uma pessoa jurídica de direito público interno, podendo as Agências Reguladoras figurar como sujeitos do contrato de gestão, quando assim a lei possibilitar.
Observe-se que as relações jurídicas provenientes dos contratos de gestão não são sinalagmáticas, já que não há obrigações e prestações recíprocas, pois ao Ministério incube somente acompanhar a execução do contrato, avaliar o desempenho institucional da autarquia e divulgá-lo publicamente, enquanto que compete à autarquia aprimorar os seus processos internos e a própria regulação expedida, no sentido de melhorar o serviço público em questão, nos termos do contrato.
Assim, tendo sido introduzido no ordenamento jurídico pátrio pela emenda constitucional nº 19/98, que acrescentou o parágrafo 8º ao art. 37 da Constituição[7], o contrato de gestão constitui-se em um instrumento de controle da atuação administrativa da agência e do seu desempenho, estabelecendo parâmetros e metas para a administração interna do ente regulador, bem como fixando indicadores que permitam quantificar, objetivamente, este desempenho.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles preleciona:
“O contrato de gestão tem sido considerado como elemento estratégico para a reforma do aparelho administrativo do Estado. Ele não apresenta uniformidade de tratamento nas várias leis que o contemplam, mas sua finalidade básica é possibilitar à Administração Superior fixar metas e prazos de execução a serem cumpridos pela entidade privada ou pelo ente da Administração indireta, a fim de permitir melhor controle de resultados.
Na verdade, não se trata de um contrato propriamente dito, porque não há interesses contraditórios. Trata-se mais de um acordo operacional – acordo de Direito Público – pelo qual o órgão superior da Administração direta estabelece, em conjunto com os dirigentes da entidade contrata, o programa de trabalho, com a fixação de objetivos a alcançar, prazos de execução, critérios de avaliação de desempeno, limites para despesas, assim como o cronograma da liberação dos recursos financeiros previstos.”[8]
Para Luiz Alberto Santos,[9] o contrato de gestão seria um complemento aos instrumentos de controle social, pois permite a fixação de metas e implementação de atributos de transparência para melhoria da eficiência regulatória. Afirma, ainda, o mesmo autor, que seria um contra-senso concordar com a tese dos autores que defendem que a assinatura do contrato de gestão poderia trazer como conseqüência direta a diminuição da autonomia da agência contratante, embasando seu posicionamento no fato de o alcance da autonomia agencial e as formas do seu exercício estarem previstas na própria legislação, não podendo, assim, serem limitadas pelo contrato. No mesmo sentido, a orientação emanada em estudo realizado pelo Executivo sobre a viabilidade do modelo regulatório no País, publicado em 2003:[10]
“É fundamental, contudo, que tais contratos não coloquem em xeque a independência das agências e de seus dirigentes. Nesse sentido, as condicionalidades do contrato de gestão não devem implicar a restrição de liberdade na tomada de decisões para a implementação das políticas setoriais definidas no contrato ou ensejar a possibilidade de demissões dos dirigentes. De modo mais geral, deve-se recordar que já existem, hoje, instâncias de controle interno e externo da administração pública. Em particular, o Tribunal de Contas da União tem papel primordial no controle social e mesmo da gestão dos diversos órgãos da administração pública.”
Segundo o mesmo estudo, o desenvolvimento de instrumentos de controle social das agências é um importante avanço para o bom funcionamento do modelo regulatório implantando no país. Por fim, os autores propõem mecanismos de participação e controle social, tais como:
“a) obrigatoriedade de consultas públicas para fins de coleta de informações e críticas acerca dos temas cuja regulação esteja a cargo das agências (princípios da motivação e transparência); b) ampliação do papel das entidades de defesa do consumidor nos processos de acompanhamento de consultas públicas e de outras atividades realizadas pelas agências; c) criação de Ouvidorias; d) incrementar a transparência das regras, especialmente quanto à regulação de contratos entre regulados e reguladores; e) mecanismos de prestação de contas ao Poder Legislativo.”[11]
Dessa forma, o contrato de gestão passaria a ser um instrumento de acompanhamento da atuação administrativa da agência reguladora e da avaliação de seu desempenho. Ressalte-se que existe em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de Lei Geral das Agências[12] que propõe, dentre outras medidas, a exigibilidade do contrato de gestão para todas as agências, a fim de universalizar a utilização desta ferramenta.
4. Controle exercido pela administração direta.
Entretanto, é de se ter em mente que, na medida em que são atribuídas aos órgãos reguladores independência e amplas competências de intervenção num dado setor, não parece legítimo atribuir-lhes também competência absoluta para idealizar e instituir as respectivas políticas públicas setoriais. Tal hipótese implicaria em uma perigosa concentração de competências, apta a por em risco o próprio princípio democrático, porquanto obstaria aos representantes eleitos a prerrogativa de determinar os desígnios e prioridades a serem materializados pela atividade regulatória.
De se ressaltar que o Supremo Tribunal Federal, na ocasião do julgamento da medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 1668, já estabeleceu o entendimento de que as agências se submetem ao controle exercido pelo Executivo. O seguinte trecho do julgado é elucidativo:
“A citada independência [das agências reguladoras] não afasta, em si, o controle por parte da Administração Pública Federal, exercido, de forma direta, pelo Ministro de Estado da área e, de maneira indireta, pelo Chefe do Poder Executivo, o Presidente da República. Na verdade, o que encerra a alusão à citada independência é a autonomia, em si, do serviço […]. Destarte, o enquadramento ocorrido, considerado o que se apontou como regime autárquico especial, longe está de revelar a existência de uma entidade soberana, afastada do controle pertinente.”[13]
No mesmo sentido, e abordando o tema com maior profundidade, já se manifestou a Advocacia-Geral da União, por meio do Parecer AGU Nº AC-51, de 12 de junho de 2006. Em tal oportunidade, fixou-se entendimento no sentido de que: a) as agências se submetem às políticas públicas elaboradas pelos Ministérios setoriais; b) cabe recurso hierárquico impróprio ou revisão ex officio nos casos em que agências ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta; c) não cabe recurso hierárquico ou revisão ministerial caso a matéria em questão envolva a atividade finalística da agência (matéria de regulação) e ela esteja adequada às políticas públicas setoriais. [14]
O parecer em foco foi aprovado pelo Presidente da República e, portanto, tem caráter normativo e vincula toda a administração pública federal, nos termos do art. 41, § único da Lei Complementar nº 73/93. Vejamos a ementa do ato em tablado:
“EMENTA: PORTO DE SALVADOR. THC2. DECISÃO DA ANTAQ. AGÊNCIA REGULADORA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO PELO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. SUPERVISÃO MINISTERIAL. INSTRUMENTOS. REVISÃO ADMINISTRATIVA. LIMITAÇÕES.
I – O Presidente da República, por motivo relevante de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal- (DL nº 200/67, art. 170).
II – Estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por provocação dos interessados, inclusive pela apresentação de recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências reguladoras referentes às suas atividades administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta.
III – Excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão administrativa ministerial, não pode ser provido recurso hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores contra as decisões das agências reguladoras adotadas finalisticamente no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o setor.
IV – No caso em análise, a decisão adotada pela ANTAQ deve ser mantida, porque afeta à sua área de competência finalística, sendo incabível, no presente caso, o provimento de recurso hierárquico impróprio para a revisão da decisão da Agência pelo Ministério dos Transportes, restando sem efeito a aprovação ministerial do Parecer CONJUR/MT nº 244/2005.” […]
Há, porém, quem entenda que essa posição trazida pela Advocacia Geral da União, por dar azo à revisão ministerial dos atos das agências reguladoras, criou uma despicienda forma de controle das agências, uma vez que não observou a exigência de expressa previsão legal para o cabimento do recurso hierárquico impróprio. Some-se a isto o fato de a legislação das agências, notadamente a da ANATEL, ANAC e ANVISA, estabelecer claramente a inexistência de vinculo hierárquico entre a agência e o ministério, pelo que seria legalmente incabível o recurso hierárquico impróprio.
Nesse sentido, Vital Moreira aduz que a atuação das agências reguladoras encontra-se prevista em leis específicas e até mesmo na Constituição, pelo que se torna impossível o controle da administração direta sobre esse ponto.[15]
Vicente Bagnoli critica o referido parecer, pois o mesmo representa a possibilidade de redução da autonomia das Agências Reguladoras Independentes:
“[…] o maior revés às agências reguladoras, ocorre com o despacho do Presidente da República em 2006 ao aprovar o Parecer da Advocacia-Geral da União, que analisando a divergência entre o Ministério dos Transportes e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) reconhece o “recurso hierárquico impróprio”, algo que interfere decisivamente na autonomia e na independência das agências reguladoras.”[16]
No entanto, pode-se depreender da própria fundamentação do Parecer que a hipótese de cabimento está adstrita aos casos em que os atos questionados contrariem a Lei ou as políticas públicas formuladas pelos Ministérios. Neste sentido, ressalvados os possíveis abusos de tal instrumento, mostra-se lícito afirmar que a intenção de realinhamento das atuações das agências às políticas públicas é idônea, inclusive consistente com o conceito de regulação aqui adotado.
Ressalte-se ainda que, em desconformidade com os posicionamentos dos autores acima citados, o entendimento que predomina é o da possibilidade de revisão apenas dos atos convencionais das agências. Assim, a matéria eminentemente regulatória (atividade fim da agência) não pode ser revista pelo Ministério supervisor justamente em função da previsão legal de inexistência de vínculo hierárquico, salvo nas hipóteses previstas no Parecer, quais sejam, a extrapolação das competências legais da agência ou a não observância das políticas públicas traçadas pelo Ministério correspondente.
Com efeito, é inegável a existência de determinado grau de sujeição das agências reguladoras ao Poder Executivo Central, inclusive no que tange às políticas públicas por ele estabelecidas, pelo que defende majoritariamente a doutrina a possibilidade de certo controle ministerial nesse sentido. Esse controle, porém, não pode, em hipótese alguma, sobrepujar-se à cogente autonomia das agências, sendo perfeitamente aceitável que as agências possam estabelecer, por conta própria, políticas regulatórias a serem aplicadas ao setor, respeitados, naturalmente, os condicionantes legais, regulamentares e as políticas traçadas pelo governante.
Para Bárbara Marchiori de Assis:
“Um entendimento jurídico para políticas públicas seria interessante, tendo em vista que a partir de sua compreensão poder-se-ia elaborar uma delimitação mais evidente para as competências do Poder Executivo Central e das agências reguladoras. Em curtas palavras, um melhor entendimento jurídico acerca das políticas públicas permitiria uma distribuição de tarefas mais claras entre os Ministérios e as agências e, conseqüentemente, um melhor diálogo entre essas instituições.”[17]
5. Relação entre as agências e os ministérios.
Nessa guia, cumpre-se buscar de forma mais precisa a delimitação de qual é o papel da Administração Central e qual é o das agências, buscando sempre um alinhamento com a autonomia conferida às agências reguladoras e com a necessidade de uma supervisão ministerial que garanta o controle das políticas.
Conforme o raciocínio acima, se faz imperioso analisar a relação entre as agências reguladoras e o poder público, mormente no que tange à sua atuação frente ao Poder Executivo central.
Fica a cargo dos Ministérios, que integram o Poder Executivo Central, constituir um relacionamento com as agências, isto é, estabelecer as diretrizes que o setor econômico deve seguir dentro de um plano global de desenvolvimento. É certo que as agências acabam por segmentar demais os seus conhecimentos, dada a natureza de sua atuação, voltando-se exclusivamente para os setores inseridos no âmbito de sua regulação, em uma atuação praticamente estanque em relação às demais agências. Assim, cumpre ao Governo ponderar as especificidades de cada agência dentro de um contexto mais abrangente de políticas públicas.
Neste momento, é bem importante aduzir que a relação entre os ministérios e as agências deve consistir sempre em uma via de mão-dupla, de modo que as agências funcionem como fontes de informação de seus setores, colaborando para que o Estado desenvolva um plano que articule todas as áreas da economia e priorize as mais importantes, planos estes que se traduzem em diferentes políticas setoriais, as quais serão viabilizadas justamente pela atuação ramificada dos órgãos reguladores. Daí a importância da interação entre agência e o executivo, pois proporciona ao Estado instrumentos e meios necessários para intervir de forma eficaz na ordem econômica.
Nas precisas lições de Salomão Filho:
“A ação planejadora do Estado deve buscar uma ação interventiva que, antes de tudo, permita ao Estado adquirir conhecimento do setor, suas utilidades e requisitos de desenvolvimento. Como já anteriormente discutido, o principal problema de qualquer ação econômica, seja estatal ou privada, é um problema de conhecimento. Conhecer a realidade é pressuposto essencial para que se possa modificá-la.”[18]
Ressalte-se que, por outro lado, a própria estrutura de funcionamento das agências sempre vai corroborar com uma real possibilidade de conflito em sua relação com o poder central. É que, sendo independentes e autônomas as agências, existe a possibilidade, em tese, de que as políticas regulatórias traçadas pelos seus diretores venham a entrar em conflito com as políticas de governo e as políticas públicas traçadas pelo Executivo.
Estes conflitos não devem ocorrer em grande escala, pois, como dito alhures, as políticas públicas setoriais devem sempre se adequar às políticas de estado. Ademais, elas também condicionam a atuação das agências, as quais, segundo o que foi exposto, devem se pautar sempre nos parâmetros e balizas estabelecidos na lei, regulamentos e políticas públicas.
Na verdade, o que se espera é a possibilidade de autonomia e flexibilidade para as agências, de modo a permitir que elas internalizem no setor as políticas públicas da melhor forma possível e de modo a gerar menos impacto. Afasta-se a concepção de vinculação estrita, que engesse a liberdade criativa da agência, pois as leis instituidoras das agências estabelecem estas prerrogativas (independência e autonomia).
Dessa forma, podem ser estabelecidas pelas agências diversas nuances específicas para o setor, de modo a melhor executar, sob um ponto de vista macro, as políticas estabelecidas.
Assim, arriscamo-nos a afirmar que prazos, metas, obrigações e condicionamentos podem ser impostos ou modificados pela política regulatória, de modo a atender as metas governamentais da melhor forma, bem como respeitar a capacidade do setor regulado e os direitos dos consumidores – os finais destinatários das políticas idealizadas.
Ocorre que podem se desenvolver divergências relevantes, a ponto de causar conflitos entre agências e governantes. Em tese, existe a possibilidade dos dirigentes das Agências formularem políticas públicas contrárias aos interesses políticos do Presidente eleito democraticamente. Ressalte-se, ainda, como bem observa Paulo Todescan Lessa Mattos,[19] as decisões das agências, apesar de serem pretensamente pautadas pelo tecnicismo, acabam envolvendo, muitas vezes, escolhas verdadeiramente políticas (decisionismo), traduzidas nas normas das editadas pelas agências, as quais devem ser legitimadas.
Nesse diapasão, Alexandre Santos Aragão[20] sustenta acertadamente que as agências reguladoras têm uma autonomia limitada. Segundo o autor, estes limites, além de não serem incompatíveis com a característica de autonomia das agências, integram o seu próprio conceito. Não se poderia imaginar que um órgão, por mais autônomo que fosse, pudesse ficar alheio ao conjunto da Administração Pública, considerando o sistema constitucional brasileiro.
O fortalecimento desse modelo regulatório, entretanto, depende da consolidação das agências como instituições de Estado, bem como das suas prerrogativas. Na realidade, são necessários alguns acertos na legislação pátria a fim de garantir a autonomia e a autoridade das decisões das Agências, bem como mecanismos de controle e escape, para uso em casos realmente relevantes. Precisa-se também de um amadurecimento político, a fim de se evitar desvios maléficos ao regime, a exemplo das disputas de poder entre ministérios e agências e a indicação de diretores com base em critérios políticos e não predominantemente técnicos.
6. Conclusão.
Consiste a Administração Indireta no conjunto dos entes que, vinculados a um órgão da Administração Direta, prestam serviço público ou de interesse público.
Na atuação desses entes a participação do Poder Executivo é reduzida, haja vista que a própria concepção de autarquia pressupõe a idéia de relativa independência e autonomia.
Dada a existência de certas prerrogativas como o estabelecimento de mandatos fixos para os seus dirigentes, a estabilidade dos Diretores, a falta de subordinação aos Ministérios, os poucos casos de recursos hierárquicos externos e outras garantias previstas nas respectivas leis de criação, temos que, no caso específico das agências reguladoras, as mesmas foram idealizadas com um grau de autonomia ainda maior do que a estabelecida por lei para as autarquias convencionais.
É de se ter em mente, entretanto, que, na medida em que são atribuídas aos órgãos reguladores independência e amplas competências de intervenção num dado setor, não parece legítimo atribuir-lhes também a competência absoluta para idealizar e instituir as respectivas políticas públicas setoriais.
Nesse sentido, o Parecer AGU Nº AC-51, de 12 de junho de 2006, norma com caráter vinculante para toda a Administração, fixou entendimento no sentido de que as agências se submetem às políticas públicas e, em caso de desvio, se sujeitam ao poder de supervisão dos Ministérios.
Com efeito, é inegável a existência de determinado grau de sujeição das agências reguladoras ao Poder Executivo Central, inclusive no que tange às políticas públicas por ele estabelecidas, pelo que defende majoritariamente a doutrina a possibilidade de certo controle ministerial nesse sentido.
É de se ressaltar, porém, que esse controle não pode, em hipótese alguma, afetar a autonomia das agências, sendo perfeitamente aceitável que as agências possam estabelecer, por conta própria, políticas regulatórias por conta própria, respeitados os condicionantes legais.
Assim, a relação entre os ministérios e as agências deve ser harmoniosa, de modo que se desenvolvam políticas que articulem todas as áreas da economia e priorizem as mais importantes.
Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Procurador Federal em atuação no Estado do Ceará, pesquisador e autor de livros e artigos sobre temas de Direito Administrativo e de Direitos Fundamentais
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