Sumário: 1. Introdução. 2. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. 3. O Brasil diante da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. 4. Os Direitos da Mulher na Constituição Federal de 1988. 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O processo de internacionalização dos direitos da mulher começa com o processo de internacionalização dos direitos humanos. O reconhecimento de que o indivíduo é titular de direitos pelo simples fato de sua humanidade alcança também as mulheres. No entanto, a manifestação universal de direitos sofreu fortes resistências dos adeptos do movimento do relativismo cultural, no qual a noção de direitos está precisamente relacionada ao sistema político, econômico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade, o que impede a formação de uma moral universal.
As diferenças de padrões morais e culturais podem ser exemplificadas com a prática da clitorectomia[1] e da mutilação feminina[2], utilizadas em muitas sociedades de cultura não-ocidental. Acontece que não se pode consentir atos de violências, torturas e mutilações em nome da diversidade ou respeito às tradições culturais ou religiosas que reinam no ordenamento secular dessas sociedades.
A posição relativista denota o esforço em justificar graves casos de violação dos direitos humanos, que ficariam imunes ao controle da comunidade internacional. Ocorre que, independentemente do sistema político, econômico e cultural, é obrigação dos Estados impulsionar e proteger todos os direitos humanitários e liberdades fundamentais. A universalidade é melhorada pela diversidade cultural, a qual jamais pode ser recorrida para justificar o indeferimento ou violação dos direitos humanos.
2. CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
Nesse sentido, tanto as Nações Unidas quanto o sistema interamericano de direitos humanos decidiram adotar Convenções de direitos humanos que explicitassem as especificidades de diferentes sujeitos de direitos, como crianças, os membros de minorias étnicas e as mulheres.
Foi neste cenário que foi aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas, através da Resolução n. 34/180, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a mulher em 18 de dezembro de 1979, sendo adotada no âmbito do sistema global.
Até 24 de novembro de 2004, essa Convenção contava com 179 Estados-partes. Conquanto esse dado reflita a ampla adesão dos Estados a esta Convenção, esta enfrenta a contradição de ser o instrumento que recebeu o maio número de reservas formuladas pelos Estados, dentre os tratados internacionais de direitos humanos.
Um número significativo de reservas concentrou-se na cláusula que diz respeito à igualdade entre homens e mulheres na família. Tais reservas foram justificadas baseadas na ordem religiosa, cultural ou mesmo legal, havendo países, como Bangladesh e Egito, que acusaram o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher de praticar “imperialismo cultural e intolerância religiosa”, ao infundir a idéia de igualdade entre homens e mulheres, até mesmo na família.
Isso fortalece a concepção de quanto a implementação dos direitos humanos das mulheres está condicionada à dicotomia entre os espaços público e privado, que, em muitas sociedades, limita a mulher ao espaço restritivamente doméstico do lar.
A Convenção é baseada na dupla obrigação de eliminar a discriminação e assegurar a igualdade.
A Convenção sobre a Mulher define no seu art. 1º, a discriminação contra a mulher:
“Para fins da presente Convenção, a expressão ‘discriminação contra a mulher’ significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
A Convenção trata de uma ampla gama de temas relacionados ao reconhecimento da igualdade de direitos entre homens e mulheres nas esferas política, econômica, social e familiar, além de reconhecer direitos relativos à capacidade civil, à nacionalidade, à seguridade social, à saúde, em especial à saúde reprodutiva, à habitação e às condições de vida adequadas, dentre outros.
Ao ratificar a Convenção, os Estados-partes avocam o compromisso de, gradualmente, eliminar todas as formas de discriminação no que tange ao gênero, assegurando a efetiva igualdade entre eles.
A Convenção retrata a ótica de que capacidades e exigências que decorrem de diferenças biológicas entre os gêneros devem também ser aceitas e ajustadas, sem suprimir a titularidade das mulheres à igualdade de direitos e oportunidades.
Para tanto, a Convenção prevê a possibilidade de adoção de “ações afirmativas”, como importantes medidas a serem adotadas pelos Estados para tornar mais célere o processo de consecução da igualdade. São medidas compensatórias que visam remediar as desvantagens históricas de um passado discriminatório. Tais medidas cessarão quando alcançado o seu objetivo.
Para acompanhar e avaliar a execução da Convenção pelos Estados-membros e os avanços conquistados na sua aplicação, as Nações Unidas criaram no texto desta Convenção, art. 17, um Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher. Por esta Convenção, os Estados-partes comprometeram-se a submeter ao Secretário Geral das Nações Unidas, 1 ano após a entrada em vigor da Convenção, um Relatório que evidencie o modo pelo qual estão implementando a Convenção e quais as medidas legislativas, administrativas e judiciárias, seguidas para tornar efetivo o seu conteúdo. A cada 4 anos esse Relatório deverá ser atualizado e, mais uma vez, apresentado para exame do Comitê. É a primeira vez que os Estados têm que prestar contas a organismos internacionais da forma pela qual defendem os direitos das mulheres, permitindo o acompanhamento e a fiscalização internacional.
Nesta seara, novos procedimentos devem ser adotados para fortalecer a implementação da igualdade das mulheres, bem como de seus direitos humanos. A Convenção será reforçada por um Protocolo Opcional, uma espécie de legislação processual que dinamiza o texto da Convenção, estabelecendo os procedimentos necessários para a apresentação de denúncias.
Importa observar que a Convenção não enfrenta a temática da violência contra a mulher de forma explícita, embora essa violência constitua grave discriminação.
Em 1993, foi adotada a Declaração sobre a Eliminação da Violência Contra a Mulher, o primeiro documento internacional de direitos humanos focado exclusivamente na violência contra a mulher. Esse documento afirma que a violência contra a mulher viola e degrada os direitos humanos da mulher em seus aspectos fundamentais de liberdade. Tal preceito rompe com a equivocada dicotomia entre o espaço público e o privado relativo à proteção dos direitos humanitários, declarando que a ofensa desses direitos não se restringe à esfera pública, mas também atinge o domínio privado. A Declaração estabelece ainda o dever dos Estados de condenar e eliminar a violência contra a mulher, não invocando qualquer costume, tradição ou consideração religiosa para afastar suas obrigações concernentes à eliminação dessa violência.
A proteção internacional dos direitos humanos das mulheres foi reforçada pela Declaração e Programa de Ação de Viena de 1993 e pela Declaração e Plataforma de Ação de Pequim de 1995, ao dar ênfase que os direitos das mulheres são parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Nessa ótica, não há como imaginar os direitos humanos sem a plena observância dos direitos das mulheres.
Na esfera internacional, a Conferência de Viena, em 1993, reafirmou o mérito do reconhecimento universal do direito à igualdade relativa ao gênero, rogando pela ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres.
Finalmente, em 12 de março de 1999, a 43ª sessão da Comissão do Status da Mulher da ONU concluiu o Protocolo Opcional à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher. O Protocolo estabeleceu dois mecanismos de monitoramento: a) o mecanismo da petição, que permite o encaminhamento de denúncias de violação de direitos enunciados na Convenção à apreciação do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher; e b) um procedimento investigativo, que habilita o Comitê a investigar a existência de grave e sistemática violação aos direitos humanos das mulheres.
Para acionar estes mecanismos de monitoramento, é indispensável que o Estado tenha ratificado o Protocolo Opcional.
O Protocolo entrou em vigor em 22 de dezembro de 2001.
3. O BRASIL DIANTE DA CONVENÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE DISCRIMINAÇÃO CONTRA A MULHER
Na esfera nacional, a Constituição brasileira de 1988, constitui um marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos e da trajetória democrática no país, imediatamente consagrando a primazia do respeito aos direitos humanos como modelo defendido para a ordem internacional.
A Constituição Federal de 1988 institui o fim da vasta Declaração de Direitos por ela prevista e estabelece em seu § 2º, art. 5º, o seguinte: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
A Carta de 1988 inova ao abranger dentre os direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais de que o Brasil seja signatário, concedendo aos direitos internacionais uma natureza especial e diferenciada, qual seja, de norma constitucional.
Quanto à conseqüência jurídica do Direito Internacional dos Direitos Humanos no direito brasileiro, o legislador nacional buscou orientação e inspiração neste instrumental internacional, equacionando o direito interno às obrigações internacionalmente assumidas. Seja em face da sistemática de monitoramento internacional, seja em face do vasto universo de direitos que assegura, o Direito Internacional dos Direitos Humanos promove o processo de redefinição do próprio conceito de cidadania, no âmbito brasileiro. O conceito de cidadania se vê ampliado e alargado na medida em que passa a abranger não apenas direitos e garantias previstos no plano nacional, mas também direitos internacionalmente enunciados e garantias de natureza internacional.
O marco inicial do processo de incorporação de tratados internacionais de direitos humanos pelo direito brasileiro foi a ratificação, em 1º de fevereiro de 1984, da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher.
Insta mencionar que, quando da ratificação da Convenção, em 1984, o Brasil apresentou reservas ao art. 15, § 4º [3]e ao art. 16, § 1º, a, c, g e h[4] da Convenção. O art. 15 assegura a homens e mulheres o direito de livremente escolher seu domicílio e residência. O art. 16 estabelece a igualdade de direitos entre homens e mulheres no casamento e nas relações familiares. Em 20 de dezembro de 1994, o Governo brasileiro notificou o Secretário Geral das Nações Unidas acerca da eliminação das aludidas reservas.
A partir dessa ratificação à supra referida Convenção, inúmeros outros relevantes instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também introduzidos pelo direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal de 1988, dentre eles a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, em 27 de novembro de 1995.
4. OS DIREITOS DAS MULHERES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
No período da Assembléia Nacional Constituinte, junto com o movimento feminista autônomo e outras organizações do movimento de mulheres de várias partes do Brasil, o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, criado em 1985, conduziu a campanha nacional “Constituinte pra valer tem que ter palavra de mulher”.
“Foram realizados eventos em todo o país e posteriormente as propostas regionais foram sistematizadas em um encontro nacional com a participação de duas mil mulheres. Estas demandas foram apresentadas à sociedade civil e aos constituintes através da ‘Carta das Mulheres à Assembléia Constituinte’”.[5]
O movimento feminista deste período conseguiu aprovar 80% de suas demandas através de uma ação direta de convencimento dos parlamentares, que ficou identificado na imprensa como o “lobby do batom”.
A pressão dos movimentos feministas, do movimento organizado de mulheres e a articulação dos conselhos dos direitos das mulheres no processo constituinte, resultou em importantes conquistas na Constituição Federal, na perspectiva da igualdade de direitos entre homens e mulheres, como afirma o inciso I do art. 5º.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
(omissis)”
A Carta de 1988 proclama ainda outros direitos específicos das mulheres, tais como:
a) a igualdade entre homens e mulheres especificamente no âmbito da família (art. 226, § 5º);
b) a proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil (art. 7º, XXX, regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, que proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho);
c) a proteção especial da mulher do mercado de trabalho, mediante incentivos específicos (art. 7º, XX, regulamentado pela Lei 9.799, de 26 de maio de 1999, que insere na Consolidação das Leis do Trabalho regras sobre o acesso da mulher ao mercado de trabalho);
d) o planejamento familiar como uma livre decisão do casal, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito (art. 226, § 7º, regulamentado pela Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que trata do planejamento familiar, no âmbito do atendimento global e integral à saúde); e
e) o dever do Estado de coibir a violência no âmbito das relações familiares (art. 226, § 8º).
Os direitos trabalhistas, na Constituição de 1988, amplia os direitos dos brasileiros que ocupam posições fora do setor formal, como foi o caso das trabalhadoras domésticas, com sua integração à Previdência Social e acesso a outros direitos. Foram mantidos todos os direitos das trabalhadoras, presentes na Lei Trabalhista de 1943 (CLT), tais como a licença-maternidade, que foi estendida para 120 dias, sem prejuízo do emprego e do salário. Foi criada, ainda, a licença-paternidade de cinco dias após o parto, além da proposta de assistência gratuita aos filhos e dependentes dos trabalhadores de ambos os sexos, desde o nascimento até os seis anos de idade, em creches e pré-escolas.
Além destes avanços, existe a Lei 9.504, de 30 de setembro de 1997, que estabelece normas para as eleições, dispondo que cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. E, também, a Lei 10.224, de 15 de maio de 2001, que dispõe sobre o crime de assédio sexual.
5. CONCLUSÃO
O presente artigo teve por objetivo estudar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e suas conseqüências no Brasil.
Não é preciso uma inquirição muito aprofundada para verificar que a eqüidade de gênero, pregada pela nossa Constituição Federal de 1988 e pelos tratados internacionais ratificados pelo Estado brasileiro, é uma realidade remota. Para que esta igualdade entre homens e mulheres não seja apenas teórica, e torne-se prática, são necessárias profundas transformações sociais, políticas e culturais, nacional e internacionalmente.
As conseqüências perversas dessa tradição discriminatória se traduzem nas mais variadas formas de violação dos direitos humanos da mulher: estupros, violência doméstica e familiar, prostituição forçada, violência física e psicológica mutilação, penas severas por adultério etc, constituindo, destarte, um retrocesso às conquistas na esfera dos direitos humanos.
Destarte, o presente artigo teve por objetivo estudar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher e suas conseqüências no Brasil.
Acadêmica de Direito da FURG
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