Por Marina Amari, advogada, mestranda em Direito das Relações Sociais pela Universid
Sabe-se com precisão o ponto de partida da Covid-19. Até o momento, contudo, seu término parece não ter data. Ficar em quarentena até a descoberta da vacina? Continuar a abertura gradual do comércio? Perguntas sem respostas. Não se sabe, tampouco, as medidas a serem adotadas a longo prazo. Afinal, quanto tempo durará o longo prazo?
O pânico inicial gerado pela pandemia da Covid-19 vai se tornando, aos poucos, combustível para a reestruturação social e econômico-financeira. A quarentena que duraria um mês se estende e faz com que a sociedade a ela se amolde. Utilizando-se de sua arte de (quase) sempre se adaptar à dificuldade, o indivíduo espanta sua zona de conforto e obriga-se a encontrar meios de educar, trabalhar e até mesmo consumir nesse período. As tecnologias destacam-se como fortes aliadas desse tempo em que tudo é volátil. A criatividade ganha espaço. Plataformas digitais são construídas para suprir o que antes apenas estava projetado presencialmente.
Em meio a um cenário no qual a incerteza impera, o mínimo de previsibilidade é, mais do que bem vindo, essencial.
Com números exponenciais de vitimados que abrangem majoritariamente a população idosa, os cartórios do Paraná registraram um crescimento de 70% na procura por testamentos, segundo dados apresentados pela Gazeta do Povo[1]. De mesmo modo, profissionais são procurados para a elaboração de demais atos típicos de um planejamento sucessório. A preocupação com o aumento da tributação é apontada como um fator decisivo nessa mudança[2].
Apesar da inabitualidade de planejamento ─ em todos os seus aspectos ─ na vida dos brasileiros, e o fato de o assunto ser corriqueiramente evitado no seio familiar, o planejamento sucessório passa de mera ferramenta voltada a reduzir o pagamento de tributos, a uma escolha inteligente nesse momento.
Por meio dele, é possível driblar as amarras da sucessão hereditária e a complexidade das normas sucessórias. Isso porque atua em várias frentes; reduz a carga tributária e antecipa atos em vida. Sem que haja previsão de mudanças na legislação sucessória, ainda que tramite projeto de lei com fins de dar maior autonomia ao proprietário do patrimônio[3], é a maneira atual pela qual se evitam conflitos sucessórios e se protegem os bens familiares, respeitada a vontade de quem detém sua titularidade.
O planejamento sucessório é avaliado de acordo com a estrutura familiar e patrimonial, podendo contar com uma conjugação de alternativas jurídicas, como a elaboração de holdings, a doação em vida, a implementação de usufruto, a criação de acordo de acionistas e sócios.
O testamento é ferramenta essencial a um bom planejamento, e suas limitações legais devem ser conjugadas com essas outras alternativas legais, a fim de formatar a arquitetura sucessória almejada.
Visando a evitar os problemas que envolvem a invalidação de um testamento, mais recentemente conhecidos em razão da repercussão midiática de figuras públicas, o testador deve se atentar à legítima, correspondente a 50% do patrimônio. Assim, quem possui um ou mais herdeiros necessários (cônjuge, descendentes e ascendentes) pode dispor da outra metade, beneficiando, por exemplo, um terceiro, ou apenas um dos filhos.
A observância da discussão envolvendo o enquadramento do companheiro ─ termo utilizado para parceiros em união estável ─ como herdeiro necessário também é essencial na formulação do planejamento. Isso porque recentemente o STF estendeu ao companheiro as regras sucessórias aplicáveis ao cônjuge. Ainda que na decisão não houvesse discussão direta sobre o alcance do julgado, tendo, de fato, ficado aberto o enquadramento ou não do companheiro como herdeiro necessário, a tendência do Direito de Família e Sucessório atual é a de equiparação dos efeitos do casamento à união estável.
Ademais, é fundamental que seja feito um levantamento dos bens do sucessor, pois não existe fórmula pronta para a implementação das medidas. O trabalho de profissionais especializados consubstancia-se na construção da melhor estratégia, qual seja, a que irá sustentar a vontade do proprietário dos bens.
O planejamento sucessório envolve, necessariamente, um planejamento tributário. A opção pelas holdings, por exemplo, além de estratégia de concentração empresarial,é interessante porque há imunidade tributária do ITBI, em boa parte dos casos[4], quando se incorpora patrimônio à pessoa jurídica em realização de capital. Significa dizer que, se pensado estrategicamente, é possível evitar esse imposto no ato de transferência de imóveis para a holding.
Não sem razão, fundadores de empresas familiares estão se atentando para a necessidade de compatibilização da família, da gestão e do patrimônio. A preocupação é pertinente. Afinal, dados do IBGE e do SEBRAE demonstram que a absoluta maioria (90%) dos empreendimentos nacionais correspondem a empresas familiares, mas 30% sucedem à segunda geração e apenas 5% atingem a terceira[5][6]. A Pesquisa Global da PwC demonstra que 72,4% das empresas familiares não apresentam plano de sucessão[7].
Os mecanismos de proteção patrimonial, especialmente em relação às empresas, são variados. Regras sobre governança, formulação de pactos antenupciais e a contratação de previdência privada são geralmente implementadas. A antecipação da legítima, com a gravação da participação societária com cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade, inalienabilidade e usufruto também é medida que pode ser levada a cabo dentro do ambiente empresarial.
É, portanto, recomendada a concentração de esforços para um adequado planejamento sucessório, que equilibre as imposições legais com a autonomia privada do titular dos bens. É, enfim, maneira de assegurar um mínimo de previsibilidade.
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Notas
[1] FONTES, Juliana. Cartório do PR registram aumento de 70% em testamentos por causa do coronavírus. Gazeta do Povo. 23/03/2020. Acesso em 03 de abril de 2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.
[2] GREGORIO, Rafael. Covid-19 faz crescer consultas sobre sucessão entre gestores e advogados. Valor Investe. Acesso em 14 de maio de 2020. Disponível em: https://valorinveste.globo.
[3] De autoria da Senadora Soraya Thronicke, o Projeto de Lei nº 3799/2019 visa à modernização do direito sucessório inscrito no Código Civil, prevendo alterações no tocante aos herdeiros necessários, a ampliação das hipóteses de deserdação, a diminuição das burocracias etc.
[4] O art. 156, §2º, I, da Constituição Federal prevê que não incidirá o ITBI na transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da pessoa jurídica, salvo se “a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
[5] ABREU, Vitor. Os desafios da empresa familiar: gestão e sucessão. Sebrae. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em:https://m.sebrae.com.br/
[6]Folha de Londrina. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em: http://www.sebrae-sc.com.br/
[7] SAMPAIO, Luciano. Empresas familiares e planos de sucessão. PwC. Acesso em 13 de maio de 2020. Disponível em: https://www.pwc.com.br/pt/
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