Sumário: 1 Origem da CPMF. 2 Para que serve a CPMF. 3 Pressão governamental para aprovar sua prorrogação ate 2011. 4 Natureza jurídica da CPMF. 5 CPMF como instrumento de opressão do fisco.
1 Origem da CPMF
A previsão de instituição do IPMF – Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira –, logo batizado como ‘imposto do cheque’, está na polivalente EC nº 3/93.
Esse imposto veio como sucedâneo do imposto sobre grandes fortunas, até hoje não instituído, e também como sucedâneo do imposto inominado que poderia ser criado pela União, com fundamento no art. 154, I da CF.
A União não teve vontade política para incomodar os poucos afortunados de nossa sociedade, e também preferiu abrir mão de sua competência residual para criar um imposto não permitido pela Carta Política, mediante alteração constitucional por via da já referida EC nº 3/93. Foi a maneira astuta que encontrou para não ter que entregar aos Estados e ao DF os 20% do produto da arrecadação do imposto instituído no exercício de competência residual (art. 152, II da CF). Daí a compreensível pressão, que os governadores estão fazendo, para condicionar o apoio à prorrogação da CPMF à partilha do produto de sua arrecadação.
Aprovada a Emenda veio à luz a LC nº 77/93 instituindo o IPMF e definindo o seu fato gerador, a movimentação financeira. Não se sabe o porquê da lei complementar, a não ser para dificultar sua alteração ou para transmitir à opinião pública a idéia de maior representatividade do instrumento normativo criador de mais um encargo tributário.
A EC nº 12/96 prorrogou esse imposto provisório para financiar as ações e serviços do Fundo Nacional de Saúde. Sabedora de que o inciso IV do art. 167 da CF proíbe a vinculação do produto de arrecadação de imposto ao fundo, despesa ou órgão, a União, por sugestão do então Ministro da Saúde, tratou de alterar a sua denominação para CPMF, que veio a ser instituído pela Lei 9.311/96, sem que houvesse a alteração de uma vírgula sequer na norma definidora de seu fato gerador, que continua expressando um tributo absolutamente desvinculado de qualquer atuação específica do Estado, o que caracteriza a espécie tributária conhecida como imposto.
Emendas e leis ordinárias vêm prorrogando a CPMF, atualmente com alíquota de 0,38%, para vigorar até 31-12-2007.
Essas prorrogações sempre vieram embutidas no bojo da Reforma Tributária que, a exemplo da PEC nº 41/03, acabou redundando apenas na prorrogação da CPMF e da DRU, seguida de uma pequena piorada no ITR. Tudo o mais foi postergado.
Agora, nova proposta de prorrogação foi embutida na proposta de Reforma Tributária do Governo, ainda em fase de elaboração final. Mas, em face de sistemática oposição feita pelos diversos setores da sociedade, as prorrogações da CPMF e da DRU foram retiradas do âmbito da Reforma Tributária sendo incluídas na PEC nº 50/77, ora em discussão no Congresso Nacional.
2 Para que serve a CPMF
A PEC nº 50/07 prevê a prorrogação da CPMF até 31 de dezembro de 2011, com a alíquota atual de 0,38% assim subdividida: 0,20% para financiar ações de serviços da saúde; 0,10% para financiar a Previdência Social, e 0,8% destinado ao Fundo de Combate à Pobreza e Erradicação da Miséria.
Quem está atento à realidade social sabe que a assistência à saúde vem decaindo após a instituição da CPMF. Na época de sua primeira prorrogação o Ministro da Saúde dizia: “quem está contra CPMF, está contra a saúde do brasileiro”. Nada mudou de lá para cá; ao contrário, em algumas cidades o atendimento piorou de lá para cá. A Previdência Social vem acumulando déficits por razões já conhecidas pelo grande público: desvio oficial e oficioso de suas verbas. O contingente de pobres e miseráveis não diminuiu desde a instituição do Fundo de Combate à Pobreza e Erradicação da Miséria pela EC nº 31/2000, gerando uma explosão de violência que parece não ter fim.
O que é pior, a mesma PEC nº 50/07, a exemplo das anteriores, que prorroga a CPMF até 31/12/2001, destinando à Previdência Social 0,10% do produto de sua arrecadação, está também prorrogando a DRU pelo mesmo período até 31/12/2001, retirando, mensalmente, 20% da receita da contribuição social pertencente ao órgão securitário. Onde a coerência?
3 Pressão governamental para aprovar sua prorrogação até 2011
Para aprovar a PEC º 50/07 o governo partiu para o jogo do vale tudo. A fim de obter a adesão dos parlamentares o governo, praticamente, enterrou a Reforma Política, que já era ruim desde a origem. Agora, acena-se com a anistia daqueles que violaram a regra da fidelidade partidária.
Fracassada a grita pela manutenção do equilíbrio das finanças públicas, agora, o governo está apelando para a necessidade de se manter os programas na área de saúde, mais ou menos no estilo do então Ministro da Saúde do ano de 1996 retro referido. Apontam-se carências nessa área, tentando sensibilizar os que estão contra a CPMF. Acontece que as deficiências no setor de saúde, como de resto, nos demais setores, decorrem da má gestão: desperdício de dinheiro público, quando não acontece algo pior. Apontar carências no setor da saúde, portanto, é como atirar pedrinhas para cima.
Na verdade, existem recursos financeiros excedentes para as necessidades normais do Estado na sua missão de realizar o bem comum. Se for para aumentar ainda mais o tamanho do Estado, já paquidérmico, que sequer consegue se sustentar, direcionando o grosso das receitas para atividades-meios, com o fito de aumentar desmesuradamente os absurdos benefícios dos detentores do poder, é claro que nem ultrapassando os atuais 37% de arrecadação do PIB haverá recursos suficientes para execução de obras e serviços. Basta simples exame ocular das últimas leis orçamentárias anuais para se ter uma idéia do ridículo, em termos de fixação despesas de investimentos, a comprometer as gerações futuras.
Como é possível falar em falta de recursos financeiros se o governo está patrocinando o ‘trem da alegria’ para efetivar cerca de 500 mil servidores públicos que ingressaram pela porta da cozinha? A ditadura militar, que inventou os ‘cargos em comissão’, por razões perfeitamente compreensíveis na época, já se foi há quase duas décadas. Entretanto, o governo civil, não só manteve esses ‘cargos em comissão’, como também vem decuplicando seu número, periodicamente, para oportuna incorporação aos quadros permanentes de pessoal, implicando numa mistura generalizada no seio da burocracia estatal, a refletir negativamente no seu desempenho funcional.
Além disso, o governo atual está para criar mais 29 mil cargos a pretexto de reestruturar carreiras do Executivo, para aumentar a eficiência no serviço público, como se a quantidade de servidores, por si só, fosse o suficiente para a melhoria do serviço público. A eficiência no serviço público, que é um dos princípios da administração, proclamado no art. 37 da CF, é incompatível com a mistura generalizada de servidores concursados e servidores nomeados sem concurso, porque estes últimos são avessos ao princípio da hierarquia, cuja observância é de capital importância para a atuação harmoniosa, disciplinada, positiva e produtiva.
4 Natureza jurídica da CPMF
A verdadeira natureza jurídica da CPMF é de imposto. Toda contribuição social deve ter referibilidade direta entre aquele que paga e o que recebe algum tipo de benefício. Em outras palavras, somente integrantes de um grupo que tenha relação direta com as finalidades da contribuição social é que devem pagá-las. Por isso, o produto de sua arrecadação deve ser integralmente destinado ao atendimento das finalidades que determinaram a sua instituição. Ela tem, intrinsecamente, natureza causal.
Não basta a roupagem jurídica de “contribuição” pois isso seria burlar o rígido princípio constitucional discriminador de impostos. E mais, se a Constituição Federal prevê 5 espécies tributárias é porque uma é diferente da outra. Do contrário bastaria referir-se ao gênero tributo.
A CPMF, a exemplo da CIDE, que veio à luz para conservação e manutenção de rodovias (já perdemos 1/3 da malha viária a partir de sua instituição), não está cumprindo a sua finalidade, pelo que ela é duplamente inconstitucional.
5 CPMF um instrumento de opressão do fisco
Por derradeiro, o interesse na prorrogação da CPMF não reside apenas na arrecadação de 38 bilhões que ela proporcionaria, mas também para servir de mais um instrumento de coerção na atividade fiscalizadora da Receita Federal do Brasil. Seus dados são veladamente utilizados na fiscalização do imposto de renda.
Apesar de a Lei nº 10.174, de 9 de julho de 2001, determinar o sigilo das informações prestadas, relativas ao CPMF, ela faculta ao fisco sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente à apuração do crédito tributário, quando o titular da conta bancária devidamente intimado não comprova documentalmente a origem dos recursos utilizados na movimentação financeira.
O pior é que a jurisprudência do STJ vem tolerando a utilização dos dados da CPMF para instruir o inquérito policial destinado a apurar eventual crime contra ordem tributária, baseado em fatos anteriores à vigência da Lei nº 10.174/01. Seria caso de retroatividade benigna pró fisco?
SP, 6-09-07.
Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
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