Resumo: O presente trabalho trata do controle judicial dos atos administrativos que resultam na criação e provimento de cargos públicos em comissão, cujo objetivo é demonstrar a possibilidade de intervenção mais efetiva do Poder Judiciário, inclusive quanto à análise do mérito desses atos, sem afronta ao princípio da separação dos poderes, em função da discricionariedade assegurada pela Constituição Federal aos gestores públicos. O entendimento quanto à impossibilidade de um controle judicial, ou mesmo de um controle restrito aos aspectos formais, contribuem para que, mesmo diante dos excessos cometidos, os responsáveis não sejam punidos pelos danos provocados ao erário. Dessa forma, defende-se um controle mais efetivo, sem que represente uma atuação ilimitada pelo Poder Judiciário, em substituição ao administrador, haja vista a autonomia conferida pelo ordenamento jurídico. No entanto, uma atuação limitada aos aspectos meramente formais, não possibilitará o cumprimento da ordem jurídica em vigor.
Palavras-chave: Administração Pública; Princípios; Controle; Cargos; Comissão.
Abstract: This work deals with the judicial review of administrative acts that result in the creation and provision of public office in committee, whose purpose is to demonstrate the possibility of more effective intervention of the judiciary, including how to assess the merit of these acts, without affront to the principle of separation of powers, according to the discretion guaranteed by the Constitution for public managers. The impossibility of understanding as to a judicial review, or even a strict control to the formal aspects, contribute to, even in the face of the excesses committed, those responsible are not punished for the damage to the treasury. Thus, it argues a more effective control, without which represents an unlimited action by the judiciary, replacing the manager, given the autonomy granted by law. However, a role limited to purely formal, do not allow compliance with the law in force.
Keywords: Public administration; Beginnings; Controls; Charges; Service charge.
Sumário: Introdução; 1. Princípios informadores da Administração Pública. 1.1. Legalidade. 1.2. Impessoalidade ou Finalidade. 1.3. Moralidade. 1.4. Publicidade. 1.5. Eficiência. 1.6. Razoabilidade e Proporcionalidade. 2. Cargos em Comissão. 2.1. Criação e provimento. 2.2. Atribuições e relevância para a Administração Pública. 3. O controle dos atos administrativos pelo poder judiciário. 3.1. Possibilidade. 3.2. Limites da competência jurisdicional. 3.3. Controle judicial quanto à criação e provimento de cargos em comissão. 4. A jurisprudência do STF. Considerações finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A proposta para realização do presente trabalho surgiu da necessidade de se buscar um entendimento quanto à possibilidade de uma intervenção mais efetiva do Poder Judiciário frente a essa questão bastante comum na administração pública, que é a criação e provimento de cargos públicos em comissão.
É cediço que o acesso aos cargos públicos em nosso país sempre foi privilégio para poucas pessoas, principalmente daquelas que possuíam um padrinho que as conduzisse, apesar de que, desde a Constituição da República de 1934, o concurso já era requisito para investidura em cargos públicos, cuja regra fora mantida em todas as constituições promulgadas ou outorgadas posteriormente.
No entanto, a obrigatoriedade da prévia aprovação em concurso público, para ingresso nos cargos públicos, tomou força com o advento da atual ordem constitucional, promulgada em 05 de outubro de 1988.
Assim, com a obrigatoriedade de aprovação prévia em concurso de provas ou de provas e títulos, conforme comando inserto no artigo 37, inciso II da Constituição da República, cuja finalidade é permitir, de forma democrática e isonômica, o acesso aos cargos públicos, a livre escolha, que antes era atribuída aos administradores públicos, restringiu-se aos cargos de livre nomeação e exoneração, conforme ressalva contida no próprio texto constitucional.
Dessa forma, voltaram-se todas as atenções para esses cargos, uma vez que o provimento de cargos públicos sempre foi uma das formas utilizadas pelos administradores públicos para favorecimento de amigos e familiares. Na verdade sempre foram usados como “moeda” em troca de favores, em detrimento dos interesses públicos, haja vista que as pessoas que ocupam os cargos nestas condições não são selecionadas pelo mérito, comprometendo a qualidade dos serviços a serem prestados à sociedade.
Acontece que, independentemente da discricionariedade para nomeação e exoneração dos ocupantes de cargos em comissão, o administrador não pode deixar de observar os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade, eficiência, dentre outros que norteiam a administração pública, sob pena de afronta aos interesses da sociedade.
Assim, com base nessas considerações, a proposta visa formar um entendimento quanto à possibilidade de um controle judicial sobre os atos administrativos que criam cargos em comissão, sempre que estes resultarem em abuso de poder, isto é, quando a conveniência e oportunidade da administração são substituídas pela do administrador.
Para análise da questão apresentada, o trabalho traz uma breve abordagem sobre os princípios informadores da Administração Púbica, seguindo com o exame de alguns aspectos mais específicos em relação aos cargos em comissão, mostrando a importância quanto à definição e competências a serem desempenhadas por seus ocupantes, uma vez que estas atribuições são elementos capazes de demonstrar uma possível inconstitucionalidade, caracterizando burla a regra do concurso público, enquanto requisito para admissão de servidores em cargos de natureza efetiva.
Procurou-se ainda demonstrar a importância desses cargos para a administração pública, principalmente pela necessidade de constantes mudanças na estrutura administrativa, necessária para adequação dos serviços públicos às demandas da sociedade, que a cada dia se tornam mais complexas, além do fato de que algumas atividades requerem a nomeação de pessoas que guardam certa relação de confiança com a autoridade nomeante.
Em seguida tratou-se da questão do controle judicial dos atos administrativos, dando-se ênfase aos atos discricionários, mais precisamente em relação à possibilidade e limites do controle, uma vez que, em relação à criação e provimento dos cargos em comissão, cabe aos administradores, discricionariamente, a definição do número e seus ocupantes, em função da livre nomeação e exoneração inerentes aos mesmos.
Por último, fora feita uma abordagem sobre controle judicial dos atos que resultam na criação e provimento de cargos em comissão, com ênfase na possibilidade de intervenção do Poder Judiciária, defendendo-se uma atuação mais efetiva desse poder, tendo em vista que mesmo quanto à conveniência e oportunidade, é possível e até mesmo necessária tal intervenção, sem que isto signifique afronta ao princípio da separação dos poderes.
1. PRINCÍPIOS INFORMADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A administração pública deve observar as normas impostas pela ordem jurídica, sobretudo a nova ordem instituída pela atual Constituição da República que, em seu artigo 37, impõe à administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes, seja da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, além de outros princípios e regras. Estes princípios, conforme expressamente elencados no texto constitucional, são considerados princípios informadores, ou, basilares da administração pública. São princípios norteadores da atuação dos administradores públicos quando no desempenho das funções públicas.
Esses princípios ao expressarem o alicerce sobre o qual incidirá a função administrativa, orientando a atuação dos gestores públicos, têm uma importância fundamental quando impõe limites à atuação desses agentes, razão pela qual, sem qualquer interesse em valorar determinado princípio em relação aos demais, faremos uma breve análise dos mesmos, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, por considerarmos importantes para uma melhor compreensão quanto ao objeto desse trabalho.
1.1Legalidade
O princípio da legalidade assegura que a atuação da Administração Pública encontra-se pré-definida no ordenamento jurídico-administrativo, ou seja, cabe ao administrador público, quando do desempenho de suas funções, observar as determinações impostas pela lei. Isto significa, em tese, que a Administração Pública somente poderá desempenhar atividades que estejam em conformidade com o que a lei determina.
Hely Lopes Meirelles ensinava que:
“Na administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos”.
Dessa forma, pode-se observar que a atividade administrativa não pode se desviar da lei, sob pena dos atos, assim praticados, serem declarados nulos de pleno direito, além do fato de que seus responsáveis poderão responder nas esferas administrativa, civil e criminal. A Constituição da República ao determinar que a atuação da Administração Pública deve obediência ao princípio da legalidade, assim o fez em nome do interesse público, tendo em vista que este deve se sobrepor ao interesse privado.
No entanto, é importante ressaltar que a legalidade deve ser vista em seu sentido amplo, isto é, não apenas restrita ao texto da lei, mas, sobretudo, em consonância com os demais princípios constitucionais.
1.2Impessoalidade ou finalidade
A razão de existência do Estado é a tutela dos interesses públicos primários, ou seja, promoção do bem-estar social, justiça, dentre outros. Assim, quando se impõem aos administradores públicos que suas ações devem ser norteadas neste sentido, tem-se como objetivo evitar que as mesmas sejam desviadas para o interesse e promoções pessoais.
O princípio da impessoalidade visa exatamente impedir que as pretensões pessoais dos administradores se sobreponham aos interesses públicos. Todo ato administrativo deve atender a esses interesses, não podendo haver favoritismos pessoais ou a terceiros, tampouco perseguições por questões políticas, religiosas, ideológicas ou pessoais de qualquer natureza.
Celso Antonio Bandeira de Melo, ao discorrer sobre o princípio da impessoalidade, afirma que:
“O que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguições dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade”.
1.3Moralidade
A Constituição da República ao elencar os princípios basilares da Administração Pública, os quais devem ser observados pelos administradores quando no desempenho de suas funções, inseriu o princípio da moralidade, significando que a atuação daqueles agentes públicos deve ser conduzida com base nos preceitos éticos, da boa-fé, honradez, da lealdade, da probidade.
O legislador constitucional ao inserir o princípio da moralidade, dentre aqueles que devem nortear a atuação dos administradores públicos, deixou claro que não basta o estrito cumprimento da lei para que os atos praticados sejam considerados válidos. Significa então que o administrador deve observar não apenas os aspectos legais do ato, ou seja, diferenciando o legal daquilo que é ilegal, mas, também entre o honesto e o desonesto. Segundo Hely Lopes Meirelles, “a moralidade administrativa constitui, hoje em dia, pressuposto de validade de todo ato da Administração Pública”. E continuava afirmando ainda que: “por considerações de Direito e de Moral, o ato administrativo não terá que obedecer somente à lei jurídica, mas também à lei ética da própria instituição, porque nem tudo que é legal é honesto.”
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 160.381/SP, cujo relator foi o Ministro Marco Aurélio, assim manifestou-se em relação ao princípio da moralidade:
“Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública (art. 37 da Constituição Federal). Isso não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina JESUS GONZALES PEREZ, ‘el hecho de su consagración em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal caráter’ (‘El princípio de buena Fe em El Derecho Administartivo’, 1983, Madrid, pág. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O agente público não so tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César”.
Oportuno ressaltar que o princípio da moralidade somente foi inserido no texto constitucional atual (CF/88). Porém, não significa dizer que a atuação dos administradores públicos, antes da vigência da nova ordem constitucional, não deveria se pautar pelos preceitos da moralidade, haja vista que este é o comportamento que se espera de qualquer cidadão, e, muito mais ainda daqueles que ocupam cargos públicos, cuja conduta deve ser voltada aos interesses da sociedade.
1.4Publicidade
Pelo princípio da publicidade, verifica-se que é dever da administração pública dar publicidade a seus atos, levando-os ao conhecimento de todos, conferindo maior transparência e permitindo que qualquer cidadão possa acompanhar as ações dos gestores públicos, possibilitando questionar e ao mesmo tempo exercer um controle sobre estas atividades. Portanto, em relação aos atos administrativos, em tese, não há que se falar em sigilo.
Decerto que há situações em que o sigilo é necessário, porém, não quando o administrador assim desejar, mas, quando em nome do interesse público ou da segurança nacional, ou, em situações em que o sigilo é justificado, a exemplo de algumas previstas no artigo 5º do texto constitucional. Veja-se:
“Art. 5º (…)
XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional; (…)
XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado; (…)
LX – a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem.”
Assim, deve-se entender que a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública é a regra imposta pela Constituição Federal, haja vista que em um Estado de Direito, toda a atuação da administração tem como finalidade primordial a concretização dos interesses da sociedade, razão pela qual, os atos praticados sem o conhecimento dos administrados, injustificadamente, não produzem conseqüências jurídicas, além de impossibilitar o controle quanto à conformidade desses atos pelos verdadeiros titulares do poder (povo). Alexandre de Moraes ensina que: “a regra, pois, é que a publicidade somente poderá ser excepcionada quando o interesse público assim determinar, prevalecendo esse em detrimento do princípio da publicidade”.
Resta apenas saber como se dá esta publicação para que seja cumprido esse princípio constitucional. Em regra, a publicação dos atos da Administração deve ser realizada em jornal oficial ou por meio de edital em local próprio para divulgação.
Acontece que, com avanço tecnológico, principalmente com o surgimento da rede mundial de computadores (Internet), não há como desconsiderar a importância dessa ferramenta no processo de comunicação, e, conseqüentemente como um forte aliado da sociedade para acesso às informações quanto à atuação da Administração Pública. É inquestionável que o acesso aos meios eletrônicos se encontra à disposição da sociedade com muito mais facilidade do que os meios tradicionais, a exemplo dos jornais oficiais impressos em papel, sem falar de outras vantagens como a rapidez e economia de recursos públicos.
Assim, o uso dos meios eletrônicos tende a cada dia ganhar mais espaço, sendo uma realidade não apenas para simples publicações, conforme se pode verificar com a regulamentação, por meio da Lei nº 11.419/2006, da informatização do processo judicial, incluindo a permissão para criação de diários eletrônicos pelos tribunais para publicação dos atos judiciais. Veja-se:
“Art. 4º Os tribunais poderão criar Diário da Justiça eletrônico, disponibilizado em sítio da rede mundial de computadores, para publicação de atos judiciais e administrativos próprios e dos órgãos a eles subordinados, bem como comunicações em geral.
§ 1º O sítio e o conteúdo das publicações de que trata este artigo deverão ser assinados digitalmente com base em certificado emitido por Autoridade Certificadora credenciada na forma da lei específica.
§ 2º A publicação eletrônica na forma deste artigo substitui qualquer outro meio e publicação oficial, para quaisquer efeitos legais, à exceção dos casos que, por lei, exigem intimação ou vista pessoal”.
Portanto, num mundo em que a comunicação se processa numa velocidade cada vez maior, tendo em vista os avanços tecnológicos postos à disposição, não é cabível que a Administração Pública se omita do dever de conferir a mais ampla divulgação de seus atos, mantendo-os arbitrariamente sigilosos.
Cabe à Administração Pública promover uma publicação mais ampla possível, assegurando que um maior número possível de pessoas irá tomar conhecimento dos atos por ela praticados.
1.5Eficiência
O princípio da eficiência da Administração Pública foi expressamente inserido no artigo 37 do texto da Constituição da República, por meio da Emenda Constitucional nº 19/1998. Quando se afirma que este princípio foi expressamente inserido, deixa-se evidente que a atuação da Administração Pública, mesmo antes da vigência da referida emenda, sempre esteve obrigada a sua observância, pois, em nenhum momento, uma estrutura administrativa ineficiente foi de interesse da sociedade, que sempre esperou o melhor desempenho possível dos seus administradores e de toda a administração pública.
Portanto, com base no princípio da eficiência, o que se espera da Administração Pública, quando no desempenho de suas funções, é que se busque satisfazer as necessidades dos cidadãos com a maior presteza e economicidade possível, ou seja, não basta apenas atender a essas necessidades, mas atendê-las de modo menos oneroso possível ao erário.
Alexandre Santos Aragão, em texto publicado na Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, versando sobre o Princípio da Eficiência, ensina que:
“A eficiência não pode ser entendida apenas como maximização do lucro, mas sim como um melhor exercício das missões de interesse coletivo que incumbe ao Estado, que deve obter a maior realização prática possível das finalidades do ordenamento jurídico, com os menores ônus possíveis, tanto para o próprio Estado, especialmente de índole financeira, como para as liberdades dos cidadãos”.
Assim, é dever da Administração Pública gerenciar os recursos, tanto materiais quanto os recursos humanos, no sentido de atingir os melhores resultados possíveis em prol do interesse público. Para tanto, é necessário estabelecer metas e resultados, adequando sua estrutura administrativa para aproveitar o máximo dos recursos disponíveis.
Uma estrutura administrativa burocrática, com excessos de servidores, principalmente dos cargos de provimento em comissão, além de ineficiente do ponto de vista operacional, também representa um alto custo aos cofres públicos, afrontando, dessa forma, o princípio constitucional da eficiência.
1.6Razoabilidade e proporcionalidade
O princípio da razoabilidade se constitui num instrumento para averiguação da coerência ou não dos atos praticados pelo administrador público, seja de lei, decisão judicial ou ato administrativo, capaz de assegurar, ou não, sua legitimidade. A Administração Pública, no exercício de sua competência discricionária, deve atuar com base em critérios racionalmente aceitáveis do ponto de vista do senso comum, ou seja, com equilíbrio, moderação, harmonia, e não arbitrário.
No exercício da competência discricionária, o agente público não pode agir para satisfação do interesse próprio, mas, tão somente em nome do interesse público. Diógenes Gasparini afirmava que: “nada que esteja fora do razoável, do sensato, do normal, é permitido ao agente público, mesmo quando atua no exercício da competência discricionária”.
Em relação ao princípio da proporcionalidade, temos a noção de que a atuação da Administração Pública deve ser adequada, na medida justa, ou seja, tem que ser apropriada às necessidades exigidas pela situação concreta. Não deve a Administração Pública utilizar-se de todos os meios para alcançar seus objetivos, obtendo resultados desproprocionais. Em outras palavras, o princípio da proporcionalidade exige um equilíbrio entre os meios empregados e o fim almejado pela Administração Pública para atender aos interesses da sociedade.
Em síntese, podemos observar que os princípios da razoabilidade e proporcionalidade são fortes aliados aos demais princípios informadores da Administração Pública para o controle dos atos praticados pelos gestores públicos, principalmente quando do exercício da competência discricionária, sempre resistente ao controle externo, em nome de um apego excessivo ao princípio da separação dos poderes.
2. CARGOS EM COMISSÃO
2.1Criação e provimento
A criação dos cargos em comissão se dá por meio de lei, ou, resolução quando se tratar do Poder Legislativo. Em relação ao Pode Executivo, exige-se lei de iniciativa privativa do Presidente da República, dos Governadores e dos Prefeitos Municipais, dentro dos limites de suas competências, abrangendo a administração direta e suas autarquias. A matéria encontra-se regulamentada pela Constituição Federal em seus artigos 48, inciso X, e 61, II, alínea “a”, que são normas de repetição obrigatórias, ou seja, são de inserção compulsória nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas.
Quanto à criação pelo Poder Legislativo, a competência também é privativa, sendo que neste caso a criação se dará por resolução, conforme disposto no artigo 48, c/c os artigos 51 e 52 da Constituição Federal, lembrando que a remuneração deve ser fixada por lei específica de iniciativa privativa do legislativo.
No Poder Judiciário a criação depende de lei de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, Tribunais Superiores e Tribunais de Justiça, tal como se infere da leitura do artigo 96, inciso II, alínea “b” da Constituição Federal.
Ao Ministério Público foi assegurada, pela Constituição Federal, autonomia funcional e administrativa, podendo propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos, nos termos do artigo 127, §2º.
Em relação aos Tribunais de Contas, a Constituição Federal dispõe que: “art. 73. O Tribunal de Contas da União, integrado por nove Ministros, tem sede no Distrito Federal, quadro próprio de pessoal e jurisdição em todo o território nacional, exercendo, no que couber, as atribuições previstas no art. 96”. Conforme visto anteriormente, este artigo dispõe, dentre outras prerrogativas, sobre a iniciativa de lei, pelo Poder Judiciário, para criação dos cargos públicos, devendo ser esta a interpretação quanto aos Tribunais de Contas.
Quanto ao tipo de provimento, isto é, o ato para preenchimento do cargo em comissão por meio da designação do seu titular, é de natureza inicial ou originária, uma vez que se dá por meio de nomeação de cada autoridade competente, portanto, independe de qualquer vínculo anterior entre a Administração Pública e o nomeado.
Estas nomeações, ao contrário do que ocorre em relação aos titulares de cargos de natureza efetiva, não precisam de prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos (art. 37, II, CF), ficando a cargo do administrador público, na sua competência discricionária, escolher livremente os ocupantes destes cargos.
No entanto, a Constituição Federal, alterada pela Emenda Constitucional nº 19/98, conhecida como reforma administrativa, definiu algumas regras a serem observadas quando da nomeação dos titulares de cargos em comissão, nestes termos:
“Art. 37 (…)
V – as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;” (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
Antes da reforma, o texto era o seguinte: “V – os cargos em comissão e as funções de confiança serão exercidos, preferencialmente, por servidores ocupantes de cargo de carreira técnica ou profissional, nos casos e condições previstos em lei”.
O grande problema da redação original estava na expressão “preferencialmente”, por uma razão muito simples, dependia da conveniência do gestor (discricionariedade), nomear servidores efetivos para ocupar tais cargos, o que geralmente não acontecia.
Com a reforma, as funções de confiança passaram a ser exercidas exclusivamente por servidores efetivos, enquanto os cargos em comissão, por servidores de carreira, nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei.
Acontece que há um grande problema na criação dos cargos em comissão, mais precisamente em relação à definição do percentual mínimo destinado aos servidores de carreira, visto que são raros os casos em que os gestores cumprem com a regra imposta pela Constituição Federal.
Outro aspecto relevante está na interpretação dessa norma constitucional, haja vista que entendemos que se trata de uma norma de eficácia contida, isto é, possui eficácia plena, de aplicação direta e imediata, sendo facultado ao legislador infraconstitucional restringir seu alcance. Isto significa dizer que, não sendo fixado o percentual mínimo, todos os cargos em comissão devem ser preenchidos por servidores de carreira.
Dessa forma, é importante frisar que, ao se criar os cargos em comissão, deve o gestor, além de atender aos requisitos gerais, atentar para definição dos percentuais a serem preenchidos por servidores de carreira, caso haja interesse em nomear pessoas estranhas ao quadro. Lembrando que o percentual mínimo a que se refere o texto constitucional, quando for fixado em lei, deve ser definido com base nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, ou seja, não deve ser fixado um percentual irrisório, tornando sem sentido a norma imposta pela Constituição Federal, cujo objetivo foi moralizar o serviço público.
Isto não significa alteração quanto à natureza da livre nomeação e exoneração desses cargos, ou seja, permanece a cargo da autoridade nomeante, no âmbito da sua competência discricionária, escolher as pessoas que irão ocupá-los, independentemente se pertencentes ao quadro de servidores ou se alheias.
2.2Atribuições e relevância para a Administração Pública
Os cargos em comissão diferem dos demais por serem de livre nomeação e exoneração, uma vez que o requisito para admissão no serviço público, em regra, é a prévia aprovação em concurso público (Art. 37, II, CR/88), o que implica afirmar ainda que os cargos em comissão são de caráter provisório, ou seja, seus titulares não adquirem estabilidade, independentemente do tempo que permanecerem nos cargos.
Ainda em relação a esses cargos, a Constituição Federal, em seu artigo 37, inciso V, determina que sejam destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento, portanto, há uma restrição imposta pelo legislador constituinte, impossibilitando que sejam nomeadas, livremente, pessoas para o exercício de atividades não inseridas nestas categorias.
Dessa forma, a instituição dos cargos em comissão, por ser de competência discricionária dos gestores públicos, permiti uma maior flexibilização quando da definição da estrutura administrativa, possibilitando adequá-la aos interesses públicos, além do fato de que, para o exercício desses cargos, há ainda o requisito de confiança entre o seu ocupante e aquele que o nomeou.
Sem os cargos de livre nomeação e exoneração, é possível que a administração se tornasse estática, o que certamente a impossibilitaria de atender as necessidades da população, necessidades essas que se renovam a cada momento, tornando-se cada vez mais complexas.
Portanto, pode-se concluir que esses cargos são de suma importância para atuação da administração pública enquanto fornecedora de serviços, mas, sempre para atender aos interesses públicos, e, por isso, a instituição desses cargos, quando definida pelo legislador constituinte como de livre nomeação e exoneração, teve como único objetivo as conveniências e oportunidades da administração.
3.O CONTROLE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS PELO PODER JUDICIÁRIO
3.1 Possibilidade
A intervenção do Poder Judiciário sobre a atividade administrativa sempre foi motivo de controvérsias no meio jurídico, uma vez que há muito tempo fora difundida a idéia de que essa intervenção limitava-se aos aspectos meramente formais do ato administrativo, ou seja, verificação da legalidade do ato perante a lei, sob pena de afronta ao princípio da separação dos poderes.
Acontece que a atividade administrativa não é mais a mesma, e a cada dia se torna mais complexa, o que implica também na necessidade de se conferir um maior grau de discricionariedade à competência do administrador público, cujo objetivo é garantir maior efetividade à atuação do estado. http://www.ufsm.br/direito/artigos/administrativo/atos-administrativos.htm – _ftn30
No entanto, considerando a complexidade do estado, e, ao mesmo tempo a necessidade de uma maior celeridade para atender as demandas dos administrados, não se pode perder de vista que a atuação da administração não pode se processar sem qualquer controle, não sendo possível, diante dessas circunstâncias, que o Poder Judiciário não pudesse proceder à análise dos aspectos legais do ato administrativo, examinando a conformidade desses atos, não apenas frente às regras jurídicas impostas por lei, mas, sobretudo aos princípios constitucionais que norteiam a atuação da administração pública.
No mais, parece que essa possibilidade de atuação do Poder Judiciário encontra-se bastante ampliada pela atual Constituição Federal, por força do inciso XXXV do artigo 5º, quando afirma que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Dessa forma, o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional, mesmo aliada ao da separação dos poderes, possibilita uma maior atuação do Poder Judiciário quanto ao controle da legalidade dos atos administrativos. A legalidade aqui tratada em sentido amplo, haja vista que o texto da lei, por si só, não é suficiente para legitimar a atuação de um Estado Democrático de Direito. Mauro Roberto Gomes de Mattos afirma que:
“Ao diminuir o efeito da Lei, sendo ela a responsável pelo poder discricionário da Administração Pública, tendo em vista que a legalidade administrativa deixou de se vincular somente ao texto legal, não resta dúvida que também é deferido o controle judicial de tais atos de forma ampla. Isto porque os princípios e as normas da Constituição é que dão vigor à Lei e, conseqüentemente, a todo ato público, que deve guardar correlação direta com os mandamentos constitucionais, sob pena de invalidação. Com o fim do dogma da perfeição da Lei, passou a legalidade administrativa a se vincular a um sistema aberto de regras e de princípios constitucionais”.
É certo que cada poder possui sua área de atuação exclusiva, por isso, o controle judicial quanto aos atos administrativos deve se processar sem que haja intervenção indevida, sob pena se comprometer à harmonia necessária entre os poderes. No entanto, o princípio da separação dos poderes e da inafastabilidade da tutela jurisdicional são compatíveis, quando observado esse limite de atuação de cada poder. A Professora Germana de Oliveira Moraes ensina que:
“Para saber se há compatibilidade entre o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional e o princípio da separação dos poderes, é preciso, de um lado, verificar se há hipóteses nas quais a conduta da Administração Pública ocasiona lesão ou ameaça a direito insuscetíveis de apreciação judicial, e, de outro, se há intromissão indevida do Poder Judiciário na atuação administrativa”.
Ainda sobre esse tema, a Professora Lúcia Valle ensinava que: “quando nos referimos à lei, evidentemente estamos a falar no ordenamento jurídico. A justaposição há de ser à lei, à Constituição e aos princípios vetoriais do ordenamento”. A autora afirmava ainda que:
“Todavia, a sujeição à lei é insuficiente para caracterizar o Estado de Direito; há necessidade da existência de determinadas outras características absolutamente essenciais, tais sejam, a separação de poderes para a existência dos ‘freios e contrapesos’, do ‘juiz natural’, ou, em outras palavras, de juiz não de exceção ou ‘post facto’, e, além disso e certamente, de juiz imparcial, dotado de prerrogativas para o exercício da magistratura independente”.
Assim, tem-se que os atos administrativos, independentemente de sua natureza, não fogem do controle jurisdicional. Porém, há de se ter em mente que a atuação do Poder Judiciário não é ilimitada, mas, tampouco a intervenção jurisdicional deve ficar adstrita aos aspectos formais desses atos, haja vista a necessidade de se averiguar a compatibilidade entre o ato administrativo e os princípios constitucionais que norteiam a atuação da Administração Pública.
Decerto que a grande questão quanto ao controle judicial envolve principalmente os atos administrativos praticados no âmbito da competência discricionária, cuja razão para toda essa discussão está no princípio constitucional da separação dos poderes, que visa delimitar a atuação de cada poder. Assim, se há uma garantia ao amplo e irrestrito acesso ao Poder Judiciário para que seja assegurada a correta aplicação das normas, por outro lado também é assegurada ao estado a autonomia necessária para o desempenho de suas funções, principalmente daquelas que exige do administrador uma tomada de decisão, dentre aquelas a sua disposição, com base na conveniência e oportunidade
Diante disso, não há dúvidas quanto à possibilidade do controle judicial sobre a atuação da administração, independentemente da natureza da competência (vinculada ou discricionária). A promotora de justiça, Têmis Limberger, em texto publicado na revista Interesse Público, afirma que o entendimento da impossibilidade do controle judicial da atividade administrativa, com fundamento na discricionariedade administrativa, encontra-se superada, expondo que:
“A impossibilidade de revisão dos atos administrativos por parte do judiciário, que é doutrina transposta do direito francês, onde existe uma especificidade que é o contencioso administrativo, que no direito brasileiro não encontra similar. O segundo motivo, reside na teoria transposta do direito alemão, onde os direitos sociais são comandos endereçados ao legislativo e administrativo, não cabendo ao Judiciário este controle. Ocorre que naquele país estes poderes realmente levam a sério a implementação destas políticas públicas, sem que seja necessária a interferência do Judiciário. Por fim, o terceiro aspecto a ser considerado é que no Estado Democrático de Direito somente existe escolha do administrador, vinculada aos preceitos constitucionais, em especial pela pauta dos direitos fundamentais”.
3.2 Limites da competência jurisdicional
O controle judicial não pode ocorrer sem qualquer limitação, sob pena de ofensa aos princípios da separação e independência dos poderes, no entanto, esse controle é possível em qualquer tipo de ato, desde que restrito a sua legalidade, repita-se, em sentido amplo, isto é, que vai além da obediência ao texto da lei, para alcançar os princípios constitucionais basilares da administração pública, tais como: legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, proporcionalidade, razoabilidade, dentre outros.
Dessa forma, tem-se o entendimento de que o Poder Judiciário não pode apreciar o mérito dos atos administrativos, ou seja, não se admite o exame da conveniência e oportunidade, uma vez que cabe unicamente a administração fazer juízo quanto a esses aspectos.
Hely Lopes Meirelles ensinava que:
“A Justiça ordinária tem a faculdade de julgar todo ato administrativo praticado por agente de qualquer dos órgãos ou Poderes de Estado. Sua limitação é apenas quanto ao objeto do controle, que há de ser unicamente a legalidade, sendo-lhe vedado pronunciar-se sobre conveniência, oportunidade ou eficiência do ato em exame, ou seja, sobre o mérito administrativo”.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que: “com relação aos atos discricionários, o controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade administrativa nos limites em que a ela é assegurada à Administração Pública pela lei”.
Observa-se que esse entendimento sempre foi difundido em quase todos os manuais de Direito Administrativo, dando a impressão de que os atos administrativos discricionários estão isentos do controle judicial.
No entanto, não há dificuldades em se admitir o exame da conveniência e oportunidade dos atos administrativos discricionários pelo judiciário. É importante salientar que a impossibilidade de análise quanto ao mérito do ato administrativo, pelo judiciário, deve ser vista com certa cautela. Não há dúvidas de que o judiciário não pode substituir a administração naquilo que lhe compete, uma vez que a própria lei confere ao administrador a autonomia para decidir sobre as questões de mérito da função administrativa, porém, não deve se desviar dos limites de sua competência, tampouco não observar os princípios constitucionais, conforme nos ensina Mauro Roberto Gomes de Mattos ao afirmar:
“a oportunidade, a conveniência e o próprio mérito do ato administrativo discricionário não poderão ser desprezados pelos princípios da Constituição, que funcionando como critério objetivo de toda a Administração Pública, devem estar presentes na liberdade de escolha do administrador público”.
No mais, deve-se entender que não se trata de uma possível substituição da administração pelo Poder judiciário. No entanto, não se admite uma atuação do judiciário que seja incapaz de assegurar o cumprimento da ordem jurídica. Diante de um ato viciado, espera-se que o mesmo seja sanado, quando possível, ou, do contrário, seja banido do mundo jurídico. Para João Roberto Santos Régnier, “não se trataria de substituir a decisão viciada por outra decisão administrativa que parecesse melhor ao julgador, mas de, sanando os vícios da decisão, conformá-la ao Direito; ou, impossível o saneamento, bani-la de seus domínios”.
No entanto, ao se tratar da conveniência e oportunidade do ato administrativo, praticado no âmbito da competência discricionária, esquece-se muitas vezes de uma questão considerada importante para se enfrentar essa discussão, ou seja, se a oportunidade e conveniência são do administrador ou da administração. Em outras palavras, ao decidir entre as várias opções disponíveis, se pode o administrador escolher indistintamente qualquer uma delas, ou, do contrário, deve necessariamente escolher aquela que for mais conveniente e oportuna para a administração.
Tem-se a certeza que esse entendimento é pacífico no meio jurídico, pois, todos os atos praticados pelo administrador, sejam vinculados ou discricionários, devem atender aos interesses públicos. Porém, a razão para se abordar essas questões, é exatamente para mostrar que não há dificuldades em aceitar a possibilidade do controle judicial quanto ao mérito, não no sentido de escolha, ou de substituição, mas, tão somente no sentido de controlar efetivamente a atuação do administrador, para que esta não seja desviada do interesse público, o que certamente não será possível quando se defende timidamente uma atuação do Poder Judiciário, ao se afirmar que apenas os aspectos formais do ato são passíveis de controle. Deve-se lembrar que os atos administrativos dão origem aos fatos administrativos que repercutem diretamente na vida da sociedade, em outras palavras, estamos diante de situações concretas que requerem medidas concretas para controle. Dessa forma, não se pode analisar qualquer ato da administração sem conhecer o seu conteúdo, limitando-se apenas aos aspectos formais. Celso Antonio Bandeira de Mello, afirma que:
“Bem observa a doutrina que a legalidade de um ato não resulta de elementos reconhecíveis em seus aspectos externos. Obedecer à lei não é homenagear-lhe a forma, mas reverenciar-lhe o conteúdo. Logo, o Poder Judiciário, para conferir se um ato administrativo é legítimo, não se pode lavar de aprofundar seu exame até a intimidade do ato”.
3.3 Controle judicial quanto à criação e provimento de cargos em comissão
Todos os atos praticados pelo administrador público devem observar os princípios constitucionais que norteiam a administração pública, a fim de que o interesse público seja atendido.
A criação de cargos em comissão não foge a regra, estando sujeita à observância desses princípios. Assim, na medida em que os cargos em comissão são criados de forma indiscriminada, em número excessivo, sem qualquer relação com as reais necessidades da administração, ou seja, apenas para atender interesses pessoais, configurado está o desvio de finalidade. Da mesma forma quando esses cargos não são destinados às atribuições de direção, chefia e assessoramento (art. 37, V, CR/88).
Quanto a essas atribuições, é cediço que o legislador se preocupou em definí-las para evitar que esses cargos fossem utilizados para burlar o concurso público, o que significa dizer que a simples nomenclatura do cargo não será suficiente para definir sua natureza jurídica, pois, somente o conjunto de atribuições a serem desempenhadas pelo ocupante do cargo é que irá comprovar se esse é mesmo de provimento em comissão. Márcio Cammarosano, ao tratar do tema, entende que:
“Também ofende a ordem jurídica em vigor criar cargos em comissão que não consubstanciem competências de direção, chefia e assessoramento ainda que a denominação que se lhes atribua seja própria de cargos daquelas espécies, pois o que importa não é o rótulo, mas a substância de cada qual. Em outras palavras; denominar cargos públicos como sendo de diretor, chefe, ou assessor não lhes atribui, por si só, a natureza que os permita ser de provimento em comissão”.
A preocupação em relação à criação desses cargos ficou ainda mais explícita quando o legislador, ao reformar a Constituição Federal, por meio da Emenda Constitucional nº 19/98, ao dar nova redação ao inciso V do artigo 37, procurou definir os limites da discricionariedade do administrador público, haja vista que determinou que as funções de confiança, também destinadas às atribuições de chefia, direção e assessoramento, serão exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, assim como, os cargos em comissão, por servidores de carreira, em percentual mínimo definido em lei.
Esse tipo de preocupação é apenas uma demonstração de que esses cargos sempre foram utilizados para atender aos interesses pessoais daqueles que sempre usaram o patrimônio público com essa finalidade. Sabe-se que antes da Constituição Federal de 1988, era comum a admissão de servidores sem a prévia aprovação em concurso público, ficando a cargo dos administradores a escolha dos futuros servidores. Com o advento da nova ordem constitucional, esse tipo de ingresso no serviço público não é mais permitido, porém, a exceção à regra, a exemplo da criação dos cargos de provimento em comissão, é uma das alternativas para que os gestores públicos continuem com a mesma prática, culminando na maioria das vezes na criação de cargos em número superior ao necessário para atender aos interesses da administração.
Dessa forma, considerando a situação enfrentada atualmente pela administração pública, entende-se que não há outro caminho a ser seguido senão o controle externo exercido pelo Poder Judiciário para combater esses desmandos administrativos. Porém, a grande questão é saber como realizar esse controle sem afronta ao princípio da separação dos poderes, uma vez que a criação desses cargos é inerente à organização administrativa de cada poder, a ser exercida no âmbito da sua competência discricionária.
Conforme já demonstrado, os atos administrativos considerados discricionários não estão imunes ao controle judicial, mas, certamente não se constitui uma tarefa fácil exercer controle sobre esses atos.
Quando se afirma que esses cargos passaram a ser utilizados para atender aos interesses pessoais dos administradores, principalmente depois da entrada em vigor da atual Constituição Federal, não se pode também deixar de reconhecer que algumas medidas foram tomadas para tentar limitar a atuação desses administradores. Dentre estas, a aprovação da Súmula Vinculante nº 13 pelo Supremo Tribunal Federal, que visa impedir que cônjuges e parentes até 3º grau sejam nomeados para ocupação de cargos em comissão, inibindo assim uma prática bastante comum no serviço público. A outra medida foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 19/98, ao estabelecer que os cargos em comissão seriam destinados aos servidores de carreira em percentual mínimo definido em lei.
Quanto à regra para provimento dos cargos em comissão por servidores de carreira, entendemos que o legislador poderia ter sido mais objetivo, definindo o percentual mínimo a ser destinado, haja vista que a maneira como ficou o texto constitucional (art. 37, V, CR/88), deu margem para que a norma, equivocadamente, fosse interpretada como sendo de eficácia limitada, quando se trata de eficácia contida, uma vez que a interpretação diversa, ou melhor, aceitar como norma de eficácia limitada, deixando a regulamentação somente a critério do legislador infraconstitucional, torna sem sentido a norma constitucional.
Sendo assim, não há dúvidas de que o legislador constitucional estava preocupado com os abusos envolvendo a criação desses cargos, visto que a criação em número excessivo é uma conseqüência do desvio de poder que, segundo Celso Antonio Bandeira de Mello, é “a utilização de uma competência em desacordo com a finalidade que lhe preside a instituição”. Assim, é abusiva a atuação dos administradores que, em nome da discricionariedade, utiliza-se do poder para criar e nomear quem quer que seja para exercício das funções inerentes aos cargos em comissão.
Não se pode negar que a atuação dos administradores públicos, em relação à criação e provimento dos cargos em comissão, é passível de controle pelo Poder Judiciário, inclusive por meio de critérios objetivos, a exemplo da Súmula Vinculante nº 13, e da regra imposta pela Constituição que impôs limites para nomeação de pessoas alheias ao quadro de servidores.
Do mesmo modo é possível o questionamento quanto à validade da criação e provimento desses cargos quando em número excessivo, sem guardar nenhuma relação com as reais necessidades da administração, apenas para atender os interesses pessoais. É dever da administração justificar a criação dos cargos em comissão, demonstrando a necessidade dos mesmos para prestação dos serviços, sendo possível perceber quando há excesso de cargos, principalmente quando o número de cargos em comissão se apresenta completamente desproporcional ao de cargos de natureza efetiva, uma vez que sendo os cargos em comissão destinados às atribuições de chefia, direção e assessoramento, certamente que o número de servidores desempenhando estas funções deve ser em número bem inferior aqueles.
Em suma, com fundamento nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, é possível concluir se há ou não abuso de poder na atuação do administrador quando da criação dos cargos em comissão.
Certamente que ao se considerar que todo ato administrativo está sujeito ao controle judicial, não haverá dúvidas quanto à possibilidade de intervenção do Poder Judiciário diante de situações como estas. Porém, para os que acreditam que o controle judicial dos atos administrativos praticados no âmbito da competência discricionária, apenas se restringe aos aspectos formais, não seria possível haver tal controle, haja vista a impossibilidade de uma intervenção efetiva sem a análise do mérito das nomeações.
Dessa forma, acreditamos na possibilidade de um controle judicial quanto ao mérito, ou seja, da conveniência e oportunidade dos atos para a administração, sem qualquer afronta ao princípio da separação dos poderes, não sendo, portanto, argumento para mitigar ou mesmo impedir o controle judicial de atos desproporcionais e desprovidos do mínimo de razoabilidade.
Sobre esse tema, Veja-se o entendimento do professor Luiz Roberto Barroso, ao se referir ao apego excessivo ao princípio da separação dos poderes, enquanto obstáculo para se conferir maior efetividade ao controle judicial quanto ao mérito dos atos administrativos:
“No Brasil, o apego excessivo a certos dogmas da separação de Poderes impôs ao princípio da razoabilidade uma trajetória relativamente acanhada. Há uma renitente resistência ao controle judicial do mérito dos atos do Poder Público, aos quais se reserva um amplo espaço de atuação autônoma, discricionária, onde as decisões do órgão ou do agente público são insindicáveis quanto à sua conveniência e oportunidade”.
Assim sendo, ao se refletir sobre os fatos que envolvem a criação e provimento dos cargos em comissão na administração pública brasileira, percebe-se que será impossível controlar os desmandos administrativos praticados pelos gestores, sob o manto da discricionariedade, sem que o mérito seja analisado pelo Poder Judiciário, tampouco se entende que haveria afronta a qualquer norma constitucional que comprometa a separação dos poderes. Isto não significa um controle incondicional, muito pelo contrário, é necessário entender que os cargos em comissão são importantes para administração pública, cabendo a administração a definição quanto à estrutura administrativa mais adequada a sua atuação, sob pena de haver cerceamento do exercício das funções administrativas, com a margem de liberdade que é conferida pelo ordenamento jurídico. No entanto, quando esses limites forem extrapolados, deve o Poder Judiciário exercer o pleno controle para o restabelecimento da legalidade, repita-se, em sentido amplo. O Professor Celso Antonio Bandeira de Mello ensina que:
“Assim como ao Judiciário compete fulminar todo comportamento ilegítimo da Administração que apareça como frontal violação da ordem jurídica, compete-lhe, igualmente, fulminar qualquer comportamento administrativo que, a pretexto de exercer apreciação ou decisão discricionária, ultrapassar as fronteiras dela, isto é, desbordar dos limites de liberdade que lhe assinalam os confins da liberdade discricionária”.
Quando se refere à legalidade em sentido amplo, afirma-se que o parâmetro para controle jurisdicional não pode ficar restrito aos comandos inseridos nos textos legais, mas, principalmente aos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública, conforme expressos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Germana de Oliveira Moraes afirma que:
“A constitucionalização desses princípios da Administração Pública e dos princípios gerais do Direito gerou para o Poder Judiciário a possibilidade de verificar além da conformidade dos atos administrativos com a lei, ao exercer o controle de seus aspectos vinculados, à luz do princípio da legalidade, também aspectos não vinculados desses atos, em decorrência dos demais princípios constitucionais da Administração Pública, da publicidade, da impessoalidade e de moralidade, do princípio constitucional da igualdade e dos princípios gerais da razoabilidade e da proporcionalidade”.
No mais, observa-se que o Poder Judiciário dispõe de instrumentos jurídicos capazes de permitir um controle efetivo sobre os atos administrativos que resultem na criação e provimento de cargos em comissão, quando eivados de vícios, sem que isso se configure afronta ao princípio da separação dos poderes.
4. A JURISPRUDÊNCIA DO STF
O Supremo Tribunal Federal já se posicionou diversas vezes sobre a questão que ora apresentamos, numa demonstração de que os atos dos Gestores Públicos que resultam na criação e provimento de cargos em comissão são passíveis de controle judicial, não apenas no aspecto meramente formal, mas, sobretudo quanto ao mérito, tendo como fundamento as regras e princípios constitucionais norteadores da atuação dos administradores públicos, conforme podemos observar nos fragmentos transcritos abaixo.
“EMENTA: AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I – Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II – Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. III – Agravo improvido. STF – Recurso Extraordinário n 365368 aGr/SC – Relator: Ministro Ricardo Lewandowski – Publicado no Dje em: 29/06/2007)”
Observe-se que neste julgado o STF faz uma análise da estrutura administrativa existente, concluindo pelo excesso de cargos em comissão, tendo em vista a desproporcionalidade em relação ao número de cargos efetivos. Não há dúvidas de que o mérito do ato, que resultou na criação dos cargos comissionados, foi objeto de controle, sem o qual não seria possível combater este tipo de abuso.
Do mesmo modo, tal como consta no excerto abaixo, o STF se posicionou ao examinar norma que tratava da criação de cargos em comissão, cujas atribuições eram técnicas, isto é, não eram destinados às atribuições de assessoramento, chefia e direção.
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL QUE CRIA CARGOS EM COMISSÃO. VIOLAÇÃO AO ART. 37, INCISOS II E V, DA CONSTITUIÇÃO. 2. Os cargos em comissão criados pela Lei nº 1.939/1998, do Estado de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto, não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. 3. Ação julgada procedente. (STF – Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 3706/MS – Relator: Ministro Gilmar Mendes – Publicado no Dje em: 05/10/2007)”
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se propôs analisar o tema sobre o controle judicial envolvendo a criação e provimento dos cargos em comissão, não se tinha como meta chegar a uma conclusão definitiva, visto que se trata de uma questão bastante delicada para a administração pública, restando ainda muitas discussões a serem travadas.
Conforme apresentado no decorrer do trabalho, a criação de cargos em comissão é de suma importância para que a administração pública cumpra com o seu papel enquanto fornecedora de bens e serviços para a população. Assim, considerando que as necessidades da população são ilimitadas e cada vez mais complexas, tem-se que a administração é forçada a atender tais exigências, devendo, portanto, ser mais ágil e eficiente, o que a leva a promover mudanças na sua estrutura administrativa, criando e extinguindo cargos públicos, na maioria das vezes de livre nomeação e exoneração, tendo em vista que em relação aos cargos de natureza efetiva, não há essa possibilidade, pelo menos com o mesmo grau de discricionariedade. Ainda há o fato de que algumas funções exigem certo grau de confiança entre o servidor e a autoridade nomeante.
Contudo, a criação e provimento de cargos em comissão nem sempre tem como objetivo atender aos interesses da sociedade, pelo contrário, visa atender interesses pessoais dos administradores que, na maioria das vezes optam por nomear parentes e amigos para exercerem as funções inerentes a estes cargos, sem levar em consideração as competências necessárias ao bom desempenho dessas funções, provocando sérios prejuízos à sociedade.
Pois bem, considerando a importância dos cargos para a administração pública, assim como, os abusos de poderes causados pelos excessos dos administradores, sob o manto protetor da discricionariedade, percebe-se que se está diante de uma situação que demanda providências urgentes por parte do Poder Judiciário, tendo como objetivo impedir e/ou banir qualquer ato administrativo que resulte na criação e provimento de cargos em comissão que não guarde a mínima relação com os princípios basilares da administração pública.
Não se trata de defender uma posição arbitrária por parte do Poder Judiciário, este não pode substituir a administração nas suas funções administrativas, sob pena de se afrontar o princípio fundamental da separação dos poderes. No entanto, não se pode admitir que o Judiciário, quando provocado, apresente-se timidamente, incapaz de assegurar que a ordem jurídica seja respeitada. O Poder Judiciário deve atuar no sentido de que os atos viciados sejam sanados, quando possíveis, ou, do contrário, que sejam banidos.
De acordo com a proposta inicial do presente trabalho, pode-se concluir que o controle dos atos administrativos, que resultam na criação de cargos em comissão, deve ser feito pelo do Poder Judiciário, não havendo maiores dificuldades em se enfrentar uma possível análise quanto ao mérito desses atos, momento em que serão examinadas se a conveniência e oportunidade da administração pública estão sendo observadas pela autoridade responsável pelo ato.
No mais, verifica-se o que o Poder Judiciário dispõe de instrumentos para controle desses atos, dentre os quais a edição da Súmula Vinculante nº 13 do STF que proíbe a nomeação de cônjuge e parentes até 3º grau, para os cargos em comissão, dentre outros de livre nomeação e exoneração. Também não se pode deixar de reconhecer a norma inserida no artigo 37, inciso V da Constituição Federal, que trata dos limites para nomeação de pessoas alheias ao quadro de servidores públicos, apesar de que, essa norma constitucional não vem surtindo os efeitos pretendidos pelo legislador constitucional, haja vista que, ao não definir o percentual mínimo a ser destinado aos servidores de carreira, permitiu que o legislador infraconstitucional, equivocadamente, optasse ou não pela definição, dando a entender que se trata de uma norma de eficácia limitada, quando na verdade entendemos que a norma possui eficácia contida, o que implica concluirmos que, não optando pela restrição ao seu alcance, ou seja, caso não seja definido o percentual mínimo, todos os cargos deverão ser preenchidos por servidores de carreira, e, em caso de descumprimento, cabendo intervenção judicial para assegurar o cumprimento da norma constitucional.
Em relação ao combate ao nepotismo, nos termos da edição da súmula precitada, consideramos importante, porém, a nomeação de parentes não deve ser vista como um dos problemas mais grave para a administração pública, além do fato de que não se deveria analisar a questão sob o aspecto meramente objetivo do parentesco, sob o argumento da defesa da moralidade administrativa, pois, nem sempre a nomeação de parentes traz prejuízos à administração, sendo ainda que, em alguns municípios de pequeno porte, as opções para escolha dos servidores nem sempre se apresentam satisfatórias ao administrador que precisa de pessoas de sua confiança para ocupação dos cargos. Em suma, o que se quer deixar claro é que, independentemente de quem seja nomeado, se parente ou não, necessário é que a criação do cargo e o provimento sejam em nome do interesse público, estando, dessa forma, sujeitos ao controle judicial.
Por fim, o problema mais sério quanto aos cargos em comissão está no excesso. Na maioria das vezes, a relação entre servidores públicos efetivos e comissionados demonstra que os administradores públicos encontraram na criação desses cargos, uma forma de burlar a regra do concurso imposta pela Constituição Federal. Não há controle, o que permite que pequenos municípios, possuam uma estrutura administrativa semelhante aos de maior porte, com um número excessivo de secretarias e departamentos, e, conseqüentemente maior número de cargos em comissão.
Ora, certamente que um quadro que possui um grande número de cargos em comissão, quando comparado com os servidores efetivos, apresenta fortes indícios de que se trata realmente de excesso, ou, esses servidores desempenham funções inerentes aos cargos efetivos, confirmando o desvio de função, e o que é mais grave, tendo em vista a afronta à regra do concurso público.
Dessa forma, apesar destes atos serem praticados no âmbito da competência discricionária do administrador público, não há nenhum obstáculo para que sofram intervenção do Poder Judiciário, inclusive quanto ao mérito. A criação e provimento de cargos em comissão, assim como todo e qualquer ato administrativo, devem ser pautados pelo princípio da razoabilidade enquanto parâmetro de valoração dos atos do Poder Público.
Assim sendo, não havendo dúvidas de que esses cargos devem ser criados dentro dos limites necessários a atuação da administração pública, não haverá dificuldades em perceber quando a sua criação se desviou dos interesses públicos, tendo como parâmetro o princípio da razoabilidade, que nos remete à idéia do que corresponde ao senso comum, que é aceitável, adequado, justo, prudente e apropriado ao caso concreto.
No mais, por tudo que fora exposto, considerando que o tema é bastante delicado, haja vista que a criação de cargos públicos é uma atividade exercida por todos os poderes, além das instituições que possuem autonomia para definição de suas estruturas administrativas, a exemplo do Ministério Público e Tribunal de Contas, entende-se que ainda há vários obstáculos a serem enfrentados, dentre os quais, o dogma da separação dos poderes, para que se tenha um controle mais efetivo pelo Poder Judiciário diante dos desmandos administrativos envolvendo essa questão, pois, somente uma intervenção mais efetiva, que não significa substituição à administração pública pelo judiciário, será capaz de assegurar o cumprimento da ordem jurídica, permitindo que os atos contrários ao interesse público, em afronta aos princípios basilares da administração pública, tenham sua legalidade restabelecida, seja pela correção, quando possível, ou, diante da impossibilidade, que sejam excluídos.
Especialista em Direito Público. Auditor de Contas Públicas do Tribunal de Contas do Estado da Paraíba. Advogado.
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