Resumo. O critério legal (artigo 81, § único, incisos I, II e III do Código de Defesa do Consumidor) existente para a diferenciação dos direitos transindividuais não parece ser suficiente, razão pela qual, o referido trabalho traz alguns parâmetros para diferenciá-los. Na prática, verifica-se uma confusão generalizada dos operadores do direito e dos magistrados ao manejar esses institutos. Ssaber diferenciar os interesses ou direitos difusos, coletivos stricto sensu e individual homogêneo em uma demanda coletiva é fundamental pois uma imprecisa diferenciação pode trazer diferentes implicações práticas no caso concreto. Os efeitos da coisa julgada, o número de pessoas atingidas, a forma de execução e o alcance dos pedidos são apenas algumas delas.
Palavras-chave: Critérios. Diferenciação. Difusos. Coletivos. Transindividuais.
Abstract: The legal criterion (Article 81, § unique items I, II and III of the Consumer Protection Code) does not seem enough to differentiate transindividual rights. In practice, there is a widespread confusion of law enforcement officers and magistrates to manage these institutes. Know the difference between the interests or diffuse rights, stricto sensu collective and individual homogeneous in a class action is critical because an inaccurate differentiation can bring different practical implications in the lawsuit. The effects of res judicata, the number of people reached, the form of execution and scope of applications are just some of them.
Keywords: Criteria. Differentiation. Diffuse. Collective. Transindividual.
Sumário: Introdução. I – Da Problemática E Da Jutificativa Para Escolha Do Presente Tema. II – Direito Subjetivo Ou Interesse? III – Da Análise Das Características Envolvidas Na Conceituação Dos Direitos Transindivuais (Difusos E Coletivos Stricto Sensu) E Individuais Homogêneos. IV – Alguns Critérios Existentes Para A Diferenciação Dos Direitos Transindividuais. Conclusão. Referência Bibliográfica.
INTRODUÇÃO
O Princípio do Acesso à Justiça (artigo 05º, inciso XXXV da Constituição Federal) vem, nos últimos anos, inspirando o legislador pátrio a proceder com inúmeras reformas legislativas e, também, a implantar meios para tornar o direito mais dinâmico e, por consequência, mais efetivo no que se refere à prestação jurisdicional.
Para o alcance do objetivo acima exposto, tem-se verificado uma verdadeira fúria legislativa voltada para a otimização dos atos processuais e para a redução da vida útil do processo. Contudo, especialmente no direito moderno, a concepção de acesso à Justiça não pode mais ser compreendida apenas como um “direito de acesso aos tribunais” em virtude dos notáveis avanços da sociedade e das frequentes mudanças de conceitos. Essa interpretação tornou-se defasada sendo necessária, pois, uma nova interpretação desse instituto não só pelos cidadãos, mas, também, pelos magistrados, promotores, advogados, serventuários da justiça etc.
Mauro Cappelletti e Bryan Garth, no ano de 1978, cientes de que eram necessárias algumas mudanças (especialmente sob aspecto prático) para um acesso à Justiça mais justo e equânime, brindaram o mundo com a obra “Acesso à Justiça” em que sugeriram algumas providências organizadas em 03 (três) ondas renovatórias[1]. Para o presente estudo, no entanto, interessa-nos mais a segunda onda renovatória do direito que traz, em sua essência, a incorporação dos interesses difusos e coletivos para que os grandes conflitos de massa sejam levados aos tribunais.
O Brasil, especialmente nas últimas 03 (três) décadas, viu florescer alguns instrumentos para a tutela dos interesses ou direitos transindividuais e individuais homogêneos sendo, pois, importante destacar os seguintes marcos legislativos: (i) a Ação Popular (lei n.º 4.717/1965); (ii) a Ação Civil Pública (Lei n.º 7.347/85); (iii) a Constituição Federal de 1988 que ampliou o espectro da Ação Civil Pública para, então, tratar dos interesses direitos difusos e coletivos; e (iv) o Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990) que delineou o conceito dos direitos transindividuais agregando-se, ainda, uma nova categoria: os direitos individuais homogêneo, dentre outros vários conceitos e dispositivos inovadores.
Então, no Brasil, tem-se (alguns) instrumentos previstos em leis esparsas para a promoção dos interesses ou direitos transindividuais ou individuais homogêneos e tem, no Código de Defesa do Consumidor, a definição do que são os interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Entretanto, o que se tem verificado na prática (doutrina, jurisprudência e operadores do direito) é uma verdadeira miscelânea de conceitos que, não raras vezes, acarretam no indeferimento da pretensão do ente coletivo frente ao bem tutelado em total desprestígio ao acesso á Justiça.
Inúmeras são as dificuldades enfrentadas sendo uma das principais o enquadramento do evento (fatos) como um interesse ou direito de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea. Isso porque um mesmo evento, dependendo do critério a ser utilizado, pode dar ensejo a qualquer um desses interesses ou direitos.
Diante desse cenário, o presente artigo propõe a análise das características envolvidas na conceituação dos interesses ou direitos transindivuais (difusos e coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) e, também, abordará alguns dos principais critérios existentes para a diferenciação de cada uma dessas espécies.
O correto enquadramento de um interesse ou direito é de extrema importância pois é a partir disso que se pode delimitar o pedido, verificar a modalidade da coisa julgada, a maneira de cumprimento de sentença, a verificação de litispendência, o destino de (eventual) indenização pleiteada nos autos etc.
I – DA PROBLEMÁTICA E DA JUTIFICATIVA PARA ESCOLHA DO PRESENTE TEMA.
A doutrina brasileira, nos últimos anos, tem feito um hercúleo esforço para elaborar e eleger critérios científicos para a conceituação técnica dos interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Não é raro de se verificar na prática a inadmissibilidade de algumas ações coletivas sob o fundamento de não se enquadrarem nas pretensões deduzidas dentro do arcabouço conceitual previsto no artigo 01º da Lei de Ação Civil Pública e no artigo 81 do Código de Defesa do Consumidor. As questões de vizinhança, por exemplo, já demonstrou ser um campo fértil para gerar conflitos[2] quando se tenta enquadrá-lo como um interesse ou direito de natureza difusa ou coletiva stricto sensu. Isso ocorre porque, muitas vezes, esses interesses ou direitos não são bem compreendidos pelos operadores do direito e até mesmo pelos julgadores.
Elton Venturi observa que “[…] antes e para além da falta de percepção técnica da sistemática da tutela coletiva, o maior obstáculo ainda se concentra na insensibilidade de muitos operadores do modelo processual coletivo […].”[3] O professor Kazuo Watanabe, por sua vez, consigna que “É na transposição do conflito de interesses do plano extraprocessual para o processual e na formulação do pedido de provimento jurisdicional que são cometidos vários equívocos. A tutela de interesses ´coletivos´ tem sido tratada, por vezes, como tutela ou direitos ´coletivos´, que por definição legal são de natureza indivisível, tem sido limitada a um determinado segmento geográfico da sociedade, com uma inadmissível atomização de interesses ou de direitos de natureza indivisível.”[4]
Para o Excelentíssimo Ministro Teori Zavascki a aproximação dos direitos ou interesses difusos e coletivos stricto sensu (essencialmente transindividuais e indivisíveis) com os interesses individuais homogêneos (essencialmente individuais e divisíveis) é de índole instrumental e não substancial sendo, justamente por isso, inadequada.
Ou seja, ao se aproximar os interesses ou direitos “difusos e coletivos stricto sensu” dos “individuais homogêneos” incluindo-os em uma mesma categoria (transindividuais) incorre-se em erro sendo esta, pois, uma das razões que a tutela de direitos individuais homogêneos “[…] é o campo que apresenta singularidades conforme antes assinalamos sumariamente. É em relação a ele que a prática judiciária enfrenta maiores problemas, ainda mais com a proliferação das hipóteses de legitimação ativa para tutela coletiva de direitos individuais patrocinada pela Constituição de 1988 […]”.[5]
De forma oportuna, Elton Venturi também ressalta a problemática gerada pelo legislador pátrio ao elencar as características e cada espécie de interesse ou direito: “[…] a legislação acaba por induzir, naturalmente, uma série de especulações hermenêuticas voltadas não só ao conhecimento da tipologia, mas também, por consequência, dos pressupostos de admissibilidade da sua tutela jurisdicional, de onde provêm indesejáveis standardizações que acabam, invariavelmente, ou restringindo ou inviabilizando a ação coletiva […]”.[6]
Com efeito, a transcendência e a indivisibilidade do direito material determinarão, na maioria das vezes, a natureza dos interesses envolvidos.
É preciso verificar, no caso prático, a conjugação entre a presunção de legitimidade da parte autora e a verificação do interesses em obter, concentrada e individualmente, o provimento jurisdicional para fins de efetivação da tutela. Por fim, cabe transcrever a conclusão de Elton Venturi, no sentido de que: “[…] Independentemente da tipificação do direito como difuso, coletivo ou individual homogêneo, a tutela jurisdicional de um acaba inevitavelmente importando a tutela do outro, em função do tratamento legalmente emprestado à coisa julgada em sede de qualquer ação coletiva no Brasil, sendo extensíveis erga omnes os efeitos dos provimentos judiciais de procedência para o fim de beneficiar toda a comunidade (direitos difusos), todos os integrantes do grupo, classe ou categoria (direitos coletivos) ou vítimas e sucessos (direitos individuais homogêneos) […]”.[7]
Como um mesmo evento pode gerar pleitos de natureza difusa, coletiva e individual homogênea é importante saber, na prática, distinguir esses interesses ou direitos até mesmo por conta da proteção jurisdicional bivalente (via ação coletiva ou por ações individuais) garantida pelo Código de Defesa do Consumidor.
II – DIREITO SUBJETIVO OU INTERESSE?
Antes de se adentrar efetivamente ao tema do presente estudo, é preciso tecer breves considerações acerca das expressões “interesses” e “direitos” que, na legislação pátria, na doutrina e na jurisprudência são utilizadas, de forma isolada ou conjunta, para se fazer menção aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.
Em brilhante artigo intitulado “Ação Civil Pública” o professor Barbosa Moreira observou que essas expressões (difusos e coletivos) “[…] durante muito tempo foram usadas, e não apenas no Brasil, em forma, por assim dizer, promíscua, isto é, sem a preocupação de uma distinção nítida entre os 02 (dois) conceitos”.[8] Comecemos, então, analisando o tratamento conferido às essas expressões em alguns textos normativos do microssistema coletivo.
A lei n.º 7.347/1985 (disciplina a Ação Civil Pública) utiliza a expressão “interesse” (artigo 01º, inciso IV). A Carta Magna de 1988, por sua vez, também adotou o termo “interesse” (artigo 129, inciso III) e “direitos e interesses” (artigo 129, inciso V). Na lei n.º 8.078/1990 (dispõe sobre a proteção do consumidor – CDC) o legislador pátrio optou pela utilização da expressão “interesses ou direitos” (artigo 81, parágrafo único e incisos). A lei n.º 12.016/2009 (disciplina o mandado de segurança individual e coletivo) utiliza-se da expressão “direitos” (artigo 21, parágrafo único).
Mas afinal, qual a expressão correta? Será “interesses”? Ou a expressão “direitos” parece ser a mais adequada? Será que uma tem alcance maior que a outra? Ou ambas devem ser entendidas como sinônimas? A doutrina, visando eleger a expressão que melhor traduz os interesses ou direitos transindividuais e individuais homogêneos formaram 03 (três) correntes que serão brevemente retratadas abaixo.
José Marcelo Menezes Vigliar opta pela expressão “interesses” ao entender que a expressão “direito” traz uma grande carga de individualismo, fruto da tradição acadêmica pátria, sempre tendente a associar a defesa de direitos por intermédio do emprego de ações. Essa perspectiva acaba, pois, colocando o processo civil a serviço do autor, ou seja, daquele que afirma a posição favorável a partir do ordenamento jurídico.[9]
O ilustre promotor de justiça Ricardo de Barros Leonel também optou pela expressão “interesses” ao entender que há, nessa expressão, uma maior amplitude de tutela para situações não reconhecidas como direitos subjetivos. E sustenta o seu posicionamento com os seguintes argumentos: “Não se desconhece a concepção pela qual o interesse legítimo é uma posição jurídica subjetiva, substancial e autônoma com respeito à demanda, consagrada a um indivíduo que se encontra numa posição particular diferenciada (posição legitimante) perante a Administração Pública, decorrente de uma precedente relação de direito privado ou público, assegurando-lhe a faculdade de pretender a anulação de um ato administrativo. Dentro desta ideia, inadmissível seria a confusão deste conceito com o de direito subjetivo, pois de acordo com este raciocínio, o interesse legítimo identificaria posição de igualdade entre as partes enquanto o direito subjetivo, posição de desigualdade, com preeminência de seu titular.”[10]
Hugo Nigro Mazzilli elegeu a expressão “interesse” para se referir aos direitos transindividuais e individuais homogêneos não obstante esclarecer que: “[…] ambas as expressões estão corretas, mas significam coisas diversas. Para os fins que ora nos dizem respeito, interesse é pretensão; direito é a pretensão amparada pela ordem jurídica. Assim, p. ex., uma ação civil pública que busque a tutela de valores transindividuais que, ao final, se vejam definitivamente reconhecidos como inexistentes, essa ação objetivou a defesa dos interesses difusos; já outra ação que busque a tutela de valores transindividuais definitivamente reconhecido como existentes objetivou a defesa de direito difusos.[11]
O professor Fredie Didier Jr., por outro lado, observa que “[…] o termo ´interesses´é expressão equívoca, sendo que não poucos juristas brasileiros apontaram a questão, seja porque consideraram não existir diferença prática entre direitos e interesses, seja porque os direitos difusos e coletivos foram constitucionalmente garantidos (v.g., Título II, Capítulo I, da CF/88). […] Por outro lado, a grande maioria dos juristas nacionais tem preferido manter a expressão ´interesses´, porque: a) ´a expressão direitos traz uma grande carga de individualismo, fruto de nossa formação acadêmica´ b) há ´evidente ampliação das categorias jurídicas tuteláveis para a obtenção da maior efetividade do processo´. Ousamos discordar. Cabe, por dever de precisão, afastar a erronia. Vale lembrar, não se trata de defesa de interesses e, sim, de direitos, muitas vezes, previstos no próprio texto constitucional”.[12]
E assim concluiu: “Rogamos que prevaleça, portanto, a sua configuração como direitos subjetivos coletivos, mais consentânea à tradição nacional e ao direito constitucional positivo vigente que expressamente determina: ´a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito´(art. 5º, XXXXV da CF/88).”[13]
Antonio Gidi também entende ser adequada a utilização do termo “direito”. Seus estudos sugerem uma resistência à ampliação do conceito de direito subjetivo como causa para o advento da expressão “interesse”. Com efeito, referido doutrinador sustenta que a “[…] a pretensa distinção existente entre direito subjetivo e direito transindividual se deve ao ranço individualista que marcou a dogmática jurídica do século XIX: o preconceito ainda que inconsciente em admitir a operacionalidade técnica do conceito de direito superindividual. Isto porque os referidos direitos, pela indivisibilidade de seu objeto e imprecisa determinação de sua titularidade, não se enquadrariam exatamente na rígida delimitação conceitual do direito subjetivo como fenômeno de subjetivação do direito objetivo”.[14]
Distante das discussões acima travadas, o professor Kazuo Watanabe lançou o seguinte posicionamento sobre o assunto: “Os termos ´interesses´e ´direitos´ foram utilizados como sinônimos, certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ´interesses´ assumem o mesmo status de ´direitos´, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para busca de um diferenciação ontológica entre eles.”[15]
No mesmo sentido temos o magistério de Daniel Amorim Assumpção Neves ao asseverar que […] para o direito pátrio, a distinção entre direito e interesse não tenha mais a relevância de outrora e que até hoje é mantida em alguns outros países. A necessidade de tutelar a coletividade ou uma comunidade surgiu como algo incompreensível diante da concepção clássica de direito subjetivo, dividido entre direitos privado (de titularidade de um indivíduo) e público (de titularidade do Estado). Não havendo espaço para esses novos titulares (coletividade e comunidade), criou-se o termo ´interesse´para designar esse fenômeno. […] Na realidade, os valores de interesse da coletividade ou de uma comunidade, que um dia foram considerados meros interesses e depois passaram a ser vistos como interesses legítimos, atualmente devem ser contemplados como direitos subjetivos. Daí a absoluta desnecessidade de continuar, tanto no âmbito legislativo como no doutrinário e jurisprudencial, a se referir a interesses quando se trata de tutela coletiva, bastando para a compreensão do tema a utilização do termo ´direito´.[16]
Na mesma linha temos o posicionamento de Elton Venturi: Aliás, para além da expressa qualificação legal das pretensões difusas, coletivas ou individuais homogêneas como autênticos direitos subjetivos, não há, praticamente, qualquer serventia para eventuais distinções conceituais que se insistisse a impor, sobretudo porque, sob a ótica do sistema constitucional da prestação jurisdicional, são tuteláveis pelo Poder Judiciário brasileiro, indistintamente, tanto do interesses como direitos subjetivos. […] O abandono da distinção conceitual entre interesses e direitos, com o reconhecimento dos interesses meta-individais como verdadeiros direitos subjetivos, culmina, pois, na própria legitimação do sistema jurídico nacional […][17]
Para o professor Rizzatto Nunes “Tem que se entender ambos os termos como sinônimos, na medida em que ´interesse´, semanticamente em todos os casos, tem o sentido de prerrogativa e esta é exercício de direito subjetivo. Logo, direito e interesse têm o mesmo valor semântico: direito subjetivo ou prerrogativa, protegidas pelo sistema jurídico. Por isso, nós, aqui, usaremos apenas o termo ´direito´.”[18]
No mesmo sentido é o magistério de Paulo de Tarso Brandão ao entender que, o que verdadeiramente importa, é a defesa efetiva dessa modalidade de interesses. Além disso, pelo simples fato da lei proteger interesses transindividuais eles se transmutam em direitos, o que torna as expressões sinônimas.[19]
Para o professor Barbosa Moreira a diferenciação entre “interesse” e “direito” pode ser, em tese, relevante sob o ponto de vista teórico, porém nem tanto sob o ponto de vista prático. Em existindo necessidade de assegurar aos titulares uma proteção jurisdicional eficaz não importa saber a que título será conferida tal proteção.[20]
Enfim, o legislador pátrio, a fim de evitar (possíveis) problemas de negativa de prestação jurisdicional e/ou de acesso à Justiça por conta de um eventual reducionismo que poderia gerar a expressão “interesse” acabou por adotar ambas as expressões como sinônimas para fins de tutela jurisdicional.
A distinção entre “direito” e “interesse” ganha relevante papel no campo acadêmico e no momento de se distingui-las tecnicamente não sendo, por outro lado, tão relevante em termos práticos, pois, em regra, deve se priorizar a prestação jurisdicional.
De maneira que, hodiernamente, os esforços para identificar os critérios para a utilização de uma ou de outra expressão só tem lugar se for para se ampliar o espectro objetivo de incidência do controle jurisdicional de modo a prestigiar ainda mais o disposto no artigo 05º, inciso XXV da Constituição Federal. E não ao contrário.
Ante todo o exposto e, levando-se em consideração a necessidade de uma efetiva prestação jurisdicional, bem como também considerando o fato de que o “interesse” (desde que juridicamente protegido) assume o status de “direito” será adotada, no presente trabalho, a expressão “direito” na medida em que é sinônima de “interesse”.
III – DA Análise das características envolvidas na conceituação dos direitos transindivuais (difusos e coletivos stricto sensu) e individuais homogêneos.
O Código de Defesa do Consumidor traz a definição legal dos direitos coletivos em seu artigo 81. Ao fazê-lo, verifica-se que o legislador pátrio utilizou como critério para a distinção desses direitos a origem. Na opinião do professor Rizzatto Nunes “[…] a definição legal está em perfeita consonância com o sistema constitucional, não havendo nada que possa macular suas disposições”.[21]
Verifica-se, pois, de forma clara, que o código consumerista procurou conceituar os direitos transindividuais e individuais homogêneos sob uma perspectiva processual, com a intenção de facilitar a sua instrumentalização. Sobre o tema, é interessante trazer à baila uma interessante síntese elaborada pelo professor Hugo Nigro Mazzilli que muito bem traduz o que está se tentando explicar nesses parágrafos iniciais “[…] a) Se o que une interessados determináveis, que compartilharem interesses divisíveis, é a origem comum da lesão (p. ex., os consumidores que adquirem produtos de série com o mesmo defeito), temos interesses individuais homogêneos; b) se o que une interessados determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica indivisível (como os consumidores que se submetem à mesma cláusula ilegal em contrato de adesão), temos interesses coletivos em sentido estrito; c) se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato, mas o dano é individualmente indivisível (p. ex., os que assistem pela televisão é a mesma propaganda enganosa), temos interesses difusos”.[22]
Uma vez abordado alguns aspectos introdutórios sobre o tema cabe, agora, proceder com uma análise mais detalhada das características envolvidas na conceituação dos direitos transindivuais (difusos e coletivos stricto sensu) e individuais homogêneos.
Pois bem.
A primeira modalidade de direito a ser estudado encontra-se estampada no artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor e define os interesses ou direitos difusos como “[…] os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. Para Elton Venturi “Os interesses difusos devem ser compreendidos não como novos direitos, no sentido de que tenham nascido contemporaneamente mediante, no sentido de que tenham nascido contemporaneamente mediante a expressa referência constitucional à proteção do meio ambiente, da saúde, do bem-estar social, dos consumidores, dos trabalhadores – enfim, de qualquer pretensão relacionada com a qualidade de vida -, mas sim como interesses que sempre existiram, emergentes naturalmente do plano de existência/ utilidade, dispersos no contexto social em função da inexistência de vínculos formais e rígidos entre seus titulares.”[23]
Esses direitos, nas precisas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli “[…] compreendem grupos menos determinados de pessoas (melhor do que pessoas indeterminadas, são antes pessoas indetermináveis), entre as quais inexiste vínculo jurídico ou fático se preciso. São como um feixe ou conjunto de interesses individuais, de objeto indivisível, compartilhados por pessoas indetermináveis, que encontrem unidas por circunstâncias de fatos conexas”.[24]
Consoante Rodolfo Mancuso esses direitos “[…] caracterizam-se pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.[25] Já para Fredie Didier Jr. os direitos difusos são “[…] aqueles transindividuais (transindividuais, supraindividuais, pertencentes a uma coletividade), de natureza indivisível (só podem ser considerados como um todo), e cujos titulares sejam pessoas indeterminadas (ou seja, indeterminalidade dos sujeitos, não havendo individuação) ligadas por circunstância de fato, não existindo um vínculo de natureza jurídica […]”[26]
Conforme se verifica do artigo 81, parágrafo único, inciso I do Código de Defesa do Consumidor, a primeira característica marcante desse direito é a transindividualidade (que deve ser analisada sob o aspecto subjetivo). Essa característica recai sobre o titular do direito que não é um único indivíduo. Trata-se, pois, de um direito que pertence a um grupo de pessoas e não à administração pública ou ao particular que aspiram uma mesma pretensão de natureza indivisível.
A próxima característica é a natureza indivisível do objeto que se traduz pela impossibilidade de fracionar o direito entre os membros que compõe a coletividade envolvida.
Melhor explicando, não é possível resolver o problema para um sem, automaticamente, resolver o de todos. Tampouco também é possível excluir quem quer que seja do pólo ativo da pretensão por força da natureza inclusiva do processo que possui objeto extrapatrimonial.
Como bem observa Rizzatto Nunes “[…] o caráter da indivisibilidade do objeto faz a ligação com a titularidade difusa, sem alterar o quadro da proteção particular.”[27] Em sentido complementar, Elton Venturi leciona que “A indivisibilidade relaciona-se com a própria natureza da pretensão, cuja fruição deve se dar indistintamente entre todos os seus titulares. Tal atributo, aliás, deveria importar, logicamente e legalmente, a unidade da tutela jurisdicional dos direitos difusos, constituindo verdadeira heresia seu tratamento processual cindido, parcial, ou, pior, diversificado, como por vezes se verifica na praxe forense, seja em decorrência da ignorância do sistema de tutela coletiva, seja em decorrência da aplicação de regras inconstitucionalmente implementadas ao microssistema legal coletivo […]”[28]
Justamente pelas características acima expostas acerca da indivisibilidade do objeto é que o professor Hugo Mazzilli aponta que “[…] o produto de eventual indenização obtida em razão da degradação ambiental não pode ser repartido entre os integrantes do grupo lesado, não apenas porque cada um dos lesados não pode ser individualmente determinado, mas porque o próprio objeto do interesse em si mesmo é indivisível”.[29]
A característica seguinte refere-se aos titulares como pessoas indeterminadas. A coletividade titular do direito é formada por sujeitos indeterminados ou indetermináveis individualmente. Ou seja, não é possível identificar um a um os envolvidos. E nem é essa a intenção quando se cuida de um interesse difuso (e coletivo stricto sensu). E, aqui, cabe mencionar uma curiosa observação feita por Daniel Amorim Assumpção Neves no sentido de que é um equívoco afirmar que “[…] a titularidade desse direito é de pessoas indeterminadas. Na realidade, os titulares não são sujeitos indeterminados, mas sim a coletividade. Essa coletividade, naturalmente, é formada por pessoas humanas, mas o direito difuso não as considera como indivíduos, mas tão somente como sujeitos que compõe a coletividade, como integrante desta”.[30]
O fato é que os titulares, simplesmente, não são identificados ou identificáveis por conta da dimensão do direito e pelo número de sujeitos que podem estar envolvidos. Para se tentar ter uma ideia do alcance dessa característica o professor Kazuo Watanabe consiga que “[…] os operadores do Direito têm fragmentado os interesses ou direitos ´difusos´, e mesmo os coletivos, atribuindo-os apenas a um segmento da sociedade, como os moradores de um Estado ou de um Município. Assim agindo desnaturam por completo a ´natureza indivisível´ dos interesses ou direitos transindividuais, atomizando os conflitos, quando o objetivo do legislador foi o de submetê-los à apreciação judicial na sua configuração molecular, para assim se obter uma tutela mais efetiva e abrangente”. [31]
E o argumento acima exposto é bem complementado com a ponderação e exemplos do professor Hugo Mazzilli: “[…] como individualizar as pessoas lesadas com o derramamento de grandes quantidades de petróleo na Baía de Guanabara, ou com a devastação da Floresta Amazônica? Como determinar exatamente quais as pessoas lesadas em razão de terem tido acesso a uma propaganda enganosa, divulgada pela rádio ou televisão?”.[32]
Diante disso fica, então, fácil de se compreender que a indeterminação dos titulares refere-se, portanto, à impossibilidade de estabelecer o número de pessoas que tem o mesmo direito. Eles não têm condições de se organizarem em grupo de modo a abranger todos os possíveis interessados. Não por que não querem, mas, sim, porque não sabem onde estão e quem são os sujeitos que estão com o mesmo direito violado. Nesse sentido, manifestou-se o professor Elton Venturi “Não se concentra a titularidade da pretensão indivisível em torno de agrupamentos sociais identificáveis como classes ou categorias, justamente porque sua origem é meramente circunstancial e fática, não derivando de relações formais entre os seus titulares, que, em última análise, deve ser concebidos como todos os indivíduos. Daí a nota da indetermininabilidade dos titulares das pretensões difusas”.[33]
Finalmente, a quarta característica é que os titulares estão ligados por uma circunstância de fato que os unem sendo, pois, dispensável a necessidade de uma relação jurídica base. Como bem observa o Hugo Nigro Mazzilli “[…] no caso dos interesses difusos, a lesão ao grupo não decorrerá da relação jurídica em si, mas sim da situação fática resultante […]”[34].
No mesmo sentido, Rizzatto Nunes observa que em “[…] matéria de direito difuso, inexiste uma relação jurídica-base. São as circunstâncias de fatos que estabelecem a ligação”.[35] Por fim, vale colacionar os apontamentos do professor Pedro Lenza no sentido de que, nas circunstâncias de fato, “[…] não se percebe qualquer vínculo jurídico, mas apenas uma situação fática a unir os sujeitos titulares dos interesses difusos. Não se identifica qualquer relação jurídica-base ligando o grupo, categoria ou classe de pessoas entre si ou com a parte contrária, relação esta percebida nos interesses ou direitos coletivos, onde esta característica evidencia-se antes da lesão ou ameaça de lesão coletiva”.[36]
Pelas características acima expostas verifica-se, portanto, que a natureza indivisível está ligada ao aspecto objetivo e as pessoas indeterminadas e a circunstância de fato (desnecessidade de uma relação jurídica base) estão ligadas ao aspecto subjetivo.
Por fim, é preciso citar alguns clássicos exemplos de interesse ou direito difuso: (i) a publicidade enganosa de um produto que promete um resultado milagroso, mas, na verdade, somente causa potenciais efeitos colaterais e; (ii) o direito que todos têm de respirar um ar de boa qualidade.
O artigo 81, parágrafo único, inciso II do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, diz ser os interesses ou direitos coletivos stricto sensu “[…] os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”. Conforme alude Elton Venturi “Diferentemente do que ocorre com os direitos difusos, quando as pretensões indivisíveis encontram-se dispersas entre indivíduos indeterminados e indetermináveis, na hipótese dos direitos coletivos a existência de relações formais entre seus titulares, ligados não apenas por circunstâncias fáticas, mas por concretas relações jurídico-formais, torna possível a alusão à corporificação de grupos, classes ou categorias, em torno dos quais se concentram pretensões comuns e indivisíveis.”[37]
Essa modalidade de direito, nas palavras do professor Hugo Nigro Mazzilli “[…] são transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum”.[38] O professor Fredie Didier Jr., em sentido complementar, assevera que “[…] nesse particular, cabe salientar que essa relação jurídica base pode dar-se entre os membros do grupo ´affectio societatis´ ou pela sua ligação com a ´parte contrária´.”[39]
Sobre a transindividualidade e a natureza indivisível do objeto já foram tecidas as devidas considerações acima na definição dos direitos difusos. De maneira que essas 02 (duas) características são igualmente aplicáveis para os direitos coletivos stricto sensu.
Cabe, no entanto, tecer considerações acerca da titularidade que será um grupo, categoria ou classe de pessoas. Diferentemente dos direitos difusos o titular, aqui, será uma “comunidade” delimitada por um grupo, classe ou categoria de pessoas. São, pois, determináveis. É preciso observar que, ainda que a pessoa não seja sindicalizada ou vinculada àquela associação ou entidade de classe, não lhe é retirado o direito de co-titular das pretensões eventualmente pleiteadas em sede de ação coletiva. Nesse sentido, o professor Kazuo Watanabe nos ensina que “Mesmo sem organização, os interesses ou direitos ´coletivos ´, pelo fato de serem de natureza indivisível, apresentam identidade tal que, independentemente de sua harmonização formal ou amalgamação pela reunião de uma entidade representativa, passam a formar uma só unidade, tornando-se perfeitamente viável, e mesmo desejável, a sua proteção jurisdicional em forma molecular.”[40]
O professor Rizzatto Nunes, por sua vez, observa que “[…] para a verificação da existência de um direito coletivo não há necessidade de se apontar concretamente um titular específico e real”.[41] Até mesmo porque, conforme assevera Elton Venturi “[…] não podem as pretensões genuinamente coletivas ser identificáveis em relação a apenas alguns dos membros da classe, pois são comuns a toda uma categoria, grupo ou classe social.” [42] E complementa “A entidade associativa, ressalte-se, apenas tem a responsabilidade de coordenar judicialmente os interesses do grupo, classe ou categoria, mas não tem o poder de criar os seus integrantes. Vale dizer, os componentes de uma determinada coletividade são identificáveis não propriamente em função do vínculo associativo ou sindical que as reúne – que, aliás, deve ser compreendido como meramente facultativo e eventual -, mas sim e função do enquadramento de cada um no regime jurídico próprio, comum e indivisível da pretensão coletiva.”[43]
A outra característica é a relação jurídica base. É, pois, dessa relação que nasce o direito a ser tutelado guardando, por isso, íntima relação com lesão ou a ameaça de lesão. Em sentido complementar, o professor Hugo Nigro Mazzilli observa que “[…] Embora o CDC se refira a ser uma relação jurídica básica o elo comum entre os lesados que comunguem o mesmo interesse coletivo (tomado em seu sentido estrito), ainda aqui é preciso admitir que essa relação jurídica disciplinará inevitavelmente uma hipótese fática concreta; no caso de interesses coletivos, a lesão ao grupo não decorrerá propriamente da relação ao grupo”.[44]
É importante observar também que a relação-base necessita ser preexistente à lesão ou à ameaça de lesão do direito que reúne o grupo, a categoria ou a classe de pessoas. E, aqui, é preciso observar que não se deve confundir a relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão. De forma oportuna Fredie Didier Jr. consigna que “[…] a relação-base forma-se entre os associados de uma determinada associação, os acionistas da sociedade ou ainda os advogados, enquanto membros de uma classe, quando unidos entre si (affectio societatis, elemento subjetivo que os une entre si em busca de objetivos comuns); ou, pelo vínculo jurídico que os liga a parte contrária […].”[45]
De forma complementar, Elton Venturi leciona que “A entidade associativa, ressalte-se, apenas tem a responsabilidade de coordenar judicialmente os interesses do grupo, classe ou categoria, mas não tem o poder de criar seus integrantes. Vale dizer, os componentes de uma determinada coletividade são identificáveis não propriamente em função do vínculo associativo ou sindical que as reúne – que, aliás, deve ser compreendido como meramente facultativo e eventual -, mas sim em função do enquadramento de cada um no regime jurídico próprio, comum e indivisível da pretensão coletiva.”[46]
Um clássico exemplo é a discussão de reajuste abusivo de mensalidade em um determinado colégio pela Associação de Pais e Mestres (partes ligadas entre si por uma relação jurídica) e a discussão acerca do pagamento ou não de uma taxa por determinado grupo, classe ou categoria (titular ligado ao sujeito passivo por uma relação jurídica).
Por fim, o artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor assevera ser os interesses ou direitos individuais homogêneos aqueles “[…] decorrentes de origem comum”. Cuida-se, nas palavras de Elton Venturi, de um artifício legislativo constituído “[…] para fomentar o acesso à justiça, também pela via coletiva, de pretensões individuais reunidas em função de sua origem comum, atrelada às causas remotas ou próximas das lesões ou ameaças de lesões produzidas por um mesmo responsável”[47]
Como bem observa o professor Rodolfo de Camargo Mancuso […] temos um interesse que só é efetivo na forma por que é exercido, não em sua essência. Um feixe de interesses individuais não se transforma em interesse coletivo pelo só fato de o exercício ser coletivo. A essência permanece individual”.[48] Ou como assevera o Kazuo Watanabe, esses direitos são “[…] individuais em sua essência, sendo coletivos apenas na forma em que são tutelados.”[49]
A tutela desse direito não é um litisconsórcio, mas, sim, um direito coletivo. Não se trata, pois, conforme aponta Rizzatto Nunes, de um “[…] ajuntamento de várias pessoas, com direitos próprios e individuais no pólo ativo da demanda, o que se dá no litisconsórcio ativo”.[50]
O professor Fredie Didier Jr. ressalta com grande veemência a importância dessa categoria de direito ao alegar que “Sem a sua criação pelo direito positivo nacional não existiria possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com a natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente de massificação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A ´ficção jurídica´ atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça frente aos reclames da vida contemporânea. Assim, ´tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada.”[51]
Abordadas algumas considerações iniciais sobre os direitos individuais homogêneos passemos, agora, a analisar mais profundamente a definição dessa categoria de direito que, para o professor Hugo Mazzilli “[…] são aqueles de grupo, categoria ou classe de pessoas determinadas ou determináveis, que compartilham prejuízos divisíveis, de origem comum, normalmente oriundos de uma mesma circunstância de fato […] Em sentido lato, os interesses individuais homogêneos não deixam de ser também interesses coletivos”.[52]
Por outro lado, o professor Elton Venturi observa que “[…] não nos parece correto referir a titularidade dos direitos individuais homogêneos como pertencente a pessoas integrantes de ´grupos, classe ou categorias´, eis que, na realidade, entre si ou com a parte adversária, qualquer espécie de vínculo, formal ou informal, suficiente a reuni-los sob as referidas qualificações. A única ligação existente entre os indivíduos titulares de direitos homogêneos é meramente fática e casual (a origem comum da lesão), não versando sobre elementos essencialmente aptos a defini-los como transindividuais. Por fim, a confusão gerada pela equivocada imputação de pertinência subjetiva dos direitos individuais homogêneos a ´grupos, classes ou categorias´torna-se ainda mais evidente quando se verifica que o Código de Defesa do Consumidor imprime regimes distintos de extensão da coisa julgada: ultra partes, quando referíveis a grupos categorias ou casses; e erga omnes, quando referíveis a vítimas e sucessores”.[53]
A origem comum é, pois, um evento que vincula os titulares do direito violado. Esses direitos nascem em decorrência de uma lesão ou de uma ameaça à lesão que atingem (ou podem atingir) os indivíduos de forma igual. A origem comum, nas palavras do renomado professor Kazuo Watanabe “[…] pode ser de fato ou de direito, e a expressão não significa, necessariamente, uma unidade factual e temporal. As vítimas de uma publicidade enganosa veiculada por vários órgãos de imprensa e em repetidos dias de um produto nocivo à saúde adquirido por vários consumidores num largo espaço de tempo e em várias regiões têm, como causa de seus danos, fatos de uma homegeneidade tal que os tornam a ´origem comum´ de todos eles. […] a origem comum (causa) pode ser próxima ou remota. Próxima, ou imediata, como no caso da queda de um avião, que vitimou diversas pessoas; ou remota, mediata, como no caso de um dano à saúde, imputado a um produto potencialmente nocivo, que pode ter tido como causa próxima as condições pessoais ou o uso inadequado do produto. Quanto mais remota for a causa, menos homogêneos serão os direitos.”[54]
Esse evento pode ser fático, jurídico ou fático e jurídico e não se limita apenas e tão somente aos eventos relacionados ao consumidor. Ao contrário, a origem comum pode estar ligada às questões ambientais, tributárias, previdenciária etc. Ou seja, o vínculo que unem as partes decorrem senão da própria lesão ou ameaça de lesão configurada em cada caso.
O microssistema coletivo deve funcionar em harmonia. É por isso que, com a devida vênia, o Excelentíssimo Ministro Gilmar Mendes e o professor Arnoldo Wald, ao atualizarem a obra Mandado de Segurança de Hely Lopes Meirelles, se equivocaram ao sustentar o “[…] descabimento da ação civil pública para a defesa de direitos individuais homogêneos fora das hipóteses previstas no três primeiros e no último inciso do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública (meio ambiente, consumidor, patrimônio público e social e ordem econômica).”[55]
Infelizmente, os Tribunais Excepcionais do país já negaram prestação jurisdicional em ações de natureza individual homogênea que não se enquadram nas hipóteses dos incisos I, II, III e IV da Lei de Ação Civil Pública[56] em flagrante negativa de vigência do artigo 81, parágrafo único, inciso III do Código de Defesa do Consumidor consubstanciando-se, pois, em clara a vedação de acesso à Justiça.
Além da origem comum é preciso também a homogeneidade (que não é sinônimo de igualdade, mas, sim de afinidade). É preciso apenas que, do fato, conforme assevera Fredie Didier, “[…] decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de pretensões individuais”.[57] Nas palavras de Marcelo Abelha Rodrigues “A homogeneidade existe em razão de um conceito relacional, que, segundo pensamos, em relação ao sistema processual coletivo, deve ser feito sob a luz de um aspecto quantitativo e qualitativo. O qualitativo é o de que devem possuir uma origem comum (não necessariamente idêntica), compreendida sob o aspecto da causa de pedir próxima ou remota. O quantitativo diz respeito ao fato de tais interesses homogêneos devem possuir, efetivamente, uma considerável extensão dos indivíduos, de tal forma, que seja lícito atribuir-lhes um caráter de ´homogêneos´, portanto, com dimensão social que justifique, pois, um tratamento coletivo”.[58]
Para Antonio Gidi, por outro lado […] como a homogeneidade decorre tão-só e exclusivamente da origem comum dos direitos, estes não precisam ser iguais quantitativa e qualitativamente. Assim, da mesma forma que o quantum de cada prejuízo individual é algo peculiar e irrelevante, para a caracterização da homogeneidade de tais direitos, esses prejuízos individualmente sofridos podem ser das mais variadas espécies (patrimoniais, morais, lucros cessantes, danos emergentes) sem comprometimento à referida homogeneidade. Afinal, o ´homogêneo´ aqui se refere à identidade ou igualdade matemática entre os direitos, mas, a um núcleo comum que permita um tratamento universal e globalizante para todos os casos”.[59]
Em sentido complementar, Elton Venturi leciona que “[…] a interpretação da homogeneidade dos direitos individuais como decorrente não de qualquer origem comum, mas apenas de uma origem comum qualificada, tão próxima a ponto de torná-los idênticos ou quase-idênticos quanto às questões fáticas e jurídicas envolvendo seus titulares e o infrator (o demandado na ação coletiva), parece-nos inegavelmente contra-legem, criando obstáculo à admissão de ações coletivas não previsto pelo ordenamento brasileiro.”[60]
Contudo, nem sempre a homogeneidade será, por si só, suficiente para caracterizar a homogeneidade do direito em voga. Quer dizer, não raras vezes poderá não existir homogeneiadade entre as situações de fato e de direito. Em casos como esse, a solução é adotar o critério adotado nas class actions americanas: a prevalência da dimensão coletiva sobre a individual.[61]
Ademais, é preciso observar que, diferentemente do que ocorre com os direitos difusos e coletivos stricto sensu o bem é divisível e os titulares são determinados. Conforme ressalta o professor Rizzatto Nunes […] a origem é comum e atingiu a todos os titulares determinados do direito individual homogêneo, mas o resultado real da violação é diversa para cada um, de tal modo que se trata de objeto que se cinde, que é divisível”[62]. Em sentido complementar, Hugo Nigro Mazzilli observa que “ Tanto os interesses individuais homogêneos como os difusos originam-se de circunstâncias de fato comuns; entretanto, são indetermináveis os titulares de interesses difusos, e o objeto de seu interesse é indivisível; já nos interesses individuais homogêneos, os titulares são determinados ou determináveis, e o objeto da pretensão é divisível (isto é, o dano ou a responsabilidade se caracterizam por sua extensão divisível ou individualmente variável entre os integrantes do grupo).”[63]
O fato acima, como pondera Fredie Didier “[…] não altera a possibilidade e pertinência da ação coletiva. Permanece o traço distintivo: o tratamento molecular, nas ações coletivas, em comparação à fragmentação da tutela (tratamento atomizado), nas ações individuais”.[64]
Por oportuno, é interessante consignar um curioso apontamento feito pelo professor Daniel Amorim Assumpção Neves: “[…] tenho dificuldade em aceitar o tratamento coletivo de qualquer soma de direitos individuais, ainda que de origem comum e homogêneos. Penso que, para se justificar a tutela coletiva, deve a violação do direito ter repercussão significativa, atingindo um número razoável de indivíduos, sob pena de se tutelar coletivamente direitos individuais que não tem tenham grande repercussão subjetiva. […] É preciso concordar que no texto legal não existe qualquer espécie de exigência expressa para um número mínimo de lesados, o que tem levado inclusive, parcela da doutrina a entender que essa circunstâncias é irrelevante. Entendo, entretanto, que deve existir um número razoável de lesados a permitir a aplicação do microssistema coletivo, única forma de compatibilizar o direito individual homogêneo e a tutela coletiva”.[65]
Como exemplo para tentar explicar o acima exposto, Daniel Amorim Assumpção cita como exemplo o consumo de uma garrafa de cerveja (líquido podre) por 02 (duas) pessoas. Diante dessa situação, poderia a Associação de Defesa dos Consumidores ajuizar uma Ação Civil Pública visando a reparação dos danos suportados por esses 02 (dois) consumidores? A resposta, para o professor, é negativa e entende que, para esses casos, a tutela individual é a mais adequada.
Em que pese a sua boa ponderação, o professor Daniel Amorim Assumpção deixou de sugerir um número adequado de pessoas para se tutelar um direito como individual homogêneo. Quer dizer, qual o número de pessoas adequadas em um evento? A questão, portanto, não raras vezes, é subjetiva.
E não só isso. Na prática, muitas vezes, não é possível se mensurar quantas pessoas foram (ou serão) atingidas. No exemplo da cerveja foram contaminados 02 (dois) consumidores. Mas como saber e garantir, na prática, se mais pessoas não foram contaminadas em se tratando de uma sociedade empresarial que distribui bebidas para todo o território nacional?
De toda maneira, é importante observar que o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em mais de uma oportunidade, decidiu que, para se configurar um direito como individual homogêneo mister se faz um número considerável de indivíduos tutelados e não apenas de poucos (particulares) interessados.[66]
Não se pode deixar de consignar, por oportuno, 03 (três) importantes posições que surgem ao se estudar essa modalidade de direito. A primeira, dos professores José Carlos Barbosa Moreira[67] e Aluisio Gonçalves de Castro Mendes[68] no sentido de que os direitos individuais homogêneos são essencialmente individuais e apenas acidentalmente coletivos. A segunda, oriunda do Excelso Pretório, que entendeu ser os direitos individuais homogêneos uma subespécie dos interesses coletivos[69]. E a terceira, que combate os dois primeiros, encabeçado pelo Excelentíssimo Ministro Teori Zavascki no sentido de que “[…] a afirmação segundo a qual os direitos individuais homogêneos assumem, às vezes, a ´roupagem´ de direito coletivo e, como tal, podem ser classificados como ´acidentalmente coletivos´, ou ainda, como ´subspécies dos interesses coletivos´, deve ser entendida com reservas. É classificação decorrente não de um enfoque material do direito, mas sim de um ponto de vista estritamente processual. O ´coletivo´, consequentemente, diz respeito apenas à ´roupagem´, ao acidental, ou seja, ao modo como aqueles direitos podem ser tutelados. […] Na essência e por natureza, os direitos individuais homogêneos, embora tuteláveis coletivamente, não deixam de ser o que realmente são: genuínos direitos subjetivos individuais. Essa realidade deve ser levada em consideração quando se buscam definir e compreender os modelos processuais destinados à sua adequada e mais efetiva defesa. Todavia, a exemplo do que ocorre com os direitos subjetivos das pessoas de direito público, a lesão a certos direitos individuais homogêneos pode assumir tal grau de profundidade ou de extensão que acaba comprometendo também interesses sociais. Realmente, há certos interesses individuais e passar a representar, mais que a soma de interesse dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade como um todo. É o que ocorre, por exemplo, com direitos individuais homogêneos dos atingidos por dano ambiental.[70]
E conclui o douto Ministro: “[…] é possível – e, mais ainda, indispensável – estabelecer os adequados limites distintivos, especialmente no plano conceitual, entre interesses sociais (= interesses de preservação de valores relevantes para a comunidade como um todo) e direitos individuais homogêneos. Aqueles são qualificáveis como direitos transindividuais; mas estes são, essencialmente, direitos subjetivos individuais que, embora passíveis de tutela coletiva na via judicial, nem por isso perdem a sua natureza, sob o ponto de vista material, de direitos pertencentes a pessoas determinadas, que sobre eles mantêm o domínio jurídico.”[71]
É igualmente importante, já que se trouxe a opinião de Teori Zavascki, registrar também que ele adota uma posição diferenciada sobre os direitos individuais homogêneos ao entender que não se tratam de direitos coletivos, mas, sim, de direitos individuais coletivamente tratados. Confira-se: “Uma das principais causas, senão a principal, dos equívocos nesse novo domínio processual foi a de confundir direito coletivo com a defesa coletiva de direitos, que trouxe a consequência, a toda evidência distorcida, de se imaginar possível conferir aos direito subjetivos individuais, quando tutelados coletivamente, o mesmo tratamento que se dá aos direitos de natureza transindividual. A origem contemporânea e comum dos mecanismos de tutela de um e outro desses direitos, acima referida, explica, talvez, a confusão que ainda persiste em larga escala, inclusive da lei e na jurisprudência. Com efeito, a partir do advento do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que introduziu mecanismo especial para a defesa coletiva dos chamados direitos individuais homogêneos, passou-se, não raro, a considerar tal categoria de direitos, para todos os efeitos, como espécie dos direitos coletivos e difusos, lançando-os todos em vala comum, como se lhes fossem comuns e idênticos os instrumentos processuais e as fontes normativas de legitimação para a sua defesa em juízo”.[72]
E assim continua: “[…] os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo. Em outras palavras, os direitos homogêneos são, por esta via exclusivamente pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da organização ou existência de uma relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização de eficiência e da economia processuais. Quando se fala, pois, em ´defesa coletiva´ou em ´tutela coletiva´ de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa.”[73]
Na mesma linha do Excelentíssimo Ministro Teori Zavascki tem-se a posição de Daniel Amorim Assumpção Neves ao observar que “[…] Diferentemente dos direitos difusos e coletivos, o individual homogêneo não é um direito transindividual, já que o seu titular não é a coletividade nem uma comunidade, mas sim os indivíduos. […]Justamente por não ser individual, o objeto do direito individual homogêneo não é indivisível, como ocorreu no direito difuso e coletivo, sendo divisível e decomponível entre cada um dos indivíduos. Como não existe a incindibilidade natural dos direitos transindividuais, que, fundados numa tese geral, podem ser tratados conjuntamente como se fossem um só em um processo coletivo.[74]
No mesmo sentido tem-se o magistério do professor Elton Venturi: Tecnicamente revela-se inapropriada uma aproximação conceitual dos direitos difusos e coletivos (essencialmente transindividuais e indivisíveis) em relação aos individuais homogêneos (essencialmente individuais e divisíveis) […] não se trata propriamente de tutela de direitos coletivos, senão de tutela coletiva de direitos individuais, excepcionalmente concebida pelo sistema processual para incentivar a justiçabilidade de tais pretensões, que, não fosse a via coletiva, jamais ou dificilmente seria sequer levadas à apreciação jurisdicional”.[75]
Contrário aos entendimentos de Teori Zavascki, e Daniel Amorim Assumpção Neves e Elton Venturi, tem-se o professor Aluisio Gonçalves de Castro Mendes: “Os direitos individuais são vistos, por vezes, como passageiros de segunda classe, ou até indesejáveis, dentro desse meio instrumental que é a tutela judicial coletiva. O estigma não passa de preconceito e resistência diante dos novos instrumentos processuais. A defesa coletiva de direitos individuais atende aos ditames da economia processual; representa medida necessária para desafogar o Poder Judiciário, para que possa cumprir com qualidade e em tempo hábil as suas funções; permite e amplia o acesso à Justiça, principalmente para conflitos em que o valor diminuto do benefício pretendido significa manifesto desestímulo para a formulação da demanda; e salvaguarda o princípio da igualdade da lei, ao resolver molecularmente as causas denominadas de repetitivas, que estariam fadadas julgamentos de teor variado, se apreciadas de modo singular.”[76]
Da mesma maneira posiciona-se o professor Fredie Didier Jr. ao defender que as categorias de direito expostas (difuso, coletivo e individual homogêneo)“[…] foram conceituadas com vistas a possibilitar a efetividade da prestação jurisdicional. São, portanto, conceitos interativos de direito material e processual, voltados para a instrumentalidade, para a adequação da teoria geral do direito à realidade hodierna e, dessa forma, para a sua proteção pelo Poder Judiciário. Assim, sua conceituação tem caráter explicitamente ampliativo da tutela dos direitos.” [77]
E complementa dizendo que a tutela dos direitos individuais “[…] não se restringe aos direitos individuais das vítimas. Vai além, tutelando a coletividade mesmo quando os titulares dos direitos individuais não as habilitarem em número compatível com a gravidade do dano […] Assim, não se pode continuar afirmando serem esses direitos estruturalmente direitos individuais, sua função é notavelmente mais ampla. Ao contrário do que se afirma com foros de obviedade não se trata de direitos acidentalmente coletivos, mas de direitos coletivizados pelo ordenamento para os fins de obter a tutela jurisdicional constitucionalmente adequada e integral”.[78]
Para Fredie Didier, posições como a do Excelentíssimo Ministro Teori Zavascki “[…] mostra-se excessivamente restritiva e afastaria os DIH dos princípios gerais da tutela coletiva, aplicáveis ao rol expressamente criado pelo CDC, e referendados agora por todas as propostas de Código de Processual Coletivo”.[79]
A propósito, o professor Rizzatto Nunes também entende que, a princípio, o: […] direito individual homogêneo é também uma espécie de direito coletivo. […] a ação judicial é coletiva, não intervindo o titular do direito subjetivo individual […]”.[80]
Por fim, insta salientar que em um processo cujo objeto é um direito individual homogêneo busca-se uma sentença condenatória genérica (artigo 95, do Código de Defesa do Consumidor). Como bem nos ensina Fredie Didier Jr. “[…] o pedido nas ações coletivas será sempre uma ´tese jurídica geral´ que beneficie, sem distinção, os substituídos. As peculiaridades dos direitos individuais, se existirem, deverão ser atendidas em liquidação de sentença a ser procedida individualmente.”[81]
E como bem observa Elton Venturi “[…] pouco importa que dentre os lesados de um evento comum […] reúnam-se vítimas que, para além da remota origem comum, ainda ostentem heterogêneas causas de pedir próximas, eis que, de toda a forma, em tais casos necessitarão alegar e provar todos os fatos novos que lhes digam respeito com exclusividade, somente no âmbito do procedimento de liquidação previsto no art. 608 do CPC”.[82]
Cada interessado ingressará com uma liquidação de sentença individual (artigos 97 e 98 do Código de Defesa do Consumidor) comprovando o dano e o nexo causal. Deverá o interessado, ainda, sustentar a imputação da responsabilidade civil por conta do ato omissivo ou comissivo do demandando. Em sendo complexa a tentativa de demonstrar o nexo causal não haverá interesse de agir. Nesse sentido, Daniel Amorim Assumpção aduz que “[…] quando não for possível de forma simples a determinação do nexo causal do direito individual e daquele que seria reconhecido na sentença coletiva, não haverá interesse de agir para a ação coletiva, dado que tal ação não será útil e nem adequada para resolver a crise jurídica enfrentada pelos indivíduos. Por outro lado, a sentença não será eficaz, porque de pouco proveito será aos titulares dos direitos individuais, considerando que a liquidação da sentença nesse caso em tudo se assemelhará a um verdadeiro processo de conhecimento condenatório individual”.[83]
Isso porque, conforme conclui Elton Venturi “[…] diante das peculiaridades do modelo brasileiro de ação coletiva de tutela a direitos individuais – insistimos -, basta a origem comum, seja ela próxima, seja remota. Pouco importa, neste sentido, que em relação à demonstração do nexo causal predominem questões individuais sobre questões comuns, visto que são absolutamente irrelevantes para a obtenção da sentença genérica condenatória Por mais diversificadas que se revelem as questões pessoais envolvendo as vítimas ou sucessoras do evento lesivo e o demandado, ou, mesmo, por mais heterogêneo que se apresente o grupo formado por elas, ainda assim a tutela coletiva se apresenta como viável e útil para a defesa dos direitos individuais conexos pela causa comum, eis que, quando menos, importará a fixação definitiva do dever de indenizar, imunizando tal tema das subseqüentes ações de liquidação e execução. Conclui-se, pois, que a exigência legal extraída do art. 81, parágrafo único, III, do CDC diz respeito à homogeneidade da causa, e não à homegeneidade do grupo”.[84]
Um exemplo desse direito é a hipótese de abatimento do valor referente àquela mercadoria viciada adquirida por determinados consumidores (artigo 18, § 01º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor).
Resta, agora, analisar alguns critérios propostos pela doutrina para se identificar se o evento envolvido pode gerar um direito de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea.
IV – ALGUNS CRITÉRIOS EXISTENTES PARA A DIFERENCIAÇÃO DOS DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS.
Tendo em mente os principais conceitos de cada um dos direitos transindividuais e individuais homogêneos e levando-se em consideração a legitimação para agir (v.g., artigo 05º da Lei 7.347/1985 e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor) resta definir os elementos objetivos da causa de pedir.
A ocorrência de um mesmo fato pode originar pretensões de natureza difusa, coletiva e individual homogênea. Contudo, não é sempre, porém, que um direito individual homogêneo é, por exemplo, um direito coletivo latu sensu. O contrário, no entanto, é possível e não raro de se acontecer, ou seja, uma situação que gera um direito coletivo pode gerar também um direito individual homogêneo. Então, qual é o critério correto para a identificação do direito envolvido?
O professor Nelson Nery Jr. sugere como critério a análise da pretensão material e da tutela jurisdicional que se pretende. Ou seja, cuida-se do que o Autor da ação, efetivamente, traz para o processo. O seu objeto litigioso. Confira-se: “No início da aplicação do CDC observou-se, com frequência, o erro de metodologia utilizado por doutrina e jurisprudência para classificar determinado tipo de direito ou interesse. Via-se, por exemplo, a afirmação de que o direito ao meio ambiente é difuoso, o do consumidor seria coletivo e que o de indenização por prejuízos particulares sofridos seria individual. A afirmação não está correta nem errada. Apenas á engano na utilização do método para a definição qualificadora do direito ou interesse posto em jogo. A pedra de toque do método classificatório é o tipo de pretensão material e de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. […] Em suma, o tipo de pretensão é que classifica um direito ou interesse como difuso, coletivo ou indifivual”.[85]
O doutrinador Leonardo Roscoe Bessa também entende que é “[…] a partir do pedido e da causa de pedir que se identificam os beneficiários atuais e potenciais da tutela requerida, bem como a espécie de direito coletivo veiculado na demanda.”[86]
O procurador Leonardo Garcia também adota o mesmo critério ao entender que “[…] um mesmo fato pode gerar direitos de diversas naturezas e somente com a apreciação da tutela jurisdicional pretendida (formada pela causa de pedir e pedido) é que se poderá saber diante de qual direito se está […]”[87]. O professor Sergio Cavalieri Filho também entende que […] é o pedido que irá definir quando será um interesse difuso, coletivo stricto sensu ou individual homogêneo” [88]. O professor Hugo Nigro Mazzilli também adota o mesmo critério: “[…] a defesa de contribuintes, de crianças ou de idosos é matéria de interesse difuso, coletivo ou individual homogêneo? Ora, a resposta correta a perguntas desse tipo vai depender do pedido que venha a ser concretamente formulado na ação civil pública ou coletiva”.[89]
De modo complementar, Hugo Nigro Mazzilli também propõe que sejam respondidas 03 (três) questões perante um caso concreto para descobrir qual o direito envolvido: “a) O dano provocou lesões divisíveis, individualmente variáveis e quantificáveis? Se sim, estaremos diante dos direitos individuais homogêneos; b) O grupo lesado é indeterminável e o proveito reparatório, em decorrência das lesões, é indivisível? Se sim, estaremos diante dos direitos difusos; c) O proveito pretendido em decorrência das lesões é indivisível mas o grupo é determinável, e o que une o grupo é apenas uma relação jurídica base comum, que deve ser resolvida de maneira uniforme para todo o grupo? Se sim, estaremos diante dos direitos coletivos.”[90]
Para Antonio Gidi, por outro lado, o critério mais adequado é a identificação do direito subjetivo específico violado que dirá qual o direito envolvido. Veja. Não é a matéria, o tema ou o assunto abstratamente considerado, mas, sim, o direito subjetivo específico violado.[91] E é aqui que se encontra o ponto de colisão com o critério adotado pelo professor Nelson Nery (pretensão material e da tutela jurisdicional que se pretende). Antonio Gidi utiliza-se, basicamente, de 02 (dois) argumentos para justificar a utilização de seu critério: “[…] Primeiro, porque o direito é subjetivo material tem a sua existência dogmática e é possível, e por tudo recomendável, analisá-lo e classificá-lo independentemente do direito processual. Segundo, porque casos haverá em que o tipo de tutela jurisdicional pretendida não caracteriza o direito material em tutela. Na hipótese acima construída, por exemplo, a retirada da publicidade do ar e a imposição de contrapropaganda podem ser obtidas tanto através de uma ação coletiva em defesa de direitos difusos como através de uma ação individual proposta pela empresa concorrente, muito embora propostas uma e outra com fundamentos jurídicos de direito material diversos […]”.[92]
Há, por fim, doutrinadores que defendem um critério híbrido que sugere um caminho entre as posições do professor Nelson Nery Jr. e Antônio Gidi. Esse critério é defendido, por exemplo, por Fredie Didier: “[…] o CDC conceitua os direitos coletivos lato sensu dentro da perspectiva processual, com o objetivo de possibilitar a sua instrumentalização e efetiva realização. Do ponto de vista do processo, a postura mais correta, a nosso juízo, é a que permite a fusão entre o direito subjetivo (afirmado) e a tutela requerida, como forma de identificar, na ´demanda, de qual direito se trata e, sim, prover adequadamente a jurisdição. Não por outro motivo reafirmamos a característica híbrida ou interativa de direito material e direito processual intrínseca aos direitos coletivos, um direito ´a meio caminho´. Nesse particular, revela-se de preponderante importância a correta individuação , pelo advogado, do pedido e da causa de pedir, incluindo os fatos e o direito coletivo aplicável na ação. Portanto, propõe-se a fusão entre o pensamento de Antonio Gidi e Nelson Nery Jr., que em verdade, se complementam reciprocamente.”[93]
Vale, por fim, consignar o posicionamento do professor Rodolfo de Camargo Mancuso: “[…] Sem embargo, cremos que o elemento pedido deve ser entendido em face do trinômio natureza-compreensão-extensão do interesse controvertido, podendo-se, assim, chegar-se a um critério misto ou eclético, informado por subsídios da pretensão material e da ação judicial”.[94]
Ante todo o exposto, verifica-se, portanto, a existência de diversos critérios para a diferenciação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos devendo, pois, cada autoridade judiciária ou operador do direito eleger o critério mais adequado de acordo com as suas convicções.
CONCLUSÃO
A questão do acesso à Justiça, ultimamente, vem ganhando grande destaque no cenário nacional. Tanto o Poder Judiciário como o Poder Legislativo, a toque de caixa, vêm adotando e sugerindo diversos procedimentos para a otimização do processo e a sua redução em massa perante os sem número de cartórios existentes no Brasil.
A promoção e a efetividade dos direitos transindividuais e individuais homogêneos demonstra ser uma boa solução para desafogar o Judiciário e, assim, promover a justiça. No entanto, a promoção dos direitos coletivos no Brasil ainda é algo relativamente novo e ainda não se tem um código brasileiro de processo coletivo.
O microssistema legislativo do direito processual coletivo é, pois, composto por alguns instrumentos que nasceram, especialmente, nas 03 (três) últimas décadas como a Ação Popular, a Ação Civil Pública, o mandado de segurança coletivo etc. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, em seu artigo 81, traz a qualificação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Com esse arcabouço e levando-se em consideração a legitimação para agir (v.g., artigo 05º da Lei 7.347/1985 e artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor), bem como também uma lesão ou ameaça à lesão, pode-e ajuizar uma ação coletiva.
Contudo, a pergunta que não se cala é: o microssistema atualmente existente é eficaz para atender os anseios do povo e da comunidade jurídica que clamam por uma justiça mais efetiva e de qualidade? A resposta é negativa.
Inúmeros são os fatores (sejam eles internos ou externos) que prejudicam o efetivo acesso á Justiça. O principal, quando se fala em direitos transindividuais e individuais homogêneos é a verdadeira miscelânea de conceitos que, não raras vezes, acarretam no indeferimento da pretensão do ente coletivo frente ao bem tutelado em total desprestígio ao acesso á Justiça.
Visando aclarar alguns conceitos o presente trabalho examinou as características envolvidas na conceituação dos direitos transindivuais (difusos e coletivos stricto sensu) e individuais homogêneos.
Desses estudos, em apertada síntese, pôde-se concluir que no direito difuso o grupo é formado por pessoas que estão ligadas por circunstâncias de fato. O objeto é indivisível pois não há como fracioná-lo. Não há como quantificar ou mensurar os envolvidos. Nos direitos coletivos stricto sensu, por sua vez, guarda semelhança com os direitos difusos no que se refere à transindividualidade e indivisbilidade do objeto. No mais, a parte Autora é identificável pois será um grupo de classes, categoria ou pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. Esta relação necessita ser preexistente à lesão ou à ameaça de lesão do direito que reúne o grupo, a categoria ou a classe de pessoas. E não se deve confundir a relação jurídica base preexistente com a relação jurídica originária da lesão ou ameaça de lesão.
Nos direitos individuais homogêneos o grupo é criado, por ficção legal, após o surgimento da lesão. Trata-se de um grupo de vítimas. A relação que se estabelece entre as pessoas envolvidas surge exatamente em decorrência da lesão, que tem origem comum: essa comunhão na ancestralidade da lesão torna homogêneo os direitos individuais. Criado o grupo, permite-se a tutela coletiva, cujo objeto, como em qualquer ação coletiva, é indivisível (fixação de tese jurídica geral); a diferença, no caso, reside na possibilidade de, em liquidação e execução da sentença coletiva, o quinhão devido a cada vítima pode ser individualizado. Diferentemente dos direitos transindividuais, portanto, aqui o bem é divisível e os sujeitos determinados.
E, aqui, necessário se faz um breve parênteses para esclarecer que as expressões e “interesses” ou “direitos” devem ser entendidas como sinônimas porque o “interesse”
(desde que juridicamente protegido) assume o status de “direito”.
Contudo, para a identificação do tipo de direito envolvido (difusos, coletivos e individuais homogêneos) não basta apenas a letra da lei. É preciso de alguns critérios de identificação que são, conforme visto, basicamente 03 (três): (1) a análise da pretensão material e da tutela jurisdicional que se pretende (Nelson Nery Jr., Leonardo Garcia e Hugo Nigro Mazzilli, Antônio Herman Benjamin, Claudia Lima Marques, Leonardo Roscoe Bessa); (2) identificação do direito subjetivo específico violado (Antonio Gidi e José Roberto dos Santos Bedaque); e (3) um critério híbrido que sugere um caminho entre as posições do professor Nelson Nery Jr. e Antônio Gidi (Fredie Didier Jr.)
Saber distinguir e diferenciar os direitos transindividuais é de uma importância pois, na prática, há grandes diferenças, por exemplo, no que se referir à forma de execução, ao trânsito em julgado da sentença, a litispendência etc. Por isso, ao efetuar essa tarefa, parece que o critério da pretensão (pedido e causa de pedir) adotas por professores como
Nelson Nery Jr., Leonardo Garcia, Hugo Nigro Mazzilli e Leonardo Roscoe Bessa, por exemplo, parece ser a mais adequada.
No entanto, independentemente do critério a ser utilizado, é preciso observar que a necessidade de uma efetiva prestação jurisdicional e muito mais importante. O Poder Judiciário precisa flexibilizar os critérios e se adaptar às demandas moleculares e não às demandas átomos. Estas, sim, só assolam o Judiciário e geram decisões conflitantes. É certo que as demandas moleculares têm inquestionáveis vantagens pois concentram, num único ou em alguns poucos processos, a tutela de direitos individuais semelhantes, resultantes de lesão perpetrada a grande número de indivíduos envolvidos em situação com características comuns.
São claros os ganhos que daí se resultam, seja do ponto de eficiência (presteza no andamento do processo, menos custo, aproveitamento coletivo dos meios de prova etc.), seja do ponto de vista estritamente jurídico, viabilizando o acesso à justiça que, individualmente, a ela não ocorreria, e conferindo a todos um tratamento igualitário, aspectos esses que representam um sinal marcante de realização de acesso à Justiça.
É necessário que “processo” e “justiça” caminhem juntos, de modo a existir respeito e valorização dos princípios nos quais as leis devem se pautar. Afinal, o Brasil, desde o advento da Carta Constitucional de 1988 assumiu um dever de preservação aos direitos fundamentais sejam eles no âmbito individual ou coletivo.
Uma vez consagrada a inafastabilidade da prestação jurisdicional no artigo 5º, inciso XXV da Constituição Federal não há razões ou justificativas pertinentes para se negar a prestação jurisdicional com fundamento em um exacerbado e desnecessário critério de conceituação dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É certo, pois, que muitas vezes, não são os critérios de diferenciação ou a falta de enquadramento da pretensão que impedem a efetiva prestação jurisdicional, mas, sim, as questões políticas quando, por exemplo, trata-se de matéria tributária ou previdenciária em sede de ação de natureza individual homogênea.
De toda a sorte, é fato que os instrumentos previstos na legislação pátria são insuficientes e a comunidade jurídica ainda aguarda o Código Brasileiro de Processos Coletivos e o Código Modelo de Processos Coletivos para Ibero–América para viabilizar a prestação jurisdicional e o acesso à Justiça consagrando-se, assim, o Estado Democrático de Direito em que (supostamente) vivemos.
Trata-se, na verdade, mais de se verificar no caso em concreto a presunção de legitimidade da parte Autora do processo coletivo em confronto com o bem, direito ou o interesse a ser tutelado do que distingui-lo como de natureza difusa, coletiva ou individual homogênea. Nisso consiste, pois, a efetiva prestação da tutela jurisdicional coletiva em um país cujo Poder Judiciário está em uma severa crise e clama por melhorias de qualidade. Sem dúvidas que o processo coletivo brasileiro somente viria para agregar e somar qualidade e, assim, homenagear a prestação jurisdicional e o acesso à Justiça consagrado no artigo 05º, inciso XXV da Constituição Federal.
O microssistema coletivo existe e a autoridade judiciária ou operador do direito devem eleger o critério mais adequado de acordo com as suas convicções para prestigiar o acesso à Justiça.
Advogado. Mestrando em direitos Difusos e Coletivos e especialista em direito Processual Civil pela PUC/SP. Cursa LL.M. em Direito Empresarial pelo IICS. Também possui diversos cursos de atualização e extensão em gestão de conflitos, Processo Civil, Direito Civil, e Direito do Consumidor
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