Da aplicabilidade da medida de segurança aos psicopatas: um estudo à luz do parágrafo único do artigo 26 do Código Penal Brasileiro

Resumo: A maneira como os psicopatas criminosos vêm sendo tratados pelo ordenamento jurídico pátrio, tem levado a discussões quanto a sua efetividade na reinserção destes à sociedade. Percebendo a celeuma jurídica criada em face da discussão acerca da necessidade de tratamento judicial diversificado aos psicopatas, os quais são considerados, por parte da doutrina e jurisprudência, como semi-imputáveis, realizamos pesquisa, a fim de: conhecer a definição do transtorno psicopático; pesquisar acerca da possibilidade de cura ou regeneração dos psicopatas, e como deve ser o tratamento mais adequado a ser-lhes aplicado; buscar a forma como o judiciário vem decidindo o problema, evidenciando que não há uma uniformidade na área; consequentemente, indicar qual a posição mais segura de se adotar para a prevenção de novos crimes aberrantes provocados por psicopatas de alta periculosidade. Para tanto, recorremos à pesquisa bibliográfica com suporte do método de procedimento descritivo-analítico, utilizando obras de renomados autores do Direito Penal e Processual Penal, sem esquecer-se de citar e estudar as decisões prolatadas por magistrados, e pelo próprio Supremo Tribunal. Neste sentido, concluímos que a melhor solução jurídica para os psicopatas que cometem crimes hediondos é a aplicação da medida de segurança do parágrafo único do art. 26 do Código Penal.[1]

Palavras-chave: Psicopatas. Medida de Segurança. Necessidade.

Resumen: La forma en que los psicópatas criminales han sido tratados por el sistema jurídico nacional, ha dado lugar a discusiones sobre su efectividad en la reinserción de los mismos a la sociedad. Al darse cuenta de la controversia jurídica creada en vista de las discusiones acerca de la necesidad de tratamiento judicial distinto a los psicópatas, que son considerados, por parte de la doctrina y la jurisprudencia, como semi-imputables, realizamos la investigación con el fin de: Conocer la definición del trastorno psicopático, investigar sobre la posibilidad de cura o regeneración de los psicópatas, y cómo debe ser el tratamiento más adecuado a ser aplicado a ellos; buscar la forma cómo el poder judicial ha decidido el problema, evidenciando que no hay uniformidad en el área; por consecuencia, indicar la posición más segura a adoptar para la prevención de nuevos crímenes aberrantes causados por los psicópatas de alta peligrosidad. Para ello, nos dirigimos a la investigación de la literatura con suporte en el método de procedimiento descriptivo-analítico, utilizando obras de autores reconocidos de Derecho Penal y Procesal Penal, sin olvidarnos de mencionar y estudiar las decisiones dictadas por los jueces, y por el proprio Supremo Tribunal. En este sentido, concluimos que la mejor solución jurídica para los psicópatas que cometen crímenes atroces es la aplicación de la medida de seguridad párrafo único del art. 26 del Código Penal.

Palabras clave: Psicópatas. Medida de seguridad. Necesidad.

Sumário: Introdução. 1. O crime. 1.1 O conceito de crime. 1.2 Culpabilidade. 1.2.1 Potencial consciência da ilicitude. 1.2.2 Exigibilidade de conduta diversa. 2 Imputabilidade criminal. 2.1 Inimputabilidade por doença mental. 3. A psicopatia. 3.1 Considerações iniciais. 3.2 O psicopata e as penas privativas de liberdade. 4. Da medida de segurança. 4.1 Conceito. 4.2 Função da medida de segurança no ordenamento penal brasileiro. 4.3 Medida de segurança e sua duração. 4.4 Aplicação da medida de segurança aos psicopatas. 5. Casos concretos. 5.1 O caso Pedro Rodrigues Filho, “Pedrinho o matador”. 5.2 Roberto Aparecido Alves Cardoso, “Champinha”. 5.3 Suzane Von Richthofen Considerações finais.

Introdução

A psicopatia é um tema que suscita grande polêmica, principalmente pelo fato de ser desconhecida por grande parte da população como um transtorno comportamental, hodiernamente, incurável. Neste sentido, a forma como os psicopatas criminosos vêm sendo tratados pelo ordenamento jurídico brasileiro tem causado discussões, entre os estudiosos, no que tange à efetividade da reinserção destes à coletividade.

Muito se debate na Doutrina acerca da necessidade de um tratamento judicial diferenciado aos psicopatas que cometem crimes. Qual sanção penal seria a mais adequada a ser aplicada ao psicopata? A pena privativa de liberdade ou a medida de segurança? Ao menos, já se pode visualizar a formação de duas correntes de autores, com posicionamentos opostos entre si.

Uns defendem a imputabilidade dos psicopatas (e, por consequência, a eles devendo ser aplicado o regime prisional comum), ao passo que outros entendem serem os psicopatas indivíduos semi-imputáveis, isto é, agentes os quais não possuem total discernimento da conduta delituosa que praticaram. Desta forma, a eles deveria ser aplicado o parágrafo único do artigo 26 do Código Penal que fala acerca da redução de pena de um a dois terços ou a modificação da pena cominada por medidas de segurança.

A temática vem sendo tratada também por nossa jurisprudência, que tem encontrado sérios obstáculos em firmar um posicionamento definitivo e uníssono. Em grande parte, isso se deve ao próprio fato de ambas as correntes formadas possuírem uma lógica jurídica relevante por trás.

Nem mesmo o Supremo Tribunal Federal pôs um fim ao problema, eis que já se pronunciou, utilizando-se das duas correntes supra-expostas. A primeira seção do presente trabalho se restringiu a realizar um estudo preliminar sobre a conceituação de crime sob a ótica analista, a qual divide o crime em fato típico, ilícito e culpável. Foram analisadas detidamente as causas de exclusão da culpabilidade, frisando-se a inimputabilidade por doença mental.

Em momento posterior, foi desenvolvido o estudo acerca da psicopatia e a possibilidade do ser humano, detentor deste tipo de transtorno psicológico, ser ou não considerado um imputável para os atos ilícitos praticados.

A partir disso, reservou-se uma nova seção para tratar a respeito da medida de segurança, da sua respectiva finalidade, duração; e, da possibilidade de sua aplicação aos psicopatas.

Posteriormente, com o campo de discussões já desenhado, demonstrou-se que o tema ainda é motivo gerador de inúmeras controvérsias, tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência pátria.

Apesar da divergência de opiniões, tenta-se demonstrar neste trabalho, através de pesquisa bibliográfica com suporte do método de procedimento descritivo-analítico, a opinião de renomados doutrinadores sobre a problemática. Desta forma, tem-se como objetivo deste trabalho, tornar a discussão (em torno do tratamento judicial mais adequado aos psicopatas) mais prática, mostrando que os entendimentos apregoados em livros e ensaios jurídicos são transportados para sentenças e acórdãos, tendo a força de solucionar um caso concreto posto a julgamento.

Além do que, sugeriu-se, nesse ponto, a posição mais lúcida a se adotar no que concerne ao tratamento judicial dado aos psicopatas, focalizando-se sempre a segurança da população ante a extrema possibilidade de reincidência de criminosos psicopatas, especialmente aqueles que praticam crimes aberrantes.

Finalmente, desenvolveu-se a posição adotada neste artigo. Foi defendido o fato de ser o psicopata um ser dotado de discernimento mental parcial, ou seja, semi-imputável, com a conseqüente substituição da pena aplicada a estes criminosos (que cometam crimes graves ou hediondos) por medidas de segurança [nos termos do parágrafo único do art. 26 do Código Penal] a qual deverá perdurar enquanto não cessar a periculosidade do agente.

1 O crime

1.1 O conceito de crime

Desde o momento em que o ser humano passou a viver em sociedade, teve de conviver com as limitações que a vida pacífica em coletividade exige. Contudo, nem sempre alguns indivíduos conseguem se adequar às regras delimitadas pelo Estado. Desta forma, no intuito de proteger os bens jurídicos mais valiosos dos seres humanos de tais indivíduos transgressores, foi criado o Direito Penal.

Direito Penal, em seu aspecto formal, é o ramo jurídico que descreve condutas e comina penas. Sob o aspecto sociológico, é juntamente com as outras matérias do direito, mais uma forma de controle social.

De qualquer modo, não importando qual conceito se utilize, o Direito Penal é impregnado pelo princípio da subsidiariedade. Sendo entendido como a ultima ratio, isto é, somente age quando os demais ramos do direito se mostram insuficientes ou ineficazes para solucionar satisfatoriamente o caso concreto.

Os indivíduos que transgridem o ordenamento penal podem cometer crimes (ou delitos) ou contravenções penais. Vale salientar que alguns países, tais como a França e Espanha, por exemplo, diferenciam o conceito de crime, delito e contravenção. A este último seria reservada a menor sanção estatal pelo fato de ser considerado, nos dizeres de Cleber Masson, crime liliputiano ou anão. Delito seria entendido como a infração penal mediana, e o Crime a infração mais gravosa, a qual seria cominada maior reprimenda estatal.“Crime liliputiano, também chamado de ‘crime anão’ ou ‘crime vagabundo’, é o nome doutrinário reservado às contravenções penais. Esta terminologia tem origem no livro Viagens de Gulliver, do inglês Jonathan Swift, no qual a personagem principal viaja por um mundo imaginário, e em sua primeira jornada vai a Liliput, terra em que os habitantes medem apenas 15 (quinze) centímetros de altura. Na verdade, não há crime (ou delito), em face da regra contida no art. 1º do Decreto-lei 3.914/1941 – Lei de Introdução ao Código Penal: ‘Consideram-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente’”. (MASSON, 2012. p. 206/207)

Contudo, no Brasil tal diferenciação não possui tanta importância, apenas se distinguindo contravenção penal de crimes/delitos, pois estes últimos, no ordenamento, são considerados sinônimos. Embasando a afirmação acima aduzida, Luiz Regis Prado leciona:“De primeiro, é de notar que as legislações penais costumam classificar as infrações, segundo sua gravidade, em, principalmente, dois sistemas: o tripartido e o bipartido. Pelo primeiro, as infrações penais são crimes, delitos e contravenções, e, pelo segundo, crimes ou delitos e contravenções. A concepção tripartida tem como marco histórico o Código Penal francês de 1791, segundo o qual, os crimes lesavam direitos naturais (v.g., vida); os delitos violavam direitos originários do contrato social (v.g., propriedade) e as contravenções infringiam disposições e regulamentos de polícia. O Código Penal francês de 1810 manteve a divisão: ‘Art. 1º. A infração que as leis punem com penas de polícia é uma contravenção. A infração que as leis punem com penas correcionais é um delito. A infração que as leis punem com pena aflitiva ou infamante é crime. […] O Direito Penal brasileiro, como alguns outros, agasalham a divisão geral bipartida das infrações penais em crime ou delito e contravenção. A diferença entre eles é meramente quantitativa (gravidade da infração/pena).” (PRADO, 2012, p. 301/302)

No que tange á definição de crime, há muito tempo é motivo de divergência entre os principais doutrinadores e estudiosos da ceara criminal, eis que o atual Código Penal não fornece o conceito de crime, apenas aduzindo, na Lei de introdução ao Código Penal, que ao crime é reservada pena de reclusão ou detenção, quer alternativamente ou cumulativamente com multa. Ressalta-se, o que prevalece nos tribunais pátrios e na opinião da maior parte dos jurisconsultos nacionais: crime nada mais é do que fato típico, ilícito, e culpável.

Diante do exposto, o crime ocorre quando o sujeito imputável (lúcido), pratica conduta anteriormente prevista em lei (de maneira comissiva ou omissiva), de forma voluntária e consciente (dolosa ou culposa), de maneira a gerar um resultado querido ou previsto o qual provoque lesão ou perigo de lesão relevante a um bem jurídico (sendo tal conduta não escusada pelo ordenamento jurídico).

1.2 Culpabilidade

A culpabilidade é o terceiro substrato do crime, e segundo a doutrina de Rogério Greco “é o juízo de reprovação pessoal que se realiza sobre a conduta típica e ilícita praticada pelo agente.” (2011, p. 371), ou seja, é a reprovabilidade pessoal e social da conduta praticada pelo indivíduo, por ter agido contra a ordem jurídica, quando podia – no caso concreto – ter agido em conformidade ao direito.

Vale salientar que a corrente tripartida de crime prevalece, e é supedaneada pelo conceito citado acima. Pois, ao admitir o conceito bipartido – o qual não conta com a existência da culpabilidade como substrato do crime, mas sim como mero pressuposto de aplicabilidade da pena –, se estaria a permitir a existência de crime sem reprovabilidade social da conduta.

Segundo a doutrina de Fernando Capez, a teoria limitada da culpabilidade prevalece no Brasil, a qual afirma que a culpabilidade é composta pelos elementos: imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude.

Assim disserta Capez: “Teoria adotada pelo Código Penal brasileiro: teoria limitada da culpabilidade. As descriminantes putativas fáticas são tratadas como erro de tipo (art. 20, § 1º), enquanto as descriminantes putativas fáticas são tratadas como erro de proibição, ou erro de proibição indireto, são consideradas erro de proibição (art. 21).Elementos da culpabilidade segundo a teoria do Código Penal: são três: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude; c) exigibilidade de conduta diversa.” (CAPEZ, 2007, p. 307)

Neste sentido, vê-se que o disposto alhures é compatível com o propugnado pelo finalismo de Welzel, eis que para este último a culpabilidade também é dividida em imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta diversa. (GRECO, 2011, p. 384)

1.2.1 Potencial Consciência da Ilicitude

Em síntese, potencial consciência da ilicitude é o elemento indicador de que o indivíduo [agente criminoso] detinha o conhecimento necessário para entender que a conduta praticada era contrária ao ordenamento e à convivência social.

A lei é imperativa e de conhecimento obrigatório por todos os indivíduos que vivem em sociedade, e, como regra geral, não é escusável a sua ignorância. O art. 21 do Código Penal estabelece: “Art. 21 – O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.”

Porém, como o conhecimento das leis, apesar da ficção legal, não é dotado a todas as pessoas, o Estado não poderia punir indivíduos que sequer teriam a potencial consciência da ilicitude dos seus atos.

Neste diapasão, o ordenamento prevê que em certas situações o indivíduo não teria como discernir se a ação ou omissão praticada caracterizaria um injusto criminal. Por conseguinte, surgiram os institutos do erro de proibição direto, indireto e mandamental, os quais de alguma maneira impedem ou suavizam a reprimenda penal prevista para os agentes que não tinham a potencial consciência da ilicitude de suas condutas.

Rogério Greco citando Jescheck define os institutos do erro de proibição direto, indireto e mandamental, em sua obra:“Erro de proibição direto – Diz-se direto quando o erro do agente vem a recair sobre o conteúdo proibitivo de uma norma penal. Nas lições de Assis Toledo, no erro de proibição direto o agente, ‘por erro inevitável, realiza uma conduta proibida, ou por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou por não compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência.’ Erro de proibição indireto – Na precisa definição de Jescheck, ‘também constitui erro de proibição a suposição errônea de uma causa de justificação, se o autor erra sobre a existência ou os limites da proposição permissiva (erro de permissão)’. […] Erro mandamental – É aquele que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam eles próprios ou impróprios. Conforme preleciona Cezar Bitencourt, é o ‘erro que recai sobre uma norma mandamental, sobre uma norma impositiva, sobre uma norma que manda fazer, que está implícita, evidentemente, nos tipos omissivos.” (GRECO, 2011, p. 399/400)

Contudo, há de se salientar que, como a própria nomenclatura do instituto alude, a consciência é “potencial” e não meramente atual, como assim propugnava o sistema mecanicista ou causal. Vejamos detalhadamente:

O sistema clássico, mecanicista ou causal, é um dos mais antigos sistemas que procuram esmiuçar um conceito de crime. A culpabilidade como substrato do crime, segundo esta doutrina, estaria fracionado em: culpabilidade dolo, culpabilidade culpa. Dentro da culpabilidade dolo, estaria a consciência atual da ilicitude. Veja-se que segundo esta vertente o dolo pertence à culpabilidade e não ao fato típico. Acrescente-se que o dolo é normativo, eis que dentro dele reside um instituto que precisava de definição jurídica.

Corroborando com as informações anteriores Capez disserta: “A Teoria Naturalista ou Causal, mais conhecida como Teoria Clássica, concebida por Franz Von Listz, a qual teve em Ernest Von Beling um de seus maiores defensores, dominou todo o século XIX, fortemente influenciada pelo positivismo jurídico. Para ela, o fato típico resultava de mera comparação entre a conduta objetivamente realizada e a descrição legal do crime, sem analisar qualquer aspecto de ordem interna, subjetiva. Sustentava que o dolo e a culpa sediavam-se na culpabilidade e não pertenciam ao tipo. Para os seus defensores, crime só pode ser fato típico, ilícito (antijurídico) e culpável, uma vez que, sendo o dolo e a culpa imprescindíveis para a sua existência e estando ambos na culpabilidade, por óbvio esta última se tornava necessária para integrar o conceito de infração penal.” (CAPEZ, 2007, p. 114)

A consciência atual da ilicitude, que residia no dolo normativo causalista, não era potencial, mas realmente atual. A implicação do exposto alhures é que seguindo o raciocínio da consciência atual qualquer erro de proibição, tanto o escusável como inescusável, isentaria o réu de pena, eis que no momento do crime ele não tinha consciência atual da ilicitude. Porém, com o advento do finalismo, e o conseqüente deslocar do dolo, agora natural, para o fato típico, passou a existir na culpabilidade a “potencial” consciência da ilicitude, e este elemento alude que apenas o erro escusável isentará o réu de pena, já o inescusável apenas reduzirá aquela.

1.2.2 Exigibilidade de Conduta Diversa

O conceito de exigibilidade de conduta diversa é bastante amplo. É de bom alvitre salientar que inclusive pode abranger a ideia da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude. Pois, ao indivíduo, praticante do injusto penal, inimputável ou que não tenha potencial consciência da ilicitude do fato praticado, não é exigível conduta diversa.

Rogério Greco, citando Zaffaroni, aduz que em última análise, todas as causas de inculpabilidade são hipóteses em que não se pode exigir do autor uma conduta conforme o direito. (GRECO, 2011)

Logo, a exigibilidade de conduta diversa é o comando imperativo do Estado o qual imprime aos seres em sociedade que ajam em estrita obediência ao direito. Deste modo, é exigível dos criminosos e delinquentes que ajam de forma diversa.

Neste sentido, o conceito de inexigibilidade de conduta diversa é a possibilidade ou impossibilidade que o indivíduo tinha de agir conforme o direito no momento da ação/omissão, tendo em vista as peculiaridades de pessoa humana a ele inerentes e os sacrifícios de bem jurídicos próprios ou de terceiros, que na situação problema, o agente teria de suportar em virtude da obediência aos mandamentos penais.

Por outras palavras, deve ser aferido no caso concreto se era humanamente exigível que o indivíduo agisse de maneira diferente. Se a partir da análise for verificado que do agente não era razoável exigir-lhe conduta diversa, não haverá crime (para a teoria tripartite), ou se não está presente o pressuposto para aplicação de pena (para a teoria bipartite).

2 Imputabilidade criminal

A imputabilidade penal (ou criminal) é entendida, em grossas linhas, como a possibilidade de atribuir um fato típico e ilícito ao agente. Dissertando acerca da imputabilidade, Damásio de Jesus menciona que imputar, em outros termos, é atribuir a alguém a responsabilidade de algo. Nesse diapasão, imputabilidade, segundo o eminente autor, seria o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato tido como punível. (JESUS, 2010)

Segundo tal posicionamento, a imputabilidade seria basicamente a capacidade do indivíduo de entender e de responder por seus atos ilícitos.

Neste sentido, Mirabete, dissertando acerca da relação entre a consciência do ato praticado e a reprovabilidade da conduta típica, assevera que só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permite compreender a antijuridicidade do fato e também de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento é inimputável, excluindo-se a culpabilidade. (MIRABETE, 2005)

Diante das palavras expendidas, percebe-se que o ato de imputar um fato definido como crime a alguém é a possibilidade conferida ao Estado de transferir a responsabilidade pela prática do injusto a indivíduos que tenham condições biopsicológicas de sofrerem e entenderem a aplicação da reprimenda estatal.

As formas de verificação da imputabilidade variam conforme os ordenamentos criminais vigentes. Entre as formas mais utilizadas de verificação da imputabilidade estão: o sistema biológico, psicológico, e o biopsicológico.

No critério do sistema biológico, é considerado inimputável todo aquele que possui anomalia psíquica ou biológica, que caracterize o agente como um incapaz por completo. Este critério é taxativo, isto é, basta que o transgressor penal possua a doença ou retardo mental biológico ou psicológico para que não responda por nenhum dos fatos típicos e ilícitos praticados, independentemente se no momento do cometimento da infração possuía discernimento cognitivo necessário para entender que a ação/omissão praticada é um fato não aceitável socialmente.

Nesse critério se resguarda da pesada punição estatal os menores de idade considerados inimputáveis por ficção legal, a qual se caracteriza por ser uma medida de política criminal, e que por sua vez evita o contato prematuro dos jovens com os mais variados tipos de criminosos reclusos em presídios e casas de detenção. Segundo esse critério aplicado aos menores púberes, até a véspera do aniversário em que completam a maior idade são considerados inimputáveis por todos os fatos típicos e ilícitos praticados.

Já o sistema psicológico determina que para ser considerado imputável, em todos os casos em que o agente tenha praticado um fato típico e ilícito, deve ser averiguado a sua capacidade mental no momento do injusto penal, mesmo que o indivíduo seja totalmente são e possua total discernimento cognitivo social da conduta praticada.

O critério biopsicológico, é também limitado, eis que num primeiro momento analisa se o agente possui desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Caso ele se encaixe nessa descrição é considerado inimputável. Por outro lado, caso seja plenamente saudável, deverá ser aferido se no momento da prática da infração, o agente possuía discernimento necessário, ou se poderia se adequar, de acordo com esse entendimento. Só assim poderá ser tido como imputável.

Em sua obra Curso de Direito Penal Brasileiro – Volume 1 – Parte Geral, Luiz Regis Prado, disserta acerca dos critérios biológico, psicológico e biopsicológico para aferição da imputabilidade: “a) Sistema biológico ou etiológico – leva em consideração a doença mental, enquanto patologia clínica, ou seja, o estado anormal do agente. Seu protótipo vem a ser o artigo 64 do Código Penal francês de 1810: “Não há crime nem delito, quando o agente estiver em estado de demência ao tempo da ação”; b) Sistema psicológico ou psiquiátrico – tem em conta apenas as condições psicológicas do agente à época do fato. Diz respeito apenas às conseqüências psicológicas dos estados anormais do agente. Sua base primeira é o Código canônico: delicti sunt incapaces qui actu usu rationis. Em nosso país, agasalhou a fórmula psiquiátrica o Código Criminal do Império (1830), nos termos seguintes: “Art. 10. Também não se julgarão criminosos: §2. Os loucos de todo gênero, salvo se tiverem lúcidos intervallos e nelles commetterem o crime”. Nesse sentido, ainda, os Códigos Penais da Áustria (1852); de Portugal (1886); c) Sistema biopsicológico ou misto – atende tanto às bases biológicas que produzem a inimputabilidade como às suas conseqüências na vida psicológica ou anímica do agente. Resulta, assim, da combinação dos anteriores: exige, de um lado, a presença de anomalias mentais, e, de outro, a completa incapacidade de entendimento (fórmula do art. 26, CP). É o acolhido, na atualidade, pela maioria das legislações penais.” (PRADO, 2012, p. 479)

A crítica a qual prevalece é a que possui a mesma limitação do critério biológico, pois caso o agente seja menor de idade (no caso do Brasil, menor de 18 anos) será tido por inimputável independentemente de ter discernimento para entender o caráter ilícito da conduta.

Segundo o atual Código Penal Brasileiro, é inimputável o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (Código Penal Brasileiro, art. 26).

Neste sentido, preleciona o STF no seguinte aresto: “Habeas corpus. Constitucional. Penal. Alegação de interdição do paciente no juízo cível. Pedido de trancamento ou de suspensão de ação penal. Independência entre a incapacidade civil e a inimputabilidade penal. 1. O Código Penal Militar, da mesma forma que o Código Penal, adotou o critério biopsicológico para a análise da inimputabilidade do acusado. 2. A circunstância de o agente apresentar doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (critério biológico) pode até justificar a incapacidade civil, mas não é suficiente para que ele seja considerado penalmente inimputável. É indispensável que seja verificar se o réu, ao tempo da ação ou da omissão, era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (critério psicológico). 3. A incapacidade civil não autoriza o trancamento ou a suspensão da ação penal. 4. A marcha processual deve seguir normalmente em caso de dúvida sobre a integridade mental do acusado, para que, durante a instrução dos autos, seja instaurado o incidente de insanidade mental, que irá subsidiar o juiz na decisão sobre a culpabilidade ou não do réu. 5. Ordem denegada.” (BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, HC 101930/MG, Relator: Min. Cármen Lúcia, 2010).

O sistema penal brasileiro também protege do rigor da imputabilidade criminal os menores de 18 anos (art. 27 do Código Penal Brasileiro). Neste sentido, verifica-se que o sistema penal brasileiro adotou o critério biopsicológico para verificação da imputabilidade penal do agente.

2.1 Inimputabilidade por doença mental

Conforme aduzido em momento anterior, o Código Penal adotou como critério de verificação da imputabilidade o biopsicológico. Sendo assim, não basta que o agente sofra de algum distúrbio ou doença mental incapacitante, tem de coexistir também, no momento da ação/omissão, ausência de discernimento para o ato que cometera.

O que se exige inicialmente é a existência anterior de patologia mental incapacitante. Por fim, exige-se o critério cronológico/temporal, isto é, que o agente portador da patologia não possua discernimento mental para a prática do injusto no momento da ação/omissão.

Em termos mais simplificados, é necessário que a patologia elimine o elemento volitivo do agente ao tempo do injusto penal. Logo, a doença mental incapacitante não é por si só, pressuposto total da inimputabilidade.

No que concerne aos psicopatas (que serão mais bem avaliados em tópico próprio), o doutrinador Júlio Fabrini Mirabete preleciona, acerca do enquadramento destes indivíduos como semi-imputáveis: “Refere-se a lei em primeiro lugar à “perturbação da saúde mental”, expressão ampla que abrange todas as doenças mentais e outros estados mórbidos. Os psicopatas, por exemplo, são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter ilícito do fato. A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais, mas no elenco das perturbações da saúde mental pelas perturbações da conduta, anomalia psíquica que se manifesta em procedimento violento, acarretando sua submissão ao art. 26, parágrafo único.” (MIRABETE, 2005, Apud, Dalila Wagner, 2007)

Na acertada lição de Cláudia Silva, em seu artigo “O psicopata e a política criminal brasileira”, pode-se verificar que alguns tribunais pátrios também defendem o enquadramento do psicopata como um semi-imputável, nestes termos: Capacidade diminuída dos psicopatas – TJSP: ‘Os psicopatas são enfermos mentais, com capacidade parcial de entender o caráter criminoso do ato praticado, enquadrando-se, portanto, na hipótese do parágrafo único do art. 22 (art. 26 vigente) do CP (Redução facultativa da pena)’. (RT 550/303). No mesmo sentido, TACRSP:JTACRIM 85/541.” (SILVA, 2012) 

No mesmo sentido, já foi decidido que, apesar da psicopatia não ser considerada uma moléstia mental, ela pode ser vislumbrada como uma ponte de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais, sendo assim, os agentes psicopatas devem ser tidos como semi-imputáveis: Capacidade diminuída da personalidade psicopática – TJSP: ‘Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofra de moléstia mental, embora coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais’ (RT 495/304). TJMT: ‘A personalidade não se inclui na categoria das moléstias mentais, acarretadoras da irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações da saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena’. (RT 462/409/10). No mesmo sentido, TJ:RT 405/133,442/412,570/319).” (SILVA, 2012)

Desta feita, não é algo inovador considerar os portadores de transtornos psicopáticos como indivíduos semi-imputáveis, tendo em vista que, como demonstrado, alguns tribunais pátrios vêm perfilhando este entendimento.

3. A psicopatia

Segundo o dicionário Aurélio, psicopatia é uma perturbação da personalidade que se manifesta essencialmente por comportamentos anti-sociais (passagens a ato), sem culpabilidade aparente. A medicina, ainda não possui uma definição exata para o distúrbio psicopatológico.

Atualmente, parte dos estudiosos trata a psicopatia como um transtorno de personalidade dissocial (Código F:60.2). Outras divergências concernem quanto à própria nomenclatura da patologia. Alguns afirmam que o correto seria designá-la como sociopatia, por pensarem que fatores sociais desfavoráveis sejam capazes de causar o problema, outras correntes acreditam que fatores genéticos, biológicos e psicológicos são os determinantes para a existência desta anomalia e por isso a denominam de psicopatia.

Porém, um conceito mais detalhado do que seria a psicopatia pode ser extraído da obra Mentes perigosas, o psicopata mora ao lado, da Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva, que em síntese classifica o psicopata como um ser dotado de extrema superficialidade e eloqüência, egocentrismo e megalomania, o qual apenas visa à satisfação do seu prazer imediato, ainda que esse objetivo acabe com a vida de outras pessoas.

Nas palavras da autora os psicopatas são: “Os psicopatas em geral são indivíduos frios, calculistas, inescrupulosos, dissimulados, mentirosos, sedutores e que visam apenas o próprio benefício. Eles são incapazes de estabelecer vínculos afetivos ou de se colocar no lugar do outro. São desprovidos de culpa ou remorso e, muitas vezes, revelam-se agressivos e violentos. Em maior ou menor nível de gravidade e com formas diferentes de manifestarem os seus atos transgressores, os psicopatas são verdadeiros ‘predadores sociais’, em cujas veias e artérias corre um sangue gélido.” (SILVA, 2008, p. 37)

O psicopata não demonstra qualquer sentimento de culpa ou arrependimento, é um ser ausente de empatia, pobre em emoções, bem como é capaz de se utilizar de mentiras, trapaças e manipulações para conseguir alcançar o prazer, satisfação ou o alívio imediato em qualquer situação.

3.1 Considerações iniciais

Estudos aprofundados demonstram que os psicopatas possuem manifestações cerebrais distintas das dos demais seres humanos, eis que o seu sistema límbico, que é o responsável por todas as nossas emoções (alegria, raiva, tristeza, medo, etc.) é subutilizado, isto é, quase não possui atividade. Em contrapartida, a região do lobo pré-frontal (região da testa), a qual é a responsável pelas nossas atitudes e pela racionalização de idéias, possui vasta atividade cerebral.

O sistema límbico e o lobo pré-frontal, em pessoas normais, vivem em prefeita interconexão, daí que as emoções (produzidas pelo sistema límbico) têm grande influência sobre as nossas atitudes (lobo pré-frontal). A deficiência cerebral dos psicopatas ocorre justamente na falta de conexão entre os dois hemisférios cerebrais supracitados, o que gera a preponderância da racionalidade exacerbada. A médica Ana Beatriz Barbosa Silva, disserta acerca da disfunção cerebral dos psicopatas em seu livro “Mentes perigosas – o psicopata mora ao lado”: “O sistema límbico, formado por estruturas corticais e subcorticais, é responsável por todas as nossas emoções (alegria, medo, raiva, tristeza etc.) Uma das principais estruturas do sistema límbico chama-se amígdala […]. Localizada no interior do lobo temporal, essa pequena estrutura funciona como um “botão de disparo” de todas as emoções. […] A principal região envolvida nos processos racionais é o lobo pré-frontal (região da testa): uma parte dele (córtex dorsolateral pré-frontal) está associada a ações cotidianas do tipo utilitárias, como decorar um número de um telefone ou objetos. A outra parte (córtex medial pré-frontal) recebe maior influência do sistema límbico, definindo de forma significativa as ações tomadas nos campos pessoais e sociais. A interconexão entre a emoção (sistema límbico) e a razão (lobos pré-frontais) é que determina as decisões e os comportamentos socialmente adequados.” (SILVA, 2008, p. 160)

Segundo Ana Beatriz Barbosa Silva, mais de quatro por cento (4%) da população apresenta tal lado sombrio da mente. Um por cento (1%) de mulheres e três por cento (3%) de homens.

Nas palavras da autora: “Segundo a classificação americana de transtornos mentais (DSM-IV-TR), a prevalência geral do transtorno da personalidade anti-social ou psicopata é de cerca de 3% em homens e 1% em mulheres, em amostras comunitárias (aqueles que estão entre nós). Taxas de prevalência ainda maiores estão associadas aos contextos forenses ou penitenciários.” (SILVA, 2008, p. 54)

Contudo, segundo o texto “Máquinas do crime” de Eduardo Szklarz, publicado pela Revista SUPERINTERESSANTE – Mentes psicopatas, o cérebro, a vida e os crimes das pessoas que não têm sentimento. Edição nº 267-A –, entre a população carcerária cerca de vinte por cento (20%) dos presidiários são psicopatas, bem como, segundo o autor, o índice de reincidência dos psicopatas é altíssimo, cerca de setenta por cento (70%) e que metade deles só reduzem a atividade criminosa. Nos termos do autor: “Nem todos os criminosos são psicopatas, e nem todos os psicopatas são criminosos. No entanto, a prevalência deles dentro da população carcerária é enorme: na cadeia eles são 20% – e esses 20% são responsáveis por mais de 50% dos delitos graves cometidos por presidiários. Sabe aqueles crimes com requintes de crueldade que chocam todo mundo na televisão? Provavelmente existe um psicopata por trás deles. […] Mas o tempo na prisão não muda seu comportamento quando retorna à sociedade. Sua personalidade o compele a novos crimes: sua taxa de reincidência chega a 70%, e apenas a metade deles reduz a atividade criminosa após 40 anos de idade.” (SUPERINTERESSANTE, 2010, p. 12/13)

O psicopata, como já exposto, é um ser eminentemente racional, sente prazer com o perigo e gosta de viver “no fio da navalha”. Dificilmente constitui uma família, e quando o faz, o único sentimento que detém com relação a ela é a posse.

O psicopata não pode ser magoado, no máximo o que pode ocorrer é uma frustração, é um ser o qual não tem medo. Nos negócios arrisca tudo (tudo que suas vítimas possuem), é um ser extremamente sedutor, agradável, um príncipe (princesa) encantado (a).

No trabalho, são seres ardilosos. Inicialmente apresentam vasto currículo, que na maioria das vezes é falso. Após adentrar ao quadro de funcionários, procura ter conhecimento de quem são seus superiores.

Posteriormente, provoca intrigas entre os menores ao mesmo tempo em que bajula os maiores. Por conseguinte, rapidamente galga os cargos mais altos da empresa. E, no fim, vai embora levando grande parte do seu aporte financeiro, deixando o empreendimento empresarial em ruínas. Sua atuação é a de um verdadeiro parasita.

Contrariando o senso comum, a maior parte dos psicopatas não é um assassino em série, isso não quer dizer que não tenham capacidade para matar sem qualquer remorso, mas simplesmente a grande maioria não possui essa necessidade. Em regra, são estelionatários, falsários, golpistas, que somem após seus crimes levando das vítimas todos os seus bens e deixando um caminho sombrio de destruição emocional.

Vários pesquisadores espalhados pelo mundo se debruçaram em tentar desvendar e traçar um perfil do psicopata. Porém, nem todos obtiveram o mesmo êxito que o psicólogo canadense Robert Hare.

Ele desenvolveu um teste padronizado, denominado de Escala Hare, que mede em pontos o nível de psicopatia de uma pessoa. Esse teste é atualmente utilizado em vários países como a Austrália, Nova Zelândia, Bélgica e entre outros. “Psiquiatras dão de 0 a 2 a cada um dos 12 tópicos abaixo, a partir da avaliação clínica e do histórico pessoal do paciente. As somas dos pontos é comparada numa escala. Que determina o grau de psicopatia: “1. Boa Lábia: O psicopata é bem articulado e ótimo marketeiro pessoal. Como um ator em cena, conquista a vítima bajulando e contando histórias mirabolantes de si. Com meia dúzia de palavras difíceis, se passa por sociólogo, médico, filósofo, escritor, artista ou advogado. 2. Ego inflado: Ele se acha o cara mais importante do mundo. Seguro de si, cheio de opinião, dominador. Adora ter poder sobre as pessoas e acredita que nenhum palpite vale tanto quanto suas ideias. 3. Lorota desenfreada: Mente tanto que às vezes não se dá conta de que está mentindo. Tem até orgulho de sua capacidade de enganar. Para ele, o mundo é feito de caças e predadores, e não faria sentido não se aproveitar da boa-fé dos mais fracos. 4. Sede por adrenalina: Não tolera monotonia, e dificilmente fica encostado num trabalho repetitivo ou num casamento. Precisa viver no fio da navalha, quebrando regras. Alguns se aventuram rachas, outros nas drogas, e uma minoria, no crime. 5. Reação estourada: Reage desproporcionalmente a insulto, frustração e ameaça. Mas o estouro vai tão rápido quanto vem, e logo volta a agir como se nada tivesse acontecido – é tão sem emoções que nem sequer rancor ele consegue guardar. 6. Impulsividade: Embora racional, não perde tempo pesando prós e contras antes de agir. Se estiver com vontade de algo, vai lá e consegue tirando os obstáculos do caminho. Se passar a vontade, larga tudo. Seu plano é o dia de hoje. 7. Comportamento antissocial: Regras sociais não fazem sentido para quem é movido somente pelo prazer, indiferente ao próximo. Os que viram criminosos em geral não têm preferências: gostam de experimentar todo tipo de crime. 8. Falta de culpa: Por onde passa, deixa bolsos vazios e corações partidos. Mas por que se sentir mal se a dor é do outro, e não dele? Para o psicopata, culpa é apenas um mecanismo para controlar as pessoas. 9. Sentimentos superficiais: Emoção só existe em palavras. Se namorar, será pelo tesão e pelo poder sobre o outro, não por amor. Se perder um amigo, não ficará triste, mas frustrado por ter uma fonte de favores a menos. 10. Falta de empatia: Não consegue se colocar no lugar do próximo. Para o psicopata, pessoas não são mais que objetos para usar para seu próprio prazer. Não ama: se chegar a casar-se ter filhos, vai ter a família como posse, não como entes queridos. 11. Irresponsabilidade: Compromisso não lhe diz nada – tende a ser mau funcionário, amante infiel e pai relapso. Porém, como a família e os amigos são fonte de status e bens materiais, para cada mancada já tem uma promessa pronta: “Eu mudei. Isso nunca mais vai acontecer de novo”. 12. Má conduta na infância: Seus problemas aparecem cedo. Já começa a roubar, usar drogas, matar aulas e ter experiências sexuais entre 10 e 12 anos. Para sua maldade, não poupa coleguinhas, irmãos nem animais.” <http://super.abril.com.br/ciencia/pena-nem-perdao-620209.shtml.>

Correntes doutrinárias da medicina afirmam que crianças e adolescentes não podem ser tecnicamente psicopatas, eis que não possuem total discernimento de suas condutas, seu aparelho cerebral não está totalmente formado. Logo, crianças e adolescentes que apresentem quadros de predisposição a psicopatia são consideradas portadoras de transtornos comportamentais. Atualmente, a psicopatia não possui tratamento, não existe cura, eis que pra muitos estudiosos não pode, inclusive, ser considerada uma doença.

3.2 O psicopata e as penas privativas de liberdade

O Código Penal pátrio adotou o sistema vicariante ou unitário de penas. Neste sistema, o condenado apenas cumprirá a pena, propriamente dita, ou a ele será aplicada a medida de segurança (absolvição imprópria), que possui função eminentemente curativa.

Por conseguinte, diante deste sistema, o psicopata é encarado, por parte da doutrina e da jurisprudência, como um ser semi-imputável, sendo a ele aplicado o parágrafo único do art. 26 do Código Penal, o qual reduz sua pena de um a dois terços ou a transmuda para medida de segurança, sendo verificada esta necessidade de acordo com o caso concreto.

Em sendo verificado que o agente é de alta periculosidade, somente será posto em liberdade caso seja considerado apto, por laudo psiquiátrico fundamentado, no qual ateste a cessação de sua periculosidade.“Verificada a periculosidade do agente e a possibilidade de tratamento curativo, recomendável é a substituição da pena pela medida de segurança, ainda que em recurso da defesa. Substituída a pena pela medida de segurança, produzirá esta todos seus efeitos, passando o sentenciado, como inimputável, a submeter-se às regras previstas pelos arts. 96 a 99, inclusive quanto à medida de segurança e ao tempo mínimo para realização do exame pericial.” (MIRABETE, p.636)

No que concerne ao jus puniende estatal, há de se observar primordialmente o diploma constitucional, que profundamente imantado pelos direitos humanos, de forma escorreita aduz em seu artigo 5º, XLVII que: “não haverá penas: […] b- de caráter perpétuo”. No mesmo sentido o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 75 preleciona: “O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 (trinta) anos”. Diante das passagens normativas expostas, uma conclusão é certa: No Brasil é vedada a aplicação de penas que, de alguma forma, constituam caráter perpétuo.

Essa vedação constitucional e legal acaba por vezes gerando um mal estar na população. Pois, o sistema penitenciário é falido, os órgãos estatais responsáveis pela recuperação dos detentos simplesmente não funcionam, os índices de reincidência são altíssimos.

Ademais, o aumento significativo da criminalidade (especialmente o rotineiro crescimento de delitos hediondos), e o total descaso da administração para com a segurança pública e medidas preventivas, acaba gerando medo, insegurança, revolta e insatisfação na sociedade, que iludida por discursos acalorados de extremistas radicais, acaba visualizando no recrudescimento penal, uma solução para grande parte das mazelas criminais as quais assolam o país.

A sistemática das sanções penais possui dois vieses: o retributivo e o ressocializador. O caráter retributivo da pena remonta a ideia de vingança estatal. O Estado buscando evitar a justiça privada tomou para si o jus puniendi. Contudo, com o passar dos anos e a evolução dos direitos humanos, atualmente, a função primordial da pena é a ressocialização do agente criminoso. O Estado deixa de observar a retribuição do mal, como a função mais importante da pena, para ressocializar e adequar o infrator à vida em sociedade.

A pena aplicada em pessoas comuns, e de forma adequada, tem a possibilidade de não só retribuir o mal feito pelo agente, mas também de remoldá-lo para que se torne um cidadão que obedece aos preceitos legais, apto a viver em meio aos comuns. Entretanto, a aplicação de penas, especialmente as privativas de liberdade, em psicopatas não satisfaz aos vieses citados alhures, eis que o psicopata é um ser impossível de mudança e ressocialização. Por fim, a pena privativa de liberdade, aplicada ao psicopata, teria única e exclusivamente a função retributiva alcançada.

O psicopata é um ser sem consciência, não na acepção literal da palavra, mas sim na impossibilidade de desenvolver qualquer sentimento por outras pessoas. Ao partir para o mundo do crime, não poupa esforços nem mede conseqüências para conseguir alcançar seus objetivos. E o pior, são reincidentes por natureza! Como já citado anteriormente, estudos demonstram que cerca de 70% dos detentos psicopatas que cumprem penas e são postos em liberdade voltam a cometer crimes.

Esse agente, que já fora (de forma resumida) definido em tópico anterior, é um ser criminoso congênito. Logo, impossível de ser regenerado, não possui nenhuma aptidão para viver em sociedade de forma pacífica. Quando preso, finge bom comportamento, ilude os agentes penitenciários, provoca rebeliões, incita tumultos [dentro e fora dos presídios]. Em outras palavras, é a fruta podre que contamina todo o setor carcerário do país, o qual por sua vez se torna um local improvável de reabilitação prisional.

Como já aduzido em momento anterior, alguns estudiosos entendem a psicopatia como uma forma de semi-imputabilidade, eis que segundo esta corrente, o psicopata teria uma visão distorcida da realidade, isto é, uma compreensão parcial acerca de suas condutas. Dessa forma, estaria resguardado pelo parágrafo único do art. 26 do Código Penal o qual estabelece que a pena, em caso de semi-imputabilidade, será reduzida de um a dois terços ou substituída por medida de segurança.

Todavia, a redução da pena, que por ser direito subjetivo do apenado, é obrigatória nos casos comprovados de semi-imputabilidade. Não é o melhor caminho no combate a ação delituosa dos psicopatas, pois, esse benefício apenas aceleraria o retorno do delinquente nato à liberdade.

Neste diapasão, o que seria mais adequado, para a diminuição de conflitos carcerários e rebeliões bem como para uma forma mais acertada de manter esses indivíduos isolados da sociedade, seria a substituição das penas privativas de liberdade, aplicadas aos psicopatas, por medidas de segurança.

Não é outro o posicionamento de Ana Carolina Marchetti Nader: “Como já vimos o psicopata é portador de transtorno de personalidade que o torna insensível ao sentimento das outras pessoas, sem nenhum traço de compaixão nem de obediência a qualquer sistema ético. […] A grande indagação é se as chamadas personalidades psicopáticas são portadoras de transtornos mentais propriamente ditos ou detentoras de personalidades anormais. Defendemos que sejam eles considerados semi-imputáveis, ficando sujeitos à medida de segurança por tempo determinado e a tratamento médico-psíquico. A pena privativa de liberdade não deve ser aplicada nestes casos tendo em vista seu caráter inadequado à recuperação e ressocialização do semi-imputável portador de personalidade anormal. […] Concluímos então pela efetiva necessidade de acompanhamento psiquiátrico dos presos para que se possam identificar os psicopatas e tratá-los de acordo com esta situação.” (NADER, 2010)

Diante da relevante posição esposada pela autora, é de se concluir que a aplicação da medida de segurança aos psicopatas é o caminho mais acertado a se tomar.

4 Da medida de segurança

Durante a vigência do Código Penal (parte geral) de 1940, o Brasil adotava o sistema duplo binário de aplicação de penas, que, em grossas linhas, consistia na possibilidade de ocorrer a aplicação da pena privativa de liberdade, e, em sequência a aplicação da medida de segurança (caso o agente criminoso ao final do cumprimento da pena não se apresentasse apto a viver em sociedade).

Contudo, após a derrogação da parte geral do Código Penal pela reforma de 1984, o Brasil adotou o sistema vicariante de penas, em que o juiz observará se ao réu deve ser aplicada pena privativa de liberdade ou medida de segurança, de forma alternativa e não mais cumulativa.

4.1 Conceito

As medidas de seguranças são espécies de sanções penais. Divergem das penas pelo fato de terem finalidade diversa, pois se destinam à cura, ou ainda, ao tratamento daqueles que praticaram injustos penais.

O agente de um fato típico e ilícito, o qual não possui nenhum tipo de discernimento, isto é, um inimputável, deverá ser absolvido pelo juiz com fulcro no art. 26, caput, do Código Penal. “Art. 26 – É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” (CÓDIGO PENAL BRASILEIRO)

Porém, a absolvição do agente inimputável que comete o injusto é considerada doutrinariamente como “absolvição imprópria”, tendo em vista que o indivíduo acometido por patologia mental incapacitante que praticou o ilícito penal receberá tratamento em casas de custódia ou ambulatorial, a depender da gravidade do caso concreto.

4.2 Função da medida de segurança no ordenamento penal brasileiro

A medida de segurança no Brasil tem escopo primordial de cura, isto é, o indivíduo praticante do injusto, é submetido a tratamento para que possa se adequar aos ditames da normalidade social. Rogério Greco, com maestria leciona sobre o tema: “Ao inimputável que pratica um injusto penal o Estado reservou a medida de segurança, cuja finalidade será levar a efeito o seu tratamento. Não podemos afastar da medida de segurança, além da sua finalidade curativa, aquela de natureza preventiva especial, pois, tratando o doente, o Estado espera que este não volte a praticar qualquer fato típico e ilícito” (GRECO, 2011, p. 659)

Em consonância com o exposto, afere-se que a medida de segurança, no Brasil possui função curativa e preventiva especial. Inicialmente curativa, pois visa primeiro o tratamento do incapaz que praticou o injusto. E, ao mesmo tempo preventiva especial porque evita que o inimputável volte ao contato com a população em geral enquanto não demonstrar, através de laudos periciais, sua cura ou melhoras significativas.

O tratamento pode ocorrer de duas formas: internação ou ambulatorial. No primeiro caso, o indivíduo não apresenta a menor condição de ser posto em liberdade, já que fatalmente voltará a cometer injustos penais; a segunda hipótese só poderá ser aplicada aos casos em que o agente pode ser tratado em casa, sem acarretar qualquer risco para as demais pessoas.

4.3 Medida de segurança e sua duração

Como a medida de segurança é curativa e não punitiva, em tese, não possui limite máximo para o período de internação. Sendo assim, enquanto perdurar a doença mental e não estiver cessada a periculosidade do agente, ele permanecerá recluso em tratamento.

Tal entendimento gera conflito na doutrina, pois a falta de limite temporal para a aplicação da medida de segurança poderia criar em concreto verdadeiras privações de liberdade perpétuas, o que não é permitido pela Constituição Federal.

Neste sentido, doutrinadores como Cezar Roberto Bitencourt começaram a sustentar que a medida de segurança deveria ter o prazo máximo de duração equivalente à trinta anos, que é o maior lapso temporal de privação de liberdade do infrator permitido pelo Código Penal. Bitencourt, disserta sobre o tema: “Sustentamos que em obediência ao postulado que proíbe a pena de prisão perpétua dever-se – ia, necessariamente, limitar o cumprimento das medidas de segurança a prazo não superior a trinta anos, que é o lapso temporal permitido de privação da liberdade do infrator (art. 75 do CP).” (BITENCOURT, 2010, p. 785)

Porém, o Código Penal determina, nos §§ 1º e 2º do art. 97, que a internação ou tratamento ambulatorial será realizada por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. Vale salientar o prazo mínimo para internação ou tratamento ambulatorial: de um a três anos.

Ratificando esse entendimento, as jurisprudências abaixo prelecionam: “Ementa: Recurso de ofício e tentativa de homicídio. Absolvição sumária. Inimputabilidade. Doente mental. Medida de segurança. Crime punido com reclusão. Internação. Periculosidade. Gravidade do delito. Prazo mínimo com duração até que seja averiguada a cessação de periculosidade do agente, mediante perícia médica. Sentença confirmada. Provado que o acusado cometeu crime de homicídio e tentativa de homicídio, mas sendo demonstrada a sua inimputabilidade, mediante exame de sanidade mental, deve ser absolvido sumariamente, nos termos do art. 26, caput, do CP, e art. 411, do CPP, com aplicação de medida de segurança. Tratando-se de fato punível com pena de reclusão, verificando-se a gravidade do delito e a periculosidade do agente, não se deve proceder ao tratamento ambulatorial do mesmo, mas à sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à sua falta, em outro estabelecimento adequado, por prazo indeterminado, no mínimo de 01 (um) a 03 (três) anos, até que cesse sua periculosidade (art. 97, “caput” e § 1º, do CP). (1.0686.01.022795-3/001, Relator: ARMANDO FREIRE, Data da Publicação: 01/06/2005, TJ/MG).” (MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça, 1.0686.01.022795-3/001, Relator: Des. Armando Freire, 2005).

Como vislumbrado, de acordo com a jurisprudência acima destacada, o agente portador de doença mental deve permanecer internado até que possa ser aferida a cessação de sua periculosidade. “Roubo majorado pelo concursos de agentes e privação da liberdade da vítima. Prova. Incidente de insanidade mental. Absolvição imprópria. Inimputabilidade reconhecida. Réu portador de esquizofrenia paranóide preexistente aos fatos. Aplicação de medida de segurança de internação, determinada sua reavaliação no prazo de 1 ano e 6 meses. Insurgência ministerial. Pleiteando que a reavaliação se faça no prazo de 3 anos (art. 97, § 3º do cp) face ao alto grau de periculosidade do réu. A reavaliação da medida determina estima se ela ainda se faz adequada e necessária. No caso, a extensão da fac pelo sentenciado. Além de revelar seu alto grau de periculosidade, demonstra a necessidade de ser avaliado em tempo inferior ao proprosto pelo recorrente, de modo a inferir a eficácia do tratamento e o grau de comprometimento psíquico. Constatada na reavaliação a necessidade de prazo maior de recuperação, persistirá a internação, até que cesse a anti-sociabilidade. Recurso improvido.” (0008360-29.2005.8.19.0038 (2007.050.01156), apelação, des. Luisa bottrel souza, julgamento: 05/06/2007, quinta câmara criminal).

O STF, porém já entendeu que a medida de segurança não pode ultrapassar o prazo máximo de trinta anos: “MEDIDA DE SEGURANÇA. PROJEÇÃO NO TEMPO. LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos arts. 75, 97, e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos (HC 84219/SP – 1ª Turma – Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 16/8/2005, publicado no DJ em 23/9/2005, p. 16)” (BRASÍLIA, Supremo Tribunal Federal, HC 84219/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, 2005).

Diante dos julgados colacionados, percebe-se que não há ainda uma uniformidade na jurisprudência quanto ao período de duração das medidas de segurança.

4.4 Aplicação da medida de segurança aos psicopatas

Em esclarecedor artigo científico denominado “A possibilidade de aplicação da medida de segurança ao psicopata” de autoria de Ana Carolina Marchetti Nader, foi possível entender que a grande dúvida a qual persiste é a de saber se os detentores de personalidades psicopáticas possuem transtornos mentais propriamente ditos ou personalidades anormais. A autora cita passagens da obra de Genival Veloso de França, que com maestria aduz sobre o tema, afirmando que a expressão “personalidade psicopática” ficou consagrada para todos aqueles que detêm anomalia do caráter e do afeto, os que nascem, vivem e morrem desta forma, pois estes são seres privados do senso ético, deturpados de sentimentos e inconscientes da culpabilidade e do remorso. (FRANÇA, 2010)

Diante do exposto em tópicos antecedentes, restou claro que parte considerável da doutrina e jurisprudência, amparada por correntes médicas, alude que o psicopata deve ser considerado um semi-imputável, ou seja, um ser o qual não possui total consciência das atitudes tomadas. Dessa maneira, a estes indivíduos deve ser aplicado o parágrafo único do art. 26, que em síntese propõe a redução da pena aplicada ou substituição desta pela medida de segurança.

A medida de segurança aplicada aos psicopatas, em tese, resolveria todos os problemas atinentes aos crimes praticados por estes indivíduos, pois tal medida não possui um período determinado de duração, ou seja, persiste enquanto existir a doença. O psicopata criminoso permaneceria “enjaulado” por prazo não sabido.

A crítica a esta alternativa reside no fato de que a finalidade da medida de segurança estaria sendo distorcida, pois, como a psicopatia sabidamente não tem cura, a medida de segurança não teria fim, seria perpétua. Logo, materialmente, tal sanção não poderia ser caracterizada como uma medida de segurança, mas sim como uma pena privativa de liberdade.

Neste diapasão, pode-se concluir que a medida de segurança aplicada aos psicopatas é uma verdadeira forma de aplicação de pena privativa de liberdade sem prazo definido, a qual por sua vez é vedada pela Carta Maior.

5 Casos concretos

Neste cenário, a título exemplificativo, abaixo seguem os casos concretos mais aberrantes da psicopatia criminal no Brasil.

5.1 O caso Pedro Rodrigues Filho, “Pedrinho o matador”

Um dos casos mais emblemáticos do país. Pedro Rodrigues Filho, nascido em 1954 na cidade de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais, foi gerado entre brigas familiares. Tanto que, segundo médicos, a criança nasceu com deformações cranianas, graças a um chute desferido por seu pai, quando estava ainda no útero materno. Pedrinho possui um histórico assombroso de mais de 100 homicídios praticados, metade deles praticados na prisão.

Iniciou seu histórico de crimes ainda adolescente, aos 13 anos, quando tentou matar seu primo em uma moenda de cana-de-açúcar. Ainda menor, cometeu o primeiro homicídio, cerceando a vida do prefeito da cidade, pois este havia demitido seu pai, vigilante de uma escola, por suspeitar que ele estivesse furtando a merenda escolar.

 Após o primeiro homicídio não mais parou. Porém, segundo Pedrinho “só matava homens maus”, jamais mulheres ou crianças. Tatuou frases no seu corpo com os seguintes dizeres: “mato por prazer”; “sou capaz de matar por amor”. Depois de passar 34 anos preso, e ter ficado por um curto período em liberdade (três anos), Pedrinho atualmente se encontra preso por porte ilegal de armas. Questionado se sente arrependimento de algo que fez, respondeu friamente que “não”. (SUPERINTERESSANTE, 2010)

5.2 Roberto Aparecido Alves Cardoso, “Champinha”

Em novembro de 2003, Champinha, de 16 anos de idade, foi condenado pelo assassinato do casal Felipe Caffé, de 19 anos e Liana Friendenbach, de 16. Os delitos ocorreram em uma mata de Embu-Guaçu, na grande São Paulo.

Felipe foi assassinado com um tiro na nuca, e o corpo fora encontrado em um córrego próximo ao local do crime. Liana foi mantida em cárcere privado e por repetidas vezes foi abusada sexualmente, até que posteriormente foi assassinada com facadas na cabeça, nas costas e no tórax.

Os outros participantes dos crimes, já maiores de idade, foram condenados a vários anos de reclusão. Já Champinha, menor de idade e mentor dos crimes, foi internado por três anos na Febem Vila Maria (atualmente Fundação Casa). Em 2007, a justiça determinou que Champinha fosse mantido em instituições psiquiátricas, sob constante vigilância por período indeterminado. (SILVA, 2008)

5.3 Suzane Von Richthofen

A adolescente Suzane, de 19 anos, arquitetou e facilitou o assassinato de seus pais Marísia e Albert Von Richthofen, que ocorreu no dia 31 de outubro de 2002. O casal foi assassinado pelo namorado de Suzane, Daniel Cravinhos de 21 anos, e o irmão dele Cristian de 26, por meio de vários golpes de barra de ferro na cabeça. Após o crime, o casal de namorados partiu para a melhor suíte de motel da Zona Sul de São Paulo.

O motivo do crime, segundo a mentora dos homicídios, é que seus pais não permitiam o namoro. O delito, segundo os policiais, foi planejado dois meses antes da prática. O delegado do caso, narra que ao chegarem ao local do crime ficaram espantados com a frieza da recém-órfã, a qual não demonstrava o menor aspecto de tristeza. Muito pelo contrário, apenas se preocupava com a possível divisão de bens a que teria direito com o óbito dos pais. Suzane e os irmãos Cravinhos foram condenados a vários anos de prisão. (SILVA, 2008)

Considerações finais

O crime é a alcunha atribuída aos atos os quais não são admitidos pela sociedade e que lesionam os bens jurídicos mais importantes dos seres humanos. Em meio a um conceito analítico, o crime é fato típico, ilícito e culpável. Para ser típica a ação tem de ser definida anteriormente como crime; a conduta tem de ser voluntária, dolosa ou culposa, ter nexo de causa com um resultado significativo de lesão a um bem jurídico tutelado; para ser ilícita a ação não pode estar amparada por nenhuma das causas excludentes de ilicitude; e por fim, para ser culpável, o indivíduo tem de possuir potencial consciência da ilicitude e o indivíduo tem de ser imputável ao tempo da ação/omissão.

A imputabilidade é verificada no Brasil pelos critérios biológico – em relação aos menores de idade – e biopsicológico. Quanto ao último critério, afere-se se no momento da prática do injusto se o agente era portador de alguma doença incapacitante que dificulte ou torne impossível a capacidade de entendimento da ação. Posteriormente, verifica-se se o indivíduo era capaz de se determinar de acordo com este entendimento.

A inimputabilidade por doença mental é uma forma que o Estado possui de proteger do rigor do setor penitenciário aqueles os quais não detêm qualquer discernimento do caráter ilícito de suas condutas. A estes indivíduos é aplicada a denominada “absolvição imprópria”, segundo a qual o inimputável é absolvido, porém é submetido a tratamento de custódia em casas psiquiátricas.

A medida de segurança, que é sanção penal e que segundo o Código Penal, não possui prazo máximo de duração determinado. Possui como finalidades: a curativa e preventiva especial. Curativa porque visa ao tratamento do inimputável, e preventiva especial porque evita o contado do agente incapaz com a sociedade, enquanto não for cessada a sua periculosidade.

O psicopata, que constitui cerca de quatro por cento (4%) da população mundial, é um ser não dotado de consciência emotiva, o qual praticamente não possui atividade cerebral na região do sistema límbico (região das emoções). É um ser eminentemente racional!

O psicopata é considerado por alguns juristas como agente semi-imputável, isto é, aquele que não possui total capacidade de discernir o caráter ilícito da conduta. Deste modo, seguindo esta linha de posicionamento, estes indivíduos fazem jus a uma redução da pena aplicada ou substituição desta pela medida de segurança.

Contudo, estudos realizados por sumidades no assunto, tais como o psicólogo canadense Robert Hare, afiançam peremptoriamente que, nos dias atuais, a psicopatia não possui cura ou tratamento eficaz.

Dessa maneira, a aplicação da medida de segurança ao psicopata, apesar de mais recomendável para a segurança da sociedade em geral, não atingiria a sua finalidade primordial de medida curativa, sendo desnaturada. Como conseqüência, seria transformada em uma verdadeira privação de liberdade sem prazo determinado, a qual pode durar vários anos ou inclusive toda uma vida.

Conclui-se que apesar de todos os esforços da comunidade médica e jurídica para encontrar uma solução para a problemática dos psicopatas criminosos no mundo, até o presente momento, a alternativa que se mostra mais viável é o isolamento destes indivíduos por intermédio das medidas de segurança, até o dia no qual a ciência desenvolva alguma espécie de cura ou de tratamento eficaz para combater essa até então pseudo-patologia mental.

Todavia, há de se observar que somente se afigura proporcional a manutenção de indivíduos comprovadamente psicopatas em medidas de segurança se os crimes por eles praticados forem graves, tais como: homicídios, latrocínios e estupros. Pois, de outra forma, princípios jurídicos como o da razoabilidade seriam feridos frontalmente, conservando-se tais indivíduos privados por tempo indeterminado de sua liberdade em decorrência do cometimento de ilícitos menos gravosos, tais como: furtos ou contravenções penais.

 

Referências:
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Nota:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Felix Araújo Neto, Doutor em Direito Penal e Política Criminal (cum laude) pela Universidade de Granada, Espanha.

Informações Sobre o Autor

Jáder Melquíades de Araújo

Delegado de Polícia Civil do Estado de Pernambuco. Pós-graduado em Ciências Criminais pela Escola de Superior de Advocacia Flósculo da Nóbrega ESA/PB-CG. Graduado em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba UEPB


Equipe Âmbito Jurídico

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