Resumo: O estudo provoca a reflexão sobre a utilização da arbitragem no âmbito dos contratos de Parcerias Público-Privadas para resolução de conflitos de interesses entre as Administrações Públicas e seus parceiros privados. Remetendo ao caso mineiro, o artigo questiona em que medida a arbitragem tem sido considerada um dos principais meios de resolução de conflitos entre o parceiro privado e o poder público como opção à judicialização. Para tanto, baseou-se em revisão da literatura, além da análise da legislação relacionada.
Palavras-chave: Arbitragem; Judicialização; Concessões Especiais; PPP; Parceria Público-Privada.
Abstract: The study leads to reflection on the use of arbitration under the Public-Private Partnership contracts to resolve conflicts of interest between Public Administrations and private partners. Referring to the case of Minas Gerais, the article questions the extent to which arbitration has been considered one of the main means of resolving conflicts between the private partner and the government as an option to legalization. Therefore, based on literature review, as well as analysis of related legislation.
Key-words: Arbitration; Judicialization; Special Concessions; PPP; Public-Private Partnerships.
Sumário: 1. Introdução. 2. Arbitragem no Brasil. 3. Arbitragem e os Contratos de Concessão. 4. Estudo de Caso da Arbitragem nas PPP’s do Estado de Minas Gerais. Considerações. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A arbitragem, instrumento usualmente utilizado para dirimir conflitos em âmbito empresarial, dado o novo perfil de relação entre público e privado estabelecido pelas leis que regem os contratos de concessão (comum e especial), a partir do século 21, tem sido adotada pelo poder público como forma de horizontalização na solução de controvérsias.
Assim, torna-se importante a análise desse instituto para entender os possíveis benefícios e malefícios advindos de sua utilização em face dos contratos de concessão, especificamente, no tocante às concessões especiais ou parcerias público-privadas.
Dessa forma, procedeu-se com o estudo da arbitragem no Brasil, passando pela análise do instituto, suas principais características e seus elementos peculiares, para possibilitar a compreensão da repercussão da utilização do instituto, em face dos meandros do Direito Administrativo.
Partiu-se para o estudo do instituto em face aos contratos de concessão, mais especificamente os contratos de concessão especial, com a revisão dos principais marcos regulatórios que envolvem a temática, relacionando o procedimento arbitral e a persecução do interesse público.
Então, a partir da análise das parcerias público-privadas realizadas pelo estado de Minas Gerais, e os conflitos gerados entre os parceiros privados e o poder público, tornou-se possível entender a ligação entre a utilização da arbitragem e a judicialização das questões que envolvem os direitos patrimoniais advindos dos contratos de concessão.
2. A ARBITRAGEM NO BRASIL
A arbitragem no Brasil foi instituída, pela primeira vez, através das Ordenações Filipinas, sendo regida posteriormente pela Constituição do Império de 1824 e “após, a arbitragem passou a ser regulada pelo Código Comercial e pelo Regulamento 737, ambos de 1850” (COSTA, 2013).
Atualmente, a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, ou Lei de Arbitragem – LA –, é a principal fonte normativa desse instituto que representa uma técnica que visa solucionar controvérsias por meio da intervenção de uma ou mais pessoas cujos poderes decisórios advém de uma convenção privada e destinam-se, a partir do estabelecido nesta, a assumir eficácia de sentença judicial (CARMONA, 2009).
Cabe salientar, conforme dispõe o art. 1º da Lei nº 9.307/96, que a arbitragem está apta a dirimir litígios que envolvam necessariamente pessoas capazes de contratar e direitos patrimoniais disponíveis. Essa noção de que a arbitragem se relaciona a conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis vai ser de extrema importância para a análise futura da utilização desse instituto junto ao poder público contratante.
Acerca desse ponto, Oliveira (2005) esclarece:
“Em face do art. 1º da LA, a doutrina alude a uma arbitrabilidade subjetiva e a uma arbitrabilidade objetiva. Assim, somente podem pactuar e sujeitar-se a arbitragem as pessoas capazes de contratar (arbitrabilidade subjetiva); e somente podem ser submetidas ao juízo arbitral controvérsias atinentes a direitos patrimoniais disponíveis (arbitrabilidade objetiva).”
A arbitrabilidade subjetiva reflete a relação de que a arbitragem deve sujeitar pessoas capazes de contratar. Já a arbitrabilidade objetiva, segundo Oliveira (2005), pode ser observada a partir da leitura da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que Institui o Código Civil. Em seu art. 852, o código estabelece um mandamento similar ao art. 1º da LA, dispondo que é vedado compromisso para soluções de controvérsias que envolvam questões de estado, direito pessoal ou outros direitos que não tenham caráter exclusivamente patrimonial.
O Código Civil ressalta, dessa forma, a necessária observação do caráter disponível do direito patrimonial para a possibilidade de utilização de método arbitral, conforme pode-se depreender da leitura do art. 841: “Só quanto a direitos patrimoniais de caráter privado se permite a transação”.
Bacellar (2012) aponta que a arbitragem é instituída somente através da materialização da vontade das partes em um acordo genérico intitulado convenção de arbitragem. Nesse sentido, Carmona (2009) esclarece que de forma semelhante ao ocorrido na França no início da década de 80, a LA tratou em um mesmo capítulo tanto a cláusula compromissória e o compromisso arbitral, denominando-os como convenção de arbitragem.
Se no caso prático for apresentada a opção genérica pela utilização da arbitragem, no âmbito do contrato, o compromisso arbitral conforme ressalta Bacellar (2012), objetivará tornar perfeita e acabada essa opção.
Assim, o referido autor conclui:
“Com base no aforismo uti tatoo cuti, o papel do compromisso é o papel do tatuador, que, a partir da preferência dos interessados, estabelecerá o desenho, seus contornos e cores antes de instaurar definitivamente a tatuagem. Acordada a escolha (ou forma de escolha) do árbitro ou instituição arbitral, firmam-se, no compromisso, condições efetivas para a instauração da arbitragem” (BACELLAR, 2012).
Já a cláusula compromissória pode ser definida “como a convenção por meio da qual as partes comprometem-se, por escrito, a submeter à arbitragem os litígios, relativos a direitos patrimoniais disponíveis, que possam vir a surgir, relativamente a um contrato (BACELLAR, 2012).
A cláusula compromissória pode ser classificada como vazia ou cheia. A primeira opção implica na utilização necessária da arbitragem, porém não apresenta a delimitação da forma como se dará essa aplicação. Com essa cláusula, embora registre-se a opção da arbitragem, não se adquire firmeza com relação ao seus contornos para que se possa instaurar e efetivar a arbitragem.
Segundo Carmona (2009), a utilização de cláusulas arbitrais vazias traz notórios inconvenientes e para tanto merece ser evitada, devendo as partes sempre que possível anteciparem a possibilidade de um conflito estabelecendo assim, desde logo, as regras de instituição de um órgão arbitral, ou prever no instrumento contratual a forma de nomeação de árbitro, evitando assim o procedimento do art. 7º da LA.
Bacellar (2012) partilha da mesma opinião e aponta:
“Não se recomenda a adoção da cláusula compromissória branca ou vazia (arts. 6º e 7º), que sempre precisará de complemento (compromisso), não tem aplicação imediata e no mais das vezes é ponto de controvérsias que poderiam ter sido eliminadas preventivamente com uma redação mais completa e adequada.”
A cláusula compromissória cheia, por sua vez, possui todos os elementos necessários a permitir a instituição da arbitragem. A cláusula possui completude e integralidade em seu conteúdo, representando todas as condições essenciais para o estabelecimento da arbitragem, além da indicação de árbitros, forma, procedimento e os critérios de julgamento e prazos. (Bacellar, 2012).
A arbitragem, a partir de sua forma de instrução, pode constituir em uma célere e justa forma de resolução de conflitos. Os defensores desse instituto como forma de resolução de conflitos, costumam, conforme aponta Scavone Jr. (2014), elucidam cinco vantagens básicas:
“a) Especialização: na arbitragem, é possível nomear um árbitro especialista na matéria controvertida ou no objeto do contrato entre as partes. A solução judicial de questões técnicas impõe a necessária perícia que, além do tempo que demanda, muitas vezes não conta com especialista de confiança das partes do ponto de vista técnico.
b) Rapidez: na arbitragem, o procedimento adotado pelas partes é abissalmente mais célere que o procedimento judicial.
c) Irrecorribilidade: a sentença arbitral vale o mesmo que uma sentença judicial transitada em julgado e não é passível de recurso.
d) Informalidade: o procedimento arbitral não é formal como o procedimento judicial e pode ser, nos limites da Lei 9.307/1996, estabelecido pelas partes no que se refere à escolha dos árbitros e do direito material e processual que serão utilizados na solução do conflito.
e) Confidencialidade: a arbitragem é sigilosa em razão do dever de discrição do árbitro, insculpido no § 6º do art. 13 da Lei 9.307/1996, o que não ocorre no procedimento judicial que, em regra, é público, aspecto que pode não interessar aos contendores, notadamente no âmbito empresarial, no qual escancarar as entranhas corporativas pode significar o fim do negócio” (SCAVONE JR, 2014).
Dessa forma, a arbitragem se mostra uma forma bastante vantajosa para a resolução amigável de conflitos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. É amplamente utilizada nas relações empresariais e suas vantagens podem ser transportadas para os contratos administrativos. Portanto faz-se necessário o estudo do instituto em face da administração pública para entender a potencial utilização da arbitragem nos contratos de concessão.
3. A ARBITRAGEM E OS CONTRATOS DE CONCESSÃO
A Lei 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, em seu art. 23, inciso XV, prevê que é uma cláusula essencial do contrato de concessão à relativa “ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais”.
No entanto essa redação não possibilitava, segundo a interpretação da maioria da doutrina especializada, de forma inequívoca a utilização da arbitragem nos contratos de serviços públicos.
Com o advento da Lei 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, houve a previsão expressa da possibilidade do uso da arbitragem nos contratos de concessão especial (PPP’s), desde que fosse utilizada para a solução de questões que envolvessem necessariamente direitos patrimoniais disponíveis.
Essa inovação estimulou a inclusão taxativa da arbitragem no regime jurídico das concessões comuns. Em 2005, a partir da lei n º 11.196, fora incluído o art. 23-A na Lei 8.987/1995, que estabelece:
“Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996.”
Segundo Ribeiro (2007), a arbitragem, enquanto meio para solução de conflitos no âmbito de contratos administrativos, tem sido considerada uma alternativa apta a garantir celeridade. Assim, ao indicar especialistas as partes decidem as questões controversas que surgirem durante a execução desse contrato (que por definição tem uma duração de médio a longo prazo), tem-se o aumento da segurança jurídica, evitando que o parceiro privado incorpore os custos de transação jurídicos ao preço cobrado pelo parceiro privado, ricocheteando no Poder Público e usuário.
No entanto, Bandeira de Mello (2009) discorda dessa utilização sob o argumento de que:
“Não é aceitável perante a Constituição que particulares, árbitros, como suposto no art. 11, III, possam solver contendas nas quais estejam em causa interesses concernentes a serviços públicos, os quais não se constituem em bens disponíveis, mas indisponíveis, coisas extra comercium. Tudo que diz respeito ao serviço público portanto – condições de prestações, instrumentos jurídicos compostos em vista desse desiderato, recursos necessários para o bem desempenhá-los, comprometimento destes mesmos recursos, é questão que ultrapassa por completo o âmbito decisório de particulares (cf. n. 21)” (BANDEIRA DE MELLO, 2009, p. 781).
Nesse sentido, Fortini (2007) esclarece que o interesse público real primário efetivamente é indisponível, o que limita a margem de aplicação do art. 11, inciso III da Lei das PPPs. No entanto, discorda em relação à constitucionalidade, uma vez que em litígios contratuais que envolvam questões “extra-erário público”, seria possível a adoção da arbitragem para consagrar assim o Princípio da Eficiência, dada a sua agilidade.
A princípio não há correlação entre direitos patrimoniais, interesse público e suas (in)disponibilidades. Isso, porque segundo Grau (2002), dispor de direitos patrimoniais significa transferi-los a terceiros, ou seja, implica em uma potencial de alienação. O poder público, para a consecução do interesse público, pratica atos que repercutem em disposição de alguns direitos patrimoniais, ainda que existam direitos patrimoniais não passíveis de disponibilidade (como por exemplo os direitos patrimoniais sobre os bens públicos de uso comum). Assim, inúmeras vezes a Administração Pública dispõe de direitos patrimoniais objetivando o alcance do próprio interesse público.
Portanto, a maioria dos estudiosos tem concluído pela viabilidade da utilização da arbitragem, por parte do Estado, pois a adoção desse instituto não ofenderia os princípios da legalidade e indisponibilidade dos bens públicos, desde que vise necessariamente o alcance do interesse público. Ressalva, no entanto, que é imperativo que os agentes não desviem a finalidade da arbitragem, nem maculem o interesse público através de uma atuação contaminada por improbidade administrativa (CARVALHO FILHO, 2014).
Com relação às vantagens da utilização do mecanismo da arbitragem, no âmbito dos contratos administrativos, além da já mencionada agilidade na resolução da controvérsia, a expertise do órgão julgador, a confiança das partes nesse órgão, a desburocratização dos procedimentos, ausência de duplo grau de jurisdição e reforço da noção de equilíbrio entre as partes dada o desapego das prerrogativas pelos entes públicos (BRANDT, 2008).
Assim, uma vez que a majoritária doutrina conclui pela constitucionalidade da utilização da arbitragem, e percebemos as vantagens de sua aplicação aos contratos de concessão recorre-se à análise do caso prático como forma de analisar os elementos discutidos em face à realidade.
4. ESTUDO DE CASO DA ARBITRAGEM NAS PPP’S REALIZADAS PELO ESTADO DE MINAS GERAIS
Em Minas Gerais, tem-se observado alguns problemas com relação à utilização do instituto da arbitragem em face às concessões especiais. O panorama atual dos contratos de PPP’s em Minas Gerais, com relação à utilização de cláusulas vazias ou cheias, pode ser elencado como se segue:
“PPP MG-050: optou-se pela cláusula vazia, definindo-se apenas que a arbitragem, necessariamente, deveria ocorrer na capital do Estado;
PPP PENITENCIÁRIA: mais uma vez, optou-se pela cláusula arbitral vazia, sem indicação da câmara. Todavia, desta vez, foram estabelecidos alguns parâmetros relativos ao procedimento arbitral;
PPP ESTÁDIO DO MINEIRÃO: assim como no caso da PPP das UAI, optou-se pela cláusula arbitral cheia, com indicação da câmara arbitral e estabelecimento de alguns parâmetros;
PPP UNIDADES DE ATENDIMENTO INTEGRADO (UAI): nesse caso, a opção foi pela cláusula cheia, com escolha do juízo arbitral e de alguns aspectos relativos ao procedimento arbitral” (OLIVEIRA e ALMEIDA, 2013).
No caso da PPP da MG050, cujo contrato fora assinado em 2007, uma controvérsia com relação à multa a ser aplicada teve como desdobramento a judicialização da questão em 2009. A concessionária ingressou com uma ação cautelar obtendo liminarmente a suspensão da exigibilidade da multa.
Essa ação judicial ocorreu, em detrimento ao processo de arbitragem, pois segundo apontam Oliveira e Almeida (2013), a inexistência de previsão de cláusula arbitral cheia, gerou margem para interpretações divergentes entre as partes, sendo provocado, assim o poder judiciário para definir os contornos do processo arbitral (OLIVEIRA E ALMEIDA, 2013).
Portanto, como visto anteriormente, a recomendação de evitar a utilização de cláusulas compromissórias vazias, por parte da doutrina autorizada, não foi devidamente acatada, gerando a total ineficácia da arbitragem no caso concreto.
A judicialização da controvérsia envolvendo a PPP da MG 050 provavelmente estimulou o poder legislativo a elaborar a Lei Estadual 19.477, de 12 de janeiro de 2011, que dispõe sobre a adoção do juízo arbitral para a solução de litígio em que o Estado seja parte. A partir dessa norma os contratos de PPP’s no âmbito do Estado de Minas Gerais passaram a incorporar cláusula compromissória cheia, conforme disciplina seu art. 8º: “O procedimento arbitral para a solução de litígio relativo a contrato, acordo ou convênio celebrado pelo Estado fica condicionado à existência de cláusula compromissória cheia ou à formulação de compromisso arbitral.”
Ao analisar o caso da PPP da MG050, Oliveira e Almeida (2013) concluem que ao contrário da expectativa de solução célere e eficiente, a utilização da cláusula arbitral vazia possibilitou interpretações divergentes, o que demandou necessariamente a participação de Poder Judiciário.
O contrato de concessão da PPP do Complexo Prisional, assinado em junho de 2009, como já mencionado anteriormente, utilizou-se da cláusula compromissória vazia. A concessionária ao ser multada, de forma semelhante ao ocorrido com a PPP da MG050 ajuizou ação cautelar[1]com pedido liminar para suspender a referida multa, a qual foi acatada pelo julgador.
A presença da fumus boni iuris foi identificada pelo julgador, uma vez “que a concessionária enfrentou no decorrer da obra algumas paralisações em virtude das chuvas e da escassez de mão-de-obra disponível” e o periculum in mora estaria materializado, dado que “o grande vulto da multa imposta representa um perigo de dano irreparável”.
Em agosto de 2014, após análise do mérito, a ação cautelar[2] teve seu curso suspenso, devendo seus autos serem remetidos ao tribunal arbitral tão logo seja constituído, pois o juízo entendeu que o Juízo Arbitral é competente para proferir decisões e questões urgentes, incluindo nessas a reapreciação das liminares.
A princípio então, dado os dois casos analisados, poder-se-ia direcionar para a existência de cláusula compromissória vazia a grande responsabilidade pelos ajuizamentos de ações cautelares no âmbito de contratos de concessão especial em Minas Gerais. No entanto, um breve olhar sobre o caso da PPP UAI, nos possibilitará esclarecer esse ponto.
O contrato da PPP UAI fora assinado em dezembro de 2010 e previu, em seu conteúdo uma cláusula compromissória cheia, onde estariam definidas todas as diretrizes para a solução de controvérsias advindas do contrato de concessão especial.
Apesar de já contemplar a cláusula cheia, antes mesmo da publicação da Lei 19.477/2011, a PPP UAI não obteve êxito na busca pela não-judicialização dos problemas advindos da relação contratual público-privado.
Em setembro de 2014 a concessionária ingressou em juízo para requerer, através de ação cautelar[3], a suspensão da exigibilidade de multa aplicada pelo Poder Público até que fosse proferida decisão final em processo arbitral. O juízo de 1ª instância extinguiu o processo sem julgamento de mérito, levando em conta a cláusula 29 do contrato de concessão[4], que estabelece que as controvérsias “que não puderem ser resolvidas amigavelmente entre as partes e cuja apreciação não seja da competência exclusiva do Poder Judiciário, serão definitivamente dirimidas por meio da arbitragem”.
Contudo, em sede de tutela antecipada recursal, a concessionária obteve êxito na busca pela suspensão da multa cominada pela administração pública, através da decisão da relatora[5] da turma julgadora da apelação, com base no manifesto perigo de dano irreversível, ou de difícil reparação (pois a execução da multa poderia redundar na necessidade de restituição futura mediante precatório) além do fundamento baseado na redação da cláusula 30.6 que estabelece:
“30.6 – Para a finalidade exclusiva de obter medidas cautelares e urgentes, bem como para instituição forçada do foro arbitral ou para a execução da sentença arbitral exarada no processo de arbitragem conduzido nos termos da cláusula 29, fica eleito o Foro da Comarca do Município de Belo Horizonte, com renúncia expressa das PARTES a outros, por mais privilegiados que possam ser.”
Assim, podemos perceber que não só a cláusula compromissória arbitral cheia não foi condição suficiente para afastar a judicialização dos conflitos, como a presença de uma cláusula que permita a concessão de medidas cautelares e de urgência tem como efeito imediato a permissão da intervenção do judiciário nas questões de direitos patrimoniais disponíveis inerentes ao contrato de concessão especial.
Essa previsão remonta ao artigo 22, §4º da Lei 9307/96 que dispõe que “havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa. No entanto, a LA estabelece que o árbitro poderá solicitá-las ao Poder Judiciário, e não a parte envolvida.
Conforme aponta Costa (2013):
“O artigo 22, § 4º, da Lei n.º 9.307/96, que trata das tutelas de urgência no processo arbitral, não possui uma redação clara sobre o assunto, o que causou certa insegurança no início de sua vigência (notadamente porque a legislação pátria anterior, que regulava o instituto da arbitragem, vedava expressamente a concessão de medidas urgentes pelo árbitro, tendo a Lei n.º 9.307/96 modificado essa posição). Contudo passados mais de 16 (dezesseis) anos da promulgação de tal lei, já se pacificou na doutrina e na jurisprudência a possibilidade de o árbitro decretar medidas cautelares e de antecipar os efeitos da tutela na arbitragem.”
Portanto, podemos perceber que a mera existência de cláusula compromissória cheia nos contratos de concessão, não está apta a afastar o envolvimento do poder judiciário em decisões liminares. A possibilidade do juízo arbitral lançar mão de medidas cautelares na prática não é utilizada, em Minas Gerais, onde as questões controversas ainda são dirimidas, atualmente, em sua grande maioria através do poder judiciário.
CONSIDERAÇÕES
O estudo em tela teve como objetivo provocar a reflexão sobre a arbitragem nos contratos de parcerias público-privadas, em especial por parte do poder público estadual em Minas Gerais, e a materialização de sua previsão contratual no caso fático.
A partir do caso acima analisado pode-se perceber que a utilização de cláusulas compromissórias vazias efetivamente não representa uma prática elogiável pois traz instabilidade para a relação contratual entre o público e o privado.
No entanto, a utilização de cláusulas cheias para permitir a total delimitação do procedimento arbitral a ser utilizado quando da necessidade de dirimir um conflito, não se mostra condição necessária nem suficiente para evitar a judicialização das controvérsias.
A análise dos contratos de PPP’s e das controvérsias possibilitaram perceber que a relação entre o público e o privado, que deveria ser pautada por uma característica de horizontalidade, equilíbrio e profissionalismo, tem sido marcada por intervenções do poder judiciário para permitir ao parceiro privado obter decisões liminares aptas a afastar as multas pelo descumprimento dos termos do contrato.
Por outro lado, pode-se perceber que o poder público estadual não possui uma institucionalidade capaz de oferecer soluções arbitrais rápidas e suficientes para dirimir amigavelmente as disputas, pois não existe ainda, apesar das decisões judiciais nos casos em tela terem direcionado para tanto, uma câmara arbitral efetivamente constituída.
Em respeito aos valores alvejados pelo Princípio Constitucional da Eficiência, eis que resta evidente a necessidade da realização de mais estudos sobre a utilização da arbitragem para a resolução de conflitos, pois a análise específica do caso do Estado de Minas Gerais permitiu apontar falhas tanto na confecção dos contratos das PPP’s, com cláusulas vazias ou incapazes de antecipar situações, como na estruturação das câmaras arbitrais, que devem possuir maior especialidade nas temáticas dos contratos e maior legitimação.
Doutorando em Ciência Política pela UFMG mestre em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro especializado em Direito Público pela UCDB Graduado em Direito pela UFMG e em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro. Professor universitário advogado e servidor público estadual na carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental na Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão de Minas Gerais
Advogado servidor público estadual da carreira Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental em Minas Gerais especialista em Direito Penal e Processual Penal pelo Centro Universitário Newton Paiva graduado em Direito pela UFMG e em Administração Pública pela Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho da Fundação João Pinheiro
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