Da inconstitucionalidade do prosseguimento do processo penal na hipótese de citação por hora certa do réu

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Resumo: A pessoa que comete uma infração penal poderá ser responsabilizada criminalmente. A conduta deverá ser apurada e julgada por meio do processo penal. Neste é imprescindível que o autor do delito tenha plena ciência da acusação, a fim de que possa defender-se, respeitando-se, portanto, os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. O ato jurídico pelo qual se concede o conhecimento dos fatos ao réu é a citação, que via de regra deverá ser pessoal. Todavia o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de citação por hora certa, a qual, por ser modalidade de citação fictícia, não pode alicerçar o prosseguimento do processo penal, sob pena de violação a princípios previstos na Carta Magna.

Palavras-chave: Crime; Processo Penal; Citação por hora certa; Continuação do processo; Ofensa aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Abstract: The person who commits a crime will be able to be held responsible criminality. The conduct will must be analyzed  and judged through the criminal suit. In this is essential that the author of the crime has full science of the accusation, so that it can be defended, being respected, so, the constitutional principles of the contradictory one and of the ample defense. The legal act by which the knowledge of the facts is granted to a defendant is the summon, which usually will have to occur personally. However the set of laws establishes the possibility of summon for certain time, which, because of being a kind of fictitious summon, cannot justify the continuation of the criminal suit, under penalty of violation the principles established in the Brazil Constitution.

Keywords: Crime; Criminal suit; Summon for right time; Continuation of the criminal suit; Offense to constitutional principles of the contradictory one and of the ample defense.

Sumário: Introdução. 1. Da inconstitucionalidade do prosseguimento do processo penal na hipótese por citação por hora certa do réu.  Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A prática de uma infração penal pode desencadear a instauração de um processo judicial criminal para que ocorra a responsabilização do autor da conduta ilícita.

No entanto há princípios constitucionais que devem ser obedecidos e respeitados no processo penal, dentre os quais se destacam o do contraditório e o da ampla defesa.

As normas processuais vigentes preveem a possibilidade de citação por hora certa do acusado e o prosseguimento do processo após sua concretização. Todavia esta modalidade citatória se insere no conceito de citação fictícia e não há como se garantir que, efetivamente, o réu teve plena ciência da acusação e que, por isso, pôde oferecer sua ampla defesa e contraditar os fatos a ele atribuídos.

Este estudo tem a intenção de evidenciar que a continuação do processo penal nessa situação é inconstitucional.

1. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO PROSSEGUIMENTO DO PROCESSO PENAL NA HIPÓTESE DE CITAÇÃO POR HORA CERTA DO RÉU

O cometimento de um crime por uma pessoa pode ensejar sua responsabilização criminal, a qual ocorrerá por intermédio da ação penal, que é o direito do Estado ou do ofendido de pleitear a prestação jurisdicional no caso de realização de uma infração penal. A manifestação judicial representará a aplicação das normas penais.

 Nucci (2014, p.105) ensina: “é o direito do Estado-acusação ou da vítima de ingressar em juízo, solicitando a prestação jurisdicional, representada pela aplicação das normas de direito penal ao caso concreto. Através da ação, tendo em vista a existência de uma infração penal procedente, o Estado consegue realizar a sua pretensão de punir o infrator”.

Após a efetivação e apuração do delito, este será levado ao conhecimento do Poder Judiciário, usualmente, pelo Ministério Público por meio da ação penal pública, incondicionada ou condicionada, que se iniciará com a denúncia, havendo indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, como previsto no art. 24 do Código de Processo Penal.

Leciona Capez (2014, p.197): “peça acusatória iniciadora da ação penal, consistente em uma exposição por escrito de fatos que constituem, em tese, ilícito penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente seu autor e a indicação das provas em que se alicerça a pretensão punitiva. A denúncia é a peça acusatória inaugural da ação penal pública (condicionada ou incondicionada) (CPP, art.24)”.

Destaca-se que a ação penal também poderá ser ajuizada pelo ofendido por intermédio da ação penal privada, quando houver o cometimento de crime em que a Lei prevê que sua apuração deve-se proceder por iniciativa daquele.

Determina Lima (2016, p.253): “no silêncio da lei, a ação penal é pública incondicionada. Há, porém, situações em que o Estado, titular exclusivo de punir, transfere a legitimidade para a propositura da ação penal à vítima ou ao seu representante legal, a eles concedendo o jus persequendi in judicio. É o que ocorre na ação penal privada, verdadeira hipótese de legitimação extraordinária (ou substituição processual), já que o ofendido age, em nome próprio, na defesa de um interesse alheio, pois o Estado continua sendo o titular da pretensão punitiva”.

Existe a possibilidade de a ação penal ser instaurada pela vítima, caso o Ministério Público não a intente no prazo legal. Trata-se da ação penal privada subsidiária, prevista no art. 5°, LIX, da Constituição Federal.

Oliveira (2013, p.163) aponta: “com o objetivo de tutelar o mais amplamente possível os interesses da vítima, seja em razão da repercussão patrimonial eventualmente decorrente da ação criminosa, seja ainda em sede da própria exigência da resposta penal ao ilícito contra ela praticado, prevê a Constituição Federal, em seu art. 5º, LIX, que ‘será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal’”.

Com o recebimento da peça inicial da ação penal, instaura-se o processo penal, que é o instrumento integrante da estrutura do Estado para aplicação da Lei Penal, no qual se devem observar princípios constitucionais e regras procedimentais, a fim de que o autor da infração penal possa ter pleno conhecimento acerca do que está sendo acusado e possa exercer sua ampla defesa.

Carvalho disserta (2014): “desse modo, o acesso à justiça penal serve para estabelecer, principalmente, um contato mais próximo do réu com o juiz que o vai julgar, que tem o poder de decretar a sua prisão cautelar, de restringir outros direitos fundamentais seus, não para extrair confissões, como no sistema inquisitivo, mas para permitir o amplo e direto exercício de defesa, a qualquer momento e o tempo todo, no interrogatório ou sempre que a defesa ou o réu o requerer, bem como depois de cumprido eventual mandado de prisão”.

O primeiro ato processual, após o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, é a citação do acusado, a fim de que ele tome conhecimento da conduta ilícita lhe atribuída e possa ofertar sua defesa prévia (art. 396 do Código de Processo Penal).

Nucci (2014, p.749) expressa: “é o chamamento do réu a juízo, dando-lhe ciência do ajuizamento da ação, imputando-lhe a prática de uma infração penal, bem como lhe oferecendo a oportunidade de se defender pessoalmente e através de defesa técnica. Trata-se de um corolário natural do devido processo legal, funcionalmente desenvolvido através do contraditório e ampla defesa (art.5º, LIV e LV, CF)”.

A citação é ato processual de fundamental relevância, pois com ela há formação da relação processual, de acordo com o art. 363 do Código de Processo Penal.

Como regra no processo penal, a citação deverá ser pessoal por mandado, a qual causará efetiva ciência ao réu acerca dos fatos a ele atribuídos (art. 351 do Código de Processo Penal).

Marcão (2016) determina: “a citação será, em regra, pessoal ou real, assim considerada aquela realizada diretamente na pessoa do acusado (in faciem). Sob tal modalidade, poderá efetivar-se: por mandado; por carta precatória; por carta rogatória; por carta de ordem; por requisição”.

Todavia existe previsão legal de citação por hora certa e por edital (arts. 362 e 365 do Código de Processo Penal). A citação por hora certa se dará quando o Oficial de Justiça, ao tentar proceder à citação pessoal, constatar que o réu está se ocultando, com a finalidade de evitar a citação.

Greco Filho (2015) ensina: “a forma da citação por hora certa é a do Código de Processo Civil. Se por três vezes o oficial de justiça houver procurado o réu em seu domicílio ou residência e não o encontrar, havendo suspeita de que se esteja ocultando, deverá intimar qualquer pessoa da família ou qualquer vizinho, que, no dia imediato, voltará, em hora marcada, para efetivar a citação (art. 227 do CPC). No dia e hora marcados, retornando ao local, se o oficial de justiça não encontrar novamente o réu, procurará saber as razões de sua ausência, dando por feita a citação (art.228, §1º, do CPC).”

A citação por edital acontecerá quando o réu não for localizado para ser citado pessoalmente e não se souber seu paradeiro, estando em local incerto e não sabido.

Lima (2016, p. 1244) leciona: “citação por edital é espécie de citação ficta, já que não é realizada pessoalmente, presumindo-se que o acusado dela tomou conhecimento. Esse edital deve ser publicado em jornal de grande circulação, na imprensa oficial ou afixado no átrio do fórum, com o prazo de 15 (quinze) dias, admitindo-se a possibilidade de que o acusado, ou pessoa a ele ligada, faça sua leitura, tomando ciência da existência do processo penal”.

As citações por hora certa e por edital são modalidades de citação fictícias, nas quais há presunção de que o acusado tomou conhecimento dos fatos narrados na peça acusatória.

Cunha e Freire (2016, p.318) ministram: “a citação pode ser pessoal (real) ou ficta, cuja distinção se dá pelo fato de, na primeira, ser certa a ciência do réu quanto à propositura da demanda (como ocorre com a citação pelo correio ou aquela feita por oficial de justiça), enquanto que, na segunda, há uma presunção de que o mesmo réu tenha conhecimento da demanda contra ele proposta (como ocorre com a citação com hora certa, apesar de ser realizada por oficial de justiça, e a citação por edital)”.

Como regra, o processo não prosseguirá se o acusado for citado por edital, já que se deduz que ele não reúne condições de exercer sua ampla defesa.  O Código de Processo Penal determina em seu art. 366: se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312   (BRASIL, 1941).

Oliveira (2013, p.614) preleciona: “se o ato citatório é indispensável para a regularidade do feito, uma vez que é ele que possibilita ao réu não só o conhecimento da demanda, mas a oportunidade do exercício da ampla defesa, do contraditório, do direito ao silêncio e das demais garantias processuais, não há dúvida de que semelhante modalidade de citação não cumpre o seu destino, na maioria das vezes. Por esta razão, conforme se verá adiante, mais especificamente a lei nº9.271/96 modificou a redação do art.366, nele inserindo a exigência de suspensão do processo e do prazo prescricional quando o réu, citado por edital, não comparecer ao interrogatório nem constituir advogado para a defesa de seus interesses. E a redação ali inserida permanece vigente, ainda que sua modificação tenha sido ‘tentada’ na Lei nº 11.719/08. Tentativa essa que se viu frustrada pelo veto presidencial à parte das modificações do art. 363 e do art.366 do CPP.”

Solução diversa a norma processual penal prescreve ao réu citado por hora certa. Prevê o art. 362, caput e parágrafo único: verificando que o réu se oculta para não ser citado, o oficial de justiça certificará a ocorrência e procederá à citação com hora certa, na forma estabelecida nos arts. 227 a 229 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.  Parágrafo único.  Completada a citação com hora certa, se o acusado não comparecer, ser-lhe-á nomeado defensor dativo. (BRASIL, 1941)

Destarte, no caso de citação por hora certa, será nomeado defensor dativo ao acusado, o qual oferecerá defesa prévia e o processo terá tramitação regular. Entretanto não se pode concluir que, efetivamente, ele teve ciência da peça acusatória e poderá oferecer sua defesa. Com isso, há ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Carvalho (2014) disserta: “a noção do direito de defesa é extraída do significado do contraditório: comporta as noções de alegação e demonstração, inseparavelmente. Para exercê-lo a contento, indispensável o direito de ser informado de todos os atos processuais, decorrência do princípio do Estado de Direito, que, ao facultar aos cidadãos a tomada de opções, obriga-se ao dever de informar, especialmente acerca dos direitos e das possíveis restrições a tais direitos. Genericamente, contraditório e ampla defesa incluem a possibilidade de contraditar as provas produzidas, contraprovar, tomar conhecimento das alegações da parte contrária, contra-alegar e, finalmente, tomar ciência dos atos e decisões judiciais para poder impugná-los”.

Destaca-se que a citação por hora certa ocorre quando o Oficial de Justiça verifica que o réu se oculta para não ser citado. Tem-se que este ato processual acontecerá com base na impressão pessoal e subjetiva do cumpridor do mandado, o qual, em razão das circunstâncias analisadas no local de citação, acreditará que o réu está ocultando-se.

Assim, determinada situação fática pode indicar para um Oficial de Justiça que o réu está evitando a citação. Para outro servidor cumpridor do mandado, a mesma situação pode não evidenciar que o acusado está escondendo-se.

Os atos administrativos e processuais devem ter caráter objetivo, para que não possa haver distinção de tratamento entre pessoas e, com isso, desrespeito ao princípio da impessoalidade.

Araújo (2015) expressa: “alguns autores consideram o princípio da impessoalidade, inscrito no art.37 da Constituição Federal, em apartado com o princípio da isonomia, asseverando que com este não se confunde, embora a impessoalidade possa levar à igualdade. O sentido seria o da imparcialidade, significando que a Administração não pode agir motivada por interesses particulares, interesses políticos, de grupos, por animosidades ou simpatias pessoais, políticas, ideológicas etc., implicando sempre regra de agir objetiva para o administrador. Outros aproximam-no do princípio da finalidade pública, afirmando que essa objetividade tem sentido exatamente em proporção à simetria necessária entre o motivo de interesse público e a finalidade pública e a finalidade pública e impessoal que deve existir nos atos da Administração”.

Deste modo, a continuação do trâmite do processo penal baseado na impressão pessoal do Oficial de Justiça de que o réu está evitando o ato citatório deve ser considerada temerária, pois não há garantias de que o acusado tomou conhecimento da acusação e pode oferecer sua defesa.        

Delmanto Junior (2004, p.155) determina: “pelas razões expostas, a citação por edital e a citação com hora certa, como modalidades de citação ficta, não deveriam, em nossa modesta opinião, ser admitidas como formas de chamamento do acusado ao processo penal. (…) A citação por hora certa, por acabar ressuscitando a possibilidade de haver processo sem o conhecimento da acusação, nomeando-se defensor dativo, com base em critérios subjetivos do oficial de justiça de que ele tem ciência da acusação. Isto porque, se o contraditório, no processo penal, há que ser real e efetivo, a única citação consentânea com esta exigência constitucional é aquela que se dê em termos igualmente reais e efetivos, ou seja, a citação pessoal. Se o acusado tiver concretamente fugido, que se lhe decrete, excepcionalmente, a prisão preventiva, suspendendo-se o curso do processo até ser capturado, preso e finalmente citado”.

Ressalta-se que a Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), também nominada como Pacto de San José da Costa Rica, em seu art. 8°, 2, b, prevê, como garantia judicial, que todo acusado deve ter conhecimento prévio e detalhado da acusação formulada contra ele. Veja-se: artigo 8.  Garantias judiciais (…)  2.      Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa.  Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:  (…) b.       comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; (…) .

A aludida norma internacional foi recepcionada pelo ordenamento jurídico brasileiro e possui força de Lei Ordinária, já que foi aprovada antes da Emenda Constitucional n° 45/2004.

Ramos (2017) expressa: “o Brasil aderiu à Convenção em 9 de julho de 1992, depositou a carta de adesão em 25 de setembro de 1992, e a promulgou por meio do Decreto n.678, de 6 de novembro do mesmo ano. O ato multilateral entrou em vigor para o Brasil em 25 de setembro de 1992, data do depósito de seu instrumento de ratificação (art.74,§ 2º)”.

Sobre o tema, Capez (2014, p. 589/590) aponta: “o fundamento de tal inovação reside no direito à informação. Derivado dos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório, tal direito encontra-se previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, a qual foi assinada em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992, passando a ter força de lei. Referida Convenção em seu art.8º, b, assegura a todo acusado o direito à comunicação prévia e pormenorizada da acusação formulada. Assim, não mais se admite o prosseguimento do feito, sem que o réu seja informado efetivamente, sem sombra de dúvida, da sua existência”.

Não se olvida neste estudo que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento de recurso extraordinário, concedeu repercussão geral a este e reconheceu a constitucionalidade da citação por hora certa no processo penal. Veja-se: “CITAÇÃO POR HORA CERTA – ARTIGO 362 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA NA ORIGEM – RECURSO EXTRAORDINÁRIO – REPERCUSSÃO GERAL CONFIGURADA. Possui repercussão geral a controvérsia acerca da constitucionalidade, ou não, da citação por hora certa, prevista no artigo 362 do Código de Processo Penal. Decisão: O Tribunal, por unanimidade, reputou constitucional a questão. O Tribunal, por unanimidade, reconheceu a existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada (BRASIL, 2012)”.

Contudo, neste trabalho, não se afirma a inconstitucionalidade do ato citatório, mas, sim, a inconstitucionalidade do prosseguimento do processo em caso de citação por hora certa, porquanto há previsão no ordenamento jurídico de soluções diversas para institutos do mesmo gênero.

As citações por edital e por hora certa são modalidades de citações fictícias, por conseguinte, as consequências processuais em ambas as situações devem ser idênticas.

A suspensão do processo e da prescrição inserida no art. 366 do Código de Processo Penal pela Lei n° 9.271/96 fundamentou-se na incerteza acerca do efetivo conhecimento pelo acusado dos termos denúncia, a fim de que não houvesse cerceamento de defesa.

Oliveira (2013, p.621) ensina: “construída em bases totalmente distintas, e já sob o pressuposto da ineficácia prática de toda citação ficta, a regra trazida pela Lei nº 9.271/96 é inteiramente mais benéfica que a anterior. E assim é porque exige a efetiva participação do acusado no processo, redimensionando o princípio da ampla defesa, de pouquíssima valia (quando de nenhuma) nos processos de réus citados por edital. Na sua maioria, a defesa dativa exercida em tais processos quase nunca passou do simples comparecimento aos atos instrutórios, sem uma contribuição efetiva à causa defensiva.

Por certo que não se podem responsabilizar os defensores (ou somente os defensores) pela precariedade da defesa, mas sobretudo a ausência de informações relevantes sobre os fatos imputados aos acusados, de conhecimento exclusivo destes últimos, é a causa mais comum de debilidade dessas atuações (da defesa dativa). Com a atual regra do art. 366, caput, CPP, não apresentando defesa escrita o acusado citado por edital, deverá o juiz determinar a suspensão do processo, impondo a lei, como consequência, a suspensão também do prazo prescricional”.

O então Deputado Federal Ibrahim Abi-Ackel, integrante da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, na apreciação do Projeto de Lei n° 4897/1995, constou em seu parecer: “os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório justificam essa nova pretensão do art. 366, principalmente porque a ela se acrescenta a autorização do respectivo parágrafo 1°, referente à antecipada produção de provas consideradas urgentes. Contudo, a revelia do acusado, posterior ao seu comparecimento inicial, não impedirá, nos termos do art. 367, o prosseguimento da instrução criminal (BRASIL, 1995, p.98)”.

Essa fundamentação foi aprovada e reproduzida na exposição de motivos do aludido Projeto de Lei pelo Ministro de Estado da Justiça à época, Alexandre de Paula Dofetrat Martins, observe-se: “em relação à citação por edital, artigo 366, cogita-se da suspensão do processo e do próprio curso da prescrição para a hipótese do não comparecimento do acusado. Tal hipótese, sem dúvida, leva à incerteza quanto ao conhecimento, pelo acusado, da acusação a ele imputada, o que pode motivar a alegação posterior, de cerceamento de defesa.

Com efeito, os princípios da ampla defesa e do contraditório, adotados no ordenamento jurídico brasileiro, e a previsão da Constituição Federal de que ninguém será privado de liberdade ou e seus bens sem o devido processo legal, conferem o legal à nova pretensão do artigo 366, ainda mais quando a ela se acrescente (parágrafo 1º) à autorização para que se produzam antecipadamente, as provas, consideradas de maior urgência (BRASIL, 1995, p.98)”.

Destarte, o fundamento para que haja a suspensão do processo penal e da prescrição no caso da citação fictícia do réu por edital foi a ausência de garantias de que ele teve ciência da denúncia e poderia comparecer em Juízo para defender-se. O móvel do disposto no art. 366 do Código de Processo Penal atual foi assegurar-se o respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Desta forma, a aplicabilidade do referido artigo de Lei aos casos de citação do réu por hora certa garantirá efetivo cumprimento à norma constitucional esculpida no art. 5°, LV, da Carta Magna.

Marcão (2016) corrobora essa afirmação: “há uma lacuna na legislação brasileira a respeito das repercussões da revelia em relação ao acusado citado por hora certa (CPP, art.362). Então vem a pergunta: a citação por hora certa é modalidade de citação pessoal ou ficta? Conforme anotamos anteriormente, a citação por hora certa é modalidade de citação ficta, pois, tal qual a citação por edital, satisfaz-se com a simples presunção no sentido de que o acusado tomou conhecimento de existência do processo. De tal sorte, e diante da lacuna que decorre da falta de regulamentação específica, incido o art.366 em relação ao revel citado por hora certa, por força de aplicação analógica autorizada no art.3º do CPP”.

Há entendimento doutrinário que defende a aplicação parcial do art. 366 do Código de Processo Penal ao réu citado por hora certa, afirmando-se cabível somente a suspensão do processo, excluindo-se a da prescrição.

Nucci (2014 a, p.596) disserta: “pensamos em outro sentido. A citação por hora certa é exatamente idêntica à citação por edital, na essência, vale dizer cuida-se de ficção ficta. Tanto é verdade que o art.9º, II, do CPC, prevê curador especial para o réu revel, citado por edital ou por hora certa. Ambas as formas de citação estão equiparadas para fim de proteção especial ao acusado.

Não se pode correr risco algum em matéria de citação. Por isso, parece-nos indicada a suspensão do processo tanto para a citação por edital quanto para a citação por hora certa.

Não se tratando de citação pessoal, inexiste certeza de que o réu ficou ciente da ação penal. Aliás, até mesmo quem apoia a não suspensão do feito, admite a possibilidade de haver abuso na utilização da citação por hora certa, implicando nulidade do ato, como visto linhas acima. Ora, se jamais se poderá saber, na citação por hora certa, com certeza, se o réu ficou ou não ciente da ação penal, a suspensão do processo é a melhor medida. Porém, não se pode, igualmente, suspender a prescrição, tendo em vista inexistir preceito expresso autorizando.

Noutros termos, por garantia do réu, pode-se estender a suspensão ao processo, prevista na citação por edital para a citação por hora certa; entretanto, por vedação à analogia in malam partem, não se pode suspender a prescrição, prevista somente para a citação por edital”.

CONCLUSÃO

Os princípios constitucionais devem servir de pilar para interpretação e aplicação das normas jurídicas. Dentre esses, destacam-se no processo penal os do contraditório e da ampla defesa.

A manutenção do trâmite do processo penal no caso de citação por hora certa do acusado não garante o respeito aos princípios acima citados, porquanto essa modalidade insere-se no conceito de citação ficta, na qual há presunção de que o réu foi devidamente cientificado da acusação e pode defender-se.

A tramitação processual, com a possibilidade de aplicação de pena ao acusado, fundamentada em presunção jurídica deve ser afastada, a fim de que se evite Injustiça na aplicação da Lei Penal.

Destarte, ocorrendo a citação por hora certa do réu no processo penal, o Juiz deverá reconhecer a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 362 do Código de Processo Penal e suspender o processo e a prescrição, aplicando-se por analogia o previsto no art. 366 do mesmo diploma legal.

 

Referências
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BRASIL. Câmara dos Deputados. Diário do Congresso Nacional. Brasília (DF), v. 50, n. 136, 2 set. 1995, seção 1, Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/Imagem/d/pdf/DCD02SET1995.pdf#page=78. Acesso em: 12 set. 2017
BRASIL. Decreto-Lei nº3.689, 03 de outubro de 1941. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm>. Acesso em 13 set. 2017.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 635145 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em 08/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-038 DIVULG 26-02-2013 PUBLIC 27-02-2013.
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti Castanho de. Processo penal e Constituição: princípios constitucionais do processo penal. 6.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. Disponível em < https://app.saraivadigital.com.br/leitor/epub:161279>. Acesso em 04 set. 2017.
DELMANTO JUNIOR, Roberto. Inatividade no processo penal brasileiro. São Paulo: RT, 2004.
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Informações Sobre os Autores

Jaqueline Tavares Anderson

Acadêmica de Direito da Unifenas

Marcelo Fernandes dos Santos

Promotor de Justiça de Minas Gerais, professor de Direito Civil da Unifenas – Campus Alfenas, mestre em Direito pela Universidade Vale do Rio Verde de Três Corações (Unincor)


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Equipe Âmbito Jurídico

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