Com o objetivo de reduzir a discricionariedade do poder público e dificultar a má utilização do poder disciplinar, o processo administrativo foi inserido no rol dos direitos e garantias fundamentais, com contraditório e ampla defesa. Surgiu, dessa maneira, um devido processo legal administrativo, garantia contra as arbitrariedades e tiranias do poder público. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 assim prevê, “in verbis”:
Art. 5o – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
omissis
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”
Para que ocorra perda de cargo público, o Processo Disciplinar é obrigatório, de acordo com o artigo 41 da Constituição Federal em vigor, “in literis”:
Art. 41 – São estáveis após três anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento efetivo em virtude de concurso público.
§ 1o. – O servidor público estável só perderá o cargo:
omissis
II – mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa;”
Para a regularidade de desenvolvimento do processo administrativo e justiça das decisões é essencial o bom emprego dos princípios jurídicos sobre ele incidentes e, por isso, deve-se observar o significado, a importância, os objetivos e as decorrências de ordem prática de cada um dos princípios do processo administrativo.
Os princípios são normas, e, como tal, dotados de positividade, que determinam condutas obrigatórias e impedem a adoção de comportamentos com eles incompatíveis. Servem, também, para orientar a correta interpretação das normas isoladas, indicar, dentre as interpretações possíveis diante do caso concreto, qual deve ser obrigatoriamente adotada pelo aplicador da norma, em face dos valores consagrados pelo sistema jurídico.
Sob este prisma, a condução do processo administrativo disciplinar, ou seja, em qualquer uma de suas modalidades (sindicância ou processo disciplinar) exige das autoridades julgadoras observância às garantias inalienáveis dos servidores (devido processo legal, com todos seus consectários) que, se negligenciadas, poderão acarretar nulidade absoluta do procedimento e até mesmo das sanções.
Portanto, em todo e qualquer procedimento administrativo não se pode permitir – estando em jogo o destino, a imagem e a carreira de um servidor público – que o espírito da lei divorcie-se do devido processo legal como corolário lógico do contraditório e da ampla defesa, estando a eles direta e conseqüentemente atrelados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais norteiam, na esfera de todos os poderes, os atos administrativos em espécie (art. 37, caput da CF)
Deste modo, às infrações disciplinares, em face do princípio da absorção pelo qual o ilícito administrativo tem o mesmo tratamento do ilícito penal, alcançam todas as normas e princípios que regem o Direito Penal Brasileiro, inclusive o artigo 71 do Código Penal, verbis, que trata de crimes continuados:
Art. 71 – Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.”
Portanto, em se tratando de duas ou mais infrações administrativas da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem as subseqüentes infrações serem consideradas como continuação da primeira, devendo tal circunstância ser considerada como agravante ou qualificadora da infração administrativa, não sendo possível tratar-se tais infrações como isoladamente praticadas e separadamente puni-las.
Neste sentido é o entendimento pacificado do Colendo Superior Tribunal de Justiça que decidiu em diversas oportunidades, transcrevendo-se abaixo um dos julgados:
“ADMINISTRATIVO – SUNAB DELEGADA N. 4 – INCIDENCIA NA VENDA DE CONFECÇÕES FINAS – INFRAÇÕES CONTINUADAS. omissis. II- A punição administrativa guarda evidente afinidade, estrutural e teleológica, com a sanção penal. E correto, pois, observar-se em sua aplicação, o principio consagrado no art. 71 do Código Penal. III- Na imposição de penalidades administrativas, deve-se tomar como infração continuada, a serie de ilícitos da mesma natureza, apurados em uma só autuação. (REsp 19560 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 1992/0005193-6 Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS (1096) DJ 18.10.1993 p. 21841)
Não obstante os entendimentos jurídicos pacificados pelas cortes superiores brasileiras alicerçados em princípios e garantias previstos na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 importante avanço na proteção aos direitos humanos e regresso à democracia em nosso país, não raramente nos deparamos com decisões administrativas e consequentemente com penalidades dissonantes aos elementos jurídicos aqui elencados, passíveis, portanto, de revisões pelo poder judiciário, recurso derradeiro à mantença dos direitos arduamente conquistados pelos cidadãos brasileiros.
Advogada
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