Resumo: A Lei n.° 9.099/95 não prevê a possibilidade de impugnação a decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, razão pelo qual o tema gera acirrada divergência doutrinária e jurisprudencial, não obstante a existência de alguns precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal entendo pela regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias no rito especialíssimo. É inegável que Lei n.° 9.099/95 estabelece um procedimento processual próprio, nitidamente distinto do previsto no Código de Processo Civil, em vista dos princípios norteadores estabelecidos e às peculiaridades que norteiam o procedimento diferenciado. Nesta senda, é certo que a ausência de previsão quanto a admissibilidade de impugnação de decisões interlocutórias tem por finalidade a promoção de celeridade no processamento e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, visando, sobretudo, a consecução dos objetivos primordiais a que foi instituída. Logo, deve-se atentar pelo não cabimento da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, no que concerne à aplicação dos recursos estabelecidos na Lei Processual. Entretanto, é inevitável a superveniência no deslinde da demanda de incidentes que, dada a sua natureza, revela suscetível e inquestionável a possibilidade de causar dano irreparável a direito líquido e certo de um ou mais integrantes da relação jurídica processual, perspícuo, sobretudo, por decisões judiciais manifestamente ilegais ou abusivas, donde infere-se pela excepcionalidade de impetração do remédio constitucional, em vista da ausência de previsão de competente instrumento processual de impugnação, medida esta que se mostra não só suscetível, mas necessária diante das circunstâncias do caso concreto.[1]
PALAVRAS-CHAVE: Juizados Especiais Cíveis Estaduais. Lei n.° 9.099/95. Decisões Interlocutórias. Irrecorribilidade. Mandado de Segurança. Excepcionalidade. Cabimento.
Abstract: The Law n.° 9.099/95 doesn’t provide possibility for appeal against interlocutory decisions given under Special Civil Courts State, which is why the subject generates fierce doctrinal and jurisprudential divergence, despite the existence of certain precedents of the Supreme Court understand the impossibility appeal rule of the interlocutory judgments in special rite. It’s undeniable that Law n.º 9.099/95 establishes a own procedure, clearly distinct from those of the Code of Civil Procedure, in view of the guiding principles established and the peculiarities that guide the different procedures. So, it’s true that the lack of foresight regarding the admissibility challenges to interlocutory decisions is intended to promote the rapid processing and adjudication of civil suits of lesser complexity, aimed mainly at achieving the primary objectives that have been instituted. Therefore, it’s unreasonable the subsidiary application of the Code of Civil Procedure, as regards the application of the remedies provided in the Law of Procedure. However, it is undeniable that in disentangling demand come incidents, by their nature, susceptible and unquestionably reveals the possibility of causing irreparable damage to a clear legal right of one or more members of the legal proceedings, perspicuous, above all, judicial decisions manifestly illegal or abusive, whence we understand the exceptionality impetration of the constitutional remedy, given the lack of foresight instrument of procedural, providence that not only susceptible but necessary under the circumstances of the case.
Keywords: Special Civil Courts State. Law n.º 9.099/95. Interlocutory Decisions. No appeal. Writ. Exceptionality. Possibility.
INTRODUÇÃO
No presente estudo, faz-se uma reflexão sobre as principais questões jurídicas que dizem respeito ao procedimento estabelecido pela Lei n.° 9.099/95. Questões acerca dos meios de impugnação às decisões judiciais, da ausência de previsão de instrumento processual de impugnação a decisões interlocutórias, precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal, e lições doutrinárias acerca da matéria.
Para tanto, é fundamental começar com uma explanação acerca dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, sua instituição e princípios norteadores estatuídos pela Lei n.° 9.099/95.
1 DA INSTITUIÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS
Os Juizados Especiais surgiram em resposta a uma gama de dificuldades enfrentadas no âmbito da prestação da atividade jurisdicional, notadamente no que concerne à morosidade em sua distribuição, imputada, sobretudo, ao cumprimento de solenidades processuais e à falta de estrutura do Poder Judiciário, que, sobremaneira, repercutiam negativamente na efetivação da tutela jurisdicional.
Nesta senda, como bem assevera Marinoni e Arenhart (2004, p.739), o procedimento comum já despertava o questionamento a respeito de sua inadequação para a tutela de determinados tipos de interesses, de sorte que, indubitavelmente, o processo tradicional se mostra completamente inábil a lidar com diversos tipos de direitos, para os quais o formalismo, o alto custo, a demora e outras características que lhe são ínsitas, importam certamente em antagonismo insuperável.
Destarte, atendendo à previsão insculpida no art. 98, I, da Constituição Federal, com o advento da Lei 9.099/95 foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis no âmbito da justiça estadual, visando oferecer ao jurisdicionado um procedimento de solução das controvérsias célere, informal e desburocratizado, capaz de atender não somente as suas necessidades, mas também garantir e proporcionar a efetiva satisfação do direito postulado.
2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LEI N.° 9.099/95
Conforme dispõe o art. 2° da Lei n.° 9.099/95, “o processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação”.
O Princípio da Oralidade tem por objetivo diminuir a burocratização do processo judicial, propugnando por um procedimento que contribua e proporcione uma maior celeridade em seu ritmo, e, consequentemente, na satisfação do direito material almejado. Como exemplos da aplicação deste princípio, podemos citar os artigos 14, 30, 36 da referida Lei.
O Princípio da Simplicidade tem por escopo aproximar o jurisdicionado da atividade jurisdicional, estabelecendo para tanto um procedimento simplificado e que dispensa maiores formalidades, o que proporciona a fácil assimilação pelas partes envolvidas, contribuindo efetivamente para a celeridade da prestação jurisdicional. Como exemplos da aplicação deste princípio, podemos citar os artigos 13, 14, §1° e 19 da referida Lei.
A seu turno, o Princípio da Economia Processual objetiva minimizar a quantidade de atos processuais, evitando-se a repetição dos já praticados quando isso não seja indispensável para o legítimo desenvolvimento do processo (art.13 da Lei n.° 9.099/95), privilegiando, destarte, a sua concentração, como se verifica, por exemplo, nos artigos 27, 29 e 31, Parágrafo Único, da referida Lei, considerando-se ainda que o acesso em primeiro grau de jurisdição aos Juizados Especiais independe do pagamento de custas, taxas ou despesas, conforme preceitua o seu art. 54. De tal sorte, com um menor custo na prestação da atividade jurisdicional, tornando o processo mais barato e rápido, se proporciona o aumento e o estímulo significativo ao acesso à justiça.
Por fim, o Princípio da Celeridade visa garantir a efetiva tutela jurisdicional, propiciando ao jurisdicionado uma resposta tempestiva, interligando assim o princípio da inafastabilidade da jurisdição insculpido no art. 5°, XXXV, da CF, ao princípio da razoável duração do processo, evidenciado pela norma programática estabelecida no art. 5° LXXVIII da Carta Magna. Destarte, primando pela celeridade processual, são estabelecidos prazos exíguos para a conclusão do procedimento.
Conclusivamente, tem-se que todo o regime previsto nessa Lei deve orientar-se por esses critérios, sob pena de comprometer o sistema como um todo, sendo que as regras dispostas a respeito do procedimento exigem que o intérprete que as examina tenha em mente tais princípios, pois somente assim se poderá adequadamente lidar e manejar o poderoso instrumento previsto por essa lei (MARINONI; ARENHART, 2004, p.741).
3 DOS MEIOS DE IMPUGNAÇÃO PREVISTOS NA LEI N.° 9.099/95
Em decorrência dos princípios norteadores dos Juizados Especiais Cíveis no âmbito da justiça estadual, a Lei n.° 9.099/95 reduziu significativamente os instrumentos de impugnação às decisões judiciais , considerando-se estas em seu sentido lato, visando, sobretudo, a consecução dos objetivos primordiais a que foi instituída.
Neste ínterim, em primeiro grau de jurisdição, tanto em processo de conhecimento quanto de execução, a Lei prevê apenas a possibilidade de dois recursos ordinários, sendo eles: a) o recurso de sentença para o próprio juizado (art. 41), comumente designado pela doutrina “recurso inominado”, cabível em face de sentença terminativa ou definitiva, que, em regra, é recebido no efeito devolutivo, podendo o Juiz dar-lhe efeito suspensivo para evitar dano irreparável à parte (art. 43); b) e os embargos de declaração (art. 48), que, embora a Lei não tenha contemplado expressamente o seu cabimento em face de decisões interlocutórias e despachos com conteúdo decisório, entendemos ser aqui aplicada a orientação dada por construção doutrinária e jurisprudencial ao recurso previsto no Código de Processo Civil (art. 496, IV), estendendo-lhe as hipóteses de cabimento.
Não obstante o procedimento descrito na Lei não comporte muitos incidentes processuais, consideramos que a sua interposição não constitui incidente rigorosamente prejudicial ao desenvolvimento processual, até mesmo porque somente quando interpostos em face de sentença (terminativa ou definitiva) ter-se-á a sua influência sobre os prazos processuais (art. 50 da Lei n.° 9.099/95, destinando-se assim única e exclusivamente ao saneamento dos atos decisórios.
Em segundo grau de jurisdição, a orientação é a mesma quanto aos embargos declaratórios (art. 48) cabíveis em face de acórdão ou decisão proferida pela “Turma ou Colegiado Recursal”, composta por três juízes togados, em exercício no primeiro grau de jurisdição, reunidos na sede do Juizado, ex vi do art. 41, §1°, da Lei n.° 9.099/95.
Por conseguinte, admite-se a interposição de Recurso Extraordinário para o Supremo Tribunal Federal quando esgotada a instância ordinária e a matéria de direito controvertida versar sobre alguma das hipóteses previstas no art. 102, III, da Constituição Federal, a teor do que dispõe o enunciado da súmula 640 do STF. No mesmo sentido dispõe o Enunciado 63 do FONAJE que “contra decisões das Turmas Recursais são cabíveis somente os embargos declaratórios e o Recurso Extraordinário”.
Ademais, ressalte-se ainda a possibilidade de ajuizamento de reclamação (art. 105, I, “f”, da CF) perante o Superior Tribunal de Justiça[2], destinada a dirimir divergência entre acórdão prolatado por turma recursal estadual e a jurisprudência desta Corte, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C do Código de Processo Civil, cujo processamento é regulado pela Resolução n.º 12, de 14 de dezembro de 2009, do STJ.
Por fim, há quem sustente a possibilidade de apresentação de reclamação para o Colégio Recursal Cível do Juizado Especial (MONTENEGRO, 2009, p.405-406), ou ainda de interposição de recurso adesivo (VIANA; RENAULT, 2000, p.30), não obstante o disposto no Enunciado 88 do FONAJE.
Contudo, trata-se em temas extremamente polêmicos, que, por sua natureza, não condizem com o objeto do presente estudo.
4 DOS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA LEI N.° 9.099/95 E DA AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL QUANTO À RECORRIBILIDADE DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
A Lei n.° 10.259/01, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal, em seu art. 5° estabelece a admissibilidade recursal em face de decisões sobre medidas de urgência proferidas com fulcro no art. 4° da referida Lei, que dispõe que “Juiz poderá, de ofício ou a requerimento das partes, deferir medidas cautelares no curso do processo, para evitar dano de difícil reparação”.
Equivalente disposição foi prescrita pela Lei n.° 12.153/09, que regula os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ao prever em seu art. 4° a admissibilidade em caráter excepcional de interposição de recurso em face de decisões interlocutórias proferidas no curso do processo concernentes a providências de natureza cautelar ou antecipatória, como medida para se evitar dano de difícil ou de incerta reparação.
A Lei n.° 9.099/95, por sua vez, não prevê a possibilidade de impugnação de decisões interlocutórias em primeiro grau de jurisdição, motivo pelo qual, não obstante o tema gere acirrada discussão doutrinária e jurisprudencial, prevalece o entendimento acerca de sua irrecorribilidade.
É certo que procedimento dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais (tanto no processo de conhecimento como no de execução) é nitidamente distinto dos demais previstos no Código de Processo Civil, em vista dos princípios norteadores do processo em seu âmbito, e em atinência às peculiaridades que norteiam o procedimento diferenciado disciplinado pela Lei n.° 9.099/95, que, conforme cátedra dos ilustres professores Marinoni e Arenhart (2004, p. 756-757), visa por um lado atender aos critérios informativos do instituto (art. 2°), e de outro fornecer mecanismos apropriados para a tutela dos interesses que se inserem na competência do órgão.
Nesta senda, orientando-se pela filosofia estatuída pela Lei, é notório que o regime previsto só tem condições de gerar seus benefícios se orientar-se pelos critérios estabelecidos. Assim, para a sua concretização, mister é a observância do sistema estabelecido como um todo unitário e indissociável, de sorte que além destes critérios a concentração do pleito e a irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias se mostram como garantias imprescindíveis.
De tal sorte, primando pela consecução dos objetivos estabelecidos pela Constituição Federal, rompeu o legislador com os princípios que informam o Código de Processo Civil, tornando subsidiária a sua aplicação no âmbito dos Juizados Especiais.
Segundo Montenegro Filho (2009, p. 405), os princípios informativos dos Juizados Especiais acham-se previstos na própria Lei n.° 9.099/95, não se admitindo, portanto, a aplicação supletiva do CPC. Daí a restrição da jurisprudência à admissão da interposição do agravo (retido ou de instrumento) contra decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis, entendendo a maioria da doutrina que a Lei, ao não ter previsto essa espécie recursal em letras, pretendeu afastar a sua incidência aos feitos que tramitam pelos órgãos em análise, não admitindo a aplicação subsidiária do CPC.
Destarte, embora não haja unanimidade acerca da aplicação subsidiária do CPC ao procedimento estabelecido pela Lei n.° 9.099/95, defendendo uma corrente a sua aplicação a toda hipótese em que houver omissão da referida Lei, desde que com ela compatível, e uma segunda corrente, a seu turno, a sua aplicação subsidiária tão-somente nos casos em que a Lei assim o expressamente determina, é certo que a admissão livre e indiscriminada de interposição de recursos em face de decisões interlocutórias proferidas no curso do processo ofenderia, sobremaneira, a efetiva tutela jurisdicional nos moldes da celeridade processual estabelecida neste procedimento informal.
Assim, em razão da celeridade que preside o sistema dos Juizados Especiais, não há previsão legal para os recursos previstos no art. 496 do CPC, bem como dos demais recursos eventualmente admitidos em regimentos internos de tribunais ou leis de organização judiciária local, de sorte que quanto às decisões interlocutórias não ocorre preclusão, podendo, em caso de irresignação de qualquer das partes, ser atacada ao final na eventualidade de interposição do “recurso inominado” previsto no art. 41 da Lei 9099/95, seja em processo de conhecimento ou em processo de execução. Em outras palavras, as decisões interlocutórias não são impugnáveis de imediato, mas apenas e tão-somente, via de regra, ao final do processo, no momento de interposição de recurso em face da sentença, seja ela terminativa ou definitiva.
O mesmo entendimento foi adotado pelo STF no julgamento do RE 576.847, sob a relatoria do Ministro Eros Grau, que, por ausência de manifestações suficientes para a recusa do recurso extraordinário, reconheceu a repercussão geral da questão constitucional suscitada, e decidiu pela inarredável irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos Juizados Especiais, bem como pela inaplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil, em vista das peculiaridades e dos princípios norteadores do procedimento sumaríssimo, motivo pelo qual em relação à matéria decidida não ocorre preclusão, podendo, destarte, ser impugnada em sede preliminar no momento da interposição do “recurso inominado”.
Eis a ementa do julgado:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. PROCESSO CIVIL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. MANDADO DE SEGURANÇA. CABIMENTO. DECISÃO LIMINAR NOS JUIZADOS ESPECIAIS. LEI N. 9.099/95. ART. 5º, LV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO. 1. Não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95. 2. A Lei n. 9.099/95 está voltada à promoção de celeridade no processamento e julgamento de causas cíveis de complexidade menor. Daí ter consagrado a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias, inarredável. 3. Não cabe, nos casos por ela abrangidos, aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, sob a forma do agravo de instrumento, ou o uso do instituto do mandado de segurança. 4. Não há afronta ao princípio constitucional da ampla defesa (art. 5º, LV da CB), vez que decisões interlocutórias podem ser impugnadas quando da interposição de recurso inominado. Recurso extraordinário a que se nega provimento.”
Entretanto, acerca da irrecorribilidade das decisões interlocutórias em sede dos Juizados Especiais, mister se faz analisar alguns pontos relevantes em vista da decisão proferida pelo Excelso Tribunal, sendo que, não obstante a consistência de alguns argumentos expostos pelo Eminente Ministro Relator, afiguram-se equivocados, data vênia, alguns fundamentos colacionados.
Assevera o Ministro que “a opção pelo rito sumaríssimo é faculdade das partes, com as vantagens e limitações que a sua escolha acarreta”. Entretanto, mister destacar que essa condição deve ser analisada sob a ótica dos dois pólos integrantes da relação jurídica processual, de sorte que a escolha é feita exclusivamente pelo autor (ou exequente), e não pelo requerido (ou executado).
Deste modo, mostra-se um tanto quanto temerário considerar a faculdade de escolha do procedimento estatuído pela Lei n.° 9.099/95, consubstanciada pela competência relativa dos Juizados Especiais, como argumento apto a sustentar a irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas em seu âmbito de atuação.
Lado outro, embora deva prevalecer a regra da irrecorribilidade das decisões interlocutórias em sede dos Juizados Especiais, entendemos que a regra não é absoluta, de sorte a evidenciar a sua definitiva impossibilidade, comportando exceção. Não se pretende com esta afirmação incitar qualquer questionamento acerca da sua irrecorribilidade, em vista dos critérios e garantias norteadoras do procedimento estatuído no âmbito dos Juizados Especiais, mas apenas e tão-somente deixar claro que a regra geral acerca da inaplicabilidade subsidiária do CPC neste ínterim não é absoluta.
Deste modo, embora não haja previsão na Lei n.° 9.099/95, ressalte-se ser admissível, de maneira excepcional, a interposição de agravo de instrumento em face de decisão que não admite o seguimento de recurso extraordinário, conforme orientação do próprio Supremo Tribunal Federal.
Neste sentido, nos termos do Enunciado 15 do FONAJE, “nos Juizados Especiais não é cabível o recurso de agravo, exceto nas hipóteses dos artigos 544 e 557 do CPC”. Ademais, consoante disposto no enunciado da súmula 727 do STF, “não pode o magistrado deixar de encaminhar ao supremo tribunal federal o agravo de instrumento interposto da decisão que não admite recurso extraordinário, ainda que referente a causa instaurada no âmbito dos juizados especiais”.
Outrossim, não nos afigura acertado asselar com absoluta convicção que não cabe nos casos abrangidos pela Lei n.° 9.099/95 a utilização do mandado de segurança sob o argumento de que o prazo para a impetração do writ não se coaduna com os fins estabelecidos pela Lei, sob pena de que esta simples leitura meramente literal do texto legal possa causar dano real efetivamente prejudicial à parte, a decorrer das circunstâncias do caso concreto, em face de atos manifestamente ilegais ou abusivos, como será melhor explicado.
5 DA EXCEPCIONALIDADE DE IMPETRAÇÃO DE MANDADO DE SEGURANÇA PARA SE EVITAR DANO REAL RESULTANTE DE ATO JUDICIAL ILEGAL OU MANIFESTAMENTE ABUSIVO
O Supremo Tribunal Federal, por maioria nos termos do voto do Eminente Ministro Relator no julgamento do RE 576.847, entendeu de maneira absoluta que “não cabe mandado de segurança das decisões interlocutórias exaradas em processos submetidos ao rito da Lei n. 9.099/95”, assumindo posição vindicada por parte da doutrina. Entendemos que tal acepção afigura-se um tanto quanto venturosa, e, a seu turno, passível de encobertar atos ilegais ou manifestamente abusivos em detrimento de direito líquido e certo lesionado ou ameaçado de lesão, ao passo que confere certa feição onipotente aos atos do Juiz.
De tal sorte, embora a Lei n.° 9.099/95 não tenha previsto expressamente nenhum meio de impugnação a decisões interlocutórias, orientando-se pela filosofia estatuída segundo o regime previsto e consoante os critérios norteadores evidenciados, há que se interpretar a sua admissibilidade não com fulcro em mera interpretação literal da Lei, e sim consoante os princípios fundamentais integrantes do ordenamento jurídico-constitucional como um todo indissociável e segundo as condições e circunstâncias específicas do caso concreto, sob pena de subversão à atribuição da própria jurisdição.
Assevera Marinoni e Arenhart (2004, p. 762) que “as decisões interlocutórias (ao menos aquelas que não podem gerar danos irreparáveis a direito) são irrecorríveis.”
Nesta senda, considerando-se que é inevitável que no deslinde da demanda advenham incidentes que clamam ao julgador que sobre eles profira decisão, é inquestionável a possibilidade de ocorrência de situações em que o decisium se mostre abusivo ou ilegal, e, consequentemente, passível de causar dano irreparável a direito líquido e certo da parte prejudicada. Deste modo, ressalte-se que em tais episódios não se pode admitir a prevalência do ato praticado sob o argumento de prejudicialidade à celeridade processual, o que levaria ao desvio da finalidade primeira da jurisdição, e ao império da própria injustiça.
O mandado de segurança é ação constitucional de natureza civil destinado à proteção de direito líquido e certo quando perpetrada ilegalidade ou abuso de poder por autoridade pública, conforme se extrai do texto do art. 5°, LXIX da CF e art. 1° da Lei n.° 12.016/2009.
Por direto líquido e certo, entendemos sendo aquele demonstrado de plano, de acordo com o direito, e sem incerteza a respeito dos fatos narrados pelo impetrante, apresentando-se manifesto em sua existência, delimitado em sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração (PAULO; ALEXANDRINO, 2009, p. 192).
Por conseguinte, tem-se que o cabimento do mandado de segurança dá-se quando perpretada ilegalidade (ato vinculado) ou abuso de poder (ato discricionário) por autoridade pública (LENZA, 2009, p.733).
Considerando-se que a ação mandamental possui natureza residual, não podendo ser utilizada como substituto recursal, tampouco transformado em “recurso” propriamente dito, segundo orientação jurisprudencial Supremo Tribunal Federal, a “ação de segurança para impugnar ato judicial é admissível no caso em que do ato impugnado advém dano irreparável cabalmente demonstrado” (RTJ 70/504).
Nesta senda, poderá se destinar mesmo a impedir a concreção de um comando decorrente da atividade jurisdicional (CRUZ, 2007, p.170).
Ademais, em consonância com o enunciado da súmula 267 do STF, e com amparo no art. 5° da Lei n.° 12.016/2009, não há como o Judiciário, considerando-se este em sua integralidade, ou seja, em todos os seus órgãos constituintes, inclusive os Juizados Especiais, permitir a subsistência de decisão teratológica ou de flagrante ilegalidade, estando manifesta de maneira inequívoca a perspectiva da irreparabilidade do dano, estando-se diante da inexistência de qualquer outro meio de impugnação cabível.
Nesta hipótese, excepcionalmente aos casos em que a segurança se mostre necessária para se evitar dano real resultante de ato judicial manifestamente ilegal ou abusivo, entendemos ser perfeitamente cabível a impetração do remédio constitucional, medida esta que se mostra não só suscetível, mas necessária.
Por óbvio, conforme assevera Linhares (2006), o mandado de segurança não pode ser banalizado e transformado em recurso. Não basta para sua impetração a mera irresignação (pressuposto recursal), de sorte a se examinar o acerto ou desacerto da decisão combatida, porquanto aqui estamos a tratar de situação excepcionalíssima.
Não merece amparo, outrossim, a alegação de que o prazo para a sua impetração constitui ofensa ao princípio da celeridade, pontuado no art. 2.° da Lei 9.099/95, porquanto, conforme exposto, a sua admissibilidade restringe-se a conjunturas extremamente peculiares.
Consoante cátedra abalizada de Montenegro Filho:
“Deparando-se o advogado com decisão interlocutória proferida por Juiz integrante do Juizado Especial Cível, e antevendo-se a possibilidade de não ver conhecido eventual recurso de agravo em tese cabível contra dita decisão judicial, entendemos que deverá impetrar mandado de segurança contra o decisium, desde que restem preenchidos os demais requisitos específicos da ação constitucional, a saber: a) ilegalidade ou abuso de poder; b) liquidez e certeza do direito invocado; c) e, para fins do deferimento de liminar, o periculum in mora” (2009, p. 405).
No julgado do Excelso Supremo Tribunal Federal acima transcrito, o voto vencido do Eminente Ministro Marco Aurélio coaduna-se perfeitamente com o entendimento aqui colacionado.
Destarte, insta trasladar o voto que bem ilustra a questão:
“Ressaltou o Ministro Eros Grau, e o fez com absoluta fidelidade à Lei n° 9.099/95, que, nas causas submetidas aos Juizados Especiais, não é cabível o agravo. Vale dizer: as decisões interlocutórias não são impugnáveis de imediato. Indago: é possível fechar-se a porta, diante de uma situação excepcionalíssima – e estou, aqui, a raciocinar em tese -, ao manuseio do mandado de segurança, afastando-se, até mesmo, a possibilidade de corrigir-se um erro de procedimento ou julgamento causador de prejuízo irreparável? A meu ver, não. A meu ver, estamos diante de exceção comportada e alcançada pela Lei n° 1.533/51, no que essa lei realmente revela como regra o não-cabimento de mandado de segurança contra decisão judicial. Mas a previsão pressupõe a possibilidade de ter-se recurso contra essa decisão, e, na espécie, é pacífico que não haveria esse recurso. Creio que o mandado de segurança merecia o processamento e não o indeferimento liminar verificado. Assim, concluo diante das peculiaridades do caso, da regência do processo pela Lei n° 9.099/95, que exclui o recurso.
Relembro o que se contém nesta vetusta Lei n° 1.533/51:
“Art. 5°. Não se dará mandado de segurança quando se tratar:
I – (. . .)” – que não vem à espécie –
“II – de despacho ou decisão judicial” – mas há a condição para excluir-se a ação mandamental – “quando haja recurso previsto nas leis processuais ou possa ser modificado por via de correção”.
Peço vênia, Presidente, para entender que, no caso, o afastamento do mandado de segurança implica o da própria jurisdição, e assim provejo o extraordinário.”
Assim, entendemos que em situações excepcionais é cabível a interposição de mandado de segurança, restringindo-se a sua admissibilidade, entretanto, àqueles casos em que haja prejuízo real manifesto decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Excetuada tal hipótese, as decisões interlocutórias somente poderão ser impugnadas como preliminar em eventual interposição do recurso previsto no art. 41 da Lei n.° 9.099/95.
No entanto, saliente-se que em tais situações, destacamos, todavia, que se mostra razoável que a primeira medida a ser tomada pela parte prejudicada deveria ser o pedido de reconsideração do Juiz acerca da decisão proferida, e, apenas e tão-somente em razão de sua negativa, bem como ante justificativas excepcionais exigidas pelo caso concreto, dever-se-ia impetrar a segurança, preservando assim os fins a que se destina a Lei n.º 9.099/95.
Lado outro, não obstante a matéria acerca da competência para julgamento tenha ensejado acirrados debates jurídicos, diversos precedentes do STJ explicitam que o Tribunal de Justiça não é competente para apreciar mandado de segurança contra ato do Juizado Especial.
Nesta senda, hodiernamente encontra-se pacificado o entendimento de que à Turma Recursal compete o seu julgamento. Trata-se de entendimento inclusive consolidado no Fórum Nacional dos Juizados Especiais, senão vejamos:
“Enunciado 62 – Cabe exclusivamente às Turmas Recursais conhecer e julgar o mandado de segurança e o habeas corpus impetrados em face de atos judiciais oriundos dos Juizados Especiais.”
Ademais, considerando-se a admissibilidade da impetração da ação constitucional quando as circunstâncias do caso concreto assim o exigirem, deparando-se com ilegalidade ou abusividade do ato judicial praticado por Juiz de primeiro grau no âmbito jurisdicional dos Juizados Especiais, especificadamente em se tratando de decisão interlocutória, seja em processo de conhecimento, seja em processo de execução, é certo que, presentes os requisitos exigidos pelo art. 7°, III, da Lei n.° 12.016/2009, quais sejam, a relevância dos fundamentos da impetração (fumus boni iuris) e o perigo de ineficácia da medida judicial, caso seja concedida apenas ao final (periculum in mora), poderá ser concedida medida liminar determinando a suspensão do ato impugnado.
Por fim, ressalte-se ainda que na qualidade de custos legis o Ministério Público deverá obrigatoriamente ser intimado para oferecer parecer opinativo no mandado de segurança, consoante determinação do art. 12 da Lei n.° 12.016/2009, sob pena de nulidade. Assim sendo, consideramos tratar-se de hipótese excepcional de atuação do Ministério Público no âmbito dos Juizados Especiais Cíveis Estaduais, a teor do disposto no art. 11 da Lei n.° 9.099/95.
Feitas essas considerações, anotamos algumas situações excepcionais em que se verifica a admissibilidade da impetração da segurança, circunstâncias estas apontadas por Linhares (2006):
a) Decisões que deferem ou indeferem tutela antecipatória ou acautelatória;
É certo que não obstante inexista na Lei n.° 9.099/95 expressamente tal possibilidade, tais institutos são aplicados analogicamente no âmbito dos Juizados Especiais, porquanto, a nosso ver, perfeitamente compatíveis, observando-se ainda o disposto no Enunciado 26 do FONAJE.
Assim, conforme exposto, não há preclusão de tais decisões, sendo que eventuais irresignações poderão ser manifestas como preliminar no recurso inominado. Entretanto, excepcionalmente, quando a obrigação a ser cumprida se revele física ou juridicamente impossível, bem como quando se mostre necessária para evitar dano real, fruto de ilegalidade, ou ainda que ofenda as exigências legais dos institutos, entendemos ser perfeitamente admissível a impetração do mandado de segurança, porquanto evidente, em tais circunstâncias, a possibilidade real e efetiva de se causar danos à parte prejudicada.
b) Decisões que negam seguimento ao recurso inominado;
Como não há previsão na Lei n.° 9.099/95 de nenhum instrumento de impugnação para a hipótese de inadmissibilidade do recurso, conforme aponta a doutrina, o juízo de admissibilidade deveria, em tese, ser feito pelo órgão ad quem, destinando-se a participação do Juízo a quo no procedimento recursal única e exclusivamente à concessão do efeito suspensivo ao recurso, para evitar dano irreparável à parte (ANDRIGHI; BENETI, 1996, p.55).
Entretanto, em situações em que o Juízo a quo inadmita o recurso, por exemplo, sob o argumento de intempestividade, evidenciando-se a equivocada decisão do Juiz singular, bem como a usurpação de incumbência de competência exclusiva do Colégio Recursal, é de se admitir a concessão de segurança nos parâmetros da súmula 267 do STF, porquanto devidamente caracterizada a ilegalidade do ato praticado que, inevitavelmente, pode causar dano irreparável à parte.
A propósito:
“Mandado de segurança. Ato judicial. Decisão interlocutória que nega seguimento a apelação. Inexistência de recurso apropriado para desafiá-lo. Cabimento da impetração” (1.ª Turma Recursal do TJDF, MS n.° 2004.01.6.000327-1).
“Em se tratando de ação que flui perante o Juizado Especial, o ato judicial que nega seguimento ao apelo manejado, qualificando-se como decisão interlocutória impassível de ser desafiada mediante o manejo de qualquer outro recurso, pois não contemplado pela Lei de Regência dos Juizados Especiais (Lei n. 9.099/95), legitima e viabiliza o manejo da ação de segurança, que tem sede constitucional, como forma de aferição da violação do direito líquido e certo da recorrente de ver o recurso que interpusera processado e submetido à apreciação da instância revisora” (1.ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do TJDF, MS n.° 2004 06 6 000332-2).
c) Decisões que fixam, reduzem ou aumentam multa.
Não obstante constitua a multa medida de natureza coercitiva, é certo que a sua aplicação, elevação ou redução depende da avaliação fundamentada do Juiz nos autos, segundo as circunstâncias e necessidades do caso concreto, de sorte que quando a obrigação se revele de cumprimento impossível, ante sua ilegalidade e passível de acarretar dano real, excepcionalmente dá-se ensejo à impetração de mandado de segurança. Neste sentido:
“Viola direito líquido e certo da parte a decisão que, visando obrigá-la ao cumprimento de obrigação que não lhe é possível (transferência de registro de veículo cuja titularidade pertence a terceiro), renova cominação de multa já consolidada e acena com possibilidade de prisão por desobediência. Segurança concedida” (1.ª Turma Recursal de Porto Alegre/RS – TJRS, MS n.° 71000805333).
CONCLUSÃO
Embora precedentes jurisprudenciais do Supremo Tribunal Federal apontem a inarredável irrecorribilidade das decisões interlocutórias proferidas no âmbito dos Juizados Especiais, bem como a inadmissibilidade de impetração de mandado de segurança em face a tais decisões, conforme relacionado, indicamos que esta medida não deve ser apreciada abstratamente, e sim segundo os motivos e exigências do caso concreto.
Nesta senda, destinando-se a impedir a concreção de comandos teratológicos decorrentes da atividade jurisdicional, sendo manifesta a ocorrência de dano real irreversível à parte, defendemos a admissibilidade da impetração da ação constitucional, não como sucedâneo recursal, mas como instrumento de reprimenda a atos judiciais ilegais ou manifestamente abusivos. Tal medida não constitui ofensa aos princípios norteadores estatuídos pela Lei 9.099/95, porquanto, conforme exposto, a sua admissibilidade restringir-se-á a conjunturas extremamente peculiares, atendendo-se dessarte à finalidade primeira da jurisdição e ao império da justiça.
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