Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar a questão da acumulação de cargos públicos, focando-a na hipótese em que o servidor pretende acumular dois cargos de professor, sendo que um exige o regime de dedicação exclusiva nos termos do Decreto nº. 94.664, de 23 de julho de 1987.
Palavras-chave: acumulação de cargos, regime de dedicação exclusiva, hierarquia de normas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Do Regime de Dedicação Exclusiva. 3. Conclusão
1. Introdução
Como regra, a acumulação remunerada de cargos públicos é vedada pela Constituição Federal. No entanto a própria norma constitucional excepcionou essa regra para algumas hipóteses quando ficar demonstrada a compatibilidade de horários, conforme se vê do artigo 37, inciso XVI, in verbis:
“XVI – É vedada a acumulação remunerada de públicos, exceto, houver compatibilidade de horários, observado em qualquer o disposto no inciso XI.
a) a de dois cargos de professor;”
A partir da leitura do mencionado dispositivo, observa-se que a regra é a vedação à acumulação de cargos, empregos e funções públicas remuneradas, porém a Constituição traz exceções taxativas e, dentre elas, quando se tratar de acumulação de dois cargos de professor e houver compatibilidade de horários.
Portanto, dúvidas não há quanto à legalidade da acumulação remunerada de dois cargos de professor quando comprovada a compatibilidade de horários.
No entanto, o entendimento não é tão pacífico quando estamos diante de uma situação em que o servidor ocupa dois cargos de professor, demonstra a compatibilidade de horários, mas um deles é regido pelo regime de dedicação exclusiva.
Em que pesem as vozes dissonantes, já adiantamos nosso posicionamento, no sentido de que, embora o servidor labore em regime de dedicação exclusiva, se ficar demonstrada e comprovada a compatibilidade de horários, essa acumulação se mostra legal diante da norma permissiva da Constituição Federal.
2. Do regime de dedicação exclusiva
Ao definir o regime de dedicação exclusiva, a Secretaria de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão – MPOG o fez nos seguintes termos:
“A dedicação exclusiva nada mais é do que um regime de trabalho; assim, quando se fala em regime de dedicação exclusiva, não se está referindo a nenhum outro cargo público específico, mas a um regime de trabalho inerente ao cargo de professor, seja de Universidade, Escola Técnica ou de Ensino Fundamental, previsto em legislação específica” .(Processo nº 04500.000276/2005-21, datado de 14.05.2005 e aprovado pelo Secretário de Recursos Humanos do MPOG)
Assim, em nosso entendimento, em que pese o Decreto nº 94.664 de 23 de julho de 1987, vedar a acumulação de cargo para quem labora em regime de dedicação exclusiva, o que realmente impede a acumulação é o regime de tempo integral.
Sobre o assunto, Hely Lopes Meirelles[1] chama atenção para a diferença entre dedicação de tempo integral e dedicação exclusiva, vez que, segundo ele, os termos guardam particularidades:
“A diferença entre o regime de tempo integral e o de dedicação plena está em que, naquele, o servidor só pode trabalhar no cargo ou na função que exerce para a Administração, sendo-lhe vedado o desempenho de qualquer outra atividade profissional púbica ou particular, ao passo que neste (regime de dedicação plena), o servidor trabalhará na atividade profissional de seu cargo ou de sua função exclusivamente para a Administração, mas poderá desempenhar atividade diversa da de seu cargo ou de sua função sem qualquer outro emprego particular ou público, desde que compatíveis com o da dedicação plena.
No regime de tempo integral o servidor só poderá ter um emprego; no de dedicação plena poderá ter mais de um desde que não desempenhe a atividade correspondente à sua função pública exercida neste regime. Exemplificando: o professor em regime de tempo integral só poderá exercer as atividades do cargo e nenhuma outra atividade profissional pública ou particular; o advogado em regime de dedicação plena só poderá exercer a advocacia para a Administração da qual é servidor, mas poderá desempenhar a atividade de magistério ou qualquer outra, para a Administração (acumulação de cargos) ou para particulares. (…)”.Grifo não original.
É comum a legislação infraconstitucional confundir os dois institutos de modo a colocá-los sob um mesmo regramento.
Entretanto, no cotejo entre a legislação infraconstitucional (decretos, leis…) e a constitucional, deve prevalecer esta última, por óbvio. Com efeito, todos os regimes de trabalho dos servidores públicos federais e estaduais, criados por lei, estão inevitavelmente vinculados àquelas normas e àqueles princípios constitucionais.
E qualquer restrição quanto ao regime de jornada de trabalho dos servidores públicos somente será legítima e válida se puder ser subsumida em uma norma ou princípio constitucional que expressamente enuncie a mesma restrição normatizada pela legislação infraconstituconal.
Não é possível, conseqüentemente, à legislação infraconstitucional vedar hipótese de acumulação de cargos, empregos e/ou funções públicas, que tenha sido permitida expressamente pela Constituição Federal.
Assim, se a Constituição Federal só exige a compatibilidade de horários para o presente caso, e se o servidor não ocupa cargo cujo trabalho exige tempo integral, a análise deverá ser feita nesse sentido: se há compatibilidade de horários entre os cargos, não importa se um deles é de regime de dedicação exclusiva, já que este fato não impede a acumulação autorizada constitucionalmente.
Nesse sentido vejamos alguns trechos de decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
“RESP. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PROFESSOR. CARGO. CUMULAÇÃO. A HIERARQUIA DAS NORMAS JURÍDICAS AFASTA A VIGÊNCIA DE LEI QUANDO CONTRASTAR COM A CARTA POLÍTICA. ESTA ADMITE A CUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS DE PROFESSOR, QUANDO HOUVER COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS (CF/1988, ART. 37, XV, “A”). O ATUAL REGIME DE TRABALHO (DEDICAÇÃO EXCLUSIVA), POR SI SÓ, NÃO É OBSTÁCULO. EVIDENTE, DEVERÁ CONFERIR A NECESSÁRIA ATENÇÃO ÀS DUAS DISCIPLINAS NO TOCANTE AO HORÁRIO.” (6a. Turma do Eg. STJ, quando do julgamento do RESP no. 97.551-PE, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, dec. Un. Pub. DJU 25.8.1997, p. 39.411)
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR ANISTIADO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. TECNOLOGISTA DO IBGE. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. REGIME DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS NÃO CONFIGURADA. SEGURANÇA CONCEDIDA.
Havendo compatibilidade de horários, é permitida a acumulação remunerada de um cargo de professor com outro técnico ou científico, nos termos do art. 37 , inc. XVI , letra b , da Constituição Federal.(STJ-MANDADO DE SEGURANÇA: MS 11566 DF 2006/0052166-5).Grifo não original.”
De se concluir, portanto, onde a Constituição Federal permitir a acumulação de cargos, empregos e/ou funções públicas, a Administração Pública Federal estará obrigada a admiti-la, por igual, quando da necessária complementação e integração daqueles princípios e normas constitucionais, tanto ao nível legislativo, como ao administrativo – regulamentar.
3. Conclusão
Desta feita, considerando que a norma constitucional, posterior e superior ao Decreto nº. 94.664 de 23 de julho de 1987, nada dispôs sobre a proibição de acumulo de cargos quando um possui regime de dedicação exclusiva, só exigindo a comprovação da compatibilidade de horários, concluímos pela legalidade da dita acumulação.
Procuradora do Estado de Roraima. Coordenadora Administrativa.
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