Resumo: O escopo do presente trabalho é discutir sobre o tipo de responsabilidade civil a qual estão submetidos os notários e registradores públicos, bem como a natureza jurídica do serviço registral e notarial.
Palavras-Chave: Responsabilidade civil, notários e registradores.
Abstract: The main goal of this issue is to discuss the type of liability which are submitted by notaries public and registrars as well as legal and notary service registral.
Keywords: Liability, notaries and registrars.
Sumário: 1-Introdução, 2- Da Natureza Jurídica dos Notários e Registradores, 3 – Da responsabilidade jurídica destes; 4- Conclusão.
1. Introdução
A promulgação da Constituição Federal de 1988 trouxe grandes progressos e inovações no relacionamento entre o Estado e os seus administrados. A maior preocupação do Constituinte Originário, no tocante à prestação de serviços públicos, foi estatuir normas que concretizassem os princípios da moralidade, publicidade, legalidade e impessoalidade.
Em consonância e perfeita harmonia com os princípios supra mencionados, a Lei Maior, em seu artigo 236, determinou que “os serviços notariais e de registro seriam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público“, e logo em seguida, em seu parágrafo 3º, estatuiu que “O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou remoção, por mais de seis meses“.
Todavia tal artigo foi recebido por parte dos juristas com ressalvas, em razão de romper completamente com o sistema anterior de serventias oficializadas. Os estudiosos passaram, então, a se dedicar à árdua tarefa de estudar e discutir o seu conteúdo, em busca de soluções para as questões práticas que iam surgindo em decorrência da aplicação do referido comando constitucional.
O advento da lei n° 8.935 em 1994, que regulamentou o referido artigo, elucidou muitas das dúvidas que pairavam sobre o citado artigo, pondo, inclusive, fim a algumas divergências doutrinárias e jurisprudenciais. Outras questões, porém, não foram satisfatoriamente resolvidas e até hoje geram desencontros na Jurisprudência pátria.
O ponto de maior divergência ainda existente na doutrina nacional é sobre a natureza jurídica do serviço notarial e registral. Seriam, assim, os notários e registradores meros servidores públicos ou delegatários de serviço público? A responsabilidade desses seria objetiva ou meramente subjetiva?
O objetivo deste trabalho é apenas e tão-somente submeter ao crivo dos leitores uma pequena síntese do problema, apontando posições de alguns respeitáveis juristas sobre o tema, com o intuito de esboçar um posicionamento tímido sobre o tema.
2. Da natureza jurídica do serviço notarial e registral
A definição do sistema de responsabilização civil dos titulares de serventias extrajudiciais passa, necessariamente pela compreensão da natureza jurídica do vínculo que os liga ao Estado. É grande a discussão na doutrina acerca desta natureza. Assim, a pergunta que se faz é: os tabeliães e oficiais de registro são servidores públicos ou profissionais do direito que exercem atividade pública em caráter privado?
A organização soberana do Estado, matéria constitucional, pressupõe a instituição dos Poderes, a definição da forma e sistema de governo, o estabelecimento dos direitos e garantias dos governados e, ainda, a estruturação legal das funções de caráter executivo do próprio Estado, em outras palavras, a organização da Administração Pública.
Dentre os servidores públicos, encontra-se o grupo dos serventuários, distinguindo-se dos funcionários públicos: ambos são investidos em cargos criados por lei, porém, enquanto estes últimos percebem vencimentos dos cofres públicos, aqueles podem, conforme a lei local que reger a matéria, auferir pagamento pelos serviços que prestam, por meio de custas e emolumentos.
Assim sendo, o serventuário é órgão indireto do Estado, por tratar-se de órgão privado no exercício de função pública, remunerado pelas partes ou interessados.
Na sistemática do nosso direito anterior, as serventias eram oficializadas, ou seja, faziam parte da estrutura do Estado e, dessa forma, os seus titulares eram funcionários públicos. Nessa condição, eram submetidos às normas administrativas próprias dos servidores estatais, se sujeitando a um estatuto e a todos os privilégios e restrições comuns à categoria, como, por exemplo, sanções disciplinares, aposentadoria compulsória aos setenta anos e percepção de proventos integrais.
A nova disciplina constitucional dos serviços notariais e de registro, como já dito, representou grande evolução para o ordenamento jurídico brasileiro. A doutrina moderna, diante das modificações trazidas pela Lei Maior, entende que se trata de delegação de serviço público, uma vez que o Estado delega a função notarial ao particular, resguardando para si a titularidade do serviço público. Dessa forma, a delegação é efetivada por meio de concurso público de provas e títulos e tem caráter personalíssimo, não podendo haver cessão a outra pessoa. Entretanto, é permitido ao titular da serventia, contratar, sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho, seu substituto e demais prepostos para, sob sua total responsabilidade, agir em nome do titular na prestação dos seus respectivos serviços notariais e de registro.
Corrobora com esse entendimento Silveira ao afirmar que:
“O Estado atribui poderes ao particular que, por sua vez, exercita esses serviços públicos em colaboração com o próprio Estado. A delegação da competência dos serviços de registro baseia-se no princípio da descentralização, pois é forma de descongestionamento da Administração. O princípio da descentralização visa assegurar maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, pessoas ou problemas a atender”[1].
Diante do entendimento acima exposto, é natural inferir que o Oficial Registrador exerce um serviço público delegado, regido por legislação própria, vinculando-se ao Poder Estatal, em razão da fiscalização a que está submetido. Logo, os titulares de serviço notarial e registral agem como prestadores de serviço público ao usuário.
Nesse sentido, a Suprema Corte, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 3151, entendeu que as atividades registrais são atividades jurídicas próprias do Estado, e não simplesmente de atividades materiais, cuja prestação é traspassada para os particulares mediante delegação. Trata-se, portanto, uma delegação sui generis, concedida somente a pessoa natural, por habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório (que seria o antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público).
Logo, a especificidade da delegação do serviço notarial e registral reside no fato de que as serventias de notas e de registro não possuem personalidade jurídica ou personalidade judiciária, de forma que os titulares de serviço notarial e registral não são pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público no sentido do § 6º, do art. 37, CF, como normalmente ocorre nas delegações de serviço público.
Nada obstante, como mesmo entendeu a Corte Suprema no julgado supramencionado, tal fato não o possibilita o enquadramento do notário como ‘agente público’, pois aquele não responde como ‘servidor público’, por inexistir o vínculo de hierarquia próprio da situação funcional.
Assim, o Estado ao conceder a delegação, confere autonomia ao notário e registrador, que, com independência, cumpre seu desiderato, em atenção à lei ou ao seu entendimento ao comando legal. Concluído o concurso de ingresso para o serviço notarial e registral, o Estado deixa impor sua vontade aos delegados, que passam a cumprir seus misteres, submetidos apenas à fiscalização.
Em suma, com o advento da Constituição Federal de 1998 modificou-se o entendimento anteriormente esposado de que seriam os registradores meros servidores públicos, passando a serem considerando, a partir de então, delegatários de serviço público.
3. Da responsabilidade civil dos notários e registradores
No estudo da responsabilidade civil dos notários e registradores, muitas teorias e formulações foram apresentadas e publicadas, aceitando aplicação da regra constitucional geral ou, em sentido contrário, entendendo aplicável apenas as disposições específicas do serviço extrajudicial. A discussão, primeiro versou sobre a responsabilidade do Estado, e o modelo da responsabilidade dos delegados extrajudiciais, se subjetiva ou objetiva. Debateu-se sobre a validade do art. 28 da Lei de Registros Públicos, e a real dicção do art. 22 da Lei 8.935/94.
Como foi exposto no capítulo anterior, atualmente entendem os tribunais superiores que não seriam os notários e registradores funcionários públicos, mas sim, agentes delegados, muito embora exerçam função tipicamente pública.
Nesse ínterim, ressalte-se que é ponto pacífico na jurisprudência pátria que o desempenho de atividade pública não é exclusividade dos funcionários dos três poderes. Há funções que podem e efetivamente são exercidas por pessoas jurídicas ou físicas sem que estas sejam empregadas do Estado. É caso do que ocorre com as empresas prestadoras de serviço público, concessionárias ou permissionárias.
De tal modo, tais delegatários de serviço público são concursados, mas não compõem a estrutura hierarquizada do Estado, conquanto apenas sejam fiscalizados pelo Poder Judiciário, que nesse mister cumpre uma função muito próxima das ‘agências reguladoras’, exigindo serviço adequado aos usuários, pugnando pelo cumprimento dos princípios do art. 37, caput da Constituição Federal, além de desenvolver a normatização das relações entre usuários e delegados.
Tais pessoas jurídicas desenvolvem, assim, atividade de índole pública, que deveriam ser prestadas pela própria Administração. Contudo, para que a Administração Pública não se desvie de verdadeira finalidade – a busca do bem comum – há a delegação a terceiros do desempenho de algumas atividades, o que não faz com que estes terceiros se tornem seus funcionários, pois não há entre eles relação de subordinação ou hierarquia.
Logo, os delegatários de serviço registral respondem perante terceiros pelos erros que lhes venham a causar prejuízo. Tal responsabilidade funda-se no dever que têm de conferir autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, inerentes à confiança lhes depositada tanto pelo Poder Público, como pelos particulares que confiam em suas funções.
É inerente ao próprio exercício de suas atribuições a responsabilidade dos delegados. No caso de dolo ou culpa dos prepostos contratados pelos notários ou registradores, sujeitar-se-ão esses a em ação regressiva, indenizar o titular daquilo que o mesmo tiver dispendido para o ressarcimento dos usuários ou terceiros.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, doutrinadores bem como os juristas passaram a entender que a responsabilidade do Estado e dos registradores teria natureza objetiva, baseando-se no parágrafo sexto do artigo 37 da Constituição Federal, o qual dispõe que a responsabilidade objetiva aplica-se ao Estado e às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.
O artigo 236 da Constituição Federal impõe ainda ao oficial registrador a responsabilidade de ressarcir, direta e objetivamente, os danos que ele e seus prepostos causarem, remanescendo ao Estado delegante apenas subsidiariamente, a responsabilidade pelos danos decorrentes do exercício do serviço, se esgotada a força econômica do delegado. Esse também é o teor do art. 22 da Lei n° 8.935/94:
”Art. 22. Os notários e oficiais de registro responderão pelos danos que eles e seus prepostos causem a terceiros, na prática de atos próprios da serventia, assegurado aos primeiros direito de regresso no caso de dolo ou culpa dos prepostos”.
Tal entendimento encontra também guarita em grande parte dos julgados do Superior Tribunal de Justiça:
“ADMINISTRATIVO. DANOS MATERIAIS CAUSADOS POR TITULAR DE SERVENTIA EXTRAJUDICIAL. ATIVIDADE DELEGADA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO. 1. Hipótese em que o Tribunal de origem julgou procedente o pedido deduzido em Ação Ordinária movida contra o Estado do Amazonas, condenando-o a pagar indenização por danos imputados ao titular de serventia. 2. No caso de delegação da atividade estatal (art. 236, § 1º, da Constituição), seu desenvolvimento deve se dar por conta e risco do delegatário, nos moldes do regime das concessões e permissões de serviço público. 3. O art. 22 da Lei 8.935/1994 é claro ao estabelecer a responsabilidade dos notários e oficiais de registro por danos causados a terceiros, não permitindo a interpretação de que deve responder solidariamente o ente estatal. 4. Tanto por se tratar de serviço delegado, como pela norma legal em comento, não há como imputar eventual responsabilidade pelos serviços notariais e registrais diretamente ao Estado. Ainda que objetiva a responsabilidade da Administração, esta somente responde de forma subsidiária ao delegatário, sendo evidente a carência de ação por ilegitimidade passiva ad causam. 5. Em caso de atividade notarial e de registro exercida por delegação, tal como na hipótese, a responsabilidade objetiva por danos é do notário, diferentemente do que ocorre quando se tratar de cartório ainda oficializado. Precedente do STF. 6. Recurso Especial provido”. (RESP 200802048019, HERMAN BENJAMIN, STJ – SEGUNDA TURMA, 19/05/2010).
Dessa forma, o desenvolvimento da atividade registral e notarial se dá por conta e risco do delegatário, tal como ocorre com as concessões e a permissões de serviços públicos (incisos II, III e IV da Lei n. 8.987/95). Logo, conforme prevê, a Lei n. 8.935/94 a responsabilidade civil a título principal deve ser atribuída para os notários e oficiais de registro. Em razão de tal previsão legal, eventual responsabilidade civil do Estado-membro seria objetiva sim, mas meramente subsidiária, ou seja, em casos tais que aqueles agentes não tenham força econômica para suportar os valores arbitrados a título de indenização por ato cometido em razão da delegação.
Dessa forma, por se tratar de serviço público delegado, apenas em caso de insuficiência de fundos, o Poder Público deve arcar com o ressarcimento dos danos causados a terceiros – não obstante ter havido delegação, pois a total irresponsabilidade do Poder Público, no caso, violaria o princípio da solidariedade (sendo o serviço público prestado em benefício da coletividade, seria um descaso imputar a um único sujeito os possíveis efeitos nefastos da prestação).
Na esteira de entendimento, até o Supremo Tribunal Federal já consagrou essa conclusão, ganhando relevância o seguinte precedente:
“RESPONSABILIDADE OBJETIVA – ESTADO – RECONHECIMENTO DE FIRMA – CARTÓRIO OFICIALIZADO. Responde o Estado pelos danos causados em razão de reconhecimento de firma considerada assinatura falsa. Em se tratando de atividade cartorária exercida à luz do artigo 236 da Constituição Federal, a responsabilidade objetiva é do notário, no que assume posição semelhante à das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos – § 6º do artigo 37 também da Carta da República” (STF, RE 201.595-4/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Segunda Turma, DJU 20.4.2001 – grifo nosso).
Com base nos entendimentos acima explicitados, afirma a jurisprudência moderna que o art. 28 da Lei de Registros Públicos, que previa a responsabilidade subjetiva dos notários e registradores foi integralmente revogado pelo art. 22 da Lei 8.935/94, na medida em que regulou integralmente a matéria.
Logo, o delegatário responde ‘diretamente’ pelos danos provocados pelo serviço e poderá se utilizar da via regressiva para responsabilizar o preposto que, por culpa ou dolo, tenha provocado a lesão. Logo, sua responsabilidade poderá ser direta e objetiva, bastando apenas a comprovação do desfalque patrimonial ou moral e a comprovação de seu nexo com a atividade registral.
4. Conclusão
A teoria da responsabilidade civil no direito brasileiro já sacramentou a idéia de que todo ato lesivo aos interesses de terceiros, praticadas com culpa ou dolo resulta no indiscutível dever de indenizar. Os notários e registradores não fugiram a essa regra geral do direito.
Como é notório, o Direito é uma ciência que, mais que qualquer outra, está em constante evolução, razão pela qual nunca se pode dizer que esta ou aquela discussão esteja definitivamente superada. O problema que discutimos desde o início deste trabalho, como se vê, está longe de apresentar uma solução definitiva. Como já dito, a questão ainda gera muitas divergências na doutrina e na jurisprudência.
Até mesmo dentro do Poder Legislativo o assunto ainda causa polêmica. Foi recentemente aprovado no Congresso Nacional o projeto de lei n° 86/1996, do Senado Federal, que altera o parágrafo 1º do artigo 39 da lei n° 8.935/94. A proposição 86/96 tinha por objetivo acabar com a aposentadoria compulsória dos notários registradores aos setenta anos alegando que, a sua aposentadoria nessas circunstâncias acarretaria uma grande despesa para os cofres públicos, posto que deveria ser correspondente à totalidade da remuneração do serventuário.
Como se pode perceber, tudo indica que a tendência da jurisprudência, bem como dos estudiosos do Direito é de considerar mesmo notários e registradores como delegatários de serviço público, submetendo-os à responsabilidade direta e objetiva.
É certo que a Constituição Federal de 1988 teve a intenção, sim, de mudar o regime jurídico ao qual eram submetidos às serventias extrajudiciais e seus funcionários, o que conseguiu com relativo sucesso. Hoje a atividade deve ser desenvolvida por profissional especializado, que ingressa na serventia por meio de concurso, o que, com certeza, já está se refletindo na melhora da qualidade do serviço prestado, o que por sua vez, acarreta uma maior satisfação da sociedade consumidora.
A grande questão, porém está em se definir o verdadeiro alcance de tais mudanças. Diante do quadro de incertezas analisado neste trabalho, é de se concluir que a edição da lei n° 8.935/94 que regulamentou o artigo 236 da Carta Magna não foi suficiente para definir este limite, ou seja, para considerar, mansa e pacificamente, os notários e registradores como delegatários de serviço público. É preciso que o legislador nacional atente para este problema, pois só uma lei – ou quem sabe até uma emenda constitucional – clara e direta será eficiente para a definição da verdadeira situação dos notários e registradores brasileiros.
Procuradora da Fazenda Nacional, Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Especialista em Direito Tributário pelo IBET, mestranda em Direito Penal Econômico Internacional pela Universidade de Granada
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