“Nas
seções das indústrias há postos para todos, e se a indústria estiver
devidamente organizada, haverá nela mais lugares para cegos, do que cegos para
lugares. O mesmo se pode dizer em relação aos outros deficientes físicos (…)
se o trabalho fosse convenientemente dividido, não faltaria lugar onde homens
fisicamente incapacitados pudessem desempenhar perfeitamente um serviço e
receber, por conseguinte, um salário completo. Economicamente, fazer dos
fisicamente incapacitados um peso para a humanidade é o maior despautério, como
também ensiná-los a fazer cestos ou qualquer outro mister pouco rendoso, com o
fim de preveni-los contra o desânimo”(texto de Henry Ford, de
1925, trascrito por Tereza Costa d’Amaral em publicação no jornal o Globo,
03/09/99).
1.0. Introdução
Há muito remonta a preocupação
social com a “suposta invalidez” das pessoas portadoras de deficiência, bem
como com a possibilidade de sua automantença.
Entretanto, lenta, pausada e repleta de interpelações vem sendo a
efetiva inserção dessas pessoas especiais no mercado de trabalho. Mas não por falta de normas, visto que o
Brasil – onde segundo a ONU, 10% (dez por cento) da população é portadora de
algum tipo de deficiência – é o país detentor da legislação mais completa da
Íbero-América, na área de apoio às essas pessoas especiais.
Nossa legislação, como não poderia
deixar de ser, inclina-se no sentido de preparar as pessoas portadoras de
deficiência – PPD’s para o mercado de trabalho, permitindo-lhes a inserção no
grupo das pessoas economicamente ativas.
Destacam-se em nossa Constituição, dispositivos cujo sentido é garantir
as PPD’s o direito a um convívio social equilibrado, o direito social ao
trabalho, bem como proibição de qualquer tipo de discriminação, ainda que no
tocante a salários e critérios de admissão.
Diversas leis esparsas também dispõem a respeito dos seus direitos,
inclusive disciplinando sua inserção no mercado laboral e punido com rigor o
preconceito por motivos derivados dos defeitos que lhe acometem.
Bem antes do desemprego
proveniente das crises econômicas, o direito ao trabalho já era negado à grande
maioria dessas pessoas especiais, por preconceito, ignorância e
discriminação. É de se evidenciar que
essa exclusão se principia nas instituições de ensino, que em nosso país, com
raríssimas exceções, mantêm suas portas fechadas para as PPD’s, não de forma
direta, mas à medida que não permite nem incentiva a criação de ambiente e
métodos de ensino que favoreçam sua presença e permitam sua conseqüente
participação no meio educacional. Daí
uma das maiores dificuldades para a inserção dessas pessoas no mercado de
trabalho: a baixa ou nenhuma qualificação profissional. Em virtude disso, é desarrazoado o número de
pessoas especiais (cegos, surdos, deficientes congênitos, deficientes mentais,
acidentados reabilitados, etc.) a busca de uma oportunidade de trabalho para
sua própria manutenção e de seus familiares, sem que se lhes abram as portas do
mercado de trabalho.
Procurando auto-afirmação e
aceitação social, muitas vezes as PPD’s contentam-se até mesmo com postos de
trabalho aquém de suas capacidades físicas, intelectuais e formação
profissional, pelo simples fato de ao trabalhar se sentirem produtivas, úteis,
independentes e inseridas no convício social.
Nega-se emprego a muitas pessoas portadoras de deficiência, ou
somente se dá a elas empregos subalternos e mal remunerados. E isso ainda
acontece, embora já se tenha demonstrado que, com um trabalho adequado de
valorização, treinamento e colocação, a maior parte das PPD’s pode realizar uma
ampla gama de tarefas de acordo com as normas em vigor. Em períodos de desemprego e de crise
econômica, as PPD’s costumam ser as primeiras a serem despedidas e as últimas a
serem contratadas. Em alguns países
industrializados que sentem os efeitos da recessão econômica, a taxa de
desemprego entre as PPD’s que procuram trabalho é o dobro da taxa que ocorre
entre os não deficientes. (NASCIMENTO: 1992, p. 15).
Em diversos países, têm-se implantado vários programas e se tomado
medidas visando a criação de empregos para as PPD’s. Entre essas medidas estão: oficinas
protegidas de produção, oficinas terapêuticas, contratação preferencial ou
seletiva, sistema de quotas, subvenções aos empregadores que oferecem formação
profissional e em seguida contratam trabalhadores deficientes, sociedades
cooperativas regulares para a promoção do trabalho autônomo das pessoas
portadoras de deficiência etc. No
entanto, o número real de trabalhadores portadores de deficiência empregados em
estabelecimentos comuns ou especiais, está muito aquém daquele correspondente
ao número das que são capazes de trabalhar.
É necessário que seja dada oportunidade para que essas pessoas possam
participar da construção da sociedade, em vez de se eternizarem como
beneficiários de políticas assistencialistas e da Previdência Social, o que
lhes ofende a dignidade e arremessa fora suas forças de trabalho, tão sólidas e
produtivas quanto as de qualquer outra pessoa.
Ressalte-se que através de uma aplicação mais ampla dos princípios
ergonômicos é possível a adaptação, a um custo reduzido, do local de trabalho,
das ferramentas, do maquinário e do material, ajudando a aumentar as
oportunidades de emprego para as PPD’s.
Em outros casos, sequer isso é necessário, eis que essas pessoas se
superam e desenvolvem formas diferenciadas de exercerem suas funções, sem
necessidade alguma de modificação do posto de trabalho e sem que haja
constatação de queda na produção.
A situação das PPD’s, quanto à falta de oportunidades de trabalho,
torna-se ainda mais grave, quando associada à pobreza. É que nessa classe social menos favorecida,
onde praticamente não existem pessoas qualificadas para o mercado de trabalho,
as PPD’s se vêem forçadas à mendicância ou a inatividade, eis que como
mão-de-obra barata e desqualificada –
sempre acabam preteridas em benefício das pessoas consideradas “normais”.
Com freqüência são excluídas de uma vida social e cultural. É comum
que não lhe seja dado o direito a travar relações sociais normais, o que lhes
causa sérios problemas psicológicos e abalam sua auto-estima. A grande maioria delas se vê privada das
experiências normais ao desenvolvimento humano, como o casamento, o exercício
da sexualidade e da individualidade, a paternidade e as atividades de lazer,
sem que haja razão plausível para isso.
Demais disso, muitas PPD’s são friamente eliminadas da possibilidade
de uma participação ativa na sociedade, em razão de obstáculos materiais que, à
propósito, já deviam ter sido eliminados por força do que mandamentam os arts.
227, §2º, e 244, da CF/88, art. 2º, V, ‘a’, da Lei n.º 7.853, de 24/10/89, bem
como a Lei n.º 10.098, de 19/12/2000, que trata especificamente da questão,
estabelecendo normas gerais e critérios básicos para a promoção da
acessibilidade das PPD’s com mobilidade reduzida, determinando a supressão de
barreiras e obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na
construção e reforma de edifícios, nos meios de transporte e de
comunicação. Nada justifica a existência
de portas estreitas, que não permitem a passagem de uma PPD cadeirante;
batentes, escadas e desníveis de cômodos que tornam inacessíveis edifícios,
salas e veículos de transporte coletivo; telefones, interruptores, comandos de luz e alarmas colocados fora do seu alcance; instalações
sanitárias sem suportes e amparos que lhe permitam efetuar suas necessidades
fisiológicas sem ajuda de terceiros etc.
Também se vêem excluídas por outros tipos de barreiras, como as da
comunicação oral, quando não levamos em conta, por exemplo, as necessidades das
pessoas portadores de deficiências auditivas, ou na informação escrita, quando
ignoramos as necessidades dos portadores de deficiência visual. Estas barreiras são o resultado da ignorância
e da indiferença social. E muitas delas
poderiam ser evitadas mediante um planejamento arquitetônico cuidadoso,
trabalho educativo e de sensibilização da sociedade.
Embora em muitos países, como no Brasil, já existam leis especiais e
tenham sido realizadas campanhas de educação visando a eliminação de tais
obstáculos, o problema continua a ser crucial.
Infelizmente, as mesmas pessoas
que discriminam, não atentam para o fato de que em razão de diversos fatores,
muitos deles, inclusive, alheios a sua vontade, futuramente, podem vir a portar
algum tipo de deficiência, que poderá lhes tornar igualmente vítimas dessa
odiosa conduta de exclusão. Não é
somente o fato de termos nascidos saudáveis e “perfeitos” que já podemos nos
considerar “a salvo” de vimos a portar algum tipo de deficiência. Se não nos propomos a vencer nossos
preconceitos por outros motivos, pelo menos por prudência e prevenção, em razão
de não ser possível prever o que nos acontecerá no dia de amanhã, é necessário
que nos esforcemos para superar esses sentimentos tão pouco generosos!
2.0. Os dados estatísticos, as causas do crescente
número de pessoas portadoras de deficiência e alguns motivos para a existência
da discriminação
No mundo moderno há um número expressivo de pessoas portadoras de
deficiência. Segundo Nascimento (1992),
a cifra estimada é de que são 500 milhões de PPD’s em todo o mundo, o que se vê
confirmado pelos resultados de pesquisas referentes a diversos segmentos da
população e pela observação de peritos.
Na maioria dos países, pelo menos uma em cada dez pessoas tem uma deficiência
física, mental ou sensorial e a presença dessa deficiência repercute de forma
negativa em pelo menos 25% de toda a população.
Estima-se que no mínimo 350 milhões de pessoas deficientes vivam em
zonas que não dispõem dos serviços necessários para ajudá-las a superar as suas
limitações. No Brasil, o Censo 2000
assentou que 14,5% da população é portadora de algum tipo de deficiência, o que
corresponde a 24,5 milhões de pessoas (mais precisamente, 24.537.984 PPD’s).
Das quais 15,14 milhões têm idade e condições de integrarem o mercado formal do
trabalho. Esses dados também foram
divulgados na carta de propostas para o Governo Lula, documento elaborado pela
Setorial Nacional de Petistas Portadores de Deficiência, encaminhado ao Presidente da República em
20/03/2003.
Existe um ciclo vicioso entre a deficiência, pobreza e
marginalização. Em razão disso,
inevitavelmente, nas últimas décadas cresceu o número de pessoas portadoras de
deficiência e a sua marginalização social, o que podemos atribuir a diversos
fatores, entre os quais figuram: a) As guerras e suas conseqüências e outras
formas de violência e destruição: a fome, a pobreza, as epidemias e os grandes
movimentos migratórios; b) a elevada proporção de famílias carentes e com
muitos filhos, as habitações superpovoadas e insalubres, a falta de condições
de higiene; c) as populações com elevada porcentagem de analfabetismo e falta
de informação em matéria de serviços sociais, bem como de medidas sanitárias e
educacionais; d) a falta de conhecimentos exatos sobre a deficiência, suas
causas, prevenção e tratamento; isso inclui a estigmatização, a discriminação e
idéias errôneas sobre a deficiência; e) programas inadequados de assistência e
serviços de atendimento básico de saúde; f) obstáculos, como a falta de
recursos, as distâncias geográficas e as barreiras sociais, que impedem que
muitos interessados se beneficiem dos serviços disponíveis; g) a canalização de
recursos para serviços altamente especializados, que são irrelevantes para as
necessidades da maioria das pessoas que necessitam desse tipo de ajuda; h)
falta absoluta, ou situação precária, da infraestrutura de serviços ligados à
assistência social, saneamento, educação, formação e colocação profissionais;
i) o baixo nível de prioridade concedido, no contexto do desenvolvimento social
e econômico, às atividades relacionadas com a igualdade de oportunidades, a
prevenção de deficiências e a sua reabilitação; j) os acidentes na indústria,
na agricultura e no trânsito; k) os terremotos e outras catástrofes naturais;
l) a poluição do meio ambiente; m) o estado de tensão e outros problemas
psico-sociais decorrentes da passagem de uma sociedade tradicional para uma
sociedade moderna; n) o uso indevido de medicamentos, o emprego indevido de
certas substâncias terapêuticas e o uso ilícito de drogas e estimulantes; o) o
tratamento incorreto dos feridos em momentos de catástrofe, o que pode ser
causa de deficiências evitáveis; p) a urbanização, o crescimento demográfico e
outros fatores indiretos (NASCIMENTO:
1992, pp. 10-11) ; u)
deficiência provenientes de moléstia que atingem as pessoas idosas (artrite,
AVC, moléstias cardíacas e diminuição elevada da acuidade do ouvido e da visão
etc.); v) recessão e desemprego, gerando medidas econômicas de redução de
quadro de empregados, cujas jornadas excessivas e a sobrecarga de trabalho
aceleram o desgaste físico e mental, bem como promovem a fadiga, favorecendo o
aumento do número de acidentes de trabalho; x) a falta de fornecimento, por
parte do empregador, e a falta de consciência para a utilização, por parte do
empregado, de equipamentos de proteção individual, nas atividades laborais, bem
como a falta do hábito da utilização de equipamentos de segurança, na
atividades domésticas e de lazer (cintos de segurança em automóvel; luvas,
aventais, chapéus ou outros instrumentos adequados ao bom desempenho das
tarefas domésticas, equipamentos necessários a prática desportiva, mesmo que
esporádica etc).
A conscientização quanto à necessidade de se adotar medidas tendentes a eliminar esses fatores
vem aumentando de forma significativa, bem como a criação de campanhas de
sensibilização e educação do público, a fim de promover uma modificação de
atitudes e de comportamento para com as PPD’s.
Apesar de tudo isso, essas pessoas especiais estão longe de se
integrarem satisfatoriamente à sociedade.
3.0. Esforço histórico da legislação correlata e os
trabalhos de inserção das PPD’s no mercado de trabalho
A Carta das Nações Unidas prioriza a paz, a reafirmação da fé nos
direitos humanos e às liberdades fundamentais, à dignidade e ao valor da pessoa
humana e à promoção da justiça social. A
Declaração Universal dos Direitos Humanos reafirma o direito ao casamento, à
propriedade, à igualdade de acesso aos serviços públicos, à seguridade social e
à realização dos serviços econômicos, sociais e culturais. Estes princípios e direitos, lamentavelmente,
foram, e ainda são negados as PPD’s.
O ano de 1981 foi proclamado pelas Nações Unidas como o “Ano
Internacional das Pessoas Deficientes”.
Destaquemos as Resoluções 37/52 e 37/53 da Assembléia Geral da ONU,
reunida em 3 de dezembro de 1982, cujos propósitos foram os de promover,
respectivamente, o programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência e a
proclamação da Década das Nações Unidas para as Pessoas com Deficiência. No Brasil, como em todo o mundo, após 1981,
muitos acontecimentos relacionados as PPD’s ocorreram. Alguns assistencialistas outros paternalistas,
mas tudo acabou servindo para que os movimentos das pessoas portadoras de
deficiências ganhassem novo rumo em suas reivindicações. A década da ONU para as PPD’s, oficialmente,
acabou, mas a tarefa de realizar tudo o que ainda está por ser feito continuará
por muito mais tempo e dependerá da união de esforços, do desprendimento e do
idealismo de todas as pessoas envolvidas com a causa da inserção das PPD’s.
De acordo com dados divulgados
pela OIT – Organização Internacional do Trabalho – em seu Repertório de
recomendações práticas sobre a gestão das questões relativas à deficiência no
local de trabalho, o desemprego entre as PPD’s com idade para trabalhar é
extremamente maior do que para as pessoas ditas “normais”, podendo chegar a 80%
em alguns países em desenvolvimento.
Sensível a essa problemática, o Brasil, como no resto do mundo, ante o
crescente desemprego, com conseqüências mais graves ainda, quando se trata de
pessoas portadoras de deficiência ou as reabilitadas, que via de regra
necessitam de condições especiais para o desempenho satisfatório de suas
funções, cuidou, através de lei, de estabelecer “reserva de mercado” em
benefício dessas pessoas, consignando, de modo inarredável, no art. 93, da Lei
n.º 8.213/91 (Plano de Benefícios da Previdência Social) que:
“Art. 93 – A empresa com 100 (cem)
ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco
por cento) de seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras
de deficiência habilitadas na seguinte proporção:
I – até 200 empregados – 2%
II – de 201 a 500 empregados – 3%
III – de 501 a 1000 empregados – 4%
IV – de 1001 em diante – 5%”
Tal dispositivo, com esta
sinalização, em boa hora veio abraçar as pessoas com limitações físicas,
mentais ou sensoriais, habilitadas e aptas para o labor, garantindo para as
mesmas – como garante o nosso ordenamento jurídico para qualquer cidadão – o
direito social ao trabalho (art. 6º, CF/88).
Infelizmente, o preceito permaneceu adormecido e apenas a partir de 1999
passamos a perceber as primeiras movimentações no sentido de lhe dar
cumprimento efetivo. É que somente ao
final de 1999 a questão da inserção das PPD’s ficou melhor esclarecida, com a
edição do Decreto n.º 3.298, de 20/12/99, que dedicou sua Seção IV para tratar
justamente do acesso das PPD’s ao mercado de trabalho. Mais especificamente em seu art. 36, o
mencionado decreto reiterou o já contido na Lei n.º 8.213/91 e expôs com mais
precisão a intenção do legislador, no
que respeitava a inserção da pessoa portadora de deficiência no mercado de laboral. A partir dessa regulamentação, as instituições
interessadas e órgãos públicos responsáveis pela fiscalização do cumprimento da
“reserva legal”, puderam exercer seus misteres com mais segurança e isentos de
indagações, posto que finalmente disciplinada a questão em seus pormenores. Isso repercutiu consideravelmente, sendo
expressivo o crescimento dos números de PPD’s insertas no mercado de trabalho a
partir daquele ano.
Não se pode negar que esse foi um novo marco nos trabalhos de
integração das PPD’s, e com isso fora transposta a primeira e mais sólida
barreira da discriminação. E muito
embora a inserção fosse resultado de obrigatoriedade legal, o contato diuturno
com essas pessoas especiais, além de favorecer a quebra de preconceitos, tornou
evidente que como em qualquer outra parcela da sociedade, haviam PPD’s de todas
as espécies, dos mais diversos temperamentos, capacidades e talentos, ou seja,
o estigma da incapacidade e ineficiência aderido a essas pessoas era irreal.
Nesta época, diversas unidades da federação criaram núcleos de trabalho,
compostos dos mais diversos órgãos e entidades comprometidas com a inserção das
PPD’s no mercado laboral (Ministério Público do Trabalho, Ministério Público
Estadual, Ministério do Trabalho e Emprego, Instituto Nacional da Seguridade
Social, Secretarias Estadual e Municipal de Assistência Social, de Educação e
da Saúde, SINE, entidades do sistema “S”, associações representativas das
pessoas portadoras de deficiência etc.).
Nesse particular, é de se salientar a atuação do Ministério Público do
Trabalho, através de sua Coordenadoria de Defesa dos Direitos Sociais
Indisponíveis Decorrentes da Relação de Trabalho – CODIN, tanto na fiscalização
do cumprimento da reserva legal, quanto nos trabalhos de sensibilização do
empresariado, para a relevância da contratação das PPD’s. Recentemente, inclusive, fora criada em sua
estrutura uma Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades
e Eliminação da Discriminação no Trabalho – COORDIGUALDADE, mais precisamente
em 08/11/2002, como desdobramento natural dos trabalhos de combate à
discriminação a esta e a outras minorias.
Sob sua regência, e através de seus Órgãos, em todas as unidades da
federação foram convocados empreendimentos com mais de cem empregados, para
comprovar o cumprimento da reserva legal.
Na grande maioria dos casos a questão fora solucionada amigavelmente no
âmbito administrativo do órgão, através de subscrição de Termo de Compromisso
de Ajustamento de Conduta. Entretanto,
infelizmente, ocorreram casos em que o empreendimento se negara a conciliar,
razão pela qual se fizeram necessário o ajuizamento de diversas ações civis
públicas.
No Estado de Alagoas, segundo o banco de dados da CODIN- PRT 19ª
Região, dos 104 empreendimentos convocados até 2002 para comprovar sua
adequação a lei, dos quais 86 estão sediados em Maceió, 13 em Arapiraca, 3 em
Palmeira dos Índios, 1 em Olho D’Água das Flores e 1 em Lagoa da Canoa, apenas 4 se negaram ou se omitiram a solução
amigável (uma usina, uma indústria, uma prestadora de serviços públicos e uma
empresa de vigilância patrimonial e transporte de valores) tendo sido ajuizadas
as necessárias ações. Em todos os casos
a questão fora solucionada de forma satisfatória, através de acordo judicial. Apenas no caso da prestadora de serviços
públicos houve uma maior resistências e necessidade do posicionamento do
Judiciário Trabalhista, sendo o mesmo favorável em primeira instância e já em
caráter liminar determinou o cumprimento da reserva legal.
Com o progresso dos trabalhos
de inserção, acreditava-se que a crença infeliz de que o portador de
deficiência não poderia compor o sistema capitalista de produção estava
superado, posto que crescente e considerável os percentuais de PPD’s compondo
os quadros de empresas, dos mais diversos ramos da economia. No entanto, não menos espessas foram as
barreiras seguintes, interpostas pelos que ainda não estavam convencidos de que
a deficiência que em geral compromete a aparência dessas pessoas especiais,
também não lhes acomete a capacidade, competência, inteligência ou
criatividade. Constatou-se, na prática,
que como forma silenciosa de discriminar os empreendimentos passaram a exigir
das PPD’s escolaridade superior a prescrita para a pessoa “normal” que
concorresse ao mesmo cargo, como se o portador de deficiência tivesse a
obrigação de demonstrar melhores aptidões e atributos, para ver afastada de si
a pecha de incapaz e somente então ser contratada, não obstante o disposto no
art. 7º da Constituição Federal, inciso XXXI, de proibição de qualquer
discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador
portador de deficiência. Das PPD’s
apenas deveríamos esperar a atuação profissional compatível a qualquer pessoa
adulta e apta ao trabalho. No entanto,
dela tendemos a cobrar mais do que a qualquer outra pessoa, lhes obrigando a
todo instante demonstrarem que são melhores e mais produtivas do que as ditas normais,
como se só assim – mediante promessa de maiores possibilidades de ganho –
fôssemos capazes de permitir-lhes aproximação, abandonando nossos preconceitos
e nosso próprio constrangimento de não sabemos nos comportar diante de seus
defeitos.
Lamentavelmente, barreiras dessa condição são construídas ou
reforçadas diuturnamente. Esse arremedo
de “circo de horrores” precisa ter fim.
Nosso conforto é que a vivência e a experiência pessoal proporcionada
pela inserção das PPD’s nos quadros das empresas, ainda que não na velocidade
que desejamos, vem lançando por terra essas barreiras, no processo de
valorização da PPD’s e humanização da sociedade.
É preciso que se proporcione as PPD’s a chance de promoverem seu
próprio sustento, bem como o orgulho de participarem da “construção da
sociedade” como um todo. A preocupação
com a inclusão dessas pessoas especiais no mercado de laboral se justifica,
inclusive, em razão da conseqüente diminuição da necessidade de manutenção,
pelo Estado, de benefícios assistencialistas e desafogamento da Previdência
Social.
De acordo com os dados divulgados na anteriormente mencionada carta de
propostas para o Governo, segundo a RAIS – Relatório Anual de Informações
Sociais –, no Brasil existem 31.979 estabelecimentos com mais de cem
empregados. Se todos cumprissem a
reserva legal, seriam gerados 559.511 postos de trabalho a serem ocupados pelas
PPD’s. Lamentavelmente, número suficiente para empregar apenas 3,7% das 15,14
milhões em idade adequada e com condições para o trabalho. Portanto, necessário que a inserção da pessoa
portadora de deficiência no mercado de trabalho seja conseqüência natural da
superação do preconceito e efetuada de forma natural, e não somente até que se
atinja determinado percentual previsto em lei, que consoante demonstrado, não
atenderá a todo o universo de pessoas especiais aptas ao trabalho.
4.0. Da inexistência de óbice para inserção das ppd’s nas empresas
de vigilância patrimonial e transporte de valores
Não obstante o trabalho maciço de inserção das PPD’s no mercado de
trabalho já ocorrer a alguns anos, infelizmente, os empreendimentos ainda vêem
tal inserção como um encargo que deveria ser suportado pelo INSS. O só fato de através de omissão negarem
vigência ao art. 93, da Lei n.º 8.213/91 por mais de oito anos, já se constitui
em comprovado preconceito e discriminação perpetrados contra as PPD’s. Ressalte-se que quando falamos de inserção de
pessoa portadora de deficiência no mercado laboral, não estamos nos referindo a
pessoas inválidas, mas pessoas habilitadas, aptas e plenamente capazes para o
trabalho, não obstante suas limitações e prováveis necessidades de adaptação do
acesso ou do próprio posto de trabalho.
Como qualquer pessoa dita “normal”, em geral, a PPD goza de boa saúde,
apenas diferindo dos demais por necessitar, em alguns casos, de condições
especiais para o acesso ao local de trabalho ou para o próprio exercício de sua
profissão. As PPD’s inválidas ou as que
se encontram doentes, essas sim, ficam a cargo do INSS, que lhes concederá o
benefício adequado. Afinal, não podemos
olvidar que o objetivo principal da iniciativa privada é o lucro. E a alocação de PPD’s efetuada em obediência
ao mencionado dispositivo legal não pretende transferir a responsabilidade
assistencial da Previdência para o setor econômico. O combate a este tipo de comportamento
preconceituoso, efetuado pelos órgãos de fiscalização e representativos das
PPD’s é incessante. No entanto, nesse
trabalho de alocação, como em toda relação social, esbarrou-se em consecutivos
óbices de difícil transposição, em seguida alcançando-se um novo e determinado
equilíbrio, até o confronto com o obstáculo seguinte.
O atual impedimento, gerador de polêmica e divergência entre os
estudiosos, é a inserção das pessoas portadoras de deficiência nos quadros das
empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, cujos profissionais
são regidos por lei específica (Lei n.º 7.102/83, regulamentada pelo Decreto
n.º 89.056/83) que entre outros requisitos em seu art. 16 exige de seus
aspirantes a submissão e aprovação em curso de formação, bem como aprovação em
exames de saúde físico, mental e psicotécnico.
Com isso, entendem alguns que as mencionadas empresas estariam isentas
do cumprimento da reserva legal, por completa impossibilidade material e
jurídica, posto que lei específica, a seu ver, exige dos integrantes da
carreira aptidão plena, requisito de preenchimento impossível por parte das
PPD’s.
O ponto nodal da questão reside na seguinte indagação: por se tratar
de profissão regida por lei específica, que exige do profissional aptidão
física e mental, estariam as empresas de vigilância patrimonial e transporte de
valores isentas do cumprimento da reserva legal em favor das pessoas portadoras
de deficiência? Entendemos que não.
Inicialmente, é de se deixar bem claro que aqui não
estamos tratando das empresas de vigilância e monitoramento eletrônico, cujas
funções podem ser facilmente ocupadas pelas PPD’s, como é o caso divulgado por membro do COORDIGUALDADE/MPT,
que segundo a Folha de São Paulo (agosto/2000) onze pessoas portadoras de
deficiência controlam eficientemente, através de monitores, toda a segurança do
maior hospital da América Latina, o Hospital Albert Einstein.
A discussão trata é da vigilância armada, atividade
empresarial normatizada e fiscalizada pelo Ministério da Justiça, através do
Departamento de Polícia Federal.
Evidencie-se que o art. 93 da Lei n.º 8.213/91, bem
como o contido no art. 36, do Decreto n.º 3.298/99 não fazem qualquer exceção a
este ou aquele empreendimento ou ramo de negócio, quando determinaram a reserva
legal de vagas para as PPD’s, pois mais complexo e arriscado que se apresente a
atividade. O mandamento destina-se a
toda empresa que possui mais de 100 (cem) empregados, sem excetuar nenhum ramo
empresarial, mesmo que penosa, insalubre ou perigosa a atividade desenvolvida. As experiências de inserção vêm mostrando,
inclusive, que não podemos nos antecipar, supondo que esta ou aquela PPD é
incapaz de ocupar um determinado posto de trabalho.
Por sua vez, a Lei n.º 7.102/83 não fala em “aptidão plena” – como
insistem alguns – mas apenas em
aprovação nos exames de saúde física, mental e psicotécnico, e muito embora
saibamos ser difícil que se apresente como candidata pessoa portadora de
deficiência que lhe permita o pleno exercício da profissão, não é de todo
impossível, razão pela qual, de pronto, considerar que não existem PPD’s
capazes de exercer a função de Vigilante seria raciocínio precipitado e
discriminatório.
Na busca de se inserirem a sociedade e viverem uma vida digna e normal, as PPD’s comumente se superam e a
todos surpreende com sua capacidade de se adaptarem às condições mais
desfavoráveis. Inúmeras e inimagináveis
são os tipos de deficiência que acometem as pessoas. Menos pensável, ainda, é a capacidade de
adaptação e superação dos seres humanos, que criam formas particulares de
desenvolverem suas atividades, sem que com isso percam em qualidade ou produção
para os que fazem da forma padronizada.
Ao contrário, está comprovado que muitas atividades são melhores
desenvolvidas por PPD’s, justamente por lhe faltarem o órgão, sentido ou função
que restaria prejudicado na atividade, como é o caso dos deficientes visuais
que trabalham em câmaras escuras ou em experimentação de aromas, ou dos
deficientes auditivos que sem problema algum desenvolvem suas atividades
laborais em linhas de produção de indústrias com níveis elevados de
decibéis. O julgamento antecipado e
carregado de preconceitos somente embaça a compreensão e a análise.
Ademais, diante dos avanços tecnológicos, não somente de próteses a
aparelhos, mas também de equipamentos e ferramentas de trabalho (como teclado
em braile, comando de voz para computadores, processos produtivos com
sinalização luminosa e sonora etc), bem como diante da transposição de
barreiras arquitetônicas, para acessibilidade de PPD’s com pouca mobilidade,
determinada por lei, não vemos óbices para que elas possam assumir funções, as
mais diversas possíveis. Mesmo as
pessoas completamente privadas de algum órgão, membro ou sentido podem ser
produtivas e muito bem exercerem as funções de inúmeros cargos que julgamos,
erroneamente, que não são capazes de ocupar.
As próteses de membros inferiores faltantes, por exemplo, atingiram tal
perfeição, que muitas vezes se mostram imperceptíveis, dada a precisão e
requinte do movimento, permitindo a PPD, que dela se utiliza, correr, saltar,
dançar e efetuar deslocamentos arrojados, como os necessários a prática
desportiva, correspondendo, precisamente, ao movimento padrão do ser humano
dito “normal”. Bem assim, os diminutos e
eficientes aparelhos que ampliam a audição defeituosa e inúmeros outros equipamentos
que compensam satisfatoriamente os órgãos ou sentidos faltantes.
Destaque-se a brilhante reprodução da vida realizada pela arte,
apresentada pela cinematografia em Homens de honra, baseado na história
real de Charles Brashear, primeiro Mergulhador negro da Marinha Americana,
interpretado por Cuba Gooding Júnior, que após enfrentar o cruel preconceito
racial e finalmente conseguir se tornar Escafandrista, por ironia do destino
sofre acidente de trabalho que praticamente lhe mutilou a perna. Impossibilitado de exercer seu mister, tomou
a decisão radical de promover a amputação do membro que restara praticamente
sem movimentos e lhe serviria apenas para fins estéticos, pois sequer lhe
permitia andar sem ajuda, passando a fazer uso de prótese e contrariando toda
uma junta médica que insistia em conduzi-lo a reforma, por julga-lo inapto e
incapaz ao trabalho, demonstrou que possuía plenas condições de permanecer
exercendo seu mister, chegando mesmo a atingir a posição de Master Chief
Diver da Marinha dos EUA após o acidente, não obstante a deficiência que
passou a portar. Destaque-se que o fato
ocorrera por volta da década de 40, quando, inclusive, a tecnologia ainda dava
passos pequenos no que respeita as próteses e equipamentos capazes de
proporcionar normalidade a vida das PPD’s.
Nesse sentido, ainda, é digno de nota o caso divulgado por Órgão do
Ministério Público do Trabalho, do Bailarino portador de deficiência, Rogério
Andreoli, vítima de poliomielite aos nove meses de idade, usuário de cadeira de
rodas, que se submeteu a prova eliminatória de conhecimentos práticos para se
habilitar a profissão, sendo provavelmente a primeira PPD no país, a receber
sua habilitação profissional e registro em sua CTPS como Bailarino, no dia
18/12/2002, em solenidade promovida pela DRT/RJ, o que só vem demonstrar a
diversidade e a inesgotável gama de possibilidades para as PPD’s, desde que não
lhe sejam interpostas barreiras injustificadas.
De fato, a questão de inserção da PPD nas empresas de vigilância é
bastante complexa, posto que envolve categoria regida por normas do
Departamento da Polícia Federal e sujeitas a sua fiscalização. É que aos Vigilantes é permitido, em
atividade, o manuseio de armas e a adoção de medidas afeitas aos agentes de
segurança pública.
É de se compulsar a legislação que regulamenta a profissão de
Vigilante, a fim de que possamos constatar se a mesma não possui dispositivo
contendo tal exigência discriminadora das PPD’s. Não é por se tratar de órgão público e de lei
federal, que se encontram a salvo de suas condutas ou preceitos serem eivados
de discriminatórios e carecerem de reparos.
No entanto, entendemos que não é esse o caso, pois a lei que rege a
categoria não proíbe que as PPD’s galguem a função, não excluem os
empreendimentos mencionados da aplicabilidade da reserva legal, nem sequer fala
de “aptidão plena”, como equivocadamente afirmam alguns, mas somente exige
aptidão física e mental do candidato.
Em verdade, a problemática reside é na leitura discriminatória que
está sendo feita do art. 16, da Lei n.º 7.102/83, bem como do art. 38, II, do
Decreto n.º 3.298/99, prejudicial aos trabalhos de inserção das PPD’s. Achamos por bem transcrevermos os
dispositivos mencionados, para melhor vislumbramos a questão:
“Lei n.º 7.102/83 – Art. 16. Para o exercício da
profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
I – ser brasileiro;
II – ter idade mínima de 21 (vinte e um) anos;
III – ter instrução correspondente à 4. série do 1º Grau;
IV – ter sido aprovado, em curso de formação de vigilante,
realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei.
(Redação dada ao inciso pela Lei nº 8.863, de 28.03.1994)
V – ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e
psicotécnico;
VI – não ter antecedentes criminais registrados; e
VII – estar quite com as obrigações eleitorais e
militares.
Parágrafo único. O requisito previsto no inciso III deste
artigo não se aplica aos vigilantes admitidos até a publicação da presente Lei”.
“Decreto n.º 3.298/99 – Art. 38. Não se aplica o disposto
no artigo anterior nos casos de provimento de:
I – (…);
II – cargo ou emprego público integrante de carreira que
exija aptidão plena do candidato”.
Alguns justificam a distorção de leitura se socorrendo da Convenção
111, da OIT, que preleciona em seu art. 1º, 2, que as distinções, exclusões
ou preferências fundadas em qualificações exigidas para um determinado emprego
não são consideradas como discriminação.
De fato, o Decreto 3.298/99 exclui da aplicação do
percentual da reserva legal, em seu inciso II, os cargos ou empregos públicos
integrantes da carreira, para os quais se exija aptidão plena. Mas somente esses. E aí sim poderíamos invocar o que preleciona
a mencionada convenção 111, da OIT, para justificar a exceção, ou mesmo, caso
assim entendêssemos, rechaça-los de discriminatório, mas por hora não nos
deteremos a essa questão. Repare-se que
o decreto não faz qualquer exceção no que respeita a iniciativa privada, muito
menos ao específico caso das empresas de vigilância. Não cabe a nós estender sua leitura com o
intuito de criar ainda mais óbices e proibições infundadas contra essas pessoas
especiais.
Preleciona o art. 5º, da Constituição Federal, em
seu inciso XIII, que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou
profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Em razão desse mandamento constitucional,
temos em que inexistem óbices para o exercício da profissão de Vigilante por
pessoa portadora de deficiência, desde que atendidas as qualificações
profissionais estabelecidas em lei, quais sejam, aprovação em curso de
formação e psicotécnico, bem como aptidão física e mental. Mais nenhuma exigência dispõe a lei ou seu
decreto regulamentador.
Não podemos tratar todo universo de pessoas
portadoras de deficiência como um grupo homogêneo. Os óbices e limites que se impõem a uma, não
são os mesmos que se estabelecem a outra.
Isso porque são inúmeras as deficiências que nos acometem e mais
variadas, ainda, as formas de encará-las. Não podemos estabelecer previamente
os limites de cada uma dessas pessoas especiais. Se limites existem, esses devem ser apontados
pelas próprias PPD’s, em cada situação concreta. E mesmo que assim não se entenda, e seja
acolhido o argumento de que nenhuma das 15,14 milhões de PPD brasileiras aptas
ao trabalho se encontra em condições plenas de ocupar a função de Vigilante,
ainda assim restariam nessas empresas os cargos administrativos e operacionais
para alocá-las. O mais sensato, é que se
abra a seleção para o preenchimento dos cargos existentes e, caso o candidato
portador de deficiência, ainda que apto e aprovado, quando em efetiva
atividade, não possa se adaptar as condições de trabalho, e seja impossível a
promoção das adaptações que lhe permitam o bom desempenho da função, aí sim,
deverá ser dispensado, pois para isso é que se serve o contrato de experiência,
na iniciativa privada, e o estágio probatório, no serviço público. Este, inclusive, é o entendimento esposado na
reunião da Câmara Técnica que se agrupou especificamente para tratar da questão
de concurso público para pessoas portadoras de deficiência na administração
direta e indireta, integrada por representantes dos diversos ramos do
Ministério Público, mormente o MPT, do Ministério da Justiça e de representantes
da CORDE – Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência, onde da análise da questão da aferição da reserva de vagas na
Administração Pública direta e indireta, concluiu-se que a equipe
multiprofissional de que trata o art. 43, do decreto n.º 3.298/99, composta a
fim de acompanhar a submissão de PPD’s a concurso público, não pode, sob esse
argumento e a priori declarar incompatível a deficiência do candidato e
as atribuições do cargo a ser ocupado, o que somente deve ser analisado na fase
do estágio probatório ou período de experiência, que inclusive será realizado
com as adaptações necessárias do posto de trabalho, proporcionando o bom
desempenho das funções afeitas ao cargo.
E mesmo quando alegada impossibilidade de
contratação em razão não somente da necessidade de que a PPD preencha os
requisitos para o cargo de Vigilante, mas por se tratar de empresa que também
exige desses profissionais habilitação para a condução dos veículos de
transporte de valores, ainda assim entendemos precipitada sua exclusão. Para o mencionado caso, seguimos a mesma
linha de raciocínio já traçada, de que a Resolução n.º 51/98, alterada em seus
anexos pela Resolução n.º 80/98 em momento algum exclui a pessoa portadora de
deficiência da possibilidade de exercer tal atividade profissional. Repare-se que em seu anexo I, mais
exatamente no item 10.3 estabelece que ao
condutor de veículos adaptados será vedada a atividade remunerada, por
razões obvias. Ora, mas e as
PPD’s capazes de dirigir com segurança e sem necessidade alguma de
adaptação? Serão penalizadas pela força
de vontade e superação de seus próprios limites? Absurdos desse talante serão cometidos caso
permaneça a leitura preconceituosa dos dispositivos legais mencionados.
Temos conhecimento de que no Rio Grande do Sul
existem PPD’s auditivos (deficiência parcial) trabalhando como Vigilantes, bem
como que dez pessoas portadoras de deficiência, das mais diversas, estão aptas
para exercerem a mencionada função e integram os cadastros do SINE do mencionado
Estado. Na Paraíba, a Fundação de Apoio
ao Portador de Deficiência divulgou que PPD fora aprovado no curso de formação
de Vigilantes, estando apto para exercer a função.
Em Alagoas, das duas empresas de vigilância
patrimonial e transporte de valores, convocada para promoverem a adequação de
seus quadros ao que mandamenta a lei, uma firmou Termo de Compromisso onde
mediante prazo, e sujeita multa para o caso de descumprimento, se comprometeu a
promover a contratação de PPD’s no percentual que lhe cabe. A outra se utilizou do argumento de que se
tratava de categoria especial, cuja profissão se encontra regulamentada por lei
federal específica, razão pela qual, a seu ver, sucumbiria a Lei n.º 8.213/91,
que trata da alocação das PPD’s.
Prontificou-se a firmar Compromisso, mas somente se comprometendo a
aplicar o percentual sobre os cargos administrativos. Em razão disso, fez-se necessário o
ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público do Trabalho da 19ª
Região, em cujos autos foi promovido acordo judicial, onde o empreendimento
concordou em aplicar o percentual sobre o número total de empregados, porém,
promovendo a contratação para os cargos administrativos. Isso sem se opor a contratação de PPD
habilitada para a função de Vigilante, que por ventura venha a se apresentar,
embora não conste do cadastro das PPD’s habilitadas e pessoas reabilitadas para
o trabalho, mantido pelo Núcleo de Combate a Discriminação na Oportunidade de
Trabalho em Alagoas, nenhuma pessoa que possua habilitação para o mencionado
cargo.
6.0. Conclusões
Os dispositivos legais observados não dão margem a
interpretação extensiva. Neles não há
qualquer referência de que as PPD’s não possam se habilitar para a função de
Vigilante. Entendemos como
discriminatória e até mesmo perigosa, a interpretação que por analogia aplica
as empresas de vigilância patrimonial e transporte de valores, o disposto no
art. 38, II, do Decreto 3.298/99, ao argumento de igualdade de tratamento entre
o setor público e o privado.
Seria brutal demais e consistiria em afronta as
liberdades individuais, constitucionalmente garantidas, imaginarmos que lei
proíbe pessoa de exercer as atividades afeitas a determinada profissão, para a
qual possui todas as condições e desta forma levar por terra seus dons,
aspirações, aptidões, habilidades, somente por carregar o estigma de “portador
de deficiência”, sendo que o defeito que porta apenas lhe difere dos demais,
mas sem que lhe imponha qualquer limitação para o trabalho que almeja.
Repise-se que, de fato, a grande maioria das
pessoas portadoras de deficiência não se encontraria aptas para o exercício da
função de Vigilante e, conseqüentemente, não conseguiria aprovação no curso de
formação. No entanto, observe-se que
ainda que não seja significativo o número de PPD’s aptos para o exercício do
mister de Vigilante, não deve existir proibição para tanto, sob pena de
cometimento de injustiça irreparável.
Repare-se que adotando tal raciocínio – de que
inexiste PPD apta para a mencionada função – estaríamos impedindo, de forma
discriminatória, da possibilidade de ocupação desses postos de trabalho, as
pessoas portadoras de leve deficiência ou com limitações sutis em órgãos,
membros ou sentidos, que em nada lhe impediria o exercício da profissão, como
os portadores de surdez parcial, visão monocular etc.
Não há que prevalecer a absurda alegação de
impossibilidade jurídica ou material da ocupação do cargo de Vigilante por
pessoa portadora de deficiência. Há
somente uma única ressalva da lei que rege a categoria de Vigilante, para o
exercício da profissão, que consta de seu art. 17: prévio registro no
Departamento de Polícia Federal, que se fará após a apresentação dos documentos
comprobatórios das situações enumeradas no artigo 16, onde não se fez qualquer
menção a aptidão plena.
De certo que existem dispositivos legais discriminatórios,
prejudiciais as pessoas portadoras de deficiência, que necessitam imediata
revisão, através dos órgãos competentes.
Mas este não é o caso da Lei n.º 7.102/83, que não apresenta traços de
discriminação, razão pela qual não vemos necessidade de revisão da legislação,
posto que os critérios constantes da lei para avaliação do treinamento e da
habilitação para o exercício da profissão de Vigilante não excluem as pessoas
portadoras de deficiência.
Não se trata de revisão da lei.
E sim de que se modifique a mentalidade de quem as interpreta.
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