Resumo: A Sociedade em Conta de Participação é modalidade societária não–personificada existente na esfera jurídica brasileira desde o Código Comercial de 1850. Sua previsão foi ratificada no Código Civil de 2002. Segundo a definição legal atual, os sócios integrantes da Conta de Participação são denominados Sócio Ostensivo (aquele que exerce a atividade constitutiva do objeto social e se obriga perante terceiros) e o Sócio Participante (aquele que apenas participa dos resultados do negócio). A Conta de Participação caracteriza-se por ser desprovida de formalidades como o registro de seu ato constitutivo e por não possuir personalidade jurídica, fato que desencadeia várias outras características como a ausência de patrimônio, de denominação social e de sede, por exemplo. Diante dessas características peculiares, a Sociedade em Conta de Participação não celebra um contrato e não aparece perante terceiros. Toda a atividade da sociedade é desenvolvida apenas pelo sócio ostensivo, em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade, cabendo aos sócios participantes – chamados de ocultos no Código Comercial de 1850 – a participação nos resultados correspondentes, como prevê o art. 991 do Código Civil de 2002. Trata-se, portanto, de uma modalidade societária ágil capaz de ligar interesses comuns destinados a uma mesma finalidade, sem formalidades excessivas, com a repartição dos resultados entre as partes.
Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico. 1.1. Do Comércio. 1.2. Do Direito Comercial.. 1.2.1. Do Direito Comercial no Brasil. 1.3. Da Conta de Participação. 1.3.1. Da Conta de Participação no Brasil. 2. Sociedade em Conta de Participação. 2.1. Conceito. 2.2. Natureza Jurídica. 2.3. Requisitos e Características. 2.4. Duração. 2.5. Publicidade. 2.6. Provas. 3. Fundo Social. 4. Aspectos Tributários sobre a Conta de Participação. 5. Término da Conta de Participaçaõ. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O comércio teve sua origem desde o início da civilização, baseada na troca direta e voluntária de bens/produtos, evoluindo para a troca indireta, por meio da utilização da moeda, chegando até os dias atuais, no qual conta com elevada tecnologia, a exemplo dos leilões virtuais. Fator essencial para esse progresso deve-se à personalidade jurídica atribuída às sociedades, pois com ela grandes empreendimentos puderam ser criados e desenvolvidos, sem colocar em risco o patrimônio pessoal dos sócios.
Por outro lado, a personalidade jurídica não é traço comum de todos os tipos societários, havendo sociedades desprovidas do referido instituto, mas que possuem outras características igualmente importantes e decisivas para a classe empresarial que, diante do desenvolvimento da economia, da complexidade dos negócios e da dificuldade para obtenção de capital, por vezes acaba fechando suas portas. Para se evitar esse quadro, cada vez mais empresários precisam conjugar esforços, reunindo-se em sociedades. Uma dessas alternativas reside na formação de uma Sociedade em Conta de Participação, que se caracteriza por ser uma sociedade desprovida de personalidade jurídica e patrimônio autônomo, sendo, em contrapartida. bastante informal, pois não há a necessidade de registrar seus atos constitutivos.
Esse tipo societário é formado por um sócio ostensivo que responde e se obriga perante terceiros. Os outros sócios, denominados participantes, somente participam dos resultados da sociedade e respondem exclusivamente perante o sócio ostensivo. Assim, diante da facilidade e rapidez para sua constituição, a Conta de Participação é muito utilizada, apesar de pouco divulgada no meio jurídico.
Assim, o intuito do presente trabalho é discorrer sobre a Sociedade em Conta de Participação, abordando seus aspectos relevantes, bem como vantagens e desvantagens. Tal estudo se mostra relevante, pois poucas são as obras e discussões sobre esse tipo societário. Ademais, busca-se com o presente trabalho afastar entendimentos equivocados e por vezes errôneos sobre essa modalidade de sociedade, bem como ressaltar a importância da Conta de Participação em nossa sociedade moderna e o êxito em sua efetiva utilização pela nossa classe empresarial.
1. BREVE HISTÓRICO
Inicialmente, para se entender o surgimento da Sociedade em Conta de Participação, torna-se necessário um breve resumo a respeito da história mercantil européia e brasileira.
1.1. Do Comércio
Embora seja difícil estabelecer o surgimento do comércio, é certo que desde o início da civilização o homem sempre lutou por sua sobrevivência e buscou, instintivamente, conseguir as coisas indispensáveis a sua subsistência. Passou então a encontrar/produzir bens imprescindíveis, bem como um excedente para trocar por outros bens, uma vez que não produzia tudo que necessitava. Nascia, dessa forma, o comércio rudimentar denominado escambo/permuta.[1]. Frisa-se que nessa época o comércio não tinha sentido econômico, não visava lucro.
Com o aumento da população e a grande diversidade de interesses e necessidades, as pessoas começaram a viajar para lugares mais distantes, oferecendo seus produtos em troca de outros bens. Percebeu-se, no entanto, que a permuta por si só não mais bastava, pois havia muitas divergências entre os valores atribuídos aos bens por cada parte interessada. Na busca de um denominador comum, que permitisse a imediata aquisição de bens, mediante a simples entrega de um bem de aceitação geral, surgiu a moeda.[2] Não obstante a permuta ser praticada até os dias de hoje, sem sombra de dúvidas a moeda contribuiu para a simplificação e promoção do desenvolvimento do comércio, com a conseqüente circulação de riquezas.
Assim surgiu a atividade profissional do comerciante, caracterizada pela intermediação (entre o produtor e o consumidor), pela habitualidade e pelo intuito de lucro. O comerciante reunia bens no lugar, qualidade e quantidades necessárias. Segundo Marlon Tomazette “nessa atividade profissional é que podemos dar os exatos contornos do que se concebe como comércio.”[3]
1.2. Do Direito Comercial
De igual forma também é difícil estabelecer o surgimento do Direito Comercial, atualmente denominado de Direito Empresarial. O que se sabe é que em certo dado momento de nossa história os comerciantes (a ascensão da burguesia) reclamaram normas jurídicas para regular a atividade que não era encontrada no direito comum. O registro mais antigo e notório dessa manifestação foi o Código de Hamurabi[4], que além de regular matérias como a pecuária e agricultura, tratou de cuidar de temas como empréstimos a juros, depósito e contratos de sociedade em seus artigos 100 a 107.[5]
Na antiga Roma, o comércio era considerado prática indigna e não podia ser exercido pelos pater famílias e os senadores, sendo desempenhado apenas por estrangeiros, peregrinos e escravos. Contudo, como o comércio sempre foi uma atividade lucrativa, os cidadãos romanos, presenciando o sucesso econômico dos comerciantes, acabaram contornando ou burlando as leis que lhes proibiam a prática comercial, criando sociedades que contribuíam apenas com o capital, permanecendo ocultos perante terceiros.[6] Daí advém a corrente dominante sobre a origem da conta de participação, como veremos adiante.
Com a queda do Império Romano surgiram os feudos da era medieval (relações entre Senhor Feudal/Servo e Suserano/Vassalo), no qual dominava a doutrina cristã que, além de proibir a usura, era centralizadora e fechada. Nesse período o comércio e, sobretudo o Direito Comercial, sofreu uma estagnação, pois os feudos sobreviviam basicamente do que produziam. Essa situação reverteu-se após as invasões bárbaras. Muitos indivíduos foram expulsos ou tiveram suas vidas inviabilizadas dentro dos feudos, saindo destes como artesãos (transformadores de matérias-primas).[7] Essa recém classe percebeu que além de produzir suas mercadorias poderia comprar e vender de terceiros. Sugiram assim os primeiros burgueses: artesãos que se aglutinavam em pequenos centros denominados burgos, que proporcionaria o surgimento das primeiras pólis (cidades). Desta forma, surge a classe burguesa e a forma capitalista.[8]
Paralelamente ao desenvolvimento dos pequenos burgos, nessa época ocorreu um grande e notório progresso comercial, tanto terrestre como marítimo na Itália, principalmente nas cidades hoje italianas de Florença e Genova, vindo a surgir as Corporações de Mercadores[9], que acarretou na divisão do Direito Comercial do jus civile, tornando-se aquele o direito dos mercadores.[10] Nesse primeiro momento, o Direito Comercial podia ser entendido como o direito dos comerciantes de natureza subjetiva, pois se baseava nos usos e costumes comerciais, aplicadas por um juiz eleito pelas corporações, o cônsul, e só valiam dentro da própria corporação.[11]
Marcelo Gazzi Taddei ensina que fala-se em Direito Comercial subjetivo porque havia a aplicação do critério corporativo, pelo qual, se o sujeito fosse membro de determinada corporação de ofício, o direito a ser aplicado seria o da corporação. Era a matrícula na corporação que definia o direito costumeiro a ser aplicado, portanto, era comerciante quem estivesse devidamente matriculado e autorizado pelas corporações de ofício. Assim, o Direito Comercial se firmava como o direito de uma classe profissional, fruto de costumes mercantis e com uma jurisdição própria.[12]
Na Idade Moderna ocorreu a estatização do direito comercial, de modo que os comerciantes deixaram de ser os responsáveis pela elaboração do direito comercial, tarefa esta atribuída ao Estado. Ademais, com o incremento da atividade mercantil, o crédito passa a ganhar extrema importância.
O Code de Commerce (Código Napoleônico) de 1807 marca o inicio da nova fase do Direito Comercial, na medida em que põe fim ao corporativismo e adota a teoria dos atos de comércio, ou seja, nessa fase o Direito Comercial tinha sua jurisdição a quaisquer pessoas que praticassem atos de comercio, independentemente da sua respectiva qualificação pessoal.[13]
Consideravam-se atos de comércio aqueles praticados com habitualidade, profissionalidade e intuito de lucro pelos comerciantes e não-comerciantes. Eram classificados em: a) subjetivos ou por natureza (praticados pelos comerciantes no exercício de suas funções); b) objetivos ou por força de lei (praticados por comerciantes ou não-comerciantes – a lei impunha sua comercialidade como, por exemplo, a emissão de cheque); c) por dependência, acessórios ou por conexão (na essência era atos civis que se transformavam em comerciais por se destinarem a facilitar o exercício da atividade comercial).[14]
1.2.1. Do Direito Comercial no Brasil
O direito comercial brasileiro tem origem em 1808 com a chegada da família real portuguesa ao Brasil e a abertura dos portos às nações amigas. Contudo, desde a sua origem até o surgimento do Código Comercial se aplicavam as leis portuguesas e os Códigos Comerciais da Espanha e da França.[15]
No Brasil a teoria subjetiva predominou durante o século XVIII e a primeira metade do século XIX, na medida em que as normas editadas se referiam aos homens de negócio, seus privilégios e sua falência, ou seja, inicialmente o direito comercial no Brasil não passava de um direito de classe. A concepção objetiva foi acolhida pelo Código Comercial promulgado pela Lei 556, de 26 de junho de 1850.[16] Esse Código tem como fontes o Código Francês de 1807, o espanhol de 1829 e o português de 1833.[17]
Promulgado o Código, editou-se o Regulamento n. 737, de 25 de novembro de 1850 para delimitar o conteúdo da matéria comercial para o fim jurisdicional e para qualificar a pessoa como comerciante no país. Em 1875 os Tribunais de Comércio foram extintos e as causas comerciais passaram a ser conhecidas pelos juízes e tribunais das causas cíveis. [18]
Assim, sob o aspecto processual, a teoria dos atos de comércio perdeu a sua importância no Brasil, mas continuou a ser necessária para diferenciar o comerciante do não comerciante, tendo em vista o tratamento diferenciado que era, e ainda é, dado a quem desenvolve uma atividade econômica de natureza comercial como, por exemplo, a Lei de Falência, no qual somente quem exerce atividade comercial pode se beneficiar da recuperação judicial e submeter-se à falência.
Outras normas foram adaptando, modificando e atualizando o Código Comercial de 1850. Cada vez mais prosperavam idéias favoráveis à elaboração de um novo diploma. Com isso adveio o Código Civil de 2002.
1.3. Da Conta de Participação
Alberto João Zortêa[19] repete lição de Gabrielle Faggella quando corrobora afirmação de que a associação em participação é instituto antigo e já existia nos primórdios da vida social, sendo utilizada inclusive por todos os povos em seu período incipiente. Tal fato teria respaldo devido à grande liberdade de sua constituição, por não possuir formalidades e obstáculos de cunho jurídico. Alberto João Zortêa salienta ainda indícios da existência da conta de participação em Atenas quando das associações de certos capitalistas, que forneciam dinheiro a um banqueiro, e em Roma que, apesar do silêncio no Direito Positivo romano a respeito, teria sido muito utilizada, mas permanecia oculta devido à participação dos senadores e patrícios romanos, para quem, o comércio era desonroso.
De outra banda, corrente bem menos controversa é a que relaciona a origem da Sociedade em Conta de Participação na Idade Média como conseqüência da queda do Império Romano, diante da invasão bárbara, que obrigou o povo romano a se deslocar para o interior, passando pela era feudal até chegar, de forma independente, a era dos artesãos com seus artesanatos nas feiras e mercados.[20]
Na oportunidade, as formas societárias em uso eram as sociedades romanas – societas panem et vinum -, posteriormente designadas sociedades coletivas e a commenda. Da commenda surgiram duas formas societárias: (i) a sociedade em comandita simples e (ii) a sociedade em conta de participação.[21]
A sociedade em comandita simples era caracterizada pela existência de duas partes contratantes: o commendator (sócio participante) que eram pessoas abastadas que se incumbiam do aporte de capital na forma de dinheiro e mercadorias, participando, ao final dos resultados obtidos; e tratactor (sócios ostensivo), responsáveis pela gestão e efetivação do empreendimento.”[22]
Com as mudanças na própria estrutura comercial, os tratadores (tractador) passaram a contribuir para o negócio com seu próprio capital, sendo simultaneamente proprietário e gerente, permanecendo o comendador (commendador) em uma posição de mero partícipe[23]. Não obstante, “o espírito associativo reinante entre as partes se intensificou, fazendo com que o compromisso formalizado pelo contrato ficasse cada vez mais fortalecido, ganhando ares de autêntico vínculo social”[24]
Por oportuno é importante destacar que existiam na época certos obstáculos como a proibição canônica ao lucro excessivo e o clima medieval que impediam nobres de atuarem no comércio, vindo a calhar, portanto, uma espécie contratual dotada de um vínculo sigiloso, desconhecido perante terceiros.[25] Acredita-se, inclusive, que a grande maioria dos sócios ostensivos era constituída de judeus, que não tinham a obediência papal impeditiva.[26] Outro efeito é que em virtude da existência de um sócio oculto, a conta de participação não participava da obrigatoriedade de seu registro nas corporações de ofício.
Assim, os contratos de comnenda que se tornaram públicos com a exigência do registro nas corporações de ofício teriam originado a sociedade em comandita, enquanto que os contratos que permaneceram ocultos são apontados como fonte da sociedade em conta de participação.[27]
Portanto, a classe nobre e rica que não queria ferir a tradição romana – no qual o comércio era desonroso – e a proibição da igreja católica na obtenção ao lucro excessivo encontrou na figura do sócio participante da conta de participação, que não aparecia nos registros corporativos, a solução para continuar a participar dos grandes empreendimentos e, conseqüentemente, obter lucro.
Passado essa fase, com a expansão comercial ocorreu a valorização do comerciante, e, antes o que era visto como desonroso, passou a ser elemento de elite da sociedade. Agora, já era honroso ser mercador.[28]
1.3.1. Da Conta de Participação no Brasil
Gustavo Oliva Galizzi[29] defende a utilização da conta de participação em terras brasileiras às bandeiras paulistas, em especial o bandeirismo de apresamento de índios para suprir a carência de mão-de-obra-escrava na metrópole, “ainda que tal existência tenha se restringido ao plano fático, não se alargando para o campo das normas”. O capitão da Bandeira seria o sócio ostensivo que dirigia, orientava e organizava a empresa e os sócios ocultos seriam os financiadores, sendo que o caráter sigiloso também reinava, diante do embargo imposto pela metrópole à atividade de apresamento de índios. Contudo, o referido doutrinador frisa que “é provável que seus capitães e, bem assim, todos aqueles que dela participavam não tivessem consciência de que integravam uma empresa mercantil”.[30] Contudo, tal entendimento não é majoritário pela Doutrina.
A sociedade em conta de participação foi incluída pelo legislador brasileiro em 1850 (Artigos 325 a 328) no capítulo do Código Comercial destinado às companhias e sociedades comerciais. Eis o teor dos referidos artigos:
“Art. 325 – Quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social, a associação toma o nome de sociedade em conta de participação, acidental, momentânea ou anônima; esta sociedade não está sujeita às formalidades prescritas para a formação das outras sociedades, e pode provar-se por todo o gênero de provas admitidas nos contratos comerciais (artigo nº. 122).
Art. 326 – Na sociedade em conta de participação, o sócio ostensivo é o único que se obriga para com terceiro; os outros sócios ficam unicamente obrigados para com o mesmo sócio por todos os resultados das transações e obrigações sociais empreendidas nos termos precisos do contrato.
Art. 327 – Na mesma sociedade o sócio-gerente responsabiliza todos os fundos sociais, ainda mesmo que seja por obrigações pessoais, se o terceiro com quem tratou ignorava a existência da sociedade; salvo o direito dos sócios prejudicados contra o sócio-gerente.
Art. 328 – No caso de quebrar ou falir o sócio-gerente, é lícito ao terceiro com quem houver tratado saldar todas as contas que com ele tiver, posto que abertas sejam debaixo de distintas designações, com os fundos pertencentes a quaisquer das mesmas contas; ainda que os outros sócios mostrem que esses fundos lhes pertencem, uma vez que não provem que o dito terceiro tinha conhecimento, antes da quebra, da existência da sociedade em conta de participação.”
O escasso número de dispositivos legais destinados à conta de participação contribuiu para que se criasse uma certa insegurança entre os juristas com relação a aspectos variados de sua estrutura orgânica”[31]. Com o advento do Código Civil de 2002 a conta de participação recebeu novo tratamento com dispositivos mais exatos. Sua disposição está contida nos artigos 991 a 996 e traz além do seu principal traço característico, as regras para sua constituição, a relação entre os sócios, formação do fundo social, sua dissolução e a determinação de que à conta de participação se aplica, subsidiariamente, no que com ela for compatível, o disposto na sociedade simples. Eis o teor dos referidos artigos:
“CAPÍTULO II
Da Sociedade em Conta de Participação
Art. 991. Na sociedade em conta de participação, a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.
Parágrafo único. Obriga-se perante terceiro tão-somente o sócio ostensivo; e, exclusivamente perante este, o sócio participante, nos termos do contrato social.
Art. 992. A constituição da sociedade em conta de participação independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito.
Art. 993. O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade.
Parágrafo único. Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier.
Art. 994. A contribuição do sócio participante constitui, com a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa aos negócios sociais.
§ 1o A especialização patrimonial somente produz efeitos em relação aos sócios.
§ 2o A falência do sócio ostensivo acarreta a dissolução da sociedade e a liquidação da respectiva conta, cujo saldo constituirá crédito quirografário.
§ 3o Falindo o sócio participante, o contrato social fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido.
Art. 995. Salvo estipulação em contrário, o sócio ostensivo não pode admitir novo sócio sem o consentimento expresso dos demais.
Art. 996. Aplica-se à sociedade em conta de participação, subsidiariamente e no que com ela for compatível, o disposto para a sociedade simples, e a sua liquidação rege-se pelas normas relativas à prestação de contas, na forma da lei processual.
Parágrafo único. Havendo mais de um sócio ostensivo, as respectivas contas serão prestadas e julgadas no mesmo processo.”
Não obstante o Código Civil de 2002 conservar a mesma natureza jurídica e disposições gerais do Código Comercial de 1850, a nova legislação inovou ao conferir à Sociedade em Conta de Participação uma posição definida no rol de sociedades existentes no Brasil; bem como ao adotar nomenclatura que afasta qualquer conotação pejorativa ou de clandestinidade, como acontecia com o sócio oculto. Ademais, determinou a aplicação subsidiária da legislação relativa às sociedades simples; e afastou algumas dúvidas e controvérsias, como, por exemplo, os efeitos do registro do ato constitutivo da sociedade, os reflexos da intervenção do sócio participantes nos negócios sociais com terceiros, o prazo de duração da sociedade e a natureza das contribuições dos sócios com terceiros.[32]
2. DA SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO
2.1. Conceito
No antigo Código Comercial, o artigo 325 trazia a seguinte definição para a Sociedade em Conta de Participação: “quando duas ou mais pessoas, sendo ao menos uma comerciante, se reúnem, sem firma social, para lucro comum, em uma ou mais operações de comércio determinadas, trabalhando um, alguns ou todos, em seu nome individual para o fim social (…).”
O Código de 2002 por sua vez definiu que na conta de participação “a atividade constitutiva do objeto social é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes.” Importante ressaltar que o Código Comercial menciona que ao menos um dos sócios deveria ser comerciante, sendo que o Código Civil de 2002 não confere a referida obrigatoriedade.
Marlon Tomazete[33] defini a conta de participação como sendo
“uma sociedade oculta, que não aparece perante terceiros, sendo desprovida de personalidade jurídica. O que a caracteriza é a existência de dois tipos de sócios, quais sejam, o sócio ostensivo, que aparece e assume toda a responsabilidade perante terceiros, e o sócio participante (Também conhecido como sócio oculto, que não aparece perante terceiros e só tem responsabilidade perante o ostensivo, nos termos do ajuste entre eles.”
Em contrapartida, Mônica Gusmão[34] defende que a conta de participação trata “de verdadeiro contrato (escrito ou verbal) de participação entre os sócios ostensivo e participante”
Já Carlos Guimarães de Almeida[35] afirma que trata de “sociedade oculta, desprovida de personalidade moral, é sempre chamada para preencher o vazio jurídico, para reger novas situações decorrentes da contínua evolução das atividades mercantis.”
Em geral a conta de participação é conceituada como uma sociedade não-personificada, ou seja, sem personalidade jurídica, sem firma ou denominação social, sem autonomia patrimonial, formada por duas ou mais pessoas com desígnios semelhantes que reúnem esforços para atingir um objetivo comum.
2.2. Natureza Jurídica
A natureza jurídica da conta em participação é controvertida na doutrina. A primeira corrente sustenta não ter a conta de participação caráter de sociedade, preferindo classificá-la como uma espécie de contrato de investimento, pois teria apenas uma congregação de interesses. Já a outra corrente classifica à conta de participação como autentica sociedade mercantil, motivo pelo qual passamos a examinar a controvérsia.
Segundo José Carlos Carota a “conta de participação é, na realidade, um contrato de investimento comum, onde existem sócios ostensivos (empreendedor que participa com o capital e trabalho) que assumem a responsabilidade perante terceiros, e os sócios participantes ou ocultos que são os investidores”.[36]
Monica Gusmão se filia a essa corrente sob o argumento que na realidade há somente uma sociedade interna, formada por um contrato de participação entre sócio ostensivo e participante.[37] Outra justificativa dada por adeptos a essa corrente é que não há o surgimento de uma pessoa jurídica distinta dos demais sócios. Nesse sentido, também encontramos opiniões como a Octavio Mendes, Soares de Faria e João Eunápio Borges[38]
Contudo, a exemplo de Carlos Guimarães Almeida, Ricardo Guimarães Moreira, e Alberto João Zortêa, nos parece que a maior parte da doutrina é adepta à outra corrente, no qual defende que a conta de participação possui os três elementos configuradores de uma sociedade, quais sejam: (a) a obrigação sócios de contribuir, com bens ou serviços, para o exercício da atividade comum, também denominado de fundo social; b) a participação nos resultados positivos (lucros) e negativos (perdas) decorrentes do negócio; e c) a affectio societatis, isto é, a vontade de colaboração recíproca entre os sócios para a consecução do objeto social, a vontade de associarem.
Filiamos-nos a segunda corrente, pois, com a entrada em vigor do Código Civil, a natureza jurídica tornou-se mais transparente, pois a disposição da conta de participação encontra-se localizada na seção das sociedades empresárias. Não obstante, assim determina o artigo 981 do Código Civil: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Ademais, os três requisitos supramencionados, ao nosso ver, encontram-se existentes e intimamente ligados na conta de participação.
Tal diferenciação se torna importante se tomarmos por base os efeitos da conta de participação. Se a consideramos sociedade tem-se que não se aplicarão em sua totalidade à Conta de Participação os princípios contratuais, como por exemplo a exceptio non adimplenti contractus, segundo o qual a parte demandada pode recusar a sua prestação contratualmente prevista, sob o fundamento de não ter aquela que reclama dado cumprimento à que lhe cabe.[39]
2.3. Requisitos e Características
Preliminarmente a Sociedade em Conta de Participação deve atender aos requisitos gerais de validade de qualquer negócio jurídico definido em nossa legislação pátria, quais sejam: agentes capazes, objeto lícito e forma legal, sendo que para este ultimo não se aplica para a Conta de Participação, tendo em vista disposição legal do artigo 992 do Código Civil. Assim, a Sociedade em Conta de Participação pode constituir-se por instrumento público ou particular ou mesmo de forma verbal. As partes precisam ter capacidade para contratar e o objeto deve ser lícito, sob pena de nulidade da sociedade, como previsto em qualquer sociedade regular.[40]
Do caráter oculto da Conta de Participação, conforme ensinamentos de Carlos Guimarães de Almeida[41], resultam importantes características, senão vejamos:
(I) Ausência de formalidades para sua constituição.
Nos termos do artigo 992 do Código Civil de 2002, a constituição da Conta de Participação independe de qualquer formalidade. Nos dizeres de Alberto João Zortêa “a conta de participação é informalista, não obediente aos demais tipos societários”[42] Assim, a conta de participação constitui-se mediante o simples consenso dos seus integrantes, sem a necessidade de atender a requisitos especiais, tais como registro na junta comercial e inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ.[43]
Gustavo Oliva Galizzi[44] alerta que a falta de exigência formal para a constituição da conta de participação por vezes dificulta a identificação de um negócio jurídico como sendo, de fato, uma sociedade em conta de participação. Negócios podem ser formalizados sob sua denominação sem efetivamente corresponderem às suas características. Da mesma forma, um instrumento pode regular e ser de fato uma sociedade em conta de participação sem ter essa denominação. Nesses casos, o autor citado defende que deve-se “identificar, em paralelo aos seus demais requisitos de validade […], a efetiva participação do sócio participante nos lucros ou perdas decorrentes das operações entabuladas pelo sócio ostensivo”.
Por outro lado, o fator da informalidade vem a calhar para situações no qual os sócios desejam poupar despesas com a organização de uma das formas de sociedade dotada de personalidade, ou mesmo urgência na operação de tal forma que não permita as formalidades exigidas por lei.[45]
(II) Ausência de personalidade jurídica e autonomia patrimonial.
A personalidade jurídica confere a uma entidade existência legal própria, separando as pessoas naturais que a formam. A pessoa jurídica caracteriza-se por ser sujeito de direitos e obrigações, dotada de autonomia patrimonial, assumindo assim papel fundamental na circulação de riquezas e no desenvolvimento das nações. Graças à personalidade jurídica, aliada à limitação de responsabilidade dos sócios, grandes empreendimentos puderam ser viabilizados.[46]
José Xavier de Carvalho Mendonça salienta que “O reconhecimento da personalidade jurídica não somente concorre para fortalecer essas sociedades, mantendo seu crédito e desenvolvendo o seu poder, como também imprime exata orientação para a fixidez dos princípios que disciplinam as relações entre elas, os sócios e terceiros e entre estes e aqueles”.[47] A pessoa jurídica, dotada de personalidade jurídica, segundo a súmula nº. 227 do Superior Tribunal de Justiça pode, inclusive, sofrer dano moral, característica típica da personalidade. Ela nasce com a inscrição do seu ato constitutivo no respectivo registro. Por outro lado, a legislação ainda prevê a desconsideração da personalidade jurídica nos casos de abuso da personalidade jurídica, com desvio de finalidade e confusão patrimonial.[48]
Não obstante, no Brasil, como em diversos outros países, a personalidade jurídica não é traço comum a todos os tipos societários, havendo sociedades desprovidas de tal autonomia ou “não personificadas” como o caso da conta de participação. [49]
O motivo está relacionado ao fato da conta de participação não se exteriorizar, ou seja, não se tornar pública, visto que apenas o sócio ostensivo quem aparece e se obriga perante terceiros, ou seja, a sociedade não possui capacidade de contrair direitos e obrigações em seu nome. Ademais, a exteriorização é requisito essencial de qualquer pessoa jurídica, pois somente assim os agentes econômicos e o Estado podem controlar sua existência e a extensão de suas obrigações, o que não ocorre na conta de participação.[50]
Assim, a conta de participação é sociedade regular, sem, contudo existir a personalidade jurídica própria, estando sempre representada pelo sócio ostensivo.[51] Tal entendimento encontra-se pacificado ao analisarmos teor do artigo 933 do Código Civil: “O contrato social produz efeito somente entre os sócios, e a eventual inscrição de seu instrumento em qualquer registro não confere personalidade jurídica à sociedade”.
De fato, a principal característica da personalidade jurídica é a capacidade jurídica de assumir direitos e obrigações, o que não ocorre na conta de participação, visto que quem assume esses direitos e obrigações é a figura do sócio ostensivo. Ponto interessante é a admissão do Código Civil para a publicidade da conta de participação, fato que não ocorrida no Código Comercial.
Em decorrência da ausência de personalidade jurídica surgem as seguintes conseqüências: (i) ausência de titularidade obrigacional (somente o sócio ostensivo que possui, pois é ele quem trata com fornecedores, participa de licitações, contrata, emite títulos dentre outros); (ii) ausência de titularidade processual (não tem capacidade para estar em juízo) e a (iii) ausência de responsabilidade patrimonial (os bens destinados à exploração da atividade social são de titularidade exclusiva do sócio ostensivo e não da sociedade, pois as contribuições do sócio participante passam à propriedade do sócio ostensivo, formando um patrimônio especial dentro do geral).[52]
Por não ser dotada de personalidade jurídica, a Sociedade em Conta de Participação também não pode ter patrimônio próprio. Como o sócio ostensivo que contrai direitos e obrigações perante terceiros será o seu patrimônio que será acrescido das contribuições efetuadas pelos sócios participantes.
(III) Ausência de firma social, nem denominação social.
O sócio ostensivo utiliza a sua própria firma ou denominação. A ausência de denominação social não impede que os sócios adotem, entre si, uma designação interna para identificar a sociedade. Pelo contrário, tal designação se faz necessária a exemplo da exigência contida na Instrução Normativa n.º 31/2001 da Receita Federal. Alerta-se que a escrituração das operações da sociedade poderá, a opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros destes ou em livros da própria conta, sendo que caso opte registrar em seus próprios livros deverá evidenciar de modo a distinguir o que é registro de uma ou de outra conta, seja por exigência, como vimos da Receita Federal ou mesmo eventual prestação de contas para com o sócio participante.[53]
(IV) Ausência de sede ou domicílio.
Outro aspecto discutido pela doutrina é se a sociedade em conta de participação poderia ter sede ou domicílio. Parte da doutrina defende que a sociedade não poderia ter sede, pois tal circunstância implicaria sua exteriorização. Outra parte já defende que nada obsta dos sócios convencionarem entre si um local para servir de base de operação, onde possam manter os livros, a contabilidade, bens. Nesse sentido também entende Carlos Guimarães de Almeida.[54] Nesse mesmo sentido defende Carlos Guimarães de Almeida.[55]
(V) Sociedade ad intra.
Existência de duas faces: uma interna, entre os sócios, onde existe e produz efeitos a sociedade, regida pelo contrato e, outra externa, que não aparece a terceiros, pois o sócio ostensivo age em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade, sem necessariamente revelar o ânimo societário que o orienta. Com isso apenas o sócio ostensivo desempenha o objeto social e com isso responde ilimitada e pessoalmente perante terceiros e, nos termos do contrato, perante o sócio participante.[56]
Nesse sentido entende o Superior Tribunal de Justiça:
“DUPLICATA. EMISSÃO POR FORNECEDORA DE MOBILIÁRIO CONTRA O PROPRIETÁRIO DE UNIDADE AUTÔNOMA DE EDIFÍCIO. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO. RESPONSABILIDADE PERANTE TERCEIROS. SÓCIO OSTENSIVO.
“Na sociedade em conta de participação o sócio ostensivo é quem se obriga para com terceiros pelos resultados das transações e das obrigações sociais, realizadas ou empreendidas em decorrência da sociedade, nunca o sócio participante ou oculto que nem é conhecido dos terceiros nem com estes nada trata. (REsp nº 168.028-SP).Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” REsp nº 192603-SP. DJ 01.07.04. Min. Relator Barros Monteiro.”
(VI) Inexistência de Falência.
Não pode ser declarada falida. Somente o sócio ostensivo pode incorrer em falência.
(VII) Liquidação resume-se a uma simples prestação de contas.
Materializando as características supramencionadas podemos citar o seguinte exemplo: Uma sociedade limitada, que atua no mercado imobiliário, passa por uma grave crise de liquidez (falta de capital de giro), necessitando capitalizar-se com urgência, mas encontra empecilhos para obter empréstimo junto a instituições financeiras. De outra banda, um grupo de investidores possui capital disponível e está disposto a investi-lo no setor atuante da sociedade limitada, muito embora não tenham conhecimento técnico e operacional em incorporação imobiliária (know–how). Tanto a sociedade limitada quanto o grupo de investidores não se conhecem, mas possuem objetivos que convergem para interesses em comum. Descartada a possibilidade do grupo de investidores se tornar sócio da sociedade limitada, seria a modalidade da Sociedade em Conta de Participação a alternativa viável para o caso em questão? Acreditamos que sim. A sociedade limitada figuraria como sócia ostensiva e o grupo de investidores como sócios participantes. As vantagens dessa operação seriam: a sociedade limitada obteria o capital de que necessita e não fecharia suas portas, enquanto que o grupo de investidores estaria investindo seu capital num empreendimento que está no controle de pessoas que a priori possuem o know-how necessário para desenvolver o negócio. A responsabilidade civil pelos negócios jurídicos realizados pela Conta de Participação é exclusivamente da sociedade limitada, ora sócia ostensiva, ou seja, esta responde ilimitadamente pelas obrigações assumidas em nome próprio para o desenvolvimento do empreendimento. O grupo de investidores, ora sócio participante, não mantêm qualquer relação jurídica com os credores, logo, respondem apenas regressivamente perante a sócia ostensiva.
Por fim, importante ainda destacar que independentemente do tipo societário, o que distingue um contrato societário dos demais é a união de esforços, conforme preceitua o artigo 981 do Código Civil: “celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens e serviços, para o exercício da atividade econômica e a partilha, entre si, os resultados”. Da união de esforços resulta uma série de obrigações, dentre as quais os deveres de diligência, lealdade e cooperação recíproca.[57]
2.4. Duração
Quanto à duração, a Sociedade em Conta de Participação pode ser momentânea, acidentais ou de caráter permanente.
A Conta de Participação pode ser momentânea quando há prazo determinado de sua vigência ou em seu ato constitutivo ou em contrato que estipule sua existência por determinado período. Geralmente são formadas para um empreendimento específico.
Frisa-se que as obrigações assumidas pelo sócio ostensivo durante o funcionamento dessa sociedade continuarão vigentes mesmo após o término de existência da Conta de Participação até os devidos prazos prescricionais. Por outro lado, a Sociedade em Conta de Participação pode ser declarada acidental quando existe a prática característica da uma Sociedade em Conta de Participação sem a devida formalização contratual. Por oportuno, cabe ressaltar que a Conta de Participação pode ser provada por qualquer meio de prova admitido pelo direito pátrio. E, finalmente a Sociedade em Conta de Participação de duração permanente desde que o ato constitutivo não limite sua existência.[58]
2.5. Publicidade
Na doutrina tradicional criou-se a idéia de que a principal característica da conta de participação seria o caráter oculto do sócio participante. Pra coibir esse raciocínio o Código Civil de 2002 alterou a denominação de sócio oculto para sócio participante.
Nos dizeres de Henrique Vargas Beloch[59] o caráter oculto possui suas vantagens, principalmente se o sócio participante deseja ocultar sua participação em determinada operação. Por outro lado, o doutrinador faz a ressalva que a característica oculta do instituto pode tornear a incompatibilidade legal entre certas profissões e o exercício do comércio.
Gustavo Oliva Gallizi[60] pondera que o fato da sociedade não se exteriorizar não quer dizer que ela seja oculta ou secreta, pois em determinadas situações, a sociedade pode até se revelar para terceiros, buscando estabelecer maior segurança jurídica à relação que se estabelecer, desde que, contudo, somente um pólo contratante (sócio ostensivo) se obrigue com seu nome individual, assumindo assim as conseqüências do negócio. Assim, por mais que terceiros conheçam a sociedade ou mesmo o sócio participante, a conta de participação ainda estará caracterizada desde que somente o sócio ostensivo em seu nome individual se obrigue com terceiros e não induza este a crer que terá ação além do sócio ostensivo.
De fato, pode-se notar que o próprio Código Civil em seu artigo 993 prevê a possibilidade de terceiros terem conhecimento da sociedade e por consequência do sócio participante, ao ventilar a possibilidade da inscrição do ato constitutivo da sociedade em qualquer registro.
Frisa-se, por oportuno, que a exteriorização da sociedade e seu desvirtuamento desencadeará a responsabilidade ilimitada e solidária de todos os sócios (ostensivos e participantes) pelas obrigações, conforme parágrafo único do artigo 993 do Código Civil, in verbis: “Sem prejuízo do direito de fiscalizar a gestão dos negócios sociais, o sócio participante não pode tomar parte nas relações do sócio ostensivo com terceiros, sob pena de responder solidariamente com este pelas obrigações em que intervier”.
2.6. Provas
A prova da existência da conta de participação é fator dos mais relevantes, sobretudo para que seja reconhecida como modalidade societária e não como sociedade irregular. Se tornar impossível a prova da sua existência, haverá a responsabilidade solidária e ilimitada de todos os sócios pelas dívidas sociais, e não apenas do sócio ostensivo.[61]
Sobre os meios de provas admitidos para a comprovação da existência da conta de participação a própria lei estabelece que a conta de participação não se sujeita a formalidades. O artigo 922 do Código Civil afirma que “independe de qualquer formalidade” e, com relação à possibilidade de prova determina que “pode provar-se por todos os meios de direito”.[62]
Corroborando o artigo supra, o Código de Processo Civil em seu artigo 332 atesta que “todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a defesa”.
Assim, de pronto temos a relação elencada no artigo 212 do Código Civil que estabelece como meio de prova a confissão, documental, testemunha, presunção e perícia. Não obstante, podemos citar documentos públicos ou instrumentos particulares, pelos livros do sócio ostensivo. Sobre o tema a jurisprudência assim já se manifestou:
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO; DELE NÃO SE CONHECE, QUANDO A A DECISÃO RECORRIDA SE LIMITA A INTERPRETAR RAZOAVELMENTE A LEI, PARA APLICA-LA AO CASO CONCRETO, EM FACE DA PROVA DE FATOS. A EXISTÊNCIA DE SOCIEDADE EM CONTA DA PARTICIPAÇÃO NÃO DEPENDE DE CONTRATO ESCRITO E PODE SER PROVADA POR QUALQUER MEIO ADMITIDO EM DIREITO. (RE 18.832. Julgamento 06/08/1951. Min. Nelson Hungria) (grifa-se)
Ainda consta no voto do Ministro Relator que a prova ainda pode se dar por meio de correspondências e testemunhas.
3. FUNDO SOCIAL
A atividade econômica de todo e qualquer tipo societário demanda a prévia captação de recursos financeiros. Diferente não ocorre na sociedade em conta de participação, onde os aportes destinados à exploração do objetivo da sociedade constituem a base material da atividade do sócio ostensivo, formando um fundo social. O fundo social é o conjunto das entradas que os sócios – ostensivo e participante – declaram vinculados aos negócios que constituem o objeto social da conta de participação.[63]
Grande controvérsia na doutrina é se a conta de participação possui um fundo social, tendo em vista sua ausência de personalidade jurídica. Oportuno salientar que uma das principais características de uma sociedade personificada é a sua autonomia patrimonial. Quem assume as obrigações e direitos perante terceiros é a própria sociedade dotada de personalidade, motivo pelo qual é o patrimônio dessa sociedade que responderá e não o patrimônio pessoal dos sócios.[64] O artigo 994 do Código Civil estabelece que “a contribuição do sócio participante constitui, como a do sócio ostensivo, patrimônio especial, objeto da conta de participação relativa ais negócios sociais”.
No caso da conta de participação, como não é a sociedade, mas sim o sócio ostensivo que assume as obrigações, os aportes feitos pelos sócios participantes vêm para integrar o patrimônio do sócio ostensivo. Portanto, os fundos sociais da conta de participação respondem pelas obrigações pessoais do sócio ostensivo, e os demais sócios, e os demais sócios não podem impedir que terceiros, buscando sanar eventuais dívidas do sócio ostensivo, alcance os fundos sociais, resguardado o direito de regresso.[65]
Gustavo Oliva Galizzi ensina que “o conjunto dos bens afetados ao objeto da sociedade em conta de participação não constitui um fundo social no sentido de que pertencem à sociedade, a qual, como foi assinalado, não tem patrimônio próprio. Na sociedade em conta de participação, os fundos são sociais não em relação à titularidade, mas tendo em vista sua destinação”[66]
Nesse sentido atesta Ricardo Uperman que pacífico por todos os doutrinadores encontra-se a posição de que o patrimônio especial deve estar registrado dentro da contabilidade do sócio ostensivo como fundo social ou contribuição dos sócios participantes, sendo que a denominação fundo social é utilizada por que são empregados para a finalidade social da sociedade e não no sentido de que pertencem à sociedade.[67]
4. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS SOBRE A CONTA DE PARTICIPAÇÃO
Não obstante a conta de participação não ter personalidade jurídica, para fins tributários, apenas, é equiparada à pessoa jurídica, devendo, portanto, incidir tributação em todos os seus resultados. [68] Assim determina o Decreto-Lei 2.303/86 em seu artigo 7º:
“Artigo 7 – Equiparam-se a pessoas jurídicas, para os efeitos da legislação do imposto de renda, as sociedades em conta de participação.
Parágrafo único. Na apuração dos resultados dessas sociedades, assim como na tributação dos lucros apurados e dos distribuídos, serão observadas as normas aplicáveis às demais pessoas jurídicas.”
Invocando preciosa lição de Ricardo Uperman segue uma série de aspectos tributários que se apresentam na Sociedade em Conta de Participação:
“a. O Fisco veio intervir na Conta de Participação para reconhecer o CNPJ para os contratos, seja na forma societária, seja em qualquer forma contratual. Contudo, o simples CNPJ não significa a existência de personalidade jurídica;
b. Com relação ao Imposto de Renda o sócio ostensivo estará sujeito à tributação, como se fosse pessoa jurídica, sobre os lucros provenientes do empreendimento comum (art. 149 do RIR/99). A legislação vigente ainda atribui ao sócio ostensivo a responsabilidade tributária de fonte, isto é em caso de se ter que reter quaisquer impostos na fonte atribuíveis a qualquer dos sócios, caberá ao sócio ostensivo essa obrigação;
c. A escrituração das operações da Conta de Participação poderá, à opção do sócio ostensivo, ser efetuada nos livros deste ou em livros próprios da referida sociedade;
d. A partir de 01 de janeiro de 2001, observadas as hipóteses de obrigatoriedade do regime de tributação com base no lucro real, as sociedades em conta de participação podem optar pelo regime de tributação cm base no lucro presumido;
e. Em caso de distribuição de lucros, estes já deverão estar tributados na contabilidade do sócio ostensivo;
f. A Conta de Participação poderá possui empregados contratados em nome do Sócio Ostensivo. Tal fato propicia mobilidade grande ao sócio ostensivo, pois os funcionários podem vir a trabalhar em qualquer dos locais por cujas operações o sócio ostensivo é responsável;
g. Compete ao sócio ostensivo à responsabilidade de apurar os resultados, presentar declaração de informações e recolher o imposto devido, os quais deverão ser apurados em cada período, com observância da legislação federal. Outra característica interessante é que a escrituração pode ser efetuada nos livro do sócio ostensivo.”[69]
Entendo que a determinação fiscal ao equiparar a Conta de Participação às pessoas jurídicas restou por descaracterizá-la, pois exige que a sociedade se exteriorize e atue como se pessoa jurídica fosse. Essa obrigatoriedade, ao meu ver, vai de encontro com a própria natureza do tipo societário, qual seja, a natureza oculta, na existência exterior apenas do Sócio Ostensivo. Uma coisa é a opção dos sócios em registrar o ato constitutivo da Conta de Participação. Outra é a obrigatoriedade em se manifestar perante o fisco como participante de uma Sociedade em Conta de Participação.
Outro interessante argumento é que com o advento do Código Civil de 2002, não resta dúvidas sobre a classificação da Conta de Participação como uma sociedade não-personificada, motivo pelo qual o Decreto-lei n. 2.303/86 estaria revogado tacitamente.
5. TÉRMINO DA CONTA DE PARTICIPAÇÃO
A exemplo dos outros tipos societários, a sociedade em conta de participação possui três fases de encerramento das suas atividades constitutivas: (i) dissolução; (ii) liquidação e (iii) partilha/extinção. Em linhas gerais a dissolução é o ato, judicial ou extrajudicial, que inicia o procedimento de extinção da conta de participação. A liquidação, por sua vez, é a fase no qual são confrontados os resultados positivos e negativos decorrentes da exploração do objeto social, chegando-se ao saldo final. Finalmente, a extinção é o termo final do procedimento de término da sociedade.[70]
A doutrina o ato de dissolução da sociedade em dissolução de pleno direito, extrajudicial e judicial. No caso da conta de participação a dissolução de pleno direito seria, por exemplo, a expulsão ou retirada do sócio da conta de participação formada por dois membros. A extrajudicial seria decorrente da vontade dos sócios, por meio do distrato. Por fim, a judicial seria na impossibilidade da dissolução amigável no qual caberia ao juiz determinar o término da sociedade.[71]
As causas de dissolução da conta de participação se assemelham às demais sociedades, motivo pelo qual podemos citar: a) decurso do prazo determinado de duração (quando a sociedade é formada por prazo certo); b) unipessoalidade (retirada do sócio, sendo que em casos de falecimento e previsão no ato constitutivo pode ocorrer a substituição do sócio pelos herdeiros deste); c) Irrealizabilidade do objeto social (os sócios não conseguem atingir a função social da sociedade, seja porque não há mercado suficiente; perda do fundo social ou mesmo desentendimentos graves entre os sócios a ponto de quebrar a affectio societatis); d) vontade dos sócios (importante apenas delimitar no ato constitutivo as situações, quorum e procedimentos para a dissolução); e) falência do sócio ostensivo (Artigo 994, §3º do Código Civil); f) Falência do Sócio Participante (sujeito as normas que regulam os efeitos da falência nos contratos bilaterais do falido – Artigo 994, §3º do Código Civil. Assim, o administrador pode determinar a continuidade da sociedade, sendo os lucros do sócio participante seriam destinados a pagar dúvidas.[72]
Dissolvida a sociedade em conta de participação, segue a liquidação nos termos do artigo 966 do Código Civil que determina a adoção das normas provenientes da prestação de contas, na forma da lei processual. Como a conta de participação é desprovida de personalidade jurídica e, conseqüentemente, não possui patrimônio próprio, não há ativo e nem passivo a solver na sociedade. O que existe é somente uma prestação de contas entre o sócio ostensivo e o participante para que se apure potencial crédito ou débito do sócio participante em face do ostensivo.
Finalmente, após dissolvida e liquidada, a sociedade em conta de participação extingue-se, desaparecendo o vínculo social.
CONCLUSÃO
Apesar de ser um tipo societário antigo no Direito, a Sociedade em Conta de Participação foi recepcionada no Código Comercial de 1850 e mantida pelo Código Civil de 2002, mas percebe-se que o instituto continua sendo pouco difundido.
A Sociedade em conta de Participação é entendida no presente trabalho como uma sociedade empresária e não como um mero contrato de investimento, pois leva-se em consideração os requisitos dispostos no artigo 991 do Código Civil, em detrimento do conceito de que a sociedade empresária prescindi da existência de personalidade jurídica. Ademais, entendo confrontante a determinação fiscal contida no Decreto-Lei 2.303/86 no qual equipara a Conta de Participação às pessoas jurídicas, por descaracterizar totalmente aquele, no momento em que obriga a exteriorização. Esta deve ser uma opção dos sócios.
De outra banda, sob uma visão moderna, concluímos que a Conta de Participação possui fatores extremamente atrativos para o mundo empresarial, norteado a cada dia com dificuldades de obtenção de crédito na praça.
Os elementos que tornam a Conta de Participação uma opção atrativa para os mais variados negócios são a sua informalidade, a ampla autonomia das partes em regular os interesses da sociedade da maneira que melhor lhes convir e o seu caráter oculto. Do caráter oculto surgem outras características da Conta de Participação, como a ausência de personalidade jurídica e a falta de patrimônio próprio.
Importante esclarecer que as características supramencionadas não diminuem a Conta de Participação como modalidade societária. Pelo contrário, constituem um instrumento jurídico capaz de viabilizar a participação de investidores, além de afastar formalidades e custos com a constituição de uma sociedade empresária dotada de personalidade jurídica.
Descabida, portanto, entendimentos errôneos no sentido de menosprezarem essa modalidade societária, criando conotação pejorativa em sua utilização. Aqui cabe fazer ressalva que certamente pode haver registros da utilização imoderada e ilegal da Conta de Participação por sócios ostensivos que visam o lucro fácil em prejuízo do sócio ostensivo, como. Contudo, tanto no Brasil como no exterior podem–se encontrar diversos casos vitoriosos da aplicação da Sociedade em Conta de Participação, como, por exemplo, os fundos de investimentos, pools de investimentos, aquisição conjunta de bilhetes de loteria; dentre outros.
Conclui-se, portanto, extremamente oportuna à aplicabilidade, aliada com a eficiência prática, da Sociedade em Conta de Participação para a formatação jurídica de empreendimentos e projetos, devendo ser considerada como uma ferramenta altamente eficaz para alavancar os negócios do setor produtivo.
Advogada graduada pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB. Possui especialização em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília – UnB, especialização em Contratos e Responsabilidade Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP e MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Atualmente é Mestranda em Direito pelo Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
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