Resumo: O dano moral por ricochete é tema hodierno em nossa jurisprudência, razão pela qual ainda é objeto de divergências no que concerne a sua legitimidade e o quantum da indenização. Desta feita, o objetivo do presente trabalho é esmiuçar a extensão destes efeitos, adentrando nas peculiaridades de casos concretos já analisados pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal. Para tanto, foram utilizados vários julgados de aludidos tribunais, verificando-se, assim, que, em linhas gerais, os parentes da vítima e, ainda, aqueles que, mesmo não sendo parentes, sofrem dor pela perda da vítima, são legitimados ativos para a propositura da ação de indenização por danos morais por via reflexa e, quanto ao valor da indenização, mister se faz a análise de cada caso concreto, a fim de que o instituto não seja supedâneo ao enriquecimento sem causa, devendo se levar em consideração, sobretudo, os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Assim, ante a análise de casos diversos, delimitaram-se os parâmetros acima reportados.
Palavras-chave: dano moral; ricochete; legitimidade; indenização; responsabilidade.
Abstract: The damage per bounce is today's topic in our jurisprudence, which is why it is still subject to disagreement regarding its legitimacy and the quantum of damages. This time, the aim of this paper is to scrutinize the extent of these effects, entering the peculiarities of individual cases already analyzed by the Superior Court and Supreme Court. For this, we used several judged alluded courts, verifying, so that, in general, the relatives of the victim, and also those who, while not relatives, suffer pain for the loss of the victim, are legitimated assets to the filing of a claim for damages by reflex and, as the amount of compensation, mister is made analysis of each case, so that the institute is not footstool unjust enrichment, should be taken into consideration, especially the principles of proportionality and reasonableness. Thus, compared to the analysis of different cases, delimited the parameters reported above.
Keywords: moral damages; ricochet; legitimacy; compensation; responsibility.
Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade civil. 3. Dano. 3.1. Danos materiais. 3.2.danos morais. 3.2.1. Danos morais por ricochete. 3.2.1.1. Legitimidade. 3.2.1.2. Quantum da indenização. 4. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Urge consignar que o dano reflexo, também chamado de ricochete, pode ser conceituado como a viabilidade de os efeitos danosos de um ato ilícito praticado contra determinado indivíduo alcançarem, ainda, pessoa diversa. Com efeito, no que atine ao dano moral, a despeito de sua natureza personalíssima, há situações em que não somente a vítima direta do dano é atingida, porquanto outras pessoas, de algum modo vinculadas à vítima, acabam por experimentar, reflexamente, a dor e o sofrimento.
Desse modo, é de se pontificar que não seria razoável se restringir a legitimidade da ação de indenização tão somente às pessoas imediatamente sofredoras do dano moral. Como cediço, o dano moral, é de complexa definição, na medida em atua no ínfimo do ser humano, razão pela qual não seria adequado afirmar que a dor não possa ultrapassar a vítima direta, vindo, assim, a afetar as pessoas – parentes ou não – que com ela possuam um vínculo afetivo.
A questão, contudo, está em perquirir quais são os legitimados ativos para a propositura da ação e, bem assim, o quantum do valor a ser fixado, a fim de que se evite a condenação ‘ad infinitum’. Não se é dado olvidar, ainda, que não há legislação específica aplicável aos que tais, tampouco, consenso em nossos Tribunais. Portanto, seriam utilizados importantes julgados para a análise do tema, notadamente, do Superior Tribunal de Justiça, realizando-se, um contraponto destas decisões.
2. RESPONSABILIDADE CIVIL
Nos termos do art. 927 do Código Civil:
“Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”
Continua o parágrafo único do mencionado artigo:
“Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para o direito de outrem".
A responsabilidade civil, portanto, decorre de uma conduta humana que produz danos, razão pela qual apenas os fatos jurídicos voluntários, lícitos ou ilícitos, estão contemplados por tal instituto.
De acordo com Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Ed. Ver. 2006):
“A Responsabilidade Civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição civil”.
Diante disso, aquele que descumprir obrigação de não lesar o próximo deverá indenizá-lo. Assim, de se concluir que responsabilizar é imputar ao responsável (lesante) as consequências de sua inadvertida conduta, com a consequente obrigação de indenizar.
Em arremate, os pressupostos da responsabilidade civil são: conduta humana, nexo de causalidade, dano ou prejuízo.
O Código Civil, no que concerne ao nexo de causalidade, adotou a teoria da causalidade adequada. Para esta teoria, causa é apenas o antecedente mais adequado à produção do resultado.
Importa ressaltar, finalmente, que há fatores que excluem o nexo de causalidade e, via de consequência, afastam a responsabilidade civil. São eles: estado de necessidade e legítima defesa, culpa exclusiva da vítima, fato exclusivo de terceiro, caso fortuito ou força maior e cláusula de não indenizar.
3. DANO
O dano pode ser conceituado, em suma, como uma lesão a um bem jurídico. Nesse contexto, consoante aduz Sérgio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros Editores. 2004) dano é:
“A subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc”.
De acordo com Pablo Stolze (STOLZE, Pablo. Novo curso de direito civil. Responsabilidade Civil. 9ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011), dano é “lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do agente infrator".
Para o supracitado autor, para que o dano seja reparável mister se faz a presença de três requisitos, quais sejam: violação de um interesse jurídico, quer seja patrimonial, quer seja moral; efetividade ou certeza (porquanto inviável a reparação de dano abstrato ou hipotético) e subsistência.
Há autores, contudo, que incluem como requisito do dano o mínimo de gravidade. É o caso, por exemplo, de Fernando de Sandy Lopes Jorge, para quem o mínimo de gravidade "é imposto pelo bom-senso e até pelo princípio da boa-fé, pois a exigência de reparação de um desses prejuízos só poderia explicar-se pelo propósito de vexar o lesante e, como tal, não merecia a tutela do direito" (JORGE, Fernando de Sandy Lopes. Ensaior Sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil. Coimbra: Ed. Livraria Almedina. 1994).
Pode-se afirmar, portanto, que o dano é elemento imprescindível para existência da reparação, podendo atingir tanto a esfera material, como também a esfera extrapatrimonial do indivíduo.
3.1. DANOS MATERIAIS
O dano material é aquele que se reflete no patrimônio do lesado. De acordo com Marcela Silva Brito (BRITO, Marcela Silva. Alguns aspectos polêmicos da responsabilidade civil objetiva no Novo Código Civil. In PAMPLONA FILHO, Rodolfo (coord). Novos nomes do direito civil. Salvador. 2004), o dano patrimonial consiste na:
“Lesão causada ao patrimônio da vítima, que acarreta a perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertenciam, sendo suscetível de qualificação pecuniária e de indenização pelo responsável”. Além disso, aduz que “abrande o dano emergente, que é o que efetivamente se perdeu, e o lucro cessante, que é o que se deixou de ganhar em razão do evento danoso.”
Calha, pois, trazer a baila o disposto no artigo 402 do Código Civil, in verbis:
“Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.”
Portanto, duas subespécies de prejuízos descortinam aludido dano, quais sejam: (a) os danos emergentes, que são os prejuízos efetivamente experimentados e que retratam a diminuição patrimonial da vítima; e (b) os lucros cessantes, consubstanciados naquilo que a vítima deixou de ganhar em razão do ato ilícito.
3.2. DANOS MORAIS
Os danos morais, por sua vez, podem ser definidos como aqueles que acarretam uma dor interior, um sentimento negativo que assolam, sobretudo, a esfera íntima do ofendido. Para Wilson Melo da Silva, danos morais:
“São lesões sofridas pelo sujeito físico ou pessoa natural de direito em seu patrimônio ideal, entendendo-se por um patrimônio ideal, entendendo-se por patrimônio ideal, em contraposição a patrimônio material, o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico” (MELLO DA SILVA, Wilson. 3ª ed. O Dano Moral e a sua Reparação. 1999, nº 1).
De se ressaltar que tal dano psíquico independe de maiores comprovações, já que ele é inerente à natureza humana.
Desta feita, para a sua demonstração, mister se faz, tão somente, a prova do nexo causal entre a conduta ilícita, o resultado danoso e o fato. Isto, contudo, não implica dizer que o dano moral decorre de uma presunção legal, vez que é possível se realizar a contraprova, demonstrando-se, assim, que não consiste o dano moral em uma presunção natural.
Nesse sentido, destaca-se a lição do Professor Sérgio Cavalieri Filho (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4ª ed. São Paulo: Ed. Malheiros Editores. 2004):
“Entendemos, todavia, que por se tratar de algo imaterial ou ideal a prova do dano moral não pode ser feita através dos mesmos meios utilizados para a comprovação do dano material. Seria uma demasia, algo até impossível, exigir que a vitima comprove a dor, a tristeza ou a humilhação através de depoimentos, documentos ou perícia; não teria ela como demonstrar o descrédito, o repúdio ou o desprestígio através dos meios probatórios tradicionais, o que acabaria por ensejar o retorno à fase da irreparabilidade do dano moral em razão de fatores instrumentais.
Neste ponto, a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito na própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum.”
Nesse mesmo sentido é o escólio do egrégio Superior Tribunal de Justiça:
“A jurisprudência desta Corte está consolidada no sentido de que, na concepção moderna do ressarcimento por dano moral, prevalece a responsabilização do agente por força do simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material. (…) Recurso não conhecido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 556200/RS. Quarta Turma. Rel. Min. César Asfor Rocha. DJe 19/12/2003).
O dano moral, portanto, é in re ipsa, ou seja, pela força dos próprios atos. Noutro pórtico, para a configuração deste tipo de dano é despicienda a apresentação de provas hábeis a configurar a ofensa a moral da pessoa.
3.2.1. DANO MORAL POR RICOCHETE
Fora a doutrina francesa que desenvolveu a teoria nomeada de par ricochet, segundo a qual:
“Embora o dano deva ser direto, tendo como titulares da ação aqueles que sofrem, de frente, os reflexos danosos, acolhe-se também o dano derivado ou reflexo, “le dammage par ricochet, de que são os titulares que sofrem, por consequência, aqueles efeitos, como no caso do dano moral sofrido pelo filho diante da morte de seus genitores e vice-versa.” (CAHALI, Yusef Said, Dano Moral, 3ª Ed. São Paulo: RT. 2005. P.116).
Diante disso, pode-se observar que os danos causados em decorrência de um ato ilícito, consoante alhures mencionado, em regra, são direcionados a uma vítima direta, notadamente, diante da natureza personalíssima dos danos morais. Todavia, há casos em que a dor e a ofensa alcançam, ainda, vítimas indiretas, sabidamente, àquelas que possuem vínculos com vítima direta do dano. Em casos que tais, podem, aludidas vítimas, que sofrem lesão por via reflexa, pleitearem danos morais por ricochete, também chamados danos morais indiretos.
Assim, os danos morais por ricochete são aqueles em que os efeitos danosos de um ato ilícito, direcionados a um indivíduo, atingem pessoa diversa.
Urge consignar, que, embora o artigo 403 do Código Civil (Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual), em um primeiro momento indique ser possível o dano moral decorrente, tão somente, de danos diretos e imediatos, excluindo-se, assim, o dano indireto (por ricochete), este não é o entendimento adotado, haja vista que dito artigo apenas é aplicado às hipóteses de dano patrimonial. Conforme linhas pretéritas, o dano patrimonial é aquele decorrente de conduta direta e exclusiva do contratante desidioso. Este entendimento é estendido, inclusive, para às hipóteses de responsabilidade extracontratual:
“Responsabilidade civil do Estado. Dano decorrente de assalto por quadrilha de que fazia parte preso foragido varios meses antes. – A responsabilidade do Estado, embora objetiva por força do disposto no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69 (e, atualmente, no paragrafo 6. do artigo 37 da Carta Magna), não dispensa, obviamente, o requisito, também objetivo, do nexo de causalidade entre a ação ou a omissão atribuida a seus agentes e o dano causado a terceiros. – Em nosso sistema jurídico, como resulta do disposto no artigo 1.060 do Código Civil, a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade e a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal. Não obstante aquele dispositivo da codificação civil diga respeito a impropriamente denominada responsabilidade contratual, aplica-se ele também a responsabilidade extracontratual, inclusive a objetiva, até por ser aquela que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalencia das condições e a da causalidade adequada. – No caso, em face dos fatos tidos como certos pelo acórdão recorrido, e com base nos quais reconheceu ele o nexo de causalidade indispensavel para o reconhecimento da responsabilidade objetiva constitucional, e inequivoco que o nexo de causalidade inexiste, e, portanto, não pode haver a incidencia da responsabilidade prevista no artigo 107 da Emenda Constitucional n. 1/69, a que corresponde o paragrafo 6. do artigo 37 da atual Constituição. Com efeito, o dano decorrente do assalto por uma quadrilha de que participava um dos evadidos da prisão não foi o efeito necessario da omissão da autoridade pública que o acórdão recorrido teve como causa da fuga dele, mas resultou de concausas, como a formação da quadrilha, e o assalto ocorrido cerca de vinte e um meses após a evasão. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 130764, Rel. Min. Moreira Alves, Primeira Turma, DJ 07-08-1992). Grifei.
Com efeito, os limites inseridos pela teoria do dano direto e imediato não abarcam o dano moral por ricochete, mormente porque este último decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, podendo ser reclamado, em tese, por todas as pessoas.
Assim, embora o dano moral por ricochete seja de difícil caracterização pelos Tribunais, diante de sua subjetividade, é certo que ele enseja a responsabilidade civil do infrator, desde que demonstrado o prejuízo da vítima indireta. Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
“RECURSO ESPECIAL – ACIDENTE DE TRÂNSITO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL INDIRETO AJUIZADA PELO CÔNJUGE DA VÍTIMA – NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – OMISSÃO – INOCORRÊNCIA – NULIDADE DA TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL HAVIDA ENTRE AS PARTES – INEXISTÊNCIA – ARGÜIÇÃO EM AÇÃO PRÓPRIA – NECESSIDADE – RESSARCIMENTO DE DANO MORAL INDIRETO – NATUREZA E FUNDAMENTOS DIFERENTES DAQUELES CONTIDOS NA AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MORAIS AJUIZADA PELA VÍTIMA DO ACIDENTE – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INTUITO DE PREQUESTIONAMENTO – FIXAÇÃO DE MULTA – DESCABIMENTO – AFASTAMENTO – NECESSIDADE – INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N. 98 DA SÚMULA⁄STJ – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO, APENAS PARA AFASTAR A MULTA FIXADA EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1041715⁄ES, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 13⁄06⁄2008).
“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PAIS DA VÍTIMA DIRETA. RECONHECIMENTO. DANO MORAL POR RICOCHETE. DEDUÇÃO. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 246/STJ. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7/STJ E 283/STF. 1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88. 2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1208949/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15/12/2010).
Assim, ainda que exista lacuna na lei, tal não é óbice ao reconhecimento do dano por ricochete, porque o ordenamento jurídico, como todo, o admite.
3.2.1.1 LEGITIMIDADE
Nos termos da doutrina processualista, legitimidade é a pertinência subjetiva para a ação. Assim, somente é legitimado a pleitear em juízo aquele que sofre o dano.
Ocorre que, a considerar a complexidade da personalidade humana, nem a lei, e tampouco a jurisprudência, conseguem delinear, de forma objetiva, o rol de legitimados a pleitearem indenização por dano em ricochete. Nesse ponto, a jurisprudência, como dito, ainda encontra vários percalços, vez que, ao passo que algumas pessoas tem, em princípio, nítido direito, outros são sobremaneira controvertidos.
Para Maria Helena Diniz (DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. 7ª ed. São Paulo: Ed. Ver. 2006):
“Na responsabilidade extracontratual é mais fácil caracterizar o direito à indenização dos lesados indiretos. P. ex.: o homicídio de uma pessoa (vítima direta) pode provocar, como vimos, danos a terceiros, lesados indiretos, que deverão ser indenizados de certas despesas que terão de fazer (CC, art. 948). Os lesados indiretos pela morte de alguém serão aqueles que, em razão dela, experimentem um prejuízo distinto do que sofreu a própria vítima. Terão legitimação para requerer indenização por lesão a direito da personalidade da pessoa falecida, o cônjuge sobrevivente (Enunciado n. 275 do CJF aprovado a IV jornada de Direito Civil), qualquer parente em linha reta, ou colateral até quarto grau (CC, art. 12, parágrafo único)”.
Carlos Roberto Gonçalves, por sua vez, aduz que:
“Baseado em elo jurídico afetivo mantido com o lesado direto, o direito do titular indireto traduz-se na defesa da respectiva moralidade, familiar, pessoal, ou outra. Trata-se, também, de iurepróprio, que o interessado defende, na ação de reparação de danos denominadapar ricochet ou réfléchis, a exemplo do que acontece em hipóteses como as de danos morais a empregados, por fatos que atingem o empregador; sócio de uma sociedade, que alcança outro sócio; a mulher, que lesiona o marido; a concubina, que fere o concubino, e assim por diante, como o tem apontado a doutrina e assentado a jurisprudência, delimitando as pessoas que tanto se consideram limitadas” (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. São Paulo: Ed. Saraiva. 2007).
De se ressaltar que, em seus primórdios julgados acerca do tema em comento, o Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Sálvio de Silvio Venosa, ao julgar o REsp 160.125, no ano de 1999, afastou, de plano, a necessidade de se comprovar a dependência econômica da vítima indireta com a vítima direta, considerando, em reportado caso, que os irmãos seriam legítimos a ingressar em juízo. Ponderou que a análise desta condição da ação deveria ter como parâmetro a dor suportada pelos irmãos pela morte da irmã, e não a dependência econômica entre eles, pois isto destoa do fim buscado pelo dano moral. Pensasse de outro modo, diz o ministro, “os pais também não poderiam pleitear a indenização por dano moral decorrente da morte de um filho que não exercesse atividade remunerada, nem pessoa rica teria legitimidade, e assim por diante”.
Este julgado foi de suma importância, tanto que ainda é citado em diversos julgamentos.
Outra interessante decisão, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, versou acerca da legitimidade dos pais da vítima sobrevivente em pleitear reparação por danos morais, porque a própria vítima já teria sido compensada com uma indenização. Neste caso, REsp 1.208.949, afirmou a Ministra que, conquanto o ato tenha sido praticado diretamente contra determinada pessoa, acabou por atingir a integridade moral de terceiros.
Segue a ementa do julgado mencionado:
“DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. LEGITIMIDADE ATIVA. PAIS DA VÍTIMA DIRETA. RECONHECIMENTO. DANO MORAL POR RICOCHETE. DEDUÇÃO. SEGURO DPVAT. INDENIZAÇÃO JUDICIAL. SÚMULA 246⁄STJ. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DE SÚMULA. DESCABIMENTO. DENUNCIAÇÃO À LIDE. IMPOSSIBILDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 7⁄STJ E 283⁄STF. 1. A interposição de recurso especial não é cabível quando ocorre violação de súmula, de dispositivo constitucional ou de qualquer ato normativo que não se enquadre no conceito de lei federal, conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF⁄88. 2. Reconhece-se a legitimidade ativa dos pais de vítima direta para, conjuntamente com essa, pleitear a compensação por dano moral por ricochete, porquanto experimentaram, comprovadamente, os efeitos lesivos de forma indireta ou reflexa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido.” (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1208949/MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJe 15/12/2010). Grifei.
Recentemente, no ano de 2012, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o REsp 1.076.160, negou a legitimidade ativa de um noivo, ao argumento de que fugia à ordem de vocação hereditária. O relator, Ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que o nosso ordenamento jurídico rechaça a legitimação daqueles que não fazem parte da família direta da vítima, sobretudo aqueles que não se inserem na condição legítima de herdeiro. Contudo, ressalvou o ministro, a possibilidade de eventuais peculiaridades de casos concretos.
“DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEGITIMIDADE DA GENITORA PARA O AJUIZAMENTO DE AÇÃO INDENIZATÓRIA DE DANOS MORAIS POR MORTE DE FILHO MAIOR E COM FAMÍLIA CONSTITUÍDA. NÚCLEO FAMILIAR INEXTINGUÍVEL FORMADO POR ASCENDENTES E SEUS FILHOS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. 1. Inexiste violação ao arts. 535 do CPC quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma suficiente sobre a questão posta nos autos, sendo certo que o magistrado não está obrigado a rebater um a um os argumentos trazidos pela parte quando os fundamentos utilizados tenham sido suficientes para embasar a decisão. 2. A Quarta Turma desta Corte Superior, por ocasião do julgamento do REsp 1.076.160/AM (publicado no DJ de 21/6/2012), ressalvando expressamente eventuais particularidades de casos concretos, concluiu que a regra mais consentânea com o ordenamento jurídico pátrio é a de que a legitimidade para propositura de ação indenizatória por dano moral em razão de morte deve alinhar-se mutatis mutandis, à ordem de vocação hereditária, com as devidas adaptações. Interpretação sistemática e teleológica dos arts. 12 e 948, inciso I, do Código Civil de 2002; art. 63 do Código de Processo Penal e art. 76 do Código Civil de 1916. 3. Consoante a ordem de vocação hereditária, os ascendentes somente têm seus direitos sucessórios reconhecidos na hipótese de inexistência de descendentes (art. 1.829 do CC), o que poderia levar à ideia de sua ilegitimidade ativa ad causam para a demanda que visa à percepção de indenização por danos morais em razão do óbito de filho com família constituída. 4. Não obstante a formação de um novo grupo familiar com o casamento e a concepção de filhos, o poderoso laço afetivo que une mãe e filho não se extingue, de modo que o que se observa é a coexistência de dois núcleos familiares, em que o filho é seu elemento interseccional, sendo correto afirmar que os ascendentes e sua prole integram um núcleo familiar inextinguível para fins de demanda indenizatória por morte. Assim, tem-se um núcleo familiar em sentido estrito, constituído pela família imediata formada com a contração do matrimônio, e um núcleo familiar em sentido amplo, de que fazem parte os ascendentes e seu filho, o qual desponta como elemento comum e agregador dessas células familiares. 5. Nessa linha de intelecção, os ascendentes têm legitimidade para a demanda indenizatória por morte da sua prole ainda quando esta já tenha constituído o seu grupo familiar imediato, o que deve ser balizado apenas pelo valor global da indenização devida, ou seja, pela limitação quantitativa da indenização. 6. No caso concreto, constata-se que o falecido era casado e deixou descendentes que receberam extrajudicialmente, a título de compensação por danos morais, o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), o qual, diga-se de passagem, mostra-se deveras inferior ao que normalmente é concedido em Juízo, apontando para a existência de um valor residual apto a compensar a recorrente pelos danos morais sofridos com o falecimento de seu filho.7. Recurso especial provido. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça”. (REsp 1076160/AM. Rel. Min. Luíz Felipe alomão. Quarta Turma. DJe 21/06/2006)
Pode-se concluir, assim, quanto ao pormenor, que, consoante linhas pretéritas, não há critério definido para discriminação da legitimidade pertinente ao dano moral por ricochete. Acredita-se, entretanto, que critérios objetivos para delimitar este norte seriam por demais temerários. Conforme adverte Sérgio Cavalieri Filho, obra já citada: “Um parente próximo pode sentir-se feliz pela morte da vítima, enquanto o amigo pode sofrer intensamente”. Contudo, nos termos do REsp 1.076.160, e primando pelo princípio da segurança jurídica, tenho que a observância à ordem de vocação hereditária, com as suas devidas adaptações, seria um critério razoável para se aferir a legitimidade destes tipos de ações; ressalvando-se, por certo, eventuais casos isolados que fugiriam a essa regra.
3.2.1.2 QUANTUM DA INDENIZAÇÃO
Na fixação do quantum devido a título de dano moral deve-se atentar para as condições das partes, a gravidade da lesão, sua repercussão e as circunstâncias fáticas, não se podendo olvidar a repercussão na esfera dos lesados e o potencial econômico-social do ofensor. Também deve ser dada uma natureza punitiva à reparação, para evitar que o ofensor repita os atos em escala.
Todavia, em se tratando de danos morais por ricochete, a aferição do quantum requer maiores delongas. Isso porque, em não se sabendo quem são os legitimados ativos para a propositura da ação, não se saberá, via de consequência, o quantum da compensação, porquanto, em tese, quaisquer pessoas, sem limite, poderiam pleiteá-la. A celeuma, portanto, está em se perquirir qual o teto de tal indenização, a fim de que se evite indenizações ilimitadas.
Muitos julgados do Superior Tribunal de Justiça têm fixado o montante da indenização por núcleo familiar, sem excluir, contudo, legitimados outros, o que parece razoável. Este proceder evitaria a desproporção entre a conduta praticada pelo ofensor e o dano causado, aplicando-se, por analogia, o disposto no parágrafo único do artigo 944 do Código Civil, que reza:·.
“Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.”
O Ministro Luis Felipe Salomão, no REsp 1.076.160 – alhures mencionado –, ressalta que: “De fato, o sistema de responsabilidade civil atual rechaça indenizações ilimitadas que alcançam valores que, a pretexto de reparam integralmente vítimas de ato ilícito, revelam nítida desproporção entre a conduta do agente e os resultados ordinariamente dela esperados. E, a toda evidência, esse exagero ou desproporção da indenização estariam presentes caso não houvesse – além de uma limitação quantitativa da condenação – uma limitação subjetiva dos beneficiários. Conceder legitimidade ampla e irrestrita a todos aqueles que, de alguma forma, suportaram a dor da perda de alguém – como um sem-número de pessoas que se encontram fora do núcleo familiar da vítima – significa impor ao obrigado um dever também ilimitado de reparar um dano cuja extensão sempre desproporcional ao ato causador.”
Diante disso, tem-se que, embora o Superior Tribunal de Justiça não possua critério definido, a posição manifestada pelo Ministro Luis Felipe Salomão, parece ser a mais adequada.
4. CONCLUSÃO
O dano moral por ricochete, instituto segundo o qual, a despeito de uma ofensa ser dirigida à determinada pessoa, um terceiro sofre os efeitos desta lesão.
A legitimidade para requerer a indenização por tal dano, ainda é indefinida, conforme julgados citados, muito embora, seja incontroverso que, em análise rasa, irmãos, pais e filhos são hábeis a tanto. Terceiros outros devem demonstrar, com maior riqueza de detalhes, que o evento, de fato, lhes causou sofrimento ou dor.
No que atine ao quantum, é necessário estabelecer duas premissas, quais sejam, uma limitação quantitativa e outra subjetiva, a fim de que o causador do dano não responda por condenações ilimitadas.
Analista judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
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