Resumo: Responsabilidade Civil é um instituto do Direito Civil Brasileiro em que restando caracterizada ação ou omissão culpa ou dolo do agente relação de causalidade e o dano sofrido pela vítima nasce a necessidade da reparação do dano. O Dano Social por sua vez é uma nova modalidade de dano proposta ao ordenamento jurídico brasileiro. Decorre de condutas socialmente reprováveis que atingem uma coletividade de pessoas. Embora muito se assemelhe ao dano moral coletivo com este não se confunde uma vez que atinge direitos difusos e causa um rebaixamento no nível de vida da sociedade não se podendo determinar os afetados. Por isso a indenização deve ser destinada a um fundo de proteção. Ainda tem-se que ações e omissões dos agentes públicos podem fazer deles sujeitos ativos do Dano Social.
Sumário: 1. Introdução. 2. Responsabilidade civil. 2.1 Lições preliminares quanto à responsabilidade civil. 2.2 Dano no direito civil. 2.3 Modalidades de danos previstas no ordenamento jurídico brasileiro. 2.3.1 Danos Materiais. 2.3.2 Danos Morais. 2.3.3 Danos Estéticos. 2.3.4 Danos Morais Coletivos. 2.3.5 Danos Por Perda De Uma Chance. 2.3.6 Danos Sociais. 3. Dano social. 3.1 O Dano Social. 3.2 Diferenças entre Dano Social e Dano Moral Coletivo. 3.3 Danos sociais decorrentes de atos ilícitos praticados por agentes públicos. 4. Da responsabilização pelo dano social. 4.1. Características. 4.2 Da responsabilidade dos agentes públicos pelos danos sociais. 4.3 Da indenização. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Responsabilidade Civil é um instituto do Direito Civil Brasileiro em que, restando caracterizados seus pressupostos essenciais, quais sejam, ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano sofrido pela vítima, nasce a necessidade da reparação do dano.
O Dano Social é uma modalidade de dano proposta recentemente para o ordenamento jurídico brasileiro, no tocante à responsabilidade civil, tendo sido apresentada por Antonio Junqueira de Azevedo. Entretanto, não há previsão legal expressa, decorrendo do entendimento de que um ato lesivo muitas vezes pode não ter repercussões apenas no âmbito patrimonial e moral da vítima, mas sim atingir toda a sociedade.
Dano Social é, portanto, aquele que causa um rebaixamento no nível de vida da coletividade, decorrente de condutas socialmente reprováveis. Seus efeitos podem se dar tanto no aspecto moral quanto patrimonial dos indivíduos afetados, atentando-se ao fato de que suas vítimas são indeterminadas ou indetermináveis.
Quanto à responsabilização por danos sociais, essa ocorre de maneira diversa da convencional, uma vez que o valor da indenização não deve ser destinado àqueles que diretamente sofreram o dano, mas sim a um fundo de proteção.
Assim, conceituado o Dano Social e suas peculiaridades, resta o seguinte questionamento: podem os agentes públicos ser sujeito ativo de danos sociais? Em que situações?
Ante o exposto, este trabalho tem por objetivo a análise dessa nova modalidade de dano, partindo do conceito geral de responsabilidade civil e dano. Como objetivos específicos, pretende-se elencar as demais modalidades de danos previstas no ordenamento jurídico brasileiro, comparar dano social com dano moral coletivo e verificar a possibilidade da ocorrência de danos sociais ocasionados pelos agentes públicos.
Por se tratar de tema bastante recente e que afeta muitos indivíduos direta ou indiretamente, é importante que se faça um estudo mais aprofundado da questão, analisando todas as suas nuances e repercussões.
A presente pesquisa se desenvolveu mediante pesquisa exploratória e por meio de análise bibliográfica se fez possível compreender o instituto do dano social e a relevância de sua inserção no ordenamento jurídico brasileiro.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 Lições preliminares quanto à responsabilidade civil
A Responsabilidade Civil surge do descumprimento obrigacional e possui quatro elementos essenciais, que são: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano sofrido pela vítima (COELHO, 2012).
De forma clara, Gonçalves ensina:
“a) Ação ou omissão — Inicialmente, refere-se a lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam.
O Código prevê a responsabilidade por ato próprio (…) e a responsabilidade por ato de terceiro. (…)
b) Culpa ou dolo do agente — Todos concordam em que o art. 186 do Código Civil cogita do dolo logo no início: “ação ou omissão voluntária”, passando, em seguida, a referir-se à culpa: “negligência ou imprudência”.
O dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa, na falta de diligência. Dolo, portanto, é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico.(…)
c) Relação de causalidade — É a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado. Vem expressa no verbo “causar”, utilizado no art. 186. Sem ela, não existe a obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar. (…)
d) Dano — Sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível. A inexistência de dano é óbice à pretensão de uma reparação, aliás, sem objeto”. (GONÇALVES, 2012, p. 50-52)
Nesse diapasão, quando a culpa é considerada como fundamento da responsabilidade, tem-se a figura da Responsabilidade Civil Subjetiva, sendo a prova da culpa do agente pressuposto necessário do dano indenizável. Com base nisso, somente se configura a responsabilidade do causador do dano se este agiu com dolo ou culpa. Em contrapartida, tem-se que a lei impõe a certas pessoas, em determinadas situações, a reparação de um dano independentemente de culpa. Neste caso, diz-se que a responsabilidade é legal ou “objetiva”, porque prescinde da culpa e se satisfaz apenas com o dano e o nexo de causalidade (GONÇALVES, 2012).
Na tentativa de simplificar o estudo da Responsabilidade Civil, os doutrinadores acharam por bem dividi-la em contratual ou extracontratual.
A Responsabilidade Civil Contratual, também denominada de Responsabilidade Civil Negocial, decorre da desobediência a normas previamente estabelecidas. Já a Responsabilidade Civil Extracontratual ou Aquiliana provém da inobservância a preceitos normativos que regulam a vida, sendo pautada no ato ilícito ou no abuso de direito (TARTUCE, 2013).
Entretanto, é importante ressaltar que o Código Civil em seu artigo 188 elenca atos lesivos que não são considerados ilícitos. São aqueles praticados em legítima defesa, no exercício regular de um direito ou em estado de necessidade.
Nas lições de Gonçalves:
“A legítima defesa:
O art. 188, I, proclama que não constituem atos ilícitos “os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido”. O próprio “cumprimento do dever legal”, embora não explicitamente, nele está contido, pois atua no exercício regular de um direito reconhecido aquele que
pratica um ato “no estrito cumprimento do dever legal”.
Se o ato foi praticado contra o próprio agressor e em legítima defesa, não pode o agente ser responsabilizado civilmente pelos danos provocados. Entretanto, se por engano ou erro de pontaria, terceira pessoa foi atingida (ou alguma coisa de valor), neste caso deve o agente reparar o dano. Mas terá ação regressiva contra o agressor para se ressarcir da importância desembolsada. Dispõe o parágrafo único do art. 930: “A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inc.I)”.
Somente a legítima defesa real e praticada contra o agressor, deixa esta de ser ato ilícito, apesar do dano causado, impedindo a ação de ressarcimento de danos. Se o agente, por erro de pontaria (aberratio ictus), atingir um terceiro, ficará obrigado a indenizar os danos a este causados; porém, terá direito a ação regressiva contra o injusto ofensor, como já dito.
A legítima defesa putativa também não exime o réu de indenizar o dano, pois somente exclui a culpabilidade, e não a antijuridicidade do ato. O art.65 do Código de Processo Penal não faz nenhuma referência às causas excludentes da culpabilidade, ou seja, às denominadas dirimentes penais. Uma vez que se trata de erro de fato, não há que cogitar da aplicação do referido artigo. Na legítima defesa putativa, o ato de quem a pratica é ilícito, embora não punível por ausência de culpabilidade em grau suficiente para a condenação criminal. No cível, entretanto, a culpa, mesmo levíssima, obriga a indenizar. E não deixa de haver negligência na apreciação equivocada dos fatos.
Na esfera civil, o excesso, a extrapolação da legítima defesa, por negligência ou imprudência, configura a situação do art. 186 do Código Civil.
O exercício regular e o abuso de direito:
A doutrina do abuso do direito não exige, para que o agente seja obrigado a indenizar o dano causado, que ele venha a infringir culposamente um dever preexistente. Mesmo agindo dentro do seu direito, pode, não obstante, em alguns casos, ser responsabilizado. Prevalece na doutrina, hoje, o entendimento de que o abuso de direito prescinde da ideia de culpa. Este ocorre quando o agente, atuando dentro dos limites da lei, deixa de considerar a finalidade social de seu direito subjetivo e o exorbita, ao exercê-lo, causando prejuízo a outrem. Embora não haja, em geral, violação aos limites objetivos da lei, o agente desvia-se dos fins sociais a que esta se destina. O novo Código Civil expressamente considera ato ilícito o abuso de direito, ao dispor, no art. 187: “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
Também serve de fundamento para a aplicação, entre nós, da referida teoria o art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, atualmente denominada “Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro”, que determina ao juiz, na aplicação da lei, o atendimento aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum, visto que a ilicitude do ato abusivo se caracteriza sempre que o titular do direito se desvia da finalidade social para a qual o direito subjetivo foi concedido.
Vários dispositivos legais demonstram que, no direito brasileiro, há uma reação contra o exercício irregular de direitos subjetivos. O art. 1.277 do Código Civil permite que se reprima o exercício abusivo do direito de propriedade que perturbe o sossego, a segurança ou a saúde do vizinho. Podem ser mencionados, ainda, como exemplos, os arts. 939, 940, 1.637 e 1.638, que igualmente preveem sanções contra abusos de direito. O Código de Processo Civil também reprime o abuso de direito, nos arts. 14 a 18 e, ainda, no processo de execução (arts. 574 e 598). Observa-se que o instituto do abuso de direito tem aplicação em quase todos os campos do direito, como instrumento destinado a reprimir o exercício antissocial dos direitos subjetivos.
O estado de necessidade:
O Código Civil trata dessa matéria no art. 188, II, combinado com os arts. 929 e 930. Dispõe o primeiro:
“Art. 188. Não constituem atos ilícitos: (…)
II — a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único: No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.”
É o estado de necessidade no âmbito civil. Entretanto, embora a lei declar que o ato praticado nesse estado não é ato ilícito, nem por isso libera que o pratica de reparar o prejuízo que causou. Se um motorista, por exemplo, atira o seu veículo contra um muro, derrubando-o, para não atropelar uma criança que, inesperadamente, surgiu-lhe à frente, o seu ato, embora lícito e mesmo nobilíssimo, não o exonera de pagar a reparação do muro. Com efeito, o art. 929 estatui:
“Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do
art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á o direito à indenização do prejuízo que sofreram.”
No exemplo acima, o dono da coisa é o dono do muro. A pessoa lesada ou o dono da coisa terão direito à indenização somente se “não forem culpados do perigo”. Entretanto, o evento ocorreu por culpa in vigilando do pai da criança, que é responsável por sua conduta. Desse modo, embora tenha de pagar o conserto do muro, o motorista terá ação regressiva contra o pai do menor para se ressarcir das despesas efetuadas. É o que expressamente dispõe o art. 930:
“Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.”
Pelo Código Civil de 1916, os danos porventura decorrentes de ato praticado em estado de necessidade só podiam dizer respeito às coisas, e nunca às pessoas. O novo incluiu, contudo, expressamente, no inc. II do art.
188, a “lesão a pessoa”. Embora o art. 188, II, aparente estar em contradição com o citado art. 929, explica-se o teor do último pela intenção de não se deixar irressarcida a vítima inocente de um dano. Contudo, justifica-se a afirmação do primeiro, de que o ato praticado em estado de necessidade não é ilícito, por ter o agente direito a ação regressiva contra o terceiro causador da situação de perigo.
O art. 65 do Código de Processo Penal proclama fazer coisa julgada, no cível, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade. Sendo o réu absolvido criminalmente por ter agido em estado de necessidade, está o juiz cível obrigado a reconhecer tal fato. Mas dará a ele o efeito previsto no Código Civil, e não no Código Penal, qual seja, o de obrigá-lo a ressarcir o dano causado à vítima inocente, com direito, porém, a ação regressiva contra o provocador da situação de perigo. (GONÇALVES, 2012, p. 732-737)
Assim, diante dos elementos que compõem a Responsabilidade Civil, conclui-se que aquele que pratica um ato ilícito fica responsável pela indenização dos danos a que der causa. Trata-se, portanto, da sanção civil que a norma jurídica aplica à prática de atos que violem direitos de outrem. (COELHO, 2012)
2.2 Dano no direito civil
Em uma simples conceituação de dano, pode-se dizer que se trata do prejuízo que sofre aquele que tem seus bens inutilizados ou deteriorados. (FERREIRA, 2010)
Nos dizeres de Diniz:
“É um dos pressupostos da responsabilidade civil, contratual ou extracontratual, pois não pode haver ação de indenização sem a existência de um prejuízo. Consiste na lesão (diminuição ou destruição) que, devido a certo evento, sofre uma pessoa, contra sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral.” (DINIZ, 2010, p. 179)
Assim, para que haja o pagamento de uma indenização, faz-se necessário comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado por alguém.
Gonçalves ensina:
“Mesmo que haja violação de um dever jurídico e que tenha existido culpa, e até mesmo dolo, por parte do infrator, nenhuma indenização será devida, uma vez que não se tenha verificado prejuízo. A inexistência de dano torna sem objeto a pretensão à sua reparação. Às vezes, a lei presume o dano, como sucedia na revogada Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67), que pressupunha a existência de dano moral em casos de calúnia, difamação e injúria praticadas pela imprensa. Acontece o mesmo em ofensas aos direitos da personalidade. Pode ser lembrada, como exceção ao princípio de que nenhuma indenização será devida se não tiver ocorrido prejuízo, a regra do art. 940, que obriga a pagar em dobro ao devedor quem demanda dívida já paga, como uma espécie de pena privada pelo comportamento ilícito do credor, mesmo sem prova de prejuízo. E, na responsabilidade contratual, pode ser lembrado o art. 416, que permite ao credor cobrar a cláusula penal sem precisar provar prejuízo”. (GONÇALVES, 2012, p. 732)
Diante desse contexto em que o dano assume papel tão importante no tocante à responsabilidade civil, passou-se a classificá-lo.
Tartuce dividiu os danos em clássicos ou tradicionais e novos ou contemporâneos. Os primeiros se tratam dos danos materiais e morais. Já os segundos, são os danos estéticos, morais coletivos, sociais e danos por perda de uma chance (TARTUCE, 2013).
2.3 Modalidades de danos previstas no ordenamento jurídico brasileiro
2.3.1 Danos materiais
Danos patrimoniais ou materiais são lesões concretas que afetam um interesse relativo ao patrimônio da vítima. Constituem prejuízos ou perdas que atingem o patrimônio corpóreo de alguém. (DINIZ, 2010)
Podem ser subclassificados em danos emergentes ou danos positivos, que tratam daquilo que efetivamente se perdeu, ou em lucros cessantes ou danos negativos, que é aquilo que se deixou de lucrar.
Para Diniz:
“Dano Emergente: Déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, isto é, concreta diminuição em sua fortuna, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo, suscetível de ser reparado civilmente. Consiste naquilo que o lesado efetivamente perdeu. Trata-se do dano positivo.
Dano Negativo: Trata-se do lucro cessante ou frustrado alusivo à privação de um ganho pelo lesado, ou seja, ao lucro que ele deixou de auferir, em razão do prejuízo que lhe foi causado.” (DINIZ, 2010, p. 179)
Como exemplo típico de dano emergente, pode ser citado o estrago do automóvel, no caso de um acidente de trânsito. A figura do lucro cessante pode ser vista neste mesmo exemplo do acidente, caso o veículo seja usado por um taxista para seu labor, quando poderá pleitear lucros cessantes, uma vez que deixou de receber valores com tal evento. O cálculo dos lucros cessantes é feito de acordo com a tabela fornecida pelo sindicato da classe e o tempo de impossibilidade de trabalho (TARTUCE, 2013).
2.3.2 Danos morais
A reparação dos danos morais se tornou pacífica com a Constituição Federal de 1988, pela previsão expressa no seu art. 5º, V e X:
“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”
O que mais se discute sobre o dano moral é no que tange à indenização. Até que ponto a dor pode ser indenizada? Nesse sentido, tem-se que a indenização por dano exclusivamente moral é de cunho punitivo e não indenizatório. Não há, no dano moral, uma finalidade de acréscimo patrimonial para a vítima, mas sim de compensação pelos males suportados. Ainda, é importante frisar que a doutrina não os confunde com os meros transtornos ou aborrecimentos que os indivíduos sofrem no dia a dia (VENOSA, 2006).
Tartuce apresenta as principais classificações dos danos morais, quais sejam:
“I) Quanto ao sentido da categoria
-Dano moral em sentido próprio: constitui aquilo que a pessoa sente, causando na pessoa dor, tristeza, vexame, humilhação, amargura, sofrimento, angústia e depressão.
-Dano moral em sentido impróprio ou amplo: constitui qualquer lesão aos direitos da personalidade (…)
II) Quanto à necessidade ou não de prova
-Dano moral provado ou dano moral subjetivo: (…) é aquele que necessita ser comprovado pelo autor da demanda, ônus que lhe cabe.
-Dano moral objetivo ou presumido: não necessita de prova (…)
III) Quanto à pessoa atingida:
-Dano moral direto: é aquele que atinge a própria pessoa, a sua honra subjetiva (autoestima) ou objetiva (repercussão social da honra).
-Dano moral indireto ou em ricochete: é aquele que atinge a pessoa de forma reflexa (…). Em suma, o dano atinge uma pessoa ou coisa e repercute em outra pessoa, como uma bala que ricocheteia.” (TARTUCE, 2013, p. 463)
Por fim, tem-se que para a fixação da indenização por danos exclusivamente morais deve o magistrado agir com equidade, analisando a extensão do dano, as condições socioeconômicas e culturais dos envolvidos, as condições psicológicas das partes e o grau de culpa do agente, de terceiro ou da vítima (TARTUCE, 2013).
2.3.3 Danos estéticos
Os danos estéticos são tratados tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência como uma modalidade distinta de dano extrapatrimonial. O Superior Tribunal de Justiça vem entendendo o dano estético como sendo distinto do dano moral, dado que, no primeiro, há uma alteração morfológica de formação corporal, já no segundo, há um sofrimento mental (TARTUCE, 2013).
Nas palavras de Diniz:
“Dano Estético: É qualquer alteração morfológica do indivíduo, abrangendo, além de aleijão, deformidades, marcas e defeitos, ainda que mínimos, que impliquem, sob qualquer aspecto, um afeamento da vítima ou consistam numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa, por exemplo, mutilações, cicatrizes, mesmo que acobertáveis por barba, cabeleira ou maquilagem; perda de cabelos, sobrancelhas, cílios, dentes, voz ou olhos; feridas nauseabundas ou repulsivas, etc., ocasionadas em consequência de evento lesivo”. (DINIZ, 2010, p. 179)
De maneira simplificada, seria o mesmo que dizer que o dano estético ocorre quando há alguma lesão à beleza física. O prejuízo estético leva em conta as modificações sofridas pela pessoa em relação ao que ela era (LOPEZ apud TARTUCE, 2013)
2.3.4 Danos morais coletivos
O dano moral coletivo é aquele que atinge, ao mesmo tempo, vários direitos da personalidade, de pessoas determinadas ou determináveis, o que enseja a destinação da indenização às vítimas.
O Código de Defesa do Consumidor prevê a reparação dos danos morais coletivos em seu art. 6º, VI.
“Art. 6. São direitos básicos do consumidor:(…)
VI – A efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”
O tema é dos mais controversos na jurisprudência superior nacional, uma vez que há tribunais que entendem que os danos morais são apenas individuais e outros que entendem haver a possibilidade de ser aplicado em caráter coletivo.
Deve-se entender, portanto, que ao considerar o caráter coletivo dos danos morais, tem-se que estes atingem direitos individuais homogêneos e coletivos em sentido estrito. Tais direitos merecem ser caracterizados por serem frequentemente confundidos.
Os direitos individuais homogêneos, também chamados de “direitos acidentalmente coletivos”, são aqueles que decorrem de uma origem comum, possuem transindividualidade instrumental ou artificial, os seus titulares são pessoas determinadas, seu objeto é divisível e admite reparabilidade direta. Nestes casos, objetiva-se unir várias demandas individuais em uma única coletiva, por razões de facilitação do acesso à justiça e priorização da eficiência e da economia processual. (TARTUCE, 2013)
Já os direitos coletivos em sentindo estrito existem quando há interesses comuns, nascidos em função de uma relação base que une os membros das respectivas comunidades (GRINOVER apud DINIZ, 2010).
Há ainda os direitos difusos, aqueles indivisíveis e indisponíveis, que podem ser usufruídos por um número indeterminável de pessoas, por recaírem sobre bens de toda a coletividade, como o meio ambiente. Não se fundam em vínculo jurídico, mas sim sobre fatos genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis (GONÇALVES, 2012).
Assim, se o que une interessados determináveis é a mesma situação de fato, trata-se de interesses individuais homogêneos; se o que une interessados determináveis é a circunstância de compartilharem a mesma relação jurídica, há interesses coletivos em sentido estrito e, por fim, se o que une interessados indetermináveis é a mesma situação de fato, trata-se de interesses difusos, estes atingidos pelos danos sociais (DINIZ, 2010).
2.3.5 Danos por perda de uma chance
Resta caracterizada a perda de uma chance quando a pessoa vê frustrada uma expectativa que, dentro da lógica, aconteceria se a situação seguisse seu curso natural. Com base nessa premissa, tem-se que a chance deve ser real e séria, sendo a probabilidade da oportunidade superior a 50% (cinquenta por cento).
Como exemplo prático-jurisprudencial, pode-se caracterizar como danos por perda de uma chance os julgados que responsabilizam advogados por perderem prazo de seus clientes, privando-lhes da chance da vitória na demanda (TARTUCE, 2013).
2.3.6 Danos sociais
Tendo em vista que será exaustivamente tratado no capítulo seguinte, resta aqui sinteticamente caracterizado o dano social como lesões à sociedade, tanto por diminuição na qualidade de vida quanto por rebaixamento de seu patrimônio moral. (TARTUCE, 2013)
3 DANO SOCIAL
3.1 O dano social
Antônio Junqueira de Azevedo propõe uma nova modalidade de dano, além das já consolidadas: o dano social. O conceito mantém estreita relação com a principiologia adotada pelo Código Civil de 2002, que escolheu dentre seus regramentos básicos a socialidade[1].
Nas palavras do autor: “Os danos sociais (…) são lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida”. (AZEVEDO, 2009, p. 378)
A função social da responsabilidade civil não pode ser desassociada da proteção da pessoa humana, e da sua dignidade como valor fundamental. Diante disso, tem-se que a ideia de dano social relaciona-se com o importante papel assumido pela dignidade humana no âmbito do Direito Privado, e pela tendência de se reconhecer uma amplitude maior aos direitos da personalidade[2]. Com base nessa premissa, surgem as aplicações práticas dos danos à sociedade (SILVA, 2007).
Como tentativa de dimensionamento prático, Azevedo apresenta exemplos do que podem configurar o dano social:
“O pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, a loja do aeroporto que exagera no preço em dias de apagão aéreo, a pessoa que fuma próximo ao posto de combustíveis, a empresa que diminui a fórmula no medicamento, o pai que solta o balão com o seu filho. Mas os danos podem ser consideráveis: a metrópole que fica inundada em dias de chuva, o avião que tem problema de comunicação o que causa um acidente aéreo de grandes proporções, os passageiros já atormentados que não têm o que comer (já que a empresa aérea não paga o lanche), o posto de combustíveis que explode, os pacientes que vêm a falecer, a casa atingida pelo balão que pega fogo.” (AZEVEDO, 2009, p. 381)
Diante dessas situações danosas que podem surgir, tem-se que o dano social merece ser punido, uma vez que este se estende muito além do dano individual, mensurável, causando problemas que afetam grandes parcelas da população, ainda que indiretamente.
Um caso prático é a decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade.
Outro exemplo a ser apresentado é o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, no Rio Grande do Sul, chamado de “Toto Bola”. Ficou constatado que a loteria seria fraudulenta, retirando do consumidor as chances de vencer. Nesse episódio, o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054, DJ 18/07/2007, determinou indenização a título de dano social para o Fundo de Proteção aos Consumidores.
Tal foi o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
“Ementa: TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. O Direito deve ser mais esperto do que o torto, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.” (Recurso Cível Nº 71001251412, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Eugênio Facchini Neto, Julgado em 27/03/2007)
Entretanto, a grande problemática que envolve o dano social diz respeito à legitimidade, ou seja, para quem deve ser destinado o valor da indenização, uma vez que suas vítimas são indeterminadas ou indetermináveis (TARTUCE, 2013).
Com base nisso, uma vez que o objetivo da responsabilização pelo dano social é servir como punição, com o intuito de desestimular as condutas socialmente reprováveis, o valor da indenização deve ser destinado a um fundo de proteção relacionado aos direitos atingidos (AZEVEDO, 2009).
Logo, constata-se que os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil.
3.2 Diferenças entre dano social e dano moral coletivo
A definição de dano social muito se assemelha à de dano moral coletivo. A tendência de alargamento dos legitimados a pleitear indenização, particularmente por danos imateriais, reforça a ideia do dano social como dano reparável. De modo que, de imediato, surge a indagação: dano social e dano moral coletivo são sinônimos? A resposta é negativa. Afinal, o dano social também pode ser material quando repercute patrimonialmente no âmbito da sociedade. Isso não ocorre no dano moral coletivo, que tem repercussões apenas de caráter extrapatrimonial.
Emerge então outra dúvida. Quando o dano social for imaterial, pode ser confundido com o dano moral coletivo? Em alguns aspectos, sim. Entretanto, a vítima do dano social é a sociedade, já o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de direitos individuais homogêneos ou coletivos em sentido estrito (TARTUCE, 2013).
Os danos morais coletivos estão presentes quando há violação a direitos da personalidade em seu aspecto individual homogêneo ou coletivo em sentido estrito, tendo vítimas determinadas ou determináveis. Seriam causadores de um dano moral coletivo o desrespeito aos direitos do consumidor (como por exemplo, através da publicidade abusiva), vilipêndio ao patrimônio histórico e artístico, violação à honra de determinada comunidade considerada em seu conjunto, e até fraude a licitações. Já a indenização derivada do dano social não é para a vítima, mas sim destinada a um fundo de proteção consumerista, ambiental ou trabalhista, por exemplo, ou até mesmo instituição de caridade (PEREIRA, 2010).
Tartuce apresenta um quadro comparativo entre as duas modalidades de danos:
3.3 Danos sociais decorrentes de atos ilícitos praticados por agentes públicos
O Brasil vive uma triste realidade social. A maioria da população vive em condições precárias e subjugados pela violência. O Estado, embora tenha ações nas diversas áreas que lhe cabe atuar, não consegue ser eficiente e dar necessária efetividade a elas, tendo em vista a vastidão da demanda.
Entretanto, pode-se dizer que muitos dos agentes públicos vêm falhando com a população em diversos quesitos. Eles não vêm cumprindo as suas obrigações assumidas perante a sociedade. As suas condutas podem ser tidas como socialmente reprováveis (SILVA, 2007).
Se a conduta ilícita da pessoa física já é capaz de gerar danos lesivos a uma coletividade de pessoas, o que dizer dos atos praticados pelos agentes públicos, que detêm o controle da máquina estatal?
Logo, tem-se que o fator desencadeador dos danos sociais praticados por agentes públicos é a improbidade administrativa.
Por meio dela, por exemplo, recursos são desviados e comunidades ficam sem saneamento básico; obras são supervalorizadas e a população recebe produtos e serviços incompatíveis com suas necessidades.
Segundo Diniz:
“Improbidade Administrativa: 1.Violação dos deveres de honestidade, legalidade ou lealdade por parte do agente público, cumulada ou não, com o seu enriquecimento ilícito ou dano material ao patrimônio público (Marlon A. Weicher). 2. Falta de probidade do servidor público no exercício de suas funções ou de governante no desempenho das atividade próprias de seu cargo. Os atos de improbidade administrativa importam a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.” (DINIZ, 2010, p. 319)
Os atos de improbidade administrativa trazidos na Lei 8429 de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, são aqueles que importam em enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao erário e que atentam contra os princípios da administração pública (TEIXEIRA, 2012):
O artigo 9º da referida lei elenca atos que importam em enriquecimento ilícito:
“Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1° desta lei, e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
II – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;
III – perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;
IV – utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;
V – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;
VI – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;
VIII – aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;
IX – perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;
X – receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;
XII – usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.”
O artigo 10 apresenta exemplos de atos de agentes públicos que causam lesão ao erário:
“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
I – facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;
II – permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
III – doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistências, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie;
IV – permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado;
V – permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado;
VI – realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea;
VII – conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie;
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; (Vide Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)
IX – ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento;
X – agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
XI – liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;
XII – permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;
XIII – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades.
XIV – celebrar contrato ou outro instrumento que tenha por objeto a prestação de serviços públicos por meio da gestão associada sem observar as formalidades previstas na lei; (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XV – celebrar contrato de rateio de consórcio público sem suficiente e prévia dotação orçamentária, ou sem observar as formalidades previstas na lei. (Incluído pela Lei nº 11.107, de 2005)
XVI a XXI – (Vide Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)”
Por fim, o artigo 11 explicita atos que atentam contra os princípios da administração pública:
“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I – praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;
III – revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;
IV – negar publicidade aos atos oficiais;
V – frustrar a licitude de concurso público;
VI – deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;
VII – revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.
VIII – XVI a XXI – (Vide Lei nº 13.019, de 2014) (Vigência)
IX – (Vide Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)”
Assim, pode-se dizer que toda vez que o agente público pratica uma das condutas elencadas no rol exemplificativo da Lei de Improbidade Administrativa, está ocasionando, por conseguinte, um dano social, lesando a população como um todo. Tal fato enseja a necessidade de ressarcir, de alguma forma, os prejuízos no âmbito patrimonial e extrapatrimonial da coletividade.
4 DA RESPONSABILIZAÇÃO PELO DANO SOCIAL
4.1 Características
Um assunto muito discutido na década de noventa, no tocante à responsabilidade civil, foi a questão dos danos morais, que gerou grandes embates entre os juristas, que não chegaram a nenhum critério que pudesse pacificar o debate sobre sua quantificação. Certamente, uma das grandes dificuldades foi a falta de consenso sobre a exata finalidade da responsabilidade pelos danos morais, ou seja, sobre se a indenização constituía apenas uma espécie de compensação pelos danos sofridos ou se deveria incluir os chamados “punitive damages”, nos quais a indenização decorrente do Dano Moral deve possuir as finalidades de compensar a vítima e punir o autor da lesão. Diante disso, passou-se a analisar não só a questão da quantificação das indenizações, mas também aquilo que pode ser coberto pela indenização, ou seja, as várias categorias de dano (GONÇALVES, 2012).
Diante do atual cenário de profunda insegurança quanto à própria vida e incolumidade física e psíquica, tem-se que a visão tradicional de separação entre direito civil e direito penal, na qual o primeiro fica com a questão da reparação do dano e o segundo com a questão da punição, está defasada.
Admitida a ideia de punição no direito civil, pode-se vislumbrar novas possibilidades quanto à responsabilidade civil, além do caráter de recompensa e desestímulo, ainda mais quando se leva em conta ações que lesam não somente o patrimônio material e moral da vítima, mas sim que atingem a toda a sociedade. Isto é particularmente evidente quando se trata da segurança. A segurança constitui um valor para qualquer sociedade e, quando ela é afetada, a indenização neste caso, deve ter caráter de pena, visando restaurar o nível social de tranquilidade diminuído pelo ato ilícito. O mesmo raciocínio pode ser feito quanto aos atos negativamente exemplares, “atos que levam à conclusão de que não devem ser repetidos, no sentido de que sobre eles cabe dizer: ‘Imagine se todas as vezes fosse assim!’” (AZEVEDO, 2009, p. 381). Esses atos também causam um rebaixamento do nível coletivo de vida, atingindo, especialmente, a qualidade de vida dos indivíduos. Ainda nas palavras do autor:
“Se, por exemplo, uma empresa de transporte aéreo atrasa sistematicamente os seus voos, não basta, na ação individual de um consumidor, a indenização pelos danos patrimoniais e morais da vítima. É evidente que esta empresa – ou outra que a imite – está diminuindo as expectativas de bem-estar de toda a população. É muito diferente o passageiro sair de casa confiante quanto ao cumprimento dos horários de seus compromissos ou, nas mesmas condições, sair na angústia do imprevisível.” (AZEVEDO, 2009)
Assim, tem-se que é preciso repor, quer por punição, que por dissuasão, o que foi tirado da sociedade. E é nesse sentido que o dano social se apresenta, com caráter de punição, principalmente quando há culpa grave ou dolo nos atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de acréscimo dissuasório ou didático, em geral, para atos que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.
4.2 Da responsabilidade dos agentes públicos pelos danos sociais
Diante do atual cenário, a ideia de dano social pode servir para um novo dimensionamento à responsabilidade civil dos agentes públicos. Afinal, se a responsabilidade civil tem intuito pedagógico, deve ser usada para trazer impacto àqueles que mais deveriam zelar pela sociedade.
A responsabilidade civil do servidor público pelo exercício irregular de suas atribuições está prevista na Lei Federal 8.112 de 1990, conforme se pode ver no artigo 122 da supracitada Lei:
“Art. 122. A responsabilidade civil decorre de ato omissivo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuízo ao erário ou a terceiros. (…)
§2º. Tratando-se de dano causado a terceiros, responderá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regressiva.”
Entretanto, esta se apresenta apenas com caráter sancionatório e a título de ressarcimento. O que se propõe é uma análise mais abrangente dos ilícitos praticados pelos agentes públicos, atentando-se aos danos sociais decorrentes de seus atos ímprobos, aptos a ensejar indenização de caráter punitivo e dissuasório.
4.3 Da indenização
Um ponto bastante difícil quanto ao dano social é dizer a quem deve ser destinada a indenização, tendo em vista que uma coletividade de pessoas é afetada e, em geral, no processo judicial o polo ativo da ação é composto por um único indivíduo.
De acordo com Azevedo (2009), por opção de política legislativa é melhor destinar a indenização pelo dano social ao autor da ação, como um plus, quer a título de punição do agente, quer a título de desestímulo, eis que, para obtenção da indenização, foi ela quem de fato trabalhou. Entendendo, assim, que o particular, na sua ação individual de responsabilidade civil, agiu como defensor da sociedade, podendo ser considerado como um ‘promotor público privado’, que exerceu um munus público e por isso se fez merecedor da indenização, a título de recompensa. Para o autor, recompensar e estimular aquele que, embora por interesse próprio, agiu em benefício da sociedade, seria uma espécie de incentivo para um aperfeiçoamento geral.
5 CONCLUSÃO
Por este trabalho se propôs um estudo acerca do dano social, fenômeno recentemente apercebido na doutrina, com expressão cunhada por Antonio Junqueira de Azevedo
Inicialmente, o trabalho abordou a teoria geral da responsabilidade civil, com enfoque nos pressupostos que lhe são inerentes, em especial no dano.
Após, passou-se ao estudo específico do dano social, conceituando-o e ilustrando-o, preocupando-se ainda em delimitá-lo em relação ao dano moral coletivo.
O último capítulo tratou das teses de responsabilização pelo dano social.
Diante de todo o exposto, tem-se que a inclusão do Dano Social no ordenamento jurídico brasileiro ampliou os horizontes da Responsabilidade Civil, que até então se limitava a aplicar indenizações apenas com as finalidades de recompensa ao lesado e desestímulo a novas infrações. Agora, tem-se a visão de que aquilo que foi tirado da sociedade, seja a segurança, a educação, a qualidade de vida, deve ser reposto, quer por punição, que por dissuasão.
Ademais, nota-se que o Dano Social merece ser mais explorado, tendo em vista que ainda é muito confundido com o Dano Moral Coletivo e que os estudos sobre ele limitam-se a teorizá-lo, sem demonstrar a aplicabilidade deste no cotidiano, como foi feito na presente monografia em que se buscou evidenciar que os atos de improbidade administrativa também podem ser entendidos como dano social.
Por fim, tece-se uma crítica ao entendimento do doutrinador Antonio Junqueira de Azevedo, idealizador do Dano Social, quando este fala que a indenização pelo dano deve ser destinada a um indivíduo, pois fazê-lo de forma diferente seria muito difícil.
Compreende-se que, desse modo, o dano social resta desnecessário. O ideal é introduzi-lo na sociedade, especialmente nas instituições que se prestam a zelar por ela, como a Defensoria Pública e o Ministério Público, a fim de que o apliquem efetivamente, cobrando indenização por Danos Sociais e destinando os valores arrecadados a fundos de proteção.
Bacharel em Direito pela Universidade José do Rosário Vellano – UNIFENAS
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