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Deepfake: como a Inteligência Artificial pode influenciar a desinformação

*Renato Gomes de Mattos Malafaia

Ao contrário do que acontecia há alguns anos, o atual momento tecnológico permitiu o surgimento de diversos veículos midiáticos e os próprios cidadãos – que até então somente recebiam informação – tornassem-se vetores ativos de propagação dos fatos e os possibilitou a divulgação da sua própria versão e de sua opinião independente.

Foi assim que, pouco a pouco, os veículos efetivamente jornalísticos se depararam com uma crise de credibilidade a nível global. Um estudo realizado na França, EUA, Reino Unido e Brasil mostrou que somente 10% de usuários declarou consumir informações diretamente pelo acesso às páginas ou portais virtuais de tais veículos, enquanto mais de um terço deles declarou acessar notícias diretamente pelas redes sociais ou aplicativos de mensagens instantâneas.

No cenário político, principalmente, cada usuário pode virar produtor ou disseminador de informações, sejam elas verdadeiras ou falsas. Assim, o compartilhamento de conteúdo inverídico acaba sendo uma das poderosas armas de guerra política, culminando na recente utilização em massa do termo “fake news”, sobretudo por adeptos da pessoa ou convicção atacada. Assim, a expressão foi lentamente perdendo seu significado, para ser utilizada principalmente por políticos e usuários contra informações que não os agradam, mesmo que verídicas. Ou seja, o próprio termo “fake news” acabou virando uma arma na batalha virtual, para trazer descrédito até a conteúdos verdadeiros.

Em resposta, o Conselho Europeu propôs sua substituição para a palavra “desinformação”, pois mais abrangente e considerada gênero, dos quais derivam sete formas de propagação de inverdades. Por exemplo:

  1. Sátira: trata-se de notícia fantasiosa, criada sob tom jocoso, que não possui o intuito de enganar o leitor, porém pode apresentar potencial para tanto. A página brasileira “Sensacionalista” é um bom exemplo, pois se intitula “um jornal isento de verdade” enquanto traz matérias como “Bolsonaro quer decretar milícia como atividade essencial”;
  2. Conteúdo fabricado: é o tipo mais grave de desinformação, pois se trata do conteúdo totalmente fabricado e inverídico, como o recente boato de que o covid-19 viria dos morcegos. A informação teve de ser negada pela OMS e replicada pelo Ministério da Saúde, pois não há comprovação científica de que a doença veio dos animais;
  3. Manipulação do contexto: ocorre por meio da distorção do cenário em que determinada informação ou imagem autêntica foi veiculada. Por exemplo, foi compartilhada nas redes sociais uma foto de caixão aberto com um travesseiro, para denunciar que caixões vazios estão sendo enterrados no estado do Amazonas. Apesar da foto ser verdadeira, não há qualquer relação com a pandemia, pois foi tirada em 2017, no contexto de uma reportagem de golpes contra seguro de vida.

 

Ainda mais grave do que a manipulação de manchetes, contextos ou invenção de notícias falsas, alguns usuários também têm colocado a tecnologia à serviço da desinformação: existem softwares que permitem que vetores de desinformação possam manipular ainda mais o público, por meio da chamada deepfake.

Utilizados na indústria cinematográfica desde 1977, alguns programas permitem substituir com sucesso cenas de um vídeo em que uma pessoa fale ou faça algo por outras que não aparecem na gravação original. Mediante identificação automática de alterações faciais no sujeito ao pronunciar fonemas, é possível treinar um computador para quebrar trechos curtos de movimentação do rosto enquanto se pronuncia determinadas palavras e alterar sua fisionomia, para que o movimento labial, facial e sua voz correspondam a uma fala totalmente diferente.

No contexto político, a utilização do deepfake também tem sido notada. Em maio de 2019, foi editado vídeo no qual a presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi, teria sido colocada em uma situação de embriaguez durante um discurso, o que não corresponderia com a verdade. A proporção do evento foi tão grande que até mesmo o presidente americano Donald Trump republicou o vídeo no Twitter, amplificando o alcance da desinformação.

Ocorre que o combate a esse problema é a parte mais difícil. Até hoje não existe Judiciário no mundo que tenha conseguido acompanhar a velocidade com que conteúdos inverídicos são criados e disseminados. Um bom modelo foi adotado pela Alemanha, onde cada agente envolvido (usuários, redes sociais e mídias) possui responsabilidades de acordo com sua participação, mas sempre respeitando a liberdade de expressão, o pluralismo midiático e os direitos dos cidadãos. A penalidade para quem descumpra essa lei pode chegar até 5 milhões de euros.

No Brasil tramita o Projeto de Lei nº 7.604/2017, sobre aplicação de multa em virtude da propagação de informações falsas em redes sociais. Assim como na alemã, seria responsabilidade dos propagadores de conteúdos desinformativos nas redes sociais apagar em até 24 horas as publicações de seus usuários que veiculem notícias falsas, ilegais ou prejudicialmente incompletas, sob pena de até 50 milhões de reais.

Além disso, a Lei 13.772/2018, tipifica como crime o registro não autorizado da intimidade sexual no parágrafo único do art. 216-B do Código Penal, pois o estende a quem realiza montagens em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena desse tipo.

Fato é que nesse atual cenário de guerra virtual entre usuários de internet e veiculação de materiais inverídicos como nunca visto antes, cada usuário deve estar atento ao que acessa, interage e compartilha em cada rede. A desinformação já é uma realidade e, cedo ou tarde, todos os usuários podem se deparar com ela.

 

*Renato Gomes de Mattos Malafaia é advogado especializado em Direito Digital e Segurança da Informação na Daniel Advogados.

 

Âmbito Jurídico

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