Sumário: I. Conceito – II. A república Aristocrática – Conclusão


Resumo: Trata-se de um ensaio crítico das vicissitudes do sistema democrático atual no Brasil, onde são propostas medidas com o fito de colmatar certas mazelas na representatividade popular e na capacidade legislativa dos governantes.


Palavras-chave: Democracia. Aristocracia. Política


I – Conceito


O conceito de democracia é bastante antigo, remontando aos gregos, mas nunca tem sido tão utilizado, redefinido e descartado como nos últimos tempos. Logo após o fim da guerra fria, o objetivo da emergente superpotência americana era ajudar a “democratizar” os antigos países comunistas da Europa Central e Oriental, o que foi feito de várias formas, desde ajudas econômicas até a perspectivas de integração na Aliança Atlântica (OTAN).


Outras intervenções que visavam estabelecer um regime democrático, se não por si só, mas consideradas intrínsecas ao modelo adotado, foram levadas a efeito na Bósnia, no Kosovo, entre outros. O que se viu foram às inadequações inerentes ao modelo ocidental quando aplicadas em “terras estranhas”, sem o mesmo background histórico.


A grande explosão do modelo populista de autogoverno se deu durante a Revolução Francesa, onde junto com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal de um governo “do povo e para o povo” sedimentou-se como a forma mais natural de organização dentro de um Estado. No ocidente, não importando tratar-se de monarquias constitucionais, regimes parlamentaristas ou presidencialistas, o sufrágio universal refletido no conceito: “um cidadão, um voto” impera.


À parte a restrição de idade que varia de país para país, de um modo geral todos os cidadãos capazes, independentemente de instrução, sexo, raça, cor, ou confissão religiosa podem votar e ser votados para qualquer tipo de cargo público na hierarquia estatal, notadamente nos poderes legislativo e executivo.


Nesta aparente equiparação de todos os componentes de um povo dentro do Estado é que reside atualmente um dos grandes problemas da democracia, qual seja a qualificação e o preparo para o cargo das pessoas que assumem o poder.


Em um Estado moderno, para quase todo tipo de atividade, carreira ou profissão se exige um treinamento, um estudo cuidadoso, efetuado em colégios técnicos, faculdades e confirmado em muitos casos a posteriori em exames realizados pelas entidades e associações de classe. Por seu turno, os certificados e títulos que daí provêm são peças fundamentais, imprescindíveis para se possa conseguir um emprego condizente com sua formação. Não só, na sociedade moderna, tanto para construir uma casa quanto para se guiar um automóvel é necessário treinamento e licenças exaradas pelas autoridades públicas responsáveis.


Por outro lado, a política não exige nada disso. Não é preciso experiência prévia, ainda que isso possa ser levado em conta pelo eleitorado, positiva ou negativamente. Não há restrições de espécie alguma, a não ser faixa etária, e mesmo processos pendentes na Justiça não conseguem impedir certos líderes carismáticos de se alçarem – ou realçarem –  as mais altas cúpulas políticas.


Concebida para ser um instrumento justo de participação popular na construção de um país, a democracia tem sido utilizada como jargão de demagogos, levando pessoas ineptas, inexperientes ou simplesmente inescrupulosas ao poder. Quando digo inexperientes não quero me referir ao campo do “fazer política” mas sim ao aspecto teórico da função que irão exercer.


A bem da verdade, o problema não se encontra tão arraigado nos cargos do poder executivo, mais expostos ao escrutínio público e portanto menos propensos a desvarios, mas sim ao poder legislativo, e também nos chamados “cargos de confiança”, que não estão diretamente ligados ao conceito de repartição de poderes em uma democracia, mas dela – ou de sua inadequação – decorrem.


De fato, podemos facilmente observar que os casos mais flagrantes de corrupção ocorrem nos escalões inferiores do corpo legislativo. É mais fácil encontrar desvios de vultosas somas de dinheiro público em câmaras de vereadores de pequenas cidades interioranas que no Senado Federal da República, ainda que este também não esteja isento de denúncias por vezes graves de corrupção. Via de regra, quanto mais o indivíduo sente-se acobertado em sua pequenez, mais disposto à corrupção se encontra o servidor público.


Esta falha de caráter decorre justamente da possibilidade aberta pela democracia ao trazer ao poder qualquer um das massas ao sabor dos movimentos políticos, ávidos por advogar em causa própria. Sem preparo e muitas vezes mesmo sem educação formal, este é o preço a ser pago por aplicar um princípio de maneira universal, sem atentar para as características particulares dos indivíduos em cada sociedade na qual se inserem.


No encargo maior de se elaborar leis para o país, aprovar orçamentos, iniciar reformas importantes, encontramos sindicalistas, pastores evangélicos, pedreiros, veterinários, “coronéis” do nordeste e o que é pior, os chamados “políticos de carreira”, o que significa pessoas que fizeram lucrativa a profissão outrora nobre de servir o Estado. No máximo, são assessorados por juristas de péssima qualidade, e acabam por tornar um dos pilares da democracia em um simples sistema de escambo de interesses, onde o fim primordial é aprovar leis em troca de outras que beneficiem seu próprio nicho eleitoral, ou pior, apenas criam a ilusão de atuação para que  possam ser utilizadas posteriormente com fins eleitoreiros. Em última instância, o político atual trabalha em todos os níveis com o fim de perpetuar-se no poder, e não em prol do informe amálgama que se convencionou chamar povo. O sistema acaba por servir-se a si mesmo, em uma orgia antropofágica que leva inevitavelmente a paralisia e a corrupção.


Como conseqüência, temos a continuação de problemas bem conhecidos por décadas, déficits orçamentários por anos a fio sem que se descubra para onde escoa o dinheiro, leis obsoletas, e muito mais. É o que ocorre quando se autoriza alguém a aprovar o aumento de seus próprios vencimentos.


É óbvio que o país gasta mais do que arrecada, mas onde na verdade são efetivados tais gastos? Inobstante, o Brasil tem a mais alta carga tributária do planeta. A princípio é contraditório, de um modo geral, que os poderes ditos democráticos e populares tratem de construir para si mesmos palácios, ou apropriem-se dos anteriormente utilizados pela realeza. Cria-se assim uma falsa impressão de superioridade que, conjugada com toda a espécie de benesses de que gozam os políticos, como passagens aéreas, carros oficiais e moradia, à parte dos vencimentos e uma ampla gama de gratificações, leva a uma situação realmente privilegiada para alguns poucos. Isso, recorde-se, sem experiência prévia ou qualificações específicas. Alçamos o bom “marqueteiro político” a posição de “lorde democrático” pelo processo das urnas, que uma vez realizado está acima de qualquer contestação, e pagamos um alto preço por isso, a inépcia generalizada.


Elegendo pessoas despreparadas, hipotecamos o futuro do país. Alguém que vise à política como uma “carreira” no sentido estrito do termo, ou seja, planeja fazer dinheiro com ela, construir sua vida, poderá na melhor das hipóteses ser uma nulidade legislativa e na pior um corrupto, dadas as vicissitudes da posição. Por outro lado, um profissional de carreira sólida sente-se menos tentado a tais aventuras.


II – A República Aristocrática


É preciso preparação para a carreira pública, como antes os infantes das casas reais eram treinados, desde a mais tenra idade, para reinar, em matérias tão abrangentes que iam de assuntos de Estado às regras de comportamento social.


No legislativo atual temos bicheiros, escroques, semi-analfabetos, um festival de incompetências que poderia ser cômico não fosse trágico componente de um cenário que fomenta os problemas nacionais.


Os conceitos tradicionais do direito estão ultrapassados. Assim como a soberania, que se dobrou às necessidades da nova ordem internacional que se desvela no pós-Guerra Fria, e mais atualmente, no pós-atentado de 11 de Setembro contra as Torres Gêmeas em Nova York, limitando, desdobrando o que antes era inquestionável, assim deve ser feito com o sistema de tripartição dos poderes. Claro está que esta não é uma solução universal, mas aplica-se particularmente bem a países grassados pela corrupção endêmica, como o Brasil.


Mesmo os instrumentos legais anticorrupção são vítimas da politização destrutiva do sistema. Os sistemas nacionais de CPI foram utilizados à larga, mas também foram inúmeros os fiascos resultantes, uma vez que ao estabelecer que um congressista só possa ser julgado pelos seus pares, cria-se a possibilidade de um sistema de trocas e favores políticos que vicia o processo legal. Ao contrário de países civilizados como o Japão, onde simples denúncias de corrupção geram renúncias em massa, no Brasil os políticos aferram-se até última instância aos seus cargos e se são forçados a sair utilizam artimanhas legais para voltar à arena política o mais celeremente possível.


Antes de tudo é necessário criar instrumentos mais eficazes e rigorosos para impedir que um político acusado de corrupção possa voltar ao poder. Como no caso da justiça militar, estrita, assim deve ser criado um sistema em relação aos políticos, onde um corrupto deve ser imediatamente exonerado e impedido de voltar à cena pública por, digamos, 05 anos. Neste caso, ele estaria incumbido de provar sua inocência e não o contrário. Haveria presunção de culpabilidade e não de inocência em caso de dúvida razoável, de modo a desestimular os rapaces. Já hoje se fala em impedir a candidatura de indivíduos condenados em primeira instância, ainda que na pendência de recursos. Seria o chamado “indício razoável”. Outrossim, o foro privilegiado deve ser restrito aos crimes políticos, delitos e opinião, mantendo os demais na esfera da Justiça comum, menos afeita à ordem política que os Tribunais Superiores.


Entretanto, a solução principal almejada por esta proposta é simplesmente abolir o sistema legislativo assim como hoje é concebido. As leis devem ser discutidas e criadas por pessoas que delas entendem. Faz-se mister que o interessado em legislar seja formado em direito, juiz, jurisconsulto ou advogado. Esta seria a condição principal para se aceder ao legislativo, mitigando assim grande parte de suas inadequações atuais, transformando-o em um corpo colegiado de juristas de alto nível, aptos a modificarem e elaborarem as leis para o país. Todos os sistemas de fiscalização dos atos do legislativo seriam intensificados. O número destes juristas, bastante reduzido em relação à exagerada cifra presente, seria mais facilmente observado em sua atuação pelos eleitores.


Suas funções seriam amplas. A nível federal, uma grande reforma deve ser feita, eliminando-se todas as leis contraditórias, inadequadas ou obsoletas que emperram o desenvolvimento nacional em todos os níveis, sem o que nenhuma nova lei seria criada, exceto nas matérias imprescindíveis para prosseguimento das atividades do governo. É necessário um corpo legal enxuto e ágil para se perseguir os preciosos fins da democracia.


Os detratores desta teoria podem argumentar que esta medida, ao se criar um corpo legislativo de juristas, estaria vedando ao povo em geral o acesso a este pilar do sistema moderno político, mas o fato é que continuariam abertas todas as oportunidades no poder executivo. Já o judiciário, inobstante também ser um poder democrático exige de seus componentes não só formação adequada, mas um rigoroso e demorado processo de seleção, que vai desde conhecimentos teóricos e práticos até reputação ilibada, antes de integrá-los efetivamente. Por sua vez, o poder executivo está mais exposto a ser fiscalizado, e ao residir na figura de apenas uma pessoa naturalmente impede a acessão de pessoas desqualificadas em termos de caráter, ao menos nos grandes centros urbanos. Ainda assim, quando existem problemas graves na União, Estados, ou Municípios, a figura do presidente, governador e prefeito é sempre chamada a atuar.


Em segundo lugar, o corpo legislativo deve ser diminuído, para no máximo 120 cadeiras. Um grande número de legisladores dificulta a formação de um quorum mínimo para votações importantes, aumenta a chance de negociatas e formação de lobbies.


O Senado seria eliminado. Grotesca duplicação de poderes que inexiste em muitas democracias modernas, e que aliás no Brasil carece de representatividade proporcional no sistema um Estado, três senadores, é responsável  pela continuação de uma série de políticas retrógradas e mesmo pela manutenção do estado de penúria em certas regiões do país. Um país cujo coração econômico e industrial centra-se nas regiões sul e sudeste não pode continuar a mercê de representantes de regiões subdesenvolvidas que misteriosamente jamais progridem, antes afundam no rincão do clientelismo que sempre foram desde a fundação da República.


Como medida adicional, limitar-se-ia o número de assessores e secretários nomeados sem pasta específica para, a título de exemplo, três, e pode-se assim construir um corpo político mais coeso e funcional, eliminando-se também o nepotismo, ao se proibir a contratação de parentes até o quarto grau, não importando o grau de qualificações que possuam.


É claro que, sob influência do sistema atual, os juristas acabariam por se filiar a um partido que lhes garantisse os meios necessários para a campanha, partidos simpáticos as suas ideologias pessoais, mas em primeiro lugar, a condição de pertença a um partido seria desestimulada como quesito de acesso ao legislativo, e a independência fortemente recomendada. Por outro lado, a troca de legenda estaria proibida por todo o mandato, sob pena de exoneração sumária.


A  mais importante mudança seria no tocante a remuneração. O cidadão comum busca o trabalho diário para arcar com as despesas de sua moradia, própria ou alugada, transporte, contas e outros. Não é justo que os congressistas que gozam de todas estas benesses graciosamente, trabalhando umas poucas horas de terça a quinta, recebam ainda salário integral. Ou se opta pelos benefícios, e recebe-se então um salário simbólico, fixado a título de exemplo em R$ 1.000,00, ou se recebe o salário normal, mas sem direito a qualquer espécie de regalia, pagando-se como qualquer cidadão pelas suas necessidades. Carros oficiais seriam limitados ao executivo.


Quanto à remuneração per se, já está fixado na Lei Maior que esta não pode exceder um teto máximo, mas o legislativo utiliza o expediente de “gratificações” e “bonificações” para elevar seus vencimentos a cifras por vezes astronômicas. Acrescido ou não de bônus de qualquer natureza, o salário líquido efetivamente recebido estaria proibido de ultrapassar as cifras máximas pré-fixadas, medida esta que já tem sido aplicada pelos Tribunais de Contas dos Estados.    


A função pública, pela sua natureza, deveria ser exercida graciosamente, uma vez que permite que o afetado continue exercendo sua profissão. Há recessos parlamentares, longos períodos de férias que permitem ao profissional exercer regularmente seu ofício. Assim sendo, estaria desestimulada de raiz toda e qualquer tentativa de se fazer do meio político fonte de enriquecimento pessoal.


Já se afirmou que uma redução nos vencimentos só faria aumentar a corrupção, ou decair a qualidade dos políticos, mas a prática corrente efetivamente demonstra que a abundância de recursos e benefícios disponíveis que resultam em altos salários não desestimula a corrupção, antes pelo contrário, o que está ao alcance dos olhos é sempre mais tentador. A função pública, como diz o nome, deve ser vista como um meio de servir, e não mais se servir do bem público.


Conclusão


Um legislativo composto de juristas elevaria a profissão, hoje um tanto desprestigiada, e atrairia para a política a grande massa de jovens mentes que se encontram perdidas no mercado de trabalho pela busca dos escassos postos condizentes com sua formação.


Eleitos pelo voto popular, por período limitado, estes jurisconsultos teriam na excelência de seu trabalho o próprio nome profissional futuro, onde saindo da política poderiam iniciar, ou prosseguir a carreira com um brilhante currículo de benfeitorias nacionais. Só poderiam exercer dois mandatos consecutivos com um intervalo de igual período, para impedir certa continuidade “monárquica” que costuma grassar nos legislativos.


Legislar é uma profissão séria, para criar leis em prol do país. Não barganhar, nem maquinar coligações eleitoreiras, mas criar um corpo normativo que contribua para a evolução nacional. Não se pede aos advogados que construam casas, nem a engenheiros que façam cirurgias cardíacas. Uma função tão vital deve ser exercida por pessoas preparadas para tal. No fundo, o poder de elegê-los permanece nas mãos do povo em geral, garantindo os princípios básicos da democracia.



Informações Sobre o Autor

André Luís Ferreira

Advogado, mestre em Ciências Jurídico Internacionais pela Universidade de Lisboa e professor de Direito Internacional Publico e Privado na UniverCidade, UCAM, UNISUAM e UNIFESO.


Equipe Âmbito Jurídico

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