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Desafios para implantação do fórum múltiplas portas no Brasil

Resumo: As novas iniciativas legislativas no sentido de fortalecer o uso de tratamentos adequados de solução consensual de conflitos traz à tona a importância do estudo dos mais métodos, motivo pelo qual importa a análise de importante ferramenta conhecida em outros países, qual seja, o Sistema Múltiplas, desenvolvido inicialmente nos Estados Unidos, mas com reconhecimento internacional em termos de métodos não adversariais.

Palavras chave: equivalentes jurisdicionais; sistema múltiplas portas; solução consensual de conflitos

Abstract: The new legislative initiatives to strengthen the use of appropriate treatments for consensual conflict resolution brings to the fore the importance of studying the most methods, which is why it is important to analyze an important tool known in other countries, namely the Multi-door Courthouse System , Initially developed in the United States, but with international recognition in terms of non-adversarial methods.

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Keywords: jurisdictional equivalents; Multi-door courthouse system; Consensual solution of conflicts

Sumário: 1. Introdução; 2. Fórum múltiplas portas; 3. Experiência acerca do funcionamento do fórum de múltiplas portas de Colúmbia EUA. 4. A implantação do fórum múltiplas portas no Brasil. 5. Considerações finais.

1 INTRODUÇÃO

Pesquisas apontam que há cerca de 95 milhões de processos tramitando no Sistema Judiciário brasileiro. Tal número alarmante faz emergir a necessidade latente de buscar mecanismos de controle jurisdicional, mas antes disso, fórmulas capazes de auxiliar na solução de tais conflitos, seja com a realização de mutirões de conciliação, seja com o uso de tratamentos adequados de solução consensual de conflitos de todo gênero.

O Sistema Múltiplas Portas se mostrou um importante meio de auxiliar na diminuição de casos solucionáveis através de acordo ou do uso da arbitragem, de forma que importa seu estudo e possibilidade de implementação no Brasil.

Assim, o presente artigo abordará a situações relacionadas aos atuais problemas brasileiros relacionados a este contexto, buscando trilhar um caminho para possíveis soluções.

2 FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS

A denominação “Fórum de Múltiplas portas” é um mecanismo de institucionalização sistemática de métodos consensuais de solução de controvérsias, no Brasil comumente chamados de Equivalentes Jurisdicionais, recentemente denominado pelos autores no assunto como “Tratamento Adequado de Solução de Conflitos”, modificando os conceitos dos anos 90 e 2000, momento em que se utilizava a expressão “Métodos alternativos”.

A própria do Fórum de Múltiplas Portas, segundo Barbosa (2003) não é nova, uma vez que, em 1848, Nova York já oferecia julgamento por árbitros com direito a apelação com ao juiz singular. Na Pensilvânia, em 1952, as cortes receberam o poder de estabelecer programas de arbitragem compulsória. Contudo, foi somente em 1976 que Frank Sanders divulgou o trabalho ‘Varieties of Dispute Processing’, onde foram desenhadas as principais linhas do Fórum de múltiplas portas, como proposta para melhorar a resposta do Poder Judiciário para os casos que lhes são apresentados. No ano de 1990, com a Civil Justice Reform Act, houve uma grande ampliação do uso do sistema, pois toda a jurisdição federal norte americana deveria promulgar um plano de redução de despesas e de morosidade da justiça. Tais planos foram acompanhados de ampliação do uso de métodos alternativos nas cortes, razão pela qual, em 1992, haviam mais de 1.200 fóruns de múltiplas portas nos EUA.

Segundo Ivan Machado Barbosa, membro do grupo de pesquisa e trabalho em arbitragem, mediação e negociação da Faculdade de Direito da UNB, o Fórum Multiportas tem como grande princípio a adaptabilidade, de forma que o procedimento seja realizado de acordo com a causa, partindo da ideia de que cada método resolutivo, mesmo o tradicional, possui vantagens e desvantagens, e que deve ser aproveitado o melhor do melhor, otimizando as características de todos os métodos de resolução de disputas.

O método tradicional, por exemplo, é extremamente eficaz para responder questões que se refiram a direitos indisponíveis, e em causas onde há um grande desequilíbrio de poder entre as partes, mas, em contrapartida, despreza quase completamente o lado sociológico e psicológico da demanda. A mediação e, por sua vez, trata mais eficazmente as questões emocionais, enquanto a arbitragem é mais adequada a solucionar questões puramente técnicas.

2.1 MÉTODOS DISPONÍVEIS NO FÓRUM MÚLTIPLAS PORTAS

Os métodos mais difundidos de equivalentes jurisdicionais (conciliação, mediação, arbitragem, avaliação preliminar neutra) devem ser largamente utilizadas no Fórum Múltiplas Portas, uma vez que busca-se, sobretudo, superar o paradigma monista para um contexto pluralista e verdadeiramente democrático.

Contudo, não são apenas tais métodos que podem ser utilizados, pois o contexto pluralista exige a necessidade de respeitar a cultura, o direito local e a disponibilidade material disponível, podendo lançar-se mão de vários procedimentos, o que certamente aumenta as chances de resolução satisfatória das controvérsias. Deve-se evitar, contudo, o risco de criar programas sem a qualidade necessária, buscando concentrar energias e recursos em programas de alta qualidade.

Pode-se optar, inclusive, encaminhar uma mesma controvérsia, sucessivamente, para vários procedimentos. Por exemplo, as partes são encaminhadas para a conciliação. Corre-se o risco de, durante os trabalhos conciliatórios, perceber-se que as discussões técnicas podem emperrar o êxito dos trabalhos, mas que a eleição de um árbitro poderia facilmente por fim à demanda. Ainda assim, caso uma das partes eventualmente se insurja contra a decisão do árbitro, o processo seria remetido a um juiz tradicional, quando chegaria praticamente já instruído. Tal providência, segundo Ivan Machado Barbosa (2003), é comumente adotada pelo Federal District Court for the Northern Discritct of Alabama. Nesta corte americana, criou-se o mecanismo de que a parte que rejeitou a decisão de arbitragem e não obteve melhor resultado no método tradicional, deve pagar todos os custos e honorários advocatícios da outra parte desde a data em que o árbitro recebeu a notícia de rejeição do seu lado.

2.2 O FUNCIONAMENTO DO FÓRUM DE MÚLTIPLAS PORTAS

Primeiramente, cumpre salientar que não temos notícias, no Brasil, da adoção de experiências de Fórum Multiportas, tal como adotado no modelo norte americano. Há iniciativas isoladas de inúmeros Tribunais, que priorizam as formas consensuais de soluções de conflitos, em especial na Justiça Trabalhista, que possui larga tradição na adoção de tais mecanismos. O próprio Conselho Nacional da Conciliação estabelece, anualmente, a Semana Nacional da Conciliação[1], sem prejuízo de outros tribunais adotarem, mediante critérios de oportunidade e conveniência, os mutirões de mediação e conciliação, como, por exemplo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região.[2]

Com a entrada em vigor do atual Código de Processo Civil, o uso da conciliação e mediação passaram a compor a experiência forense, a teor de diversos artigos do mencionado dispositivo, que além de prezar pelas técnicas, mencionam seus princípios e regras.

Antes disso, no entanto, a literatura nacional era escassa, pois em regra, os operadores jurídicos vivenciavam profundamente a ‘cultura da sentença’ e o fetichismo do processo judicial tradicional, malgrado as estatísticas publicadas anualmente pelo CNJ demonstrem a baixa eficácia deste modelo.

Com a alteração processual supramencionado, tribunais passaram a utilizar tais técnicas, cujo encaminhamento se dá conforme categorias das causas, classe processual, valor da causa. Outros, entretanto, preferem a seleção caso-a-caso, sob o argumento de que a adequação da controvérsia do procedimento depende de diversos fatores que a tornam única, exigindo, ainda, a participação das partes interessadas na escolha do procedimento. Seja qual for o modelo – ou combinação de modelos – adotado no Brasil, é importante que sejam observadas as Leis de Organização Judiciária locais, a cultura, os recursos disponíveis, a natureza das controvérsias regionais, da especialidade material da unidade judiciária, consolidando aos poucos o paradigma pluralista, tão indispensável ao futuro do Poder Judiciário na sociedade pós moderna.

3 EXPERIÊNCIA ACERCA DO Funcionamento do Fórum de Múltiplas Portas de Colúmbia, EUA.

Colúmbia é a capital e maior cidade da Carolina do Sul, EUA, município fundado em 1786, e possui 129.272 habitantes. Sua região metropolitana é de 767.598 habitantes e se trata, em verdade, do local de maior referência quando se trata de experiência na adoção do Fórum Múltiplas Portas, em razão de ter logrado êxito na sistematização e no encaminhamento adequado dos conflitos, utilizando-se todas as ‘portas’ existentes na Corte, priorizando, assim, o uso inteligente das formas alternativas de resolução dos conflitos (mediação, conciliação, arbitragem, avaliação prévia, método tradicional), lançando mão do método jurisdicional tão somente quando absolutamente necessário, dando o caráter de última ratio à prestação, por meio de magistrados, da prestação jurídica.

Nesse sentido, importante observar tal experiência, mormente para definir se o método pode ser implementado em sua integralidade no Brasil.

Nos EUA, idealizou-se um mecanismo que avalie os critérios que podem auxiliar na determinação do melhor tratamento do conflito, sendo apresentados 5 (cinco) critérios, quais seja, a natureza do litígio, a relação entre os oponentes, a qualidade da disputa, o custo e a velocidade.

Em que pese o acesso à justiça – que é a questão central que o Fórum Múltiplas Portas pretende alcançar – não seja uma prerrogativa exclusiva do Poder Judiciário, uma vez que a adoção das formas múltiplas de resolução de conflitos poderia ser feita em várias instituições, preferiu-se a racionalização de um sistema central localizado no Tribunal, local que possui tradição de encaminhamento das demandas.

 O modelo em exame é, em verdade, um centro de tratamento de conflitos, no qual o início se dá pela unidade de distribuição, onde o funcionário especialista (o Dispute Resolution Specialist- DSR) realizará o diagnóstico da disputa e, em seguida, aplicar os critérios de referência, encaminhando a demanda para a ‘porta’ mais adequada.

 O diagnóstico funciona da seguinte forma: as partes receberão um formulário de classificação de disputas e, após preenche-las, entregarão ao DSR. Este analisará o caso concreto e entregará ao Juiz Responsável uma recomendação acerca do método ou da sequência de métodos ideais para a disputa em questão. O magistrado poderá, em casos excepcionais, marcar uma audiência com as partes para informá-las acerca da recomendação, receber sugestões dos litigantes e, se for o caso, ordenar um método que julgue mais satisfatório.

Em um contexto pluralista, democrático e participativo, as partes são livres para sugerir um método alternativo diverso, e o magistrado poderá, também, ordenar a utilização do mecanismo mais adequado. Portanto, a recomendação feita pelo DSR – Dispute Resolution Specialist não é compulsória, uma vez que se trata, em verdade, de uma sugestão especializada, cabendo ao magistrado, com o auxílio também das partes, encaminhar a demanda para o método (ou ‘Porta’) mais eficaz. Na Superior Court of the district of Columbia, a análise do formulário das partes é realizada de duas formas:

A primeira delas é categórica, como, por exemplo, encaminhar à conciliação casos em que houve ruptura de relacionamentos, ou ao procedimento tradicional quando houver direitos indisponíveis e grande desequilíbrio entre as partes litigiosas. O segundo modo ocorrerá quando o caso não se encaixa em nenhuma das categorias compulsórias, quando, então, serão aplicados os critérios de pontuação para ada método. Tal pontuação permite perceber qual é o melhor método indicado ao caso concreto, sendo considerado o método de maior pontuação o mais recomendável.

O formulário é composto por duas partes, a objetiva e a subjetiva. A primeira informará as características do caso concreto, e a segunda, as prioridades, os fins colimados para cada parte na resolução do conflito.

A pontuação será obtida da seguinte forma. Primeiro, analisar-se-á as questões objetivas do formulário, consistente em perguntas dirigidas às partes, quando estas preencherão – orientadas pelo especialista imparcial – as alternativas que se aplicam ao caso, informando sua percepção acerca das características da disputa, como, por exemplo, se o caso envolve muitas partes, questões puramente materiais, ou análise controvérsia extremamente técnica e científica. Em cada opção escolhida, os métodos alternativos recebem pontuação diversa, sendo que quanto maior for esta pontuação, mais adequado será o procedimento.

Barbosa (2003) apresentou, como exemplo, um formulário com as seguintes frases e pontuações, no qual a parte selecionou os itens considerados com um ‘X’. Vejamos:

No caso exemplificativo, a parte escolheu 3 alternativas marcadas com o X, atribuindo 7 pontos à conciliação, 4 pontos para arbitragem, e 4 pontos para avaliação preliminar neutra. Após a análise da fase objetiva, passaríamos a verificar os itens subjetivos do formulário, no qual a parte elenca quais são suas prioridades, limitadas, no mecanismo em exame, ao número de 3 (três):

Escolhidos os objetivos, multiplicam-se os pesos atribuídos a cada método por um multiplicador de prioridade. Os multiplicadores de prioridade são:

Note-se que, assim, atribui-se valor a real prioridade das partes envolvidas, combinando suas necessidades subjetivas com o mecanismo objetivamente mais adequado, criando um indicador hábil ao encaminhamento verdadeiramente flexível e eficaz, bastante diverso dos ritos pré-estabelecidos pelos poderes legislativos e judiciário no Brasil.

Seguindo o nosso exemplo, a primeira prioridade é a celeridade do processo, portanto, todos os pesos relativos à celeridade do processo serão multiplicados por 1,5, ficando 1,5 para conciliação, 1,875 para arbitragem e 1,5 para avaliação preliminar neutra. A segunda prioridade escolhida é receber a opinião de um especialista, razão pela qual seus pesos devem ser multiplicados por 1,25, chegando-se a1,25 para conciliação e também para arbitragem, e 2,5 para avaliação preliminar neutra. A terceira prioridade é a confidencialidade do resultado de um processo, razão pela qual multiplicar-se-á por 1,10, obtendo-se 1,65 para conciliação e avaliação preliminar neutra e 1,10 para arbitragem.

Por fim, o resultado final será alcançado por meio de uma multiplicação dos pesos alcançados na parte subjetiva, por meio da escolha de prioridades, e pela pontuação objetiva por cada método.

Assim, no exemplo dado a arbitragem alcançou a pontuação de 4 no formulário objetivo, e os pesos de 1,875 na 1ª prioridade, 1,25 na 2ª prioridade, e 1,10 na 3ª prioridade. Multiplicando-se tudo, obtém-se a pontuação de 10,3125. Seguindo-se o mesmo procedimento, chega-se a uma pontuação de 21,65625 para conciliação e 24,75 para a avaliação preliminar neutra, demonstrando que, para este litigante, a avaliação preliminar neutra será o método mais indicado, uma vez que atende às prioridades elencadas (celeridade, confidencialidade, opinião não-obrigatória de um especialista, existência de muitas partes com relacionamento contínuo, e questões altamente técnicas e científicas).

Tal formulário deve ser aplicado às duas partes que, por sua vez, podem divergir quanto à percepção da demanda, além de terem objetivos diversos, razão pela qual tais controvérsias devem ser resolvidas pelo especialista, com o fito de dar o melhor encaminhamento para a boa administração da justiça. Pode-se, inclusive, somar o resultado das partes para ver qual o método alcança valor mais elevado.

Obviamente, o formulário ora exemplificado é simples, e serve principalmente para fins didáticos. A experiência dos Tribunais, os recursos humanos e materiais disponíveis, os equívocos eventualmente cometidos, os serviços disponíveis e principalmente os próprios resultados obtidos, deverão permitir o contínuo aprimoramento do método de encaminhamento das controvérsias, evitando eventuais distorções e garantindo o aprimoramento contínuo da prestação jurisdicional.

4 A IMPLANTAÇÃO DO FORUM MÚLTIPLAS PORTAS NO BRASIL

Considerando a cultura jurídica que se desenvolveu no Brasil, de característica monista, estatizada, burocrática, intelectualista e bacharelista, cujo modelo foi imposto na colônia do além-mar pela metrópole Portuguesa de forma autoritária e inadequada à realidade local, o uso de práticas consideradas alternativas há pouco foi incentivada

 O modelo positivista e centralizador, deu pouco lugar às formas alternativas de resolução de conflitos – ou equivalentes jurisdicionais – uma vez que proliferou por todos os cantos a ‘cultura da sentença’, onde somente os juízes tem autoridade e legitimidade para proceder à pacificação social, o que acabou, por assim dizer, gerando um esgotamento no referido modelo.

Tais características retardaram a utilização das formas alternativas de resolução de conflitos. Segundo Thomas Stipanowich (apud BARBOSA, 2003), nos EUA, desde 1848, já se oferecia o julgamento por um árbitro com direito a apelação para um juiz singular e, em 1952, as cortes da Pensilvânia receberam o poder de estabelecer programas de arbitragem compulsória. Em 1976, no trabalho de Frank Sanders denominado ‘Varieties of Dispute Processing’, foram desenhadas as principais linhas do fórum de múltiplas portas, como proposta para melhorar a resposta do Poder Judiciário aos casos que lhe eram apresentados, sendo que, em 1992, conforme o autor, já havia mais de 1.200 fórum múltiplas portas recebendo encaminhamento de cortes estaduais americanas.

Assim, preferiu-se, na prática, a burocratização da pacificação social e a utilização em larga escala do Poder Judiciário, malgrado, desde sempre, haja no ordenamento jurídico a possibilidade de utilizar-se de mecanismos alternativos, como a arbitragem, presente no Código Comercial desde 1850, mas até hoje pouco utilizada pelos operadores do dizeito e pela sociedade em geral.

O Brasil ainda não conta com um sistema de múltiplas portas similarmente comparável ao modelo norte-americano ora em exame. Contudo, desde a década de 90, os métodos alternativos de resolução de conflitos vem gradualmente ganhando espaço na Política Nacional de Tratamento de Conflitos em diversos espaços da sociedade, em especial a partir do advento da Lei dos Juizados Especiais (Lei nº 9099/95), que imprime uma posição de destaque nas políticas conciliatórias, justamente como intento de dar um tratamento mais eficaz aos litígios, em especial aqueles cuja lei atribui o caráter de ‘pequenas causas’. A conciliação e mediação não são apenas utilizados na justiça comum pois, como vimos, são largamente utilizadas na Justiça do Trabalho, onde quase 1/3 das demandas logram êxito na conciliação.

 Buscando trazer a rápida pacificação social em demandas que versam sobre questões puramente técnicas, criou-se a Lei de Arbitragem (Lei nº 9307/1996), que, gize-se, teve suas hipóteses de utilização ampliada pela Lei nº 13.129/2015.

O instituto da arbitragem é um meio legal para encontrar a pacificação social em causas cujo objeto que se refira unicamente a direitos disponíveis, e cuja demanda versa, preferencialmente, sobre questões essencialmente técnicas. A convenção de arbitragem pode prever decisão por meio do direito ou da equidade, a critério das partes, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública (art. 2º, §1º, Lei nº 9307/1996). Os árbitros poderão ser qualquer pessoa capaz que tenha a confiança das partes, podendo, inclusive, ser formado um conselho de árbitros, desde que em número ímpar, que serão juízes de fato e de direito, cuja sentença não ficará sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário. Contudo, eventuais tutelas cautelares e de urgência poderão ser requeridas diretamente ao Poder Judiciário, sem prejuízo de atuação posterior do árbitro.

A sentença arbitral faz coisa julgada material entre as partes, é irrecorrível, e constitui título executivo (art. 31), malgrado sua eficácia possa ser impugnada na fase do cumprimento da sentença, caso houver vícios que a tornem nula.

Entretanto, em que pese tal mecanismo se constituir em um grande avanço no contexto democrático e pluralista, nossa cultura jurídica ‘monista’ e bacharelesca e autoritária impede que sua utilização se dê a contento, uma vez que é notória a baixa utilização desta importante inovação legislativa.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004, e com a consequente criação do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, procurou-se desenvolver ações e programas com o objetivo de garantir o controle administrativo e processual, a transparência e o bom funcionamento do Poder Judiciário. Aparecia, a partir de então, a figura do gestor judiciário, capaz de estabelecer políticas públicas adequadas ao enfrentamento dos inúmeros conflitos que chegam diariamente ao Poder Judiciário. Criou-se, portanto, um ambiente propício a inúmeras transformações.

O grande marco se deu a partir da Resolução nº 125/2010 do CNJ, que instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento de Conflitos de Interesses, com o fito de assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meio adequado à sua natureza e à suas peculiaridades (art. 1º). A aludida resolução prevê a organização de programas que incentivem à auto composição dos litígios e à pacificação social, especialmente por meio da conciliação e da mediação (art. 4º). Prevê que o programa seja implantado com a participação de rede constituída por todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive as universidades e as instituições de ensino (art. 5º).

Para o desenvolvimento da rede, conforme art. 6º da aludida Resolução, o CNJ deverá promover as seguintes ações:

“I – estabelecer diretrizes para implementação da política pública de tratamento adequado de conflitos a serem observadas pelos Tribunais; 

II – desenvolver parâmetro curricular e ações voltadas à capacitação em métodos consensuais de solução de conflitos para servidores, mediadores, conciliadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias, nos termos do art. 167, § 1°, do Novo Código de Processo Civil;

III – providenciar que as atividades relacionadas à conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos sejam consideradas nas promoções e remoções de magistrados pelo critério do merecimento; 

IV – regulamentar, em código de ética, a atuação dos conciliadores, mediadores e demais facilitadores da solução consensual de controvérsias;

V – buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento; 

VI – estabelecer interlocução com a Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, estimulando sua participação nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania e valorizando a atuação na prevenção dos litígios; 

VII – realizar gestão junto às empresas, públicas e privadas, bem como junto às agências reguladoras de serviços públicos, a fim de implementar práticas auto compositivas e desenvolver acompanhamento estatístico, com a instituição de banco de dados para visualização de resultados, conferindo selo de qualidade; 

VIII – atuar junto aos entes públicos de modo a estimular a conciliação, em especial nas demandas que envolvam matérias sedimentadas pela jurisprudência; 

IX – criar Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores visando interligar os cadastros dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, nos termos do art. 167 do Novo Código de Processo Civil combinado com o art. 12, § 1°, da Lei de Mediação;

X – criar Sistema de Mediação e Conciliação Digital ou a distância para atuação pré-processual de conflitos e, havendo adesão formal de cada Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, para atuação em demandas em curso, nos termos do art. 334, § 7º, do Novo Código de Processo Civil e do art. 46 da Lei de Mediação, 

XI – criar parâmetros de remuneração de mediadores, nos termos do art. 169 do Novo Código de Processo Civil;

XII – monitorar, inclusive por meio do Departamento de Pesquisas Judiciárias, a instalação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, o seu adequado funcionamento, a avaliação da capacitação e treinamento dos mediadores/conciliadores, orientando e dando apoio às localidades que estiverem enfrentando dificuldades na efetivação da política judiciária nacional instituída por esta Resolução”. (sem grifos no original)

A Política Judiciária Nacional de Tratamentos de Conflitos prevê, no art. 7º da referida Resolução, a criação de núcleos permanentes de métodos consensuais de solução de conflitos, coordenados por magistrados da ativa, aposentados e servidores, com o objetivo precípuo de desenvolver a política, planejar, promover cadastro de mediadores e conciliadores. Prevê, ainda, a criação de Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (art. 8º), responsável pela realização e gestão das audiências de conciliação e mediação, bem como atendimento e orientação ao cidadão. Estabelece, ainda, a instalação de câmaras privadas de conciliação e mediação, e, inclusive as diretrizes curriculares e o Código de Ética para a formação de conciliadores e mediadores.

Note-se que, apesar de todos os avanços normativos trazidos pela Resolução nº 125/CNJ – e a utilização, de forma esparsa, por inúmeros Tribunais – não se obteve o apoio incondicional e irrestrito da comunidade jurídica, em especial por causa de nossa cultura litigiosa, que a própria resolução procura combater (art. 6º, inciso V).

Contudo, os avanços normativos não se limitaram à aludida resolução, uma vez que, em tempos recentes, houve uma nova onda renovatória trazida pelo Novo Código do Processo Civil (Lei nº 13.015/2015), cujos resultados ainda não foram avaliados. O texto do NCPC contemplou a conciliação e mediação, pois prevê a obrigatoriedade das audiências auto compositivas (art. 334), exceto quando ambas as partes manifestarem expressamente o desinteressa na composição consensual. As ações cujo objeto envolve maior vínculo afetivo entre os litigantes, típicas ao direito de família (arts. 694 e 695) recebem incentivo especial para solução por meio de formas alternativas à resolução de conflitos.

Nesse contexto de profundas transformações, a Lei nº 13.140/2015, demonstra uma tendência à superação do paradigma monista e passa a reconhecer que a composição dos conflitos transcende o Poder Judiciário, ao dispor sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias, incentivando a utilização de tais técnicas sem necessidade de intermediação pelo estado.

Traz princípios como imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia de vontade, busca de consenso, confidencialidade e boa-fé. Prevê a formação de mediadores extrajudiciais e judicias, e, inclusive, a criação da Escola Nacional de Mediação e Conciliação, no âmbito do Ministério da Justiça, o que comprova o compromisso do estado em transportar a arraigada ideologia monista para um salutar contexto pluralista, nos termos tratados no primeiro capítulo do presente trabalho.

O atual Códex processual brasileiro estabeleceu profundas mudanças com o fito de trazer maior efetividade na prestação jurisdicional, pois, dentre outras transformações, busca dar uma atenção especial às demandas repetitivas, por meio do Incidente de Resolução, instrumentalizando o Poder Judiciário para fazer frente às reiteradas demandas individuais idênticas, tratando-as como se fossem ações coletivas, qualificando o debate por meio da admissão de amicus curiae, evitando, assim, o latente congestionamento do Poder Judiciário e instrumentando-o para melhor atuar em conflitos de natureza coletiva, constituindo-se, pois, em um grande avanço, cujos efeitos ainda não puderam ser avaliados.

Contudo, é importante ressaltarmos que os avanços ora apresentados em nada se comparam com o revolucionário Fórum Multiportas de Colúmbia, uma vez que, em Terrae Brasilis, nossos procedimentos alternativos são impostos de forma positivista, dentro de códigos processuais rígidos, sem um encaminhamento verdadeiramente científico das demandas (e, portanto, desprovidos da flexibilidade e adaptabilidade necessária), de forma que, muitas vezes, as audiências prévias obrigatórias poderão não surtir os efeitos desejados por versarem sobre questões cuja controvérsia (seja pelas dificuldades técnicas, emocionais e expectativas das partes) não permite auto composição, podendo fazer com que a etapa conciliatória seja dispendiosa e ineficaz, trazendo descrença ao sistema.

 Ademais, mesmo com tais avanços, constatou-se o desprestígio a outros mecanismos alternativos sem tradição no Brasil, como arbitragem e avaliação preliminar neutra, med-arb, arb-med, júri cível e o ‘ouvidor’, demonstrando que estamos ainda há alguns passos atrás do modelo norte-americano, malgrado estejamos progredindo, em passos lentos, a uma cultura pluralista e desburocratizada.

Por fim, há que a transposição do modelo monista para um modelo pluralista passa, necessariamente, por um apoio irrestrito da comunidade jurídica (advogados, promotores, defensores públicos, magistrados e serventuários), condição sine qua non será possível a superação de nossa arraigada cultura litigiosa, que levou a um esgotamento operacional e orçamentário do Poder Judiciário, dificultando de sobremaneira enfrentamento dos complexos conflitos sociais pós-modernos.

Seria possível a implantação de um modelo de Fórum Multiportas no Basil? Quais são as ações necessárias para viabilizá-lo e implantá-lo? É possível concretizá-lo, em terras tupiniquins, em meio à realidade a qual acabamos de explorar? Nas próximas linhas, ousaremos a tratar especificamente deste assunto, discorrendo sobre as possibilidades e os limites de implantá-lo em nossa Polícia Nacional de Tratamento Adequados dos Conflitos de Interesses.

Como já foi citado anteriormente, o Brasil ainda não dispõe de um modelo de Fórum de Múltiplas Portas verdadeiramente consolidado, tal qual ocorre nos EUA. Contudo, vimos que há inúmeras iniciativas legislativas e programas adotados pelos Tribunais, com o fito de incentivar o uso, em larga escala, dos equivalentes jurisdicionais, mas que ainda não surtiram o efeito desejado, em especial por quer sofrem severas limitações da nossa cultura litigiosa, monista, autoriatória e burocrática, ou, nas palavras de Kazuo Watanabe (2005), de nossa ‘cultura da sentença’.

A iniciativa normativa mais ambiciosa adotada em terras tupiniquins talvez seja a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, que estabeleceu a Polícia Judiciária Nacional de Tratamento dos Conflitos, que objetiva, nas palavras de Watanabe (2011), acesso qualificado à justiça, que implica gerenciamento do processo, formação de rede de parceiros, gestão cartorária, utilização dos Centros Judiciários de Solução do Conflito, que responsável não apenas pelo trabalho com os métodos consensuais, mas também pelos serviços de cidadania e orientação jurídica que conduzem à pacificação social, abrandamento da morosidade da justiça, diminuição do número de processos e de seus custos. O autor assim discorreu:

“o princípio de acesso à justiça, inscrito no nº XXXV do art. 5º da Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim, um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do poder Público, em especial do Poder Judiciário. Assim, cabe ao judiciário não somente or­ganizar os serviços que são prestados por meio de processos judiciais, como também aqueles que socorram os cidadãos de modo mais abran­gentes, de solução por vezes de simples problemas jurídicos, como a obtenção de documentos essenciais para o exercício da cidadania, e até mesmo de simples palavras de orientação jurídica”. (2011, p. 4),

A processualista Grinover (2007) afirma que o renascimento da Justiça se fundamente, basicamente, três aspectos, quais sejam, o fun­cional, o social e o político. O aspecto funcional refere-se tão somente à eficiência da máquina judiciária, que se traduz precipuamente na racionalização na distribuição da justiça. Para tanto, é inegável que a utilização de um mecanismo inteligente de triagem, que encaminha a demanda para a ‘porta’ mais adequada, dentre as tantas disponíveis no Fórum Multiportas – contribuiria com a racionalização e distribuição. O aspecto social, por sua vez, é atingido pela pacificação social. Contudo, a justiça prestada por meio da ‘cultura da sentença’ muitas vezes, não resolve o conflito, pois não se baseia na ideia ‘ganha-ganha’, e sim na filosofia ‘perde-ganha’, de sorte que a parte que perdeu nem sempre irá dispor-se a cumprir, de forma espontânea, os termos da sentença, quando não irá embaraçar o seu cumprimento, dando início a um dos grandes gargalos da prestação jurisdicional: a execução. Por tal razão, as formas alternativas de resolução de conflitos tendem a ser mais efetivas devido à maior participação das partes, pois estas atuam ativamente na auto composição do conflito, o que irá contribuir para a eficácia do acordo, característica inexistente nos meios heterocompositivos. O terceiro aspecto – o político – se revela na participação popular na administração da justiça, pois os procedimentos ditos consensuais permitem a colaboração do corpo social, representando, nas palavras de Luchiari (2011, p. 234), “instrumentos de garantia e controle, em contrapartida ao autoritarismo do Estado”.

Já se disse neste artigo que a Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, e a Lei nº 13.105/2015 –Código do Processo Civil – trouxeram grandes contribuições normativas para o desenvolvimento dos aspectos funcional, social e político tratados por Grinover. Tais normativos não versam diretamente do Fórum Multiportas, mas almejam adoção em larga escala de suas técnicas, o que, em certa medida, nos leva a crer que ao menos a normatização de um Fórum aos moldes daquele aplicado em Columbia, seja viável no Brasil. Obviamente, não nos contentaremos em discorrer sobre a normatização, em especial por que nosso País – bacharelista que é – possui normas de todos os tipos e todos os gostos: é preciso transportá-las ao mundo material, concretizá-las, alterar o estado das coisas, ou, em outras palavras, renovarmo-nos, sob pena de desaparecermos.

Contudo, pensamos que não é possível – e nem preciso – desconstruir o que já foi construído, ou reinventar a roda. A Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça já estabelece que o programa da Política Judiciária de Tratamento Adequado dos conflitos de interesse no âmbito do Poder Judiciário será implantado por meio de uma rede constituída por ‘todos os órgãos do Poder Judiciário e por entidades públicas e privadas parceiras, inclusive universidades e instituições de ensino’ (art. 5º).

Não seria possível implantar, no Brasil, um Fórum de Múltiplas Portas sem a utilização desta de rede multiprofissional e multidisciplinar, pois a complexidade das questões trazidas à baila ao Poder Judiciário sabidamente transcendem – e muito – ao mundo Jurídico. Até o presente momento, a aludida resolução estabelece as ‘ações de incentivo à auto composição dos litígios e à pacificação social’ dar-se-ão por meio da conciliação e mediação’ (art. 5), o que nos faz crer que estas duas formas autocompositivas são, atualmente, a grande aposta do CNJ para alterar o panorama que hoje aflige o Poder Judiciário.

Não há como discordar do CNJ neste sentido, mas nosso objetivo no presente trabalho é ir um pouco mais além: é preciso lançar mão não só da conciliação e da mediação, mas de todos os demais meios disponíveis – arbitragem, avaliação preliminar neutra, Juri Cível, med-arb, arb-med, mini-julgamentos, e, como ultima ratio, o procedimento judicial tradicional. Isso não significa dizer que os magistrados serão relegados para último plano; pelo contrário, um modelo como o Fórum Múltiplas Portas exigirá dos juízes um papel muito mais ativo como gestores dos Centros Judiciários de Solução do Conflito e Cidadania, onde ocorrerá a triagem das demandas.

A participação dos magistrados merece uma atenção à parte. Entendemos que o mecanismos de triagem – que deverão utilizar um sistema de pontuação similar àquele adotados pelo Fórum de Colúmbia, o qual discorremos no capítulo anterior– deverão ser previamente aprovados pelos magistrados, e, após, serem submetidos à Corregedoria do Tribunal, para fins de aprovação da metodologia a ser utilizada. A aprovação do mecanismo de triagem pelo próprio magistrado afastaria a alegação de que as demandas submetidas aos meios alternativos afastou a apreciação do magistrado, em especial por que foi a autoridade jurisdicional que aprovou o mecanismo.

Quanto à triagem a ser utilizada, é importante tecer algumas considerações. A multiplicidade de causas submetidas ao Poder Judiciário é tão grande, e tão dependente das realidades locais, que qualquer tentativa de padronizar o sistema de pontuação, em nosso território de dimensões continentais, estaria fadada ao fracasso e é por esta razão que pensamos que caberia aos magistrados de 1º grau, com sua experiência, sensibilidade, e conhecimento da realidade local, a aprovação do sistema de pontuação, em conformidade com as normas de organização judiciária local e, como dissemos, submetendo o formulário de triagem à respectiva Corregedoria, para fins de análise se a metodologia a ser aplicada, de fato, obedeceu à regularidade formal estabelecida pela lei de organização judiciária. Ademais, as demandas submetidas à Justiça do Trabalho são, em regra, bastante diversas daquelas submetidas à Justiça Eleitoral, bem como da Justiça Federal, razão pela qual há que se ter bastante flexibilidade do mecanismo de filtragem, sendo os magistrados locais, por excelência, as autoridades mais aptas a estabelecer o mecanismo de triagem. Obviamente, a aplicação do formulário dar-se-á por servidores devidamente capacitados, que serão submetidos à fiscalização do magistrado. Contudo, para fins de tratamento igualitário de todos os jurisdicionados, seria imperioso a definição, por meio de Lei Federal, de regras processuais atinentes à interposição de recursos no caso de não aceitação de decisão proferida em mini-julgamentos ou por árbitros, ou no caso de insistência de utilização do processo judicial tradicional.

Superada a análise quanto à importância da atuação dos magistrados, passaremos agora a discorrer sobre o recrutamento dos demais facilitadores que atuariam no ora denominado Fórum Múltiplas Portas Brasileiro: os conciliadores, mediadores, árbitros, avaliadores preliminares neutros, mini julgadores e ouvidores, que, gize-se, deverão submeter-se a um severo Código de Ética, nos termos do inciso IV do art. 6º da Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça.

Quanto aos conciliadores e mediadores, atualmente, cada tribunal estabelece critérios para o recrutamento, normalmente utilizando-se de mão de obra de advogados, servidores da justiça e estudantes de direito, que atuam de forma voluntária, sob a fora de estágio supervisionado, malgrado o art. 169 do NCPC disponha que a atuação do conciliador e do mediador será remunerada.

A Resolução nº 125/2010 do CNJ, bem como o NCPC, dispõe que o CNJ criará um Cadastro Nacional de Mediadores Judiciais e Conciliadores. Por tal razão, poderia ampliar sua base de dados de forma a incluir árbitros (até então pouco utilizados, malgrado as disposições da Lei nº 9307/1996), avaliadores preliminares neutros, mini julgadores e ouvidores, para, de fato, aproveitar todas as formas alternativas de resolução de conflitos, e desde já, garantir a viabilização de um Fórum de Múltiplas Portas. Importante ressaltar a necessidade de definição, ainda que por meio de Resolução, das atribuição dos demais colaboradores (especialmente os avaliadores preliminares neutros e mini julgadores), uma vez que o ordenamento jurídico pátrio não prevê sua utilização.

Os avaliadores preliminares neutros que, como vimos, podem ser utilizados nas pequenas causas, são pessoas com vasta experiência na área do direito especializada onde há o conflito. Podem ser advogados especializados, ou mesmo magistrado e promotores aposentados, e podem, inclusive, atuar diretamente nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania, orientando os cidadãos acerca de seus direitos, em como desmistificando as expectativas em relação à demanda. O custeio poderá ser feito pela própria parte, ou, alternativamente, pelo Poder Judiciário no caso de ser beneficiado pela justiça gratuita.

Os árbitros atuam em controvérsias onde há necessidade de conhecimento técnico-científico, como engenharias, biologia, medicina, dentre outras áreas de conhecimento especializado. Os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania deverão manter cadastro de árbitros, conforme as mais variadas áreas do conhecimento, para fins de formação da rede prevista no art. 5º da Resolução nº 125/2010 do CNJ.

Os ouvidores – ou ombudsman – também devem ser cadastrados na ‘rede’, em especial quando alguma entidade pública ou grande empresa faz parte da demanda apresentada em juízo. Podem ser usados especialmente quando há uma demanda envolvendo tais empesas, cuja controvérsia da lide já se encontra firmada na jurisprudência, fato em que facilitaria o acordo. Certamente, os ouvidores deveriam, como sujeitos processuais que são, adotar os princípios da boa fé processual, e ser, tanto quanto possível, independentes à estrutura funcional da empresa pública ou privada, fato que, notoriamente, não ocorre no Brasil. Contudo, a legislação processual poderia prever severas sanções aos entes sucumbentes, quando os respectivos ouvidores recusaram um acordo quando a controvérsia já estiver sedimentada, como forma a evitar que o Poder Judiciário seja um local de protelação, onde se obtém a ‘não decisão’, conforme já mencionamos anteriormente. Urge salientar, ainda, que a estrutura de ‘ouvidores’ existe em inúmeras empresas públicas e privadas, e que não acrescentaria nenhum custo à administração da justiça, apenas exigindo articulação para a formação da ‘rede’ de colaboradores prevista no no art. 5º da Resolução nº 125/2010 do CNJ. O resultado da atuação dos ouvidores poderia ser repassado às agências reguladoras de serviços públicos, para fins de atribuição de selo de qualidade, nos termos do inciso VII do art. 6º da aludida Resolução.

Por fim, os mini-julgamentos, eficazes em disputas que envolvem empresas de grande porte, que possuem ritos diversificados, são conduzidos, em verdade, por árbitros neutros com experiência na administração de grandes empresas, que, nos termos da Lei nº 9.307/1996, possuem larga autonomia no estabelecimento do rito a ser seguido. Tais executivos – certamente bem remunerados- deveriam ser cadastrados no Sistema Nacional, pertencentes à rede, e pagos pela parte sucumbente, ao final.

Não discorreremos acerca do recrutamento e da formação de um Júri Sumário, pois a utilização de um Júri em casas cíveis, ainda que salutar, demandaria, em princípio, uma alteração constitucional, razão pela qual não será desenvolvido no presente trabalho. Não especificaremos, também, acerca da implantação das técnicas med-arb ou arb-med, pois se tratam, em verdade, de uma utilização híbrida das técnicas mediação e arbitragem, cuja utilização não demandaria maiores esforços do Poder Judiciário, em especial por que, no caso de adoção do modelo ora proposto, teríamos cadastrados os respectivos profissionais, alterando-se tão somente o rito a ser seguido.

O fato é que o êxito na implantação do Fórum Múltiplas Portas, e da utilização de mecanismos consensuais, sejam eles auto compositivos ou hetero compositivos, demanda não só um grande poder de articulação para a formação da rede de colaboradores, como também uma enorme vontade política, passando, sobretudo, pela mudança da nossa cultura monista, autoritária e litigiosa para uma cultura da solução pacífica dos conflitos e pluralista. Atento à necessidade de tal mudança de paradigma para a formação da rede de colaboradores e implantação do programa, o próprio CNJ assim dispôs no inciso V do art. 6º da Resolução nº 125/CNJ, in verbis:

“V – buscar a cooperação dos órgãos públicos competentes e das instituições públicas e privadas da área de ensino, para a criação de disciplinas que propiciem o surgimento da cultura da solução pacífica dos conflitos, bem como que, nas Escolas de Magistratura, haja módulo voltado aos métodos consensuais de solução de conflitos, no curso de iniciação funcional e no curso de aperfeiçoamento”.

Como se vê, para o êxito de qualquer programa – especialmente do Fórum Múltiplas Portas Brasileiro – é imprescindível o apoio incondicionado da Ordem dos Advogados do Brasil, Defensorias Públicas, Procuradorias e Ministério Público, para que os respectivos membros sejam estimulados a participar dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos, valorizando sua atuação na prevenção dos litígios, nos termos do inciso VI do art. 6º da mencionada Resolução.

Por fim, não há como esquecer-se de que a participação das Universidades Públicas e Privadas é indispensável para a viabilização de um modelo de pluralismo jurídico no Brasil, em especial na criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos estabelecidos no art. 165 do NCPC.

Além de mediadores e conciliadores, verifica-se que as Universidades, com seus corpo acadêmico expert nos mais variados ramos do conhecimento, poderá fornecer, mediante convênio, inúmeros árbitros para atuar na solução de lides que demandem conhecimento técnico-especializado, ajudando a composição da rede de colaboradores idealizada pelo Conselho Nacional de Justiça.

Por fim, constata-se, ainda, que a contribuição científica da Universidade pode transcender o fornecimento de mão-de-obra, ao adentrar no campo ideológico, adotando, na grade curricular dos cursos de Direito, Psicologia e Serviço Social, disciplinas que estimulem as práticas de solução consensuais de conflitos, mudando, gradualmente, o paradigma litigioso que há séculos dificulta a prestação jurisdicional no Brasil.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O que se buscou no presente artigo foi ousar propor alternativas a um modelo que chegou ao limite operacional e financeiro, que não atende mais às demandas propostas sem receito e, muitas vezes, sem sentido.

Assim, buscou-se demonstrar as razões arraigadas na formação colonial que adotou o modelo monista, centralizador, autoritário e burocrático, e como tais características estão presentes até hoje no modus operandi dos operadores jurídicos, quais seja, advogados, servidores públicos, defensores públicos, procuradores, magistrados, promotores. Tais características explicam por que razões os métodos alternativos de resolução de conflitos só passaram a ser discutidos em larga escala no Brasil tão somente nos anos 90, e só foram amplamente disseminados na segunda década do século XXI, sofrendo, ainda, inúmeras resistências por parte da comunidade jurídica, pelas mais diversas razões, desde lobbys dos operadores jurídicos, busca incessante por honorários, a arraigada ‘cultura da sentença’, perpassando, inclusive, pela falta de conhecimento da sociedade e dos juristas.

Assim, considerando que quando se fala em acesso à justiça, é inegável discorrer sobre as formas alternativas de resolução de conflitos, a adoção de um modelo similar seria plenamente viável, em especial por que a Resolução nº 125/CNJ e o Novo Código do Processo Civil incentivam a criação de Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, calcado precipuamente na mediação e na conciliação. Um pequeno passo adiante, por meio de uma resolução – ou Lei Federal – poderia legitimar as outras formas aqui estudadas, à exceção da Arbitragem que, inclusive já possui previsão legal – e utilizá-las amplamente.

O sistema de triagem – o grande trunfo do Fórum Múltiplas Portas de Colúmbia – poderia ser usado de forma sistematizada nos Centros Judiciários de Solução Consensual de Conflitos, deixando a cargo do Juiz Titular de cada Vara a parametrização dos critérios, conforme as características das demandas locais, os recursos humanos, técnicos, orçamentários e operacionais disponíveis, submetendo-os a aprovação de mecanismo de triagem à Corregedoria do Respectivo Tribunal. Caberia ao juiz, portanto, o papel de DRS- Dispute Resolute Specialist, importante função exercida no Fórum Multiportas de Columbia, orientando os serventuários na correta aplicação do formulário de triagem.

Uma das tarefas que nos parece mais complexa é a formação da rede de colaboradores, entre o Poder Judiciário, Instituições Públicas e Privadas e as Universidades, para o cadastramento e recrutamento e articulação de conciliadores, mediadores, árbitros, avaliadores preliminares neutros, julgadores, e ouvidores, bem como para o encaminhamento das soluções dadas. Certamente, exigiria a realização e inúmeros convênios, a busca incessante por diversos profissionais multidisciplinares, um grande poder e articulação e vontade política, sem os quais não será possível alterar o estado das coisas.

Outro ponto polêmico é se a submissão ao mecanismo alternativo seria obrigatório – ou compulsório – e, no caso de insatisfação com as decisões tomadas por árbitros, quais providências poderiam ser tomadas pela parte sucumbente. Constatamos que seria necessário a regulamentação, por meio de Lei Federal, acera das possibilidades de interposição de recursos quando da utilização dos diversos mecanismos existentes no Fórum Múltiplas Portas, o que certamente acarretaria na modificação substancial nos respectivos códigos processuais, mas que não serviria de óbice à implantação, uma vez que os benefícios seriam inegáveis.

Defende-se, ainda, a obrigatoriedade de utilização do encaminhamento dado pelo magistrado da causa (por meio da triagem), em especial por que este é conhecedor da natureza e do objeto da demanda, e da possibilidade de lograr-se êxito – ou não – utilizando-se das formas alternativas, sem prejuízo de utilização do mecanismo tradicional quando absolutamente necessário. Tal encaminhamento, ao nosso sentir, possui caráter jurisdicional, o que rejeita a alegação de violação ao princípio da inafastabilidade da jurisdição.

Sabe-se que as alterações aqui propostas, mostram-se, de certa forma, audaciosas, e que enfrentariam, ainda, um sem número de desafios ainda não visualizados na presente monografia. A ciência de que as limitações técnicas-legislativas ou operacionais podem ainda ser contornadas existe; contudo, as dificuldades culturais – ou aquelas ligadas a possíveis interesses ocultos de operadores jurídicos, das partes ou das instituições parceiras – seriam o grande ‘gargalo’ do programa ou política pública aqui apresentada.

 

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Notas:

Informações Sobre os Autores

Fernanda Trentin

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Advogada e professora do curso de Direito da Unoesc Campus de São Miguel do Oeste Pinhalzinho e Maravilha

Giordani Alexandre Colvara Pereira

Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Universidade Anhanguera – Uniderp. É Cientista Social formado pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, e servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região


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Equipe Âmbito Jurídico

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