Crescente como verdadeiro instrumental de abrigo previdenciário, o instituto da Desaposentação ganha formato próprio e abrangente, amoldando-se cada vez mais no cenário jurídico na realidade diária dos segurados tutelados.
De fato, sua justificação está inserida dentro do conceito de valor social, pois, o âmago previdenciário encontra na dignidade humana um de seus principais aspectos propulsores.
Acerca da construção fática desse objetivo, Epaminondas de Carvalho[1], em singular artigo científico sobre o tema, aborda que:
“O instituto da desaposentação objetiva uma melhor aposentadoria do cidadão para que este elo previdenciário se aproxime, ao máximo, dos princípios da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial, refletindo o bem estar social.”
Por sua vez, o Professor Theodoro Vicente Agostinho[2] com especial maestria leciona acerca desse novel instituto:
“Urge ainda mencionar que a Desaposentação visa autenticamente o aprimoramento e concretização da proteção individual, não tendo o condão de afetar qualquer preceito constitucional, pois, jamais deve ser utilizada para a desvantagem econômica de quem quer que seja. Também é fato, que, por meio da Desaposentação, o indivíduo, diante de realidades sociais e econômicas divergentes, almeja em si, tentar superar as dificuldades encontradas, pugnando pela busca incessante por uma condição de vida mais digna”.
Percebe-se então, que esse incontroverso instrumental, de extrema atualidade no momento jurídico atual, detém vários caracteres que o coloca na condição de um autêntico instituto de direito, ainda mais por se tratar de uma ferramenta de acesso ao sistema protetivo.
Neste ângulo, o estudo conceitual da Desaposentação, por si só, retrata suas nuanças diretivas e comprovadoras de sua absoluta legitimidade hodierna, ainda que contestada por alguns.
Sendo, pois, ferramenta do abrigo previdenciário, importante conhecer seus modulados caracteres, valendo destacar, pontualmente, os seguintes:
Ato Jurídico por excelência, já que, de fato, a manifestação da Desaposentação, reflete essencialmente na ordem jurídica, sobretudo pelo fato que uma relação constitucional é invocada, como exercício de adequação de suas finalidades, onde a vontade hipotética ganha terreno, no plano fenomênico, além, de que a aludida característica insere o instrumental dentro do ordenamento pátrio, mitigado por um específico ramo da ciência jurídica;
Ato Deliberativo Voluntário, sendo plenamente inviável dissociar tal fato jurídico à incontroversa deliberação voluntária do sujeito de direito, abrangido pela proteção previdenciária, onde o destinatário do pacote previdenciário é que manifesta seu interesse jurídico em desfazer uma situação jurídica existente, almejando uma correta adequação futura, tendo, o direito social da aposentadoria aprimorado, como finalidade direta justificadora;
Ato Temporal: como conceitualmente explicitado, o que se vê, realmente é a alteração temporal de um ato jurídico do presente, constituído no passado, mas, com fim colimado de mudança para o futuro, isto é, com efeitos jurídicos a serem sentidos a partir da alteração perpetrada;
Ato Personalíssimo: já que o objeto da pretensão a ser desfeito, quer seja, a aposentadoria, também encontra individualidade do sujeito de direito, pois, esse interessado, manifesta o manejo de sua pretensão conexa à sua personalidade jurídica;
Ato Subjetivo: na Desaposentação se perquiri as condições subjetivas do indivíduo protegido, suas necessidades, especificidades, deliberações, condições de vida, enfim, ao contrário do objetivismo, perpetra manifestação de vontade oriunda de condições subjetivas por excelência;
Ato Desconstitutivo: visa a desconstituição jurídica de uma relação atual, a modificação estrutural de um vínculo previdenciário para a formação e constituição de outro, melhor, mais vantajoso e em melhores condições econômicas;
Direito Patrimonial: por certo, integrante do patrimônio jurídico do sujeito de direitos tutelado pelo plano constitucional previdenciário, já que, seu fim, objeto jurídico a ser desfeito representa verdadeiro direito social que associa o patrimônio jurídico do trabalhador, razão de que, o inverso, tratante do mesmo objeto jurídico, não pode ter interpretação divergente. Oportuno, ressaltar que o Colendo Tribunal Especial, confirma essa característica, ora apontada,
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RENÚNCIA A BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. POSSIBILIDADE DIREITO DISPONÍVEL. ABDICAÇÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE RURAL PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA. 1. Tratando-se de direito patrimonial disponível, é cabível a renúncia aos benefícios previdenciários. 2. Faz jus o autor a renúncia da aposentadoria que atualmente percebe – aposentadoria por idade, na qualidade de rurícola – para o recebimento de outra mais vantajosa – aposentadoria por idade de natureza urbana. 3. Recurso especial conhecido e provido.”[3]
Ato de Renúncia Vinculado: como antes explicitado, implica em uma verdadeira renúncia ao objeto da aposentação, mas de maneira vinculada ou conexa, isto é, só se justificando para a ocorrência de uma transmudação jurídica a dar novos contornos a relação previdenciária a que o interessado se encontra inserido, onde renuncia algo, mas, com projeção futura para a transformação positiva do objeto da reversão, razão de que, a renúncia por si só implicaria desta forma na desistência do exercício de um direito, ao contrário da Desaposentação, que ratifica o desejo por uma nova prestação previdenciária com novas perspectivas sociais;
Direito Disponível: indubitavelmente, o ato positivo da aposentação ganha contornos jurídicos da disponibilidade, inserindo-se no patrimônio jurídico do tutelado como de direito disponível, já que sua vontade, justificada pelo seu fim, ganha relevo dentro da essência da tutela previdenciária.
Qualificando o ato positivo da aposentação, que resulta na aposentadoria, como um direito disponível, o horizonte norteador da Desaposentação ganha os mesmos ares, já que o titular de direitos, delibera, a seu exclusivo crivo exercer ou não tal prerrogativa.
Em plena percepção acerca desta notória disponibilidade da aposentadoria previdenciária, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já há alguns anos, através de suas ínclitas duas Turmas Julgadoras da matéria, sedimentou acerca deste prisma, onde, o guardião da Legislação Federal, englobando a análise de todos os diplomas jurídicos previdenciários correlatos, através de vários e reiterados julgados asseverou sobre a disponibilidade jurídica da prestação previdenciária.
Neste ínterim, vale conferir a compreensão do ínclito Tribunal,
“APOSENTADORIA PREVIDENCIÁRIA. RENUNCIA. TEMPO. APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA. A aposentadoria previdenciária, na qualidade de direito disponível, pode sujeitar-se à renúncia, o que possibilita a contagem do respectivo tempo de serviço para fins de aposentadoria estatutária. Note-se não haver justificativa plausível que demande devolverem-se os valores já percebidos àquele título e, também, não se tratar de cumulação de benefícios, pois uma se iniciará quando finda a outra.”[4]
Ato Instrumental: na sua essência, a Desaposentação se revela como uma ferramenta, um verdadeiro utilitário disponível ao sujeito de direitos, abrigado pela tutela previdenciária, que tem ao seu dispor um mecanismo válido de exercício de um direito social a ser aprimorado.
É que na Desaposentação ou desaposentadoria o que se cogita é a modificação de um ato jurídico existente, inserido em uma prestação previdenciária plenamente validade e usufruída, razão de que para esta alteração há a necessidade de se percorrer pelo caminho deste utilitário previdenciário, cuja instrumentalidade demonstra, de outro lado, sua imprescindibilidade;
Ato Judicial: diante do contexto vigente, ante a inexistência de uma regulamentação expressa, cuja missão foi entregue constitucionalmente ao Poder Legislativo, aludido instrumental tem sido proclamado tão somente por intervenção do Poder Judiciário, razão de que postular no cenário administrativo do gestor da prestação, seja pelo Regime Geral, seja pelo Regime Próprio de Previdência, é esbarrar em vários entraves jurídicos restritivos que na verdade, exclui o interessado da própria proteção previdenciária.
Neste âmbito, importante e necessário se torna uma análise mais acurada desta característica.
É que a dimensão adjetiva da Desaposentação tem sido exaurida com todos os seus contornos pela tutela jurisdicional.
Essencialmente, ao que se percebe a Desaposentação ganha oxigênio através da tutela jurisdicional, sendo inadimitida perante o gestor autárquico.
Referida qualidade do instituto, demonstra, nada mais, do que a complexidade do assunto, quando abordado em seu tecnicismo jurídico, quando os personagens integrantes da relação previdenciária, devedores da aplicação da tutela social fomentam discussões meramente técnicas, dissociados dos fundamentos sociais do texto constitucional.
Logo, o atuar judicante, como verdadeiro guardião de direitos fundamentais e dirimidor de conflitos, contribui e muito para o exercício dos até aqui explorados direitos sociais, pois, a natureza social, existencial e substancial da aposentadoria é sempre destacada pelos pronunciamentos judiciais que dão vida ao tema.
De outro lado, tal aspecto de atual visibilidade no cenário jurídico vigente, também reflete a análise restrita e fria dos gestores de Previdência, que, invocam tão somente o equilíbrio atuarial como óbice a pretensão, além de vários outros elementos.
Assim, sendo um ato exclusivo de atual pronunciamento judicial, a Desaposentação, acaba ganhando mais força, coesão e eficácia, onde o Poder Judiciário, por já reiteradas vezes, consigna a plena viabilidade jurídica do instituto, reforçando a tese de que a jurisprudência, como nobre fonte do direito e resultante de interpretação judicante, contribui e muito para a efetivação de direitos fundamentais.
Ao que se vê, como todo instituto da ciência jurídica, a Desaposentação possui caracteres próprios, específicos, que o legitimam no cenário hodierno, dando coesão aos seus fundamentos originários, o que, por si só, já afasta qualquer tentativa simplista e restritiva de sua atuação.
Portanto, mitigando a Desaposentação em seus caracteres é aferir sua absoluta validade como utilitário jurídico de concretização de um ideário constitucional, que, nas palavras do Mestre e Doutor Miguel Horvath Júnior[5] “consistem em clausulas pétreas implícitas na categoria de normas intangíveis relativas aos direitos fundamentais”.
Professor de TGP, Processo Civil, Direito Previdenciário e Advogado do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Centro Universitário de Itajubá – FEPI. Advogado em MG. Escritor. Professor do IBEP/SP. Especialista pela EPD/SP e PUC/SP
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