Desapropriação. Injuridicidade da oferta pelo valor venal


O governador do Estado de São Paulo ingressou, recentemente, no Supremo Tribunal Federal com a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental respaldado na antiga jurisprudência daquela Alta Corte do País que nenhum Tribunal vem aplicando tendo em vista a realidade social vigente.


O objetivo da medida é possibilitar o retorno ao passado, quando a imissão, dita provisória, na verdade, definitiva dada a irreversibilidade da ação expropriatória, era deferida pelo simples depósito do valor cadastral do imóvel objeto de desapropriação. Se a medida vincar é possível triplicar ou quadruplicar o número de desapropriação com a mesma quantidade de verba disponível, acarretando o alongamento da fila de precatórios judiciais que já é quilométrica.


Por oportuno, reproduzimos o Projeto de Lei e as respectivas justificativas alterando o § 1º, do art. 15 da Lei básica de desapropriação que há anos remetemos à Câmara dos Deputados por intermédio do então Deputado Federal William Woo.


PL nº …………….


Ementa: Altera a redação do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 e revoga o Decreto- lei nº 1.075, de 22 de janeiro de 1970.


Art. 1º O parágrafo 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941 passa a vigorar com a seguinte redação:


A imissão provisória poderá ser feita, independentemente de citação do réu, mediante o depósito do valor prévio arbitrado pelo juiz, no prazo de quarenta e oito horas, servindo-se, caso necessário, de perito avaliador.


Art. 2º Revogam-se as disposições do Decreto- lei nº 1.075, de 22 de janeiro de 1970.


Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”


Justificativas


A excepcionalidade da medida prevista no parágrafo 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, qual seja, a imissão provisória mediante o depósito do valor cadastral do imóvel, na prática, tornou-se uma regra geral, pois, não se conhece ação de desapropriação que não seja precedida do caráter de urgência a demandar imissão provisória.


Entretanto, aquele preceito, que data de 1941, bem como, a sua constitucionalidade proclamada pela Súmula 652 do Supremo Tribunal Federal pressupõem regime de normalidade da Justiça, tanto no que diz respeito ao tempo de duração do processo, como também, no que se refere ao cumprimento do precatório judicial no prazo constitucional, o que, à toda evidência, não vem acontecendo.


Portanto, a proclamação feita pelo STF no RE nº 91.611 de que o depósito da oferta representada pelo valor cadastral do imóvel objeto de desapropriação representa mera “contraprestação capaz de retirar da medida excepcional o caráter de gratuidade” não mais corresponde à realidade atual em que o expropriado amarga anos na fila de precatórios para percepção da prévia e justa indenização assegurada pelo art. 5º, XXIV da Constituição Federal.


Realmente, entre a data da imissão provisória, quando o expropriado perde a posse do bem expropriando em caráter definitivo, dada a irreversibilidade da desapropriação, e a data do trânsito em julgado da sentença fixadora do justo preço, mesmo após o advento da EC nº 45/04, que introduziu o princípio da duração razoável do processo judicial, leva-se no mínimo quatro anos, se exaurida até a última instância judicial. Seguem-se, depois, as providências burocráticas para expedição de precatório judicial, sua inserção no orçamento anual da entidade política devedora e uma longa e cansativa espera na fila de precatórios, hoje, tidos como “impagáveis”. Estamos discutindo atualmente a terceira moratória dos precatórios.


É forçoso reconhecer que, dentro desse quadro sombrio em que a expressão “imissão provisória” perdeu por completo o seu significado etimológico, aquele texto do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365/41, assim como os textos do Decreto- lei nº 1.075/70 perderam aplicabilidade por absoluta ausência de suporte fático. Não há nem possibilidade de se cogitar de interpretação atualizada dos textos. Eles perderam a eficácia em potencial porque simplesmente ficaram no plano do imaginário. Não se pode entender uma situação provisória que se perpetua no tempo.


Daí porque se impõe a exigência do depósito do valor prévio a ser arbitrado pelo juiz com auxílio de perito avaliador, se necessário, a fim de assegurar ao expropriado um valor que mais se aproxima do mercado, como condição para o deferimento da imissão provisória. Na Capital de nosso Estado, esse valor prévio tem sido arbitrado no prazo de 5 dias no máximo dada a experiência dos peritos judiciais que dispõem do banco de dados do valor unitário médio por m2 de imóveis situados nas diversas regiões da cidade.


Na interpretação conforme a Constituição do preceito constitucional do pagamento prévio da justa indenização em dinheiro – art. 5º, inciso XXIV – não se deve limitar-se à questão da transferência do domínio que se dá com o registro da carta de adjudicação extraída dos autos da ação de desapropriação, após pagamento do precatório judicial. Essa interpretação conforme a Constituição implica, necessariamente, o reconhecimento de que a indenização deve ser prévia ao sacrifício de quaisquer direitos do proprietário.


De fato, nada adiantará o expropriado continuar como proprietário de imóvel despojado de qualquer utilidade econômica em decorrência da perda da sua posse por força da imissão provisória.


Dessa forma, à perda do direito de usufruir da propriedade deve corresponder a prévia indenização em dinheiro. Sendo irreversível a desapropriação, a perda de posse pelo expropriado a título provisório ou a título definitivo é irrelevante, visto que, n’uma o n’outra hipótese o proprietário perderá a disponibilidade econômica da propriedade. E não se pode entender a propriedade, tal qual prevista no art. 1.228 do Código Civil, desfalcada em um de seus elementos essenciais, que é exatamente a faculdade de gozar da coisa, exteriorizada na percepção de seus frutos e na sua utilização.


Para tentar conter as desapropriações indiscriminadas nos grandes centros urbanos, sem a necessária previsão de recursos financeiros a gerar milhares de precatórios não satisfeitos tempestivamente, colocando em risco a estabilidade de nossas instituições públicas, o legislador inseriu na Lei de Responsabilidade Fiscal – Lei complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 – o dispositivo do art. 16 e § 4º, II que condiciona a desapropriação à declaração do ordenador da defesa de que o aumento da despesa gerada pela desapropriação tem adequação orçamentária e financeira.


Tudo foi em vão. As desapropriações indiscriminadas continuam para execuções de obras que causam impacto político-social. É que ofertando e depositando apenas o valor cadastral de cada imóvel, a totalidade das despesas a título de desapropriações ficará sempre dentro dos limites da verba orçamentária respectiva.


O remédio para colocar em ponto final nas desapropriações em massa, consistente em deixar para próximo governante o ônus do pagamento da justa indenização, está na alteração do § 1º, do art. 15, do Decreto- lei nº 3.365/41 na forma proposta neste projeto legislativo. Somente com o depósito do valor prévio arbitrado pelo juiz será possível a imissão provisória.


Esta proposta legislativa, se aprovada contribuirá para interromper o crescimento vertiginoso de precatórios judiciais expedidos nos autos das ações expropriatórias, bem como, para tornar efetivo o princípio constitucional do pagamento prévio da justa indenização em dinheiro.



Informações Sobre o Autor

Kiyoshi Harada

Especialista em Direito Tributário e em Ciência das Finanças pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro em várias instituições de ensino superior. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Procurador-Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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