Resumo: A sociedade limitada unipessoal foi introduzida no direito brasileiro com o nome de EIRELI, esta alteração do Código Civil, promovida pela entrada em vigor da lei n°12.441/11, acendeu nova discussão acerca da disregard doctrine aplicada ao novo tipo societário. Essa discussão teve sua gênese no veto do §4º por apresentar incompatibilidade com o instituto da desconsideração da personalidade jurídica estatuída no art.50 do CC, conforme razões do veto apresentada na mensagem Nº 259. A motivação do veto envolveu a análise do confronto entre as regras estabelecidas no art. 50 e no art. 980-A, ambos do CC. A doutrina enfatiza que, com a revogação do §4º da referida lei, haja possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica das EIRELI’s em havendo abuso de personalidade. Todavia, em análise hermenêutica, a conjugação da finalidade da lei 12.441/11 com a desconsideração da personalidade jurídica ensejará diversas dúvidas, entre elas, se haverá aplicação prática da citada lei, caso o judiciário analise a teoria da desconsideração da personalidade jurídica pelo critério juspositivista. Ao final pretende-se, então, demonstrar que, diante de tais considerações, o judiciário deverá separar a confusão patrimonial com objetivo fraudulento, da confusão costumeira, decorrente da própria capacidade reduzida de capital dos pequenos empreendedores.
Palavras-chave: Direito empresarial, desconsideração da personalidade jurídica, EIRELI
Abstract: Sole proprietorship limited liability company under Brazilian law was introduced under the name EIRELI, this amendment of the Civil Code, promoted by the enactment of Law No. 12.441/11, created a new discussion about the disregard doctrine applies to new corporate form. This discussion had its genesis in the veto by § 4 show incompatibility with the institute statutory of disregard of legal personality in article 50 of the CC, as reasons for the veto message shown in No. 259. The motivation of the veto involved the analysis of the clash between the rules of the art. 50 and art. 980- A, both of the CC. The doctrine emphasizes that the repeal of § 4 of the Law, there is a possibility to disregard the legal personality of EIRELI's in case o personality abuse. However, hermeneutic analysis , the combination of the purpose of the Law 12.441/11 with the disregard of the corporate veil entail several questions, among them whether there will be practical application of that law, if the legal analysis the theory of disregard the corporate veil by legal criteria positivist . Then, at the end is intended to demonstrate that, in the face of such considerations, the judiciary should separate the patrimonial confusion with fraudulent purpose, the usual confusion, arising from the very low capital capacity of small entrepreneurs.
Keywords: corporate law, disregard of the corporate veil, EIRELI
Sumário: Introdução. 1. Desenvolvimento Teórico. 1.1. A origem do EIRELI. 1.2. O empresário Individual de Responsabilidade Limitada no Brasil. 1.3. Características da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. 1.4. Constituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada. 1.5. Responsabilidade do EIRELI. 2. A Teoria da desconsideração da Personalidade Jurídica. 2.1. Teorias Maior e Menor. 2.2. Desafios na aplicação in concreto do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica aos empreendedores Individuais de responsabilidade Limitada. Considerações Finais. Referências Bibliográfica.
Introdução
A recente alteração do Código Civil, promovida pela entrada em vigor da lei n°12.441, de 11 de julho de 2011, ao criar mais um instituto empresarial, acendeu nova discussão acerca da desconsideração da personalidade jurídica do empreendedor individual.
Tamanhas foram as controvérsias surgidas, que o Poder Executivo Federal, não aprovou seu texto na íntegra, vetando o §4º por apresentar incompatibilidade com o Instituto da desconsideração da personalidade jurídica estatuída no art.50 do Código Civil, conforme razões do veto apresentada na mensagem Nº 259, de 11 de julho de 2011.
Com efeito, o texto do referido §4º estatuía:
“§ 4º Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.”
Já nas razões do veto do presidente da república fez consignar:
“Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio.”
Adotando uma postura juspositivista é fácil dizer que, ao contrário do tradicional empresário individual, o titular da empresa individual de responsabilidade limitada, a denominada EIRELI, passará a ter responsabilidade limitada e que haverá avanço no patrimônio pessoal da pessoa física somente em caso de abuso de personalidade. Todavia, no caso prático, observa-se certa incongruência entre a realidade e a norma. Fato que ensejará em diversas dúvidas a serem, ainda, atacadas pelo judiciário.
Assim, nortearemos o referido artigo apresentando os institutos da desconsideração da personalidade jurídica, as principais peculiaridades do empreendedor individual de responsabilidade limitada e por fim, ao juntarmos os dois dispositivos, enseja-se prever a problemática envolvendo a desconsideração da personalidade jurídica nas EIRELI’s.
1. Desenvolvimento Teórico
1.1 – A origem do EIRELI.
A Lei nº 12.441/2011 que instituiu a figura da Empresa Individual De Responsabilidade Limitada se baseou em modelos criados por países europeus, principalmente França, Alemanha e Portugal, para admitir no ordenamento nacional uma sociedade empresária unipessoal com responsabilidade limitada.
A legislação alemã, em 1980, e a Francesa, em 1985, passaram a admitir a constituição de sociedades limitadas unipessoais e pluripessoais.
Na Alemanha, a grande difusão da sociedade de responsabilidade limitada – Gesellsschaft mit beschrankter Haftung, admitindo a sua forma unipessoal, veio para combater o que já existia na prática e há tempos era admitido pela doutrina e jurisprudência, o chamado sócio verdadeiro e sócio secundário, aparente, por vias de aparência, do alemão Strohmanner, que era membro de direito, porém, não, de fato.[1]
Na frança essa nova estrutura – empresa unipessoal de responsabilidade limitada, criada pela lei de 11 de julho de 1985, foi desenvolvida por iniciativa do Michel Crépeau, então Ministro do Comércio, Artesanato e Turismo, a lei objetivava a autonomia patrimonial das empresas unipessoais, principalmente para atender às empresas agrícolas.[2]
Outro importante marco foi a legislação portuguesa que introduziu por meio do decreto-lei 248/86 a figura do empresário individual de responsabilidade limitada. Tal legislação trouxe na exposição de motivos esclarecimentos contundentes a cerca do tema. Veja-se:
“(…)Aduz-se depois que a responsabilidade ilimitada patrimonial do comerciante é o factor que melhor o pode ajudar a obter o crédito de que necessita. Pondera-se ainda ser justo que quem detém o domínio efectivo de uma empresa responda com todo o seu património pelas dívidas contraídas na respectiva exploração.
(…)3. De resto, a inovação legislativa de que se trata não representará um salto no desconhecido por parte do legislador português, antes tal actuação alinhará com a de outras legislações que, frequentemente, têm sido fonte de inspiração da nossa. Com efeito, razões idênticas ou próximas das atrás apontadas levaram a que, recentemente, na Alemanha (GmbH-Novelle de 1980) e na França (Lei n.º 185-697, de 11 de Julho de 1985) fosse dada resposta legislativa favorável à pretensão do empresário individual de afectar ao giro mercantil unicamente uma parte do seu património.
A solução adoptada pelos legisladores alemão e francês – admissibilidade da criação ab initio da sociedade unipessoal de responsabilidade limitada – é, de facto, uma das duas vias possíveis para enquadrar juridicamente a situação em causa. A outra é representada pela criação de uma nova figura jurídica – a empresa (rectius: o estabelecimento) individual de responsabilidade limitada (com ou sem personalidade jurídica).
Qualquer destas soluções tem a seu favor e contra si vários argumentos. Examine-se a primeira, que é a da sociedade unipessoal.
4. Consistirá esta na admissibilidade da constituição de uma sociedade comercial de responsabilidade limitada com um único sócio. Por ela enveredaram, como já foi dito, os legisladores alemão e francês. Certo que, tanto nos países europeus (mormente nos de cultura jurídica germânica) como em algumas nações latino-americanas, não se desconhece a específica problemática inerente à solução frontal da questão, ou seja, a admissão da figura do estabelecimento (empresa) mercantil individual de responsabilidade limitada. Pelo contrário, o assunto tem sido repetidamente objecto de profundas análises doutrinais e, até, de vários projectos legislativos. No entanto, não foi essa a solução que prevaleceu nos referidos países. Porquê?
5. Foram duas, no essencial, as razões que levaram o legislador alemão a optar pela solução consagrada na GmbH-Novelle de 1980: a) A grande difusão que a «Gesellsschaft mit beschrankter Haftung» unipessoal conhecia na prática: há longo tempo admitida pela doutrina e jurisprudência, o próprio legislador a tinha já reconhecido (assim, o § 15 da Umwandlungsgesetz, de 6 de Novembro de 1986). Mas há mais. A praxis não legitimava apenas a sociedade de responsabilidade limitada que em certo momento, em virtude de vicissitudes normais da sua existência jurídica, ficara reduzida a um único sócio: ia bastante mais longe, pois coonestava as próprias sociedades ab initio constituídas por um único sócio verdadeiro, secundado (por via das aparências) por um ou mais testas-de-ferro (Strohmanner); b) A maior facilidade em delinear um regime jurídico para esta situação: com efeito, a admissão da sociedade de responsabilidade limitada de um único sócio (Einmann-GmbH) apenas implicaria a adaptação de algumas normas do regime da GmbH, ao passo que a outra opção – criação da empresa individual de responsabilidade limitada – levantaria muito mais graves dificuldades.
Assim se pensou e escreveu na Alemanha. E não foram por certo diferentes das referidas as razões que pesaram no espírito do legislador francês e o levaram a admitir a constituição da sociedade de responsabilidade limitada com um único sócio (aliás, curiosamente, a lei em questão intitula-se «loi relative à l'entreprise unipersonnelle à responsabilité limitée»). Assim procedendo, renunciou-se ao conceito tradicional da sociedade como contrato Dogmaticamente, a sociedade é contrato e é instituição. Entretanto, as duas citadas leis pressupõem, ambas uma construção dogmática em que aquela primeira componente (a ideia de contrato) é obliterada, ficando a sociedade reduzida à sua vertente institucional. E isto porque, bem atentas as coisas, e perspectivada agora a matéria a outra luz, a sociedade passa a ser preferentemente olhada como uma técnica de organização da empresa. O número daqueles que podem tirar proveito dessa técnica passa a não interessar. A sociedade de uma única pessoa não deixa de ser sociedade.
(…)Efectivamente, se o que se pretende consagrar é um expediente técnico legal que permita ao comerciante em nome individual destacar do seu património geral uma parte dos seus bens, para a destinar à actividade mercantil, então o meio mais directo (e também o único despido de ficção) será o de conceber a E. I. R. L. como um património separado. Esta análise parece correcta, sendo aceitável, nas suas linhas gerais, a conclusão que propõe. Ela servirá, pois, de base à disciplina jurídica acolhida no presente diploma.De resto, a limitação de responsabilidade do agente económico individual tem tradições muito antigas no direito mercantil[3]”. (original sem grifo)
Sem embargo ao mérito abordado pela exposição de motivos do decreto português quanto à adequação da técnica legislativa de alteração do instituto das sociedades limitadas para aceitação do modelo unipessoal – modelo alemão, ou da instituição de uma nova espécie de empresa, a empresa individual de responsabilidade limitada – modelo Brasileiro e Português, o que se vê em comum entre todas as legislações que tratam do tema é que tal inovação surgiu para adaptar as empresas a uma realidade empresarial em que o empresário desejava constituir um negócio, mas precisaria de proteção patrimonial para correr os riscos inerentes ao mercado.
Com relação às críticas ao modelo brasileiro retromencionado esclarece o professor Fábio Ulhôa:
“A sociedade limitada unipessoal, no direito brasileiro, foi designada de “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, EIRELI (CC, art. 980-A). Ao examinar-se a classificação das sociedades segundo a quantidade de sócios, criticou-se a opção do legislador e demonstrou-se que a interpretação sistemática do direito positivo conduz à conclusão de que não se trata de nova espécie de pessoa jurídica, mas do nomem juris dado à sociedade limitada unipessoal”.[4]
Passa-se, então, a analisar o empresário individual de responsabilidade limitada à luz da legislação nacional.
1.2 – O empresário Individual de Responsabilidade Limitada no Brasil.
A Lei nº 12.441/2011, lei que instituiu o Empresário Individual de Responsabilidade Limitada, promoveu acréscimos e alterações de dispositivos do Código Civil.
Incluiu no rol de pessoas jurídicas do art. 44, o inciso VI que prevê o novo tipo empresarial e incluiu, ainda, o Título I-A, no Livro II da Parte Especial do Código Civil acrescentando o art. 980-A e seus parágrafos, conforme podemos observar no disposto abaixo:
“Art. 1º Esta Lei acrescenta inciso VI ao art. 44, acrescenta art. 980-A ao Livro II da Parte Especial e altera o parágrafo único do art. 1.033, todos da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), de modo a instituir a empresa individual de responsabilidade limitada, nas condições que especifica.
Art. 2º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações:
Art. 44
VI –as empresas individuais de responsabilidade limitada.
LIVRO II
TÍTULO I-A
DA EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão "EIRELI" após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.
§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
§ 4º ( VETADO).
§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.”
Nos dizeres do Professor Amador Paes de Almeida[5] a empresa individual é de propriedade do empresário individual, desta forma, objetivando estabelecer nítida distinção dos bens negociais com os bens particulares do empresário, “foi criada a empresa individual limitada, de responsabilidade limitada do respectivo empresário, a ela se aplicando as regras estabelecidas para a sociedade limitada”.
Vê-se, portanto, que o legislador decidiu dar uma nova opção ao empresário individual, para que ele possa exercer de forma isolada a atividade econômica, com limitação de responsabilidade, evitando com isso a chamada “falsa sociedade”, em que uma pessoa pretendia exercer a atividade unipessoal associava-se ao sócio aparente apenas buscando a limitação de responsabilidade, já atribuída às sociedades limitadas pluripessoais.
Ainda analisando a técnica legislativa empregada, o termo empresa individual sofre inúmeras críticas devido à imprecisão técnica, pois ao termo empresa dá-se o conceito de atividade econômica que conjuga os fatores de produção e não ao sujeito que exerce a atividade empresarial. Assim esclarece Ulhôa:
“A sociedade limitada unipessoal foi designada, na lei, por “Empresa Individual de Responsabilidade Limitada”, cuja sigla é EIRELI (CC, art. 980-A). A designação é muito infeliz e pouco técnica. Empresa, como visto, é conceito jurídico referente à atividade econômica explorada com determinadas características, e não referente ao sujeito que a explora.
As infelicidades e imprecisões técnicas, ademais, não cessam na designação inapropriada. A lei define a EIRELI como uma espécie de pessoa jurídica, diferente da sociedade (art. 44, VI), e a disciplina num Título próprio (Título I-A do Livro II da Parte Especial), diverso do destinado às sociedades (Título II). Essas duas circunstâncias, isoladas, poderiam sugerir que, se a EIRELI não é espécie de sociedade, tampouco poderia ser uma espécie de limitada. Mas, ao disciplinar o instituto, o legislador valeu-se exclusivamente de conceitos do direito societário, como capital social, denominação social e quotas. Mais que isto, referiu-se à EIRELI como uma “modalidade societária” (art. 980-A, § 3º) e submeteu-a ao mesmo regime jurídico da sociedade limitada (§ 6º)[6]”.
A par das considerações já expostas, temos que a doutrina passará a estudar o empresário sob duas modalidades: i). Empresário individual, com natureza de pessoa física, com responsabilidade ilimitada e, ii) empresário individual, com natureza de pessoa jurídica e responsabilidade limitada. Este último será estudado com maiores detalhes nos tópicos a seguir.
1.3. Características da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada
A sociedade unipessoal de responsabilidade limitada – EIRELI, se sujeita às regras das sociedades limitadas pluripessoais, todavia, acrescentou o art. 980-A do Código Civil algumas peculiaridades tocantes unicamente à sociedade unipessoais limitadas.
Assim, restaram consignados dois requisitos para a constituição desta empresa, sendo eles:
i) que o capital social seja totalmente integralizado por uma única pessoa física em valor não inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país;
ii) que a pessoa física que a constituir somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
No mesmo sentido obtempera Ulhôa:
“A sociedade limitada unipessoal pode ser constituída tanto por sócio único pessoa física, como jurídica. Se for pessoa física, só pode ser titular de apenas uma EIRELI (CC, art. 980-A, § 2º). Evidentemente, trata-se de limitação aplicável apenas no caso de o único sócio pessoa física pretender manter simultaneamente mais de uma EIRELI. Nada obsta, na verdade, que alguém que fora no passado sócio único de uma sociedade limitada possa, depois da dissolução e liquidação desta, voltar a estabelecer nova EIRELI[7]”.
Outra característica determinada pela nova lei é a de que o nome empresarial da EIRELI poderá figurar como firma, conforme o nome do empresário individual, ou denominação social, desde que ambos sejam acompanhados pela expressão “EIRELI”.
Destaca o legislador, ao final, que à EIRELI poderá ser atribuída, desde que, constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza, remuneração decorrente da cessão de direitos imateriais de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
Ultimando as características, observa-se que o legislador não restringiu a possibilidade de o empresário fazer parte de uma EIRELI e de outra pessoa jurídica, figurando como sócio nesta última. Assim, a proibição é clara somente quanto á impossibilidade de se figurar como proprietário de duas EIRELI’s.
Com mesmo entendimento relata Fábio Ulhôa: “Observe que não houve qualquer restrição para que a mesma pessoa que constituiu uma EIRELI participe, concomitantemente, de outras configurações societárias, como por exemplo, ser sócio de outra sociedade limitada ou anônima[8]”.
1.4. Constituição da Empresa Individual de Responsabilidade Limitada
A EIRELI poderá ser constituída de diversas formas. Uma delas é com base na constituição e registro da empresa na junta comercial ou no cartório de registro civil de pessoas jurídicas com uma única pessoa subscrevendo o capital. Aqui, as regras a serem observadas serão as mesmas de um contrato social das empresas pluripessoais.
Outra forma, agora derivada de outro tipo societário, ocorre quando uma sociedade limitada pluripessoal perde esse caráter – pluralidade de sócios, e é transformada em empresa individual limitada. Neste caso há, na realidade, uma concentração das quotas sociais.
Reforçando este entendimento, Fábio Ulhôa afirma que:
“Constitui-se a sociedade limitada unipessoal por três possíveis vias. A primeira é a já mencionada assinatura, pelo sócio único, do ato constitutivo (contrato social). Nessa hipótese, não há nenhuma regra específica a ser observada. O contrato social deve atender às mesmas condições de validade e ostentar as mesmas cláusulas essenciais, estabelecidas, em lei, para a limitada pluripessoal.
(…) Cumpre observar também que a EIRELI pode resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária em um único sócio.
A segunda via de constituição da EIRELI consiste na concentração da totalidade das quotas sociais sob a titularidade de uma única pessoa, física ou jurídica (CC, art. 980-A, § 3º). Será o caso, nesta última, da morte de um dos dois únicos sócios da limitada, quando o sobrevivente for herdeiro universal do falecido; também a aquisição, por um dos sócios, da totalidade das quotas representativas do capital social da limitada; e a expulsão ou retirada de um dos dois únicos sócios etc. Aqui, a constituição far-se-á por meio de transformação de registro, a ser requerida à Junta Comercial, nos 180 dias seguintes à unipessoalização da sociedade limitada (CC, art. 1.033, parágrafo único). Transformado o registro da limitada em registro de EIRELI, não se alteram os direitos dos credores.
“A terceira via de constituição de uma sociedade limitada unipessoal é restrita à hipótese de ser o sócio único outra sociedade empresária (anônima ou limitada). Trata-se da incorporação de quotas, operação societária semelhante à incorporação de ações destinada à constituição da subsidiária integral (Cap. 34, item 2.d). Por meio desse expediente, todas as quotas representativas do capital de uma sociedade limitada passam à titularidade da sociedade incorporadora. Esta, por sua vez, aumenta o respectivo capital social proporcionalmente ao valor das quotas incorporadas, para admitir o ingresso em seu quadro de sócios dos antigos membros daquela limitada que se torna unipessoal[9]”
1.5. Responsabilidade do EIRELI
À EIRELI aplica-se, supletivamente, a responsabilidade atribuída às sociedades limitadas pluripessoais. Assim, com o registro do contrato social (LTDA) ou do ato de constituição (EIRELI) na Junta Comercial da respectiva sede, conferindo-lhe personalidade jurídica, nasce para a empresa, pelo critério legal, a titularidade negocial, a capacidade processual e em especial, a autonomia patrimonial.
Fica claro que, com a personalidade jurídica, passam a co-existir como pessoas distintas, quais sejam, os sócios da sociedade e a própria sociedade.
Este destaque patrimonial da sociedade é, em regra, o que irá sofrer as consequências da administração da sociedade. Dessa forma o patrimônio pessoal do sócio não será objeto de pagamento por dívidas contraídas pela empresa.
Nesse sentido, Fábio Ulhôa Coelho assevera:
“As sociedades empresárias são sempre personalizadas, ou seja, são pessoas distintas dos sócios, titularizam seus próprios direitos e obrigações (a conta de participação não é, a rigor, sociedade, mas um contrato de investimento comum que a lei preferiu chamar de sociedade[10]”.
Diante do que foi dito, cabe tecermos agora as responsabilidades estendidas ao novo tipo societário, são elas:
i) O art. 1.052 do Código Civil dispõe sobre a responsabilidade limitada do sócio ao valor de suas quotas, ressaltando a responsabilidade solidária de todos pelas quotas subscritas e não integralizadas.
Desta forma, caso o patrimônio da sociedade limitada for insuficiente para satisfazer um crédito, poderá, o credor, cobrar de qualquer sócio a quantia devida, desde que observado o limite do valor subscrito e não integralizado.
Essa responsabilidade, entre sociedade e sócios, configura-se verdadeira responsabilidade subsidiária, pois o patrimônio da empresa deve ser exaurido para, só depois atingir o patrimônio particular dos sócios ou no caso da EIRELI, do proprietário. Este conteúdo é extraído do art. 1.052, nesses termos: “Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.”
Ainda neste sentido ressalta o professor Ulhôa:
“Em razão da personalização das sociedades empresárias, os sócios têm, pelas obrigações sociais, responsabilidade subsidiária. Isto é, enquanto não exaurido o patrimônio social, não se pode cogitar de comprometimento do patrimônio do sócio para a satisfação de dívida da sociedade. A regra da subsidiariedade encontrava-se já no Código Comercial de 1850 e é reproduzida na legislação processual (CPC, art. 596) e civil (CC, art. 1.024). Não existe no direito brasileiro nenhuma regra geral de solidariedade entre sócios e sociedade (simples ou empresária), podendo aqueles sempre se valer do benefício de ordem, pela indicação de bens sociais livres e desembaraçados, sobre os quais pode recair a execução da obrigação societária. Ressalte-se que o obrigado solidário não pode invocar o benefício de ordem, devendo arcar com o total da dívida perante o credor e, posteriormente, demandar o outro obrigado, em regresso, pela quota-parte da obrigação. A solidariedade, no direito societário brasileiro, quando existe, verifica-se entre os sócios, pela formação do capital social, e nunca entre sócio e sociedade. A única exceção à regra geral da subsidiariedade está na responsabilização do sócio que atua como representante legal de sociedade irregular, não registrada na Junta Comercial; para ele, prevê a lei a responsabilidade direta, não subsidiária (CC, art. 990).”[11]
ii) O contrato social pode expressamente indicar a aplicação da lei de S/A. Vê-se, portanto, que a EIRELI poderá indicar a aplicação da Lei de S/A no ato de constituição.
No caso de omissão no contrato, ou no ato de constituição, tanto as EIRELI’s quanto as Sociedades Limitadas serão regidas pelas regras da Sociedade Simples. Veja-se a este respeito o art. 1.053 do CC, in verbis:
“Art. 1.053. A sociedade limitada rege-se, nas omissões deste Capítulo, pelas normas da sociedade simples.
Parágrafo único. O contrato social poderá prever a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da sociedade anônima”.
iii) O capital social da sociedade limitada e também da EIRELI deverá ser uma informação em moeda nacional, Assim informa o art. 1055 do CC, in verbis:
“Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços”.
iv) O capital social é a soma do que os sócios se comprometem a disponibilizar na sociedade, o que, no caso do EIRELI, está vinculado à no mínimo 100 vezes o valor do maior salário mínimo vigente.
v) O capital social poderá ser formado por bens ou por dinheiro. Se for formado por bens, é necessário uma avaliação.
vi) Os sócios são solidariamente e pessoalmente responsáveis pela exata avaliação dos bens por cinco anos. Aqui, aplica-se a regra à EIRELI, deixando claro que será o empresário proprietário, neste caso, único responsável pela real estimação dos bens
vii) Não se admite a entrada de sócio mediante a prestação de serviços. É necessária a entrada de capital. Aqui, vê-se uma regra objetiva que atinge tanto os sócios da empresa limitada, quando o proprietário da EIRELI, já que, ambos estão obrigados a integralizar com capital as cotas. Conceito extraído do art. 1055 do CC, in verbis:
“Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio.
§ 1o Pela exata estimação de bens conferidos ao capital social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos da data do registro da sociedade.
§ 2o É vedada contribuição que consista em prestação de serviços”.
viii) O capital social das EIRELIS não poderá ser pode ser penhorado.
ix) Para aumentar o capital social da empresa limitada e da EIRELI será necessário alterar o contrato social ou o ato de constituição e fazer a averbação na junta.
x) Para reduzir o capital social da empresa limitada e da EIRELI, é necessário a anuência dos credores quirografários, além de fazer a alteração do contrato social ou do ato de constituição e a averbação na junta comercial. Conforme vemos no art. 1084, in verbis:
“Art. 1.084. No caso do inciso II do art. 1.082, a redução do capital será feita restituindo-se parte do valor das quotas aos sócios, ou dispensando-se as prestações ainda devidas, com diminuição proporcional, em ambos os casos, do valor nominal das quotas.
§ 1o No prazo de noventa dias, contado da data da publicação da ata da assembléia que aprovar a redução, o credor quirografário, por título líquido anterior a essa data, poderá opor-se ao deliberado.
§ 2o A redução somente se tornará eficaz se, no prazo estabelecido no parágrafo antecedente, não for impugnada, ou se provado o pagamento da dívida ou o depósito judicial do respectivo valor.
§ 3o Satisfeitas as condições estabelecidas no parágrafo antecedente, proceder-se-á à averbação, no Registro Público de Empresas Mercantis, da ata que tenha aprovado a redução”.
xi) O administrador nas EIRELI’s, poderá ser sócio ou não sócio, desde que no instrumento de constituição, ou em outro instrumento, haja a individualização de quem administra o negócio, ou seja, nome e dados pessoais identificados, além da descrição dos seus poderes.
Esgotadas as informações necessárias sobre as EIRELI’s, passa-se a elucidar o tema desconsideração da personalidade jurídica.
2. A Teoria da desconsideração da Personalidade Jurídica.
Em primeira análise cabe informar que a origem deste importante instituto: a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, foi desenvolvida pelos tribunais norte-americanos e anglo-saxões, sendo, posteriormente, importada para o ordenamento jurídico brasileiro.
O instituto nasceu em virtude de casos concretos, em que o sócio de determinada empresa, utiliza-se da “blindagem patrimonial” para lesar credores, desviando o sentido da norma para interesses escusos e odiosos. Entre esses casos, dois merecem destaque: 1) State vs. Standard Oil Co., julgado em 1982 pela Suprema Corte do Estado de Ohio, nos EUA, 2) Salomon vs. Salomon & Co., julgado pela Câmara de Londres, em 1897, na Inglaterra[12].
Visando controlar esse desvio de finalidade e proteger os institutos da boa-fé objetiva e da finalidade social das empresas, entenderam os tribunais que a autonomia patrimonial não poderia albergar fraudes. Assim, quando houvesse desvio de patrimônio da sociedade para o patrimônio pessoal, com o objetivo de fraudar credores, não haveria fundamento para proteger o patrimônio pessoal dos sócios.
Em conformidade com os tribunais está o pensamento do Professor Fábio Ulhôa. Enfatiza o nobre doutrinador que:
“Em razão do princípio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias podem ser utilizadas como instrumento para a realização de fraude contra os credores ou mesmo abuso de direito. Na medida em que é a sociedade o sujeito titular dos direitos e devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interesses dos credores ou terceiros são indevidamente frustrados por manipulações na constituição de pessoas jurídicas, celebração dos mais variados contratos empresariais, ou mesmo realização de operações societárias, como as de incorporação, fusão, cisão. Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da autonomia da pessoa jurídica importa a impossibilidade de correção da fraude ou do abuso. Quer dizer, em determinadas situações, ao se prestigiar o princípio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto, resguardado pela licitude da conduta da sociedade empresária. Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas situações (quer dizer, especificamente no julgamento do caso), não respeitar esse princípio, desconsiderá-lo”.[13]
Desta forma, a doutrina construiu a chamada disregard doctrine ou disregard of legal entity, também conhecida como teoria do superamento ou teoria da penetração[14], instituto com raízes do Common Law. Assim, não se pode olvidar que a personalização e a consequente autonomia patrimonial não correspondem a uma blindagem de patrimônio, mantendo incólume, sob todas as alegações, o patrimônio pessoal.
2.1 – Teorias Maior e Menor
Observando o princípio em tela a doutrina pátria desenvolveu a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica, que está expressamente prevista no art. 50 do Código Civil, ressaltando que em havendo abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, poderá o juiz desconsiderar a personalidade das empresas para, então, atingir o patrimônio dos sócios, conforme observa-se abaixo:
“Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Ainda neste sentido, enunciado do CJF publicado em 2012 afirmou: “Art. 50: A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine – fica positivada no novo Código Civil, mantidos os parâmetros existentes nos microssistemas legais e na construção jurídica sobre o tema.”[15]
É crucial salientar, todavia, que tal instituto opera na via da exceção, pois não se justifica que haja desconsideração pela simples insatisfação do crédito. Se assim o fosse, haveria total desmantelo da proteção patrimonial das empresas e com isso enorme prejuízo aos empreendimentos estabelecidos.
Assim é o entendimento da jurisprudência do STJ:
“FALÊNCIA – ARRECADAÇÃO DE BENS PARTICULARES DE SÓCIOS-DIRETORES DE EMPRESA CONTROLADA PELA FALIDA – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA (DISREGARD DOCTRINE) – TEORIA MAIOR – NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO ANCORADA EM FRAUDE, ABUSO DE DIREITO OU CONFUSÃO PATRIMONIAL – RECURSO PROVIDO
1. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica – disregard doctrine –, conquanto encontre amparo no direito positivo brasileiro (art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas, art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, art. 4º da Lei nº 9.605/1998, art. 50 do CC/2002, entre outros), deve ser aplicada com cautela, diante da previsão de autonomia e existência de patrimônios distintos entre as pessoas físicas e jurídicas.
2. A jurisprudência da Corte, em regra, dispensa ação autônoma para se levantar o véu da pessoa jurídica, mas somente em casos de abuso de direito – cujo delineamento conceitual encontra-se no art. 187 do CC/2002 –, desvio de finalidade ou confusão patrimonial, é que se permite tal providência. Adota-se, assim, a “teoria maior” acerca da desconsideração da personalidade jurídica, a qual exige a configuração objetiva de tais requisitos para sua configuração.
3. No caso dos autos, houve a arrecadação de bens dos diretores de sociedade que sequer é a falida, mas apenas empresa controlada por esta, quando não se cogitava de sócios solidários, e mantida a arrecadação pelo Tribunal a quo por “possibilidade de ocorrência de desvirtuamento da empresa controlada”, o que, a toda evidência, não é suficiente para a superação da personalidade jurídica. Não há notícia de qualquer indício de fraude, abuso de direito ou confusão patrimonial, circunstância que afasta a possibilidade de superação da pessoa jurídica para atingir os bens particulares dos sócios.4. Recurso especial conhecido e provido.(REsp 693.235/MT, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, J. 17.11.2009, DJe 30.11.2009)”.
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DÍVIDA NÃO TRIBUTÁRIA. CÓDIGO CIVIL, ART. 50. REDIRECIONAMENTO PARA O SÓCIO. DESVIO DE FINALIDADE E CONFUSÃO PATRIMONIAL. PRESSUPOSTOS. 1. De acordo com a jurisprudência, a cobrança de dívida não tributária, a partir do art. 50 do Código Civil, pressupõe a comprovação de desvio de finalidade ou da confusão patrimonial para fins de responsabilização do sócio. 2. Mera alegação de infração à lei pela sociedade empresarial, sem prova do desvio de finalidade e da confusão patrimonial, não se afigura suficiente para o redirecionamento da execução para a pessoa do sócio. Precedentes. 3. Agravo de instrumento improvido.(TRF-5 – AG: 26127520134050000 , Data de Julgamento: 23/05/2013, Terceira Turma)”
Como se vê, o abuso da personalidade jurídica, que constitui espécie do abuso de direito a que se refere o disposto no art. 187 do Código Civil, ocorre quando a pessoa jurídica é utilizada para encobrir finalidades diversas do seu fim institucional ou quando as suas transações e atividades evidenciam uma verdadeira confusão patrimonial entre a pessoa jurídica e seus sócios. Nesta via afirma o art. 187 do Código Civil:“ Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.
Em havendo, como já explicitado, confusão entre patrimônios com o objetivo de lesar credores, a pessoa jurídica perderá temporariamente e somente em relação ao caso questionado judicialmente a característica de separação patrimonial. Sendo, portanto, ignorada a autonomia de patrimônio em conseqüência de determinadas obrigações não cumpridas.
Com isso se pretende que a personalidade jurídica, que justifica a separação patrimonial, não seja utilizada de forma indevida, sem, contudo, se encerrar ou extinguir a pessoa jurídica, que continua a existir para todos os seus demais efeitos.
Em suma, como pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária.
Neste sentido ensina o Professor Fábio Ulhôa:
“Segundo a formulação objetiva, o pressuposto da desconsideração se encontra, fundamentalmente, na confusão patrimonial. Se, a partir da escrituração contábil, ou da movimentação de contas de depósito bancário, percebe-se que a sociedade paga dívidas do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, então não há suficiente distinção, no plano patrimonial, entre as pessoas. Outro indicativo eloquente de confusão, a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, é a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e vice-versa. Ao eleger a confusão patrimonial como o pressuposto da desconsideração, a formulação objetiva visa realmente facilitar a tutela dos interesses de credores ou terceiros lesados pelo uso fraudulento do princípio da autonomia. Mas, ressalte-se, ela não exaure as hipóteses em que cabe a desconsideração, na medida em que nem todas as fraudes se traduzem em confusão patrimonial”.[16]
Há, portanto, duas teorias para aplicação da desconsideração no direito pátrio. A maior, que se baseia no Código Civil, e a teoria menor, com base na legislação ambiental e da ordem econômica. Nesta última, o dano a ser reparado pode ter sido apenas culposo, bastando a insolvência da empresa, para ocorrer a desconsideração.
Sobre a teoria menor, como os critérios são mais rígidos e a legislação não faz menção ao requisito de confusão patrimonial, entendemos que não haverá maiores problemas quanto a aplicação às EIRELI’s, por esse motivo informaremos apenas o conceito principal da teoria menor na linguagem do professor Felipe Peixoto Braga Netto, para então adentrarmos no ponto-chave do presente artigo: a desconsideração da personalidade jurídica nas EIRELI’s.
Informa o emérito professor:
“A teoria menor não exige prova da fraude ou do abuso de direito. Nem é necessária a prova da confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e física.Basta, nesse sentido, que o credor (consumidor, no caso) demonstre a inexistência de bens da pessoa jurídica, aptos a saldar a dívida. É uma teoria mais ampla, mais benéfica, certamente, ao consumidor. E foi ela a adotada pelo CDC, no art. 28, § 5º. Os contornos da teoria menor da desconsideração foram didaticamente delineados em acórdão do STJ: “A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência deste dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (STJ, REsp 279.273, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3a T, DJ 29/03/04).”[17]
2.2 – Desafios na aplicação in concreto do instituto da Desconsideração da Personalidade Jurídica aos empreendedores Individuais de responsabilidade Limitada.
Analisando a aplicação do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, e fazendo-se uma análise puramente positivista, chegaremos à conclusão de que, em havendo confusão patrimonial, poderá haver desconsideração da personalidade jurídica.
Ocorre que, devido à natureza da atividade dos empreendedores que almejam este tipo de constituição societária, sendo em sua maioria empreendedores individuais, micro e pequeno produtores, artesãos, prestadores de serviço, empresários individuais, há uma confusão patrimonial natural, já que a atividade deste tipo de empreendedor é, em sua natureza, de subsistência, não de investimento, como nas demais sociedades empresárias. Senão vejam-se os dados sobre localização do empreendimento e outras fontes de renda dos empreendedores extraídos da pesquisa Perfil do microempreendedor brasileiro, realizada em 2012 pelo SEBRAE[18], que poderá esclarecer o quanto são confusas as interações dos patrimônios dos empreendedores e dos empreendimentos.
i) Foi perguntado aos empreendedores o local onde eles exerciam a atividade empresarial:
ii) Foi perguntado aos empreendedores se eles detinham outras fontes de renda.
Como se vê, 67% dos pequenos empreendedores não tem estabelecimento comercial e, de todos os entrevistados, 74% não tem outra fonte de renda.
A pesquisa fortalece o senso comum de que os pequenos empresários em sentido amplo, abrangendo microempreendedores individuais, empresários não formalizados, prestadores de serviço, artesãos, sacoleiras entre outros, misturam seu patrimônio com o da sociedade, já que não podem, devido a sua baixa condição econômica, gozarem, por exemplo, de um automóvel específico para o negócio, de um ponto comercial diferente de sua residência e etc.
Assim, a teoria maior pode chocar-se com a realidade empresarial dos empreendedores citados, tornando sem efeito o disposto na Lei 12.441/11. Isto por que a limitação da responsabilidade inserida pela lei não os protegerá, já que, como dito, notoriamente haverá confusão patrimonial.
Entendem-se agora quais eram as verdadeiras intenções do §4º do artigo 980-A, que em sua redação trazia a limitação da responsabilidade aos bens da EIRELI em qualquer hipótese. Objetivava o parágrafo vetado, dar um critério objetivo para que os julgadores pudessem fazer valer o instituto da proteção patrimonial, estimulando que empresas fossem criadas e, principalmente, que milhares de empresários pudessem sair da informalidade.
Dessa forma, caso o empresário individual de responsabilidade limitada não esteja preparado para exercer a atividade de forma bem definida, amparado por balanços patrimoniais, com sua atividade organizada e segmentada de sua vida pessoal, terá seu patrimônio pessoal desprotegido, respondendo de forma ilimitada pelas obrigações do negócio, já que haverão pedidos contínuos de desconsideração da personalidade jurídica fundamentados na confusão patrimonial.
Caberá ao judiciário, então, definir com base em critérios subjetivos se pagar a luz da casa onde mora e onde exerce atividade empresarial ao mesmo tempo ou, utilizar o carro da empresa para condução pessoal e para entregas de mercadoria será, com base no art. 50 do Código Civil, confusão patrimonial.
Este desafio terá dupla responsabilidade: a primeira da EIRELI, em manter uma efetiva separação patrimonial; a segunda do Poder judiciário, em estabelecer mecanismos de aferição capazes de indicar se há confusão patrimonial com intuito lesivo ou se há confusão patrimonial decorrente da própria condição destes empresários.
Considerações Finais
Diante do que foi esboçado se extrai que a sociedade limitada unipessoal foi introduzida no direito brasileiro com o nome de EIRELI, que conforme explicitado no art. 44. constitui nova espécie de pessoa jurídica, ponto ainda controverso da doutrina como se pode ver no acertado posicionamento do professor Ulhôa:
“A sociedade limitada unipessoal é chamada, no direito brasileiro, de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI). Esta não corresponde a novo tipo de pessoa jurídica, como equivocadamente se poderia concluir da interpretação literal do art. 44, VI, do Código Civil. Sendo espécie de sociedade limitada, a EIRELI submete-se às regras deste tipo societário (CC, art. 980-A, § 6º)”.[19]
Vê-se, porém, que o avanço na legislação com a entrada do artigo 980-A no Código Civil, trará alguns questionamentos ocasionados pelo veto do §4º. Nessa via de análise, há um confronto hermenêutico a ser atacado pelo judiciário que envolve três vertentes:
i) o subjetivismo do art. 50, que tem sido utilizado sem critério pelos tribunais nacionais, fato que é amplamente criticado por boa parte da doutrina, conforme elucida Fábio Ulhôa:
“A teoria da desconsideração nem sempre tem sido corretamente aplicada pelos juízes (e mesmo alguns tribunais) brasileiros. Essa aplicação incorreta reflete, na verdade, a crise do princípio da autonomia patrimonial, quando referente a sociedades empresárias. Nela, adota-se o pressuposto de que o simples desatendimento de crédito titularizado perante uma sociedade, em razão da insolvabilidade ou falência desta, seria suficiente para a imputação de responsabilidade aos sócios ou acionistas”.[20]
ii) A separação patrimonial dos empresários individuais de responsabilidade limitada.
iii) E, por último, se a confusão patrimonial será analisada pela letra fria da norma, invalidando em diversos casos práticos a lei 12.441/11 ou se será levado em conta a confusão patrimonial natural de alguns pequenos negócios, criando uma subdivisão da disregard doctrine, para proteger aquele empresário que apesar de confundir seu patrimônio com o da empresa, não tem finalidade lesiva, sendo tal confusão mera necessidade, decorrente de sua baixa capacidade financeira ou decorrente da própria cultura de alguns segmentos.
Graduado em Administração de Empresas pela Universidade Luterana do Brasil, Pós-graduado em Gestão Pública pela Universidade do Tocantins – Unitins, Acadêmico de Direito pela Universidade do Distrito Federal – UDF.
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