I. Introdução
No momento em que se articula a reforma parcial das relações trabalhistas no campo do direito individual, coletivo ou sindical, sob o argumento da necessidade de flexibilização das leis trabalhistas, há um tema que deve ser considerado dado a sua relevância nos efeitos que produz nas terminações dos contratos individuais de trabalho e seu conteúdo normativo e orientativo, como exercício do direito potestativo pelo empregador.
É o que acontece, entre outras disposições, com o art. 7º, inc. I, da Constituição Republicana quanto aos sentidos das expressões despedida arbitrária e/ou sem justa causa, posto que já esclarecidas em nosso direito e por aplicação das regras de hermenêutica jurídica, sendo desnecessária a legislação complementar para esclarecer o conteúdo dessas expressões, como se verá adiante. O mencionado dispositivo Constitucional protege a relação de emprego contra a dispensa arbitrária e sem justa causa, instituindo indenização compensatória e a estabilidade provisória, entre outros direitos que possam advir com o objetivo de melhorar as condições sociais do trabalhador.
A pós-modernidade, a ênfase do respeito à dignidade da pessoa humana do trabalhador e a defesa constante dos direitos fundamentais do trabalho nos impulsiona ao aprofundamento dos estudos do contrato individual de trabalho que deixa de ser egocêntrico e seu papel transcende as relações pactuadas projetando-se no seio social propugnando por uma ética patronal na ruptura dessa relação mesmo que a pretexto de se alcançar um justo equilíbrio no contexto econômico imposto pela globalização econômica.
2. Convenção 158, da OIT: Exame de seus Efeitos no Direito Laboral Brasileiro
O clima de desemprego em todo o globo com as conseqüências advinda do pós-Segunda Guerra Mundial, levou a Organização Internacional do Trabalho, em 1963, a editar a Recomendação 166, que sugere a adoção de procedimentos para a Terminação da Relação de Emprego por Iniciativa do Empregador, ou seja, criaram-se óbices com um conjunto de medidas destinadas a inibir as chamadas dispensas anti-sociais. No plano interno, o contrato individual de trabalho que previa a estabilidade plena, típica couraça impeditiva da sua ruptura, pelo empregador, quando o empregado atingisse dez anos de tempo de serviço prestado[1] e prevista na Consolidação das Leis do Trabalho, foi quebrada, parcialmente, pela força da onda flexibilizante da globalização econômica, a partir de 1967.
No concerto internacional, a Convenção 158, da OIT[2], surge como referência do ideal de conduta patronal, nas relações humanas de trabalho, em substituição à Recomendação 166. Não se trata de garantir o emprego por meio do instituto jurídico da estabilidade absoluta ou relativa. A Convenção 158, da OIT, é regra de conduta com conteúdo normativo ético e jurídico que mesmo sem vigência integral em nosso Direito, deve nortear o comportamento dos sujeitos da relação contratual, em particular o empregador, para definir as condições da ruptura do liame empregatício, adequar o exercício do poder potestativo e a adoção de uma nova filosofia compatível com o interesse social.
As dificuldades para a aplicação da norma internacional em nosso ordenamento jurídico situaram-se, desde a resistência de alguns segmentos da sociedade, por equivocada interpretação dos seus comandos considerado com revigor ao instituto da estabilidade absoluta no emprego, até a discussões de cunho doutrinário quanto a eficácia e vigência da Convenção em nosso Direito, em razão do processo legislativo a que deve se submeter (para uma parcela da doutrina tem início com a própria atividade normativa da OIT e/ou ao procedimento de recepção dos tratados internacionais), segundo as concepções doutrinárias dualista ou monista, bem como, a auto-aplicabilidade ou não do tratado em questão, sua oportunidade e quadro econômico favorável à implantação da medida. A matéria foi submetida à apreciação do Supremo Tribunal Federal que proferiu decisão na ADIMC 1480-DF, em 04 de setembro de 1997, publicada em 18 de maio de 2001, e afastou, na ocasião, do nosso ordenamento jurídico, a discussão relativa a vigência ou não da Convenção 158, da OIT.
Essa decisão e discussão, no entanto, não prejudica a verificação do auxílio que o Diploma Jurídico Internacional dispensa à norma Constitucional. Em primeiro lugar, o §2º, do artigo 5º, da Constituição da República, dispõe: Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, significa dizer que os direitos fundamentais não estão exauridos no texto Constitucional[3]. Em segundo lugar, tratando-se de fonte de direito, torna-se dispensável qualquer disposição legislativa para sua aplicabilidade em nosso ordenamento jurídico, invocando-se como exercício de hermenêutica jurídica o artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ou seja, mesmo que o tratado internacional, subscrito pelo Brasil, não esteja positivado em nosso ordenamento jurídico, seus princípios tendem a influenciar a atuação legislativa e o processo interpretativo em nosso Direito, por força do que dispõe o artigo 8º, da CLT: As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado[4], mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Assim, além dos princípios e normas gerais de direito do trabalho é possível que se aplique o direito comparado como regra orientadora dos sujeitos envolvidos na relação de emprego, do legislador – tanto de disposições estatais, como de disposições autônomas – e do intérprete.
A Convenção 158, da OIT, além de exercer influência para deixar claro o significado da expressão dispensa arbitrária influenciou o legislador infraconstitucional na elaboração do artigo 165, da CLT, que dá interpretação legal para o que vem a ser essa expressão.
3. Rescisão Contratual por Iniciativa Patronal: Exame dos Limites Éticos e Jurídicos
O princípio da garantia de emprego inserido no texto constitucional como proteção do emprego contra despedida arbitrária ou sem junta causa, permeou no ordenamento jurídico pátrio como norma orientadora das relações interpessoais no trabalho, pois, trata-se de princípio de Direito do Trabalho preexistente ao legislador (inclusive, o constituinte), com significado de conservação da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, na lição de José Afonso da Silva[5], e não, guarida à estabilidade, como acentua Romita, para quem apenas se adotaram algumas medidas que dificultam a despedida arbitrária[6]. A Constituição da República, ao tratar das despedidas anti-sociais, erigiu à categoria de ilícito a despedida arbitrária, e a Convenção 158, cuidou da explicitação das características desse ilícito, ampliando as sanções a ele vinculadas[7], situando-se no mesmo patamar, sem qualquer grau de hierarquia importando harmonizarem-se as leis ordinárias, as leis complementares e os tratados internacionais, no dizer de Marta Casadei Momezzo[8].
A Convenção 158 tem influenciado a atuação legislativa e do julgador antes mesmo de entrar em vigor em nossa ordem jurídica. Categorias há que prevêem em suas convenções coletivas cláusulas protetoras do emprego em casos especiais, sem que tal possa ser considerado como violência ao texto da Lei Maior. A respeito, Marcelo Mauad afirma “que os instrumentos normativos podem inclusive fixar o direito à garantia de emprego para os membros das respectivas categorias profissionais. E, se tais diplomas jurídicos podem estabelecer mecanismos de garantia de emprego, por que não o poderia a Lei e, neste caso, a Convenção 158, da OIT ,…“[9]. Tem razão o ilustre pesquisador, posto que o “poder legiferante de um ordenamento jurídico não tem a capacidade de produzir todas as normas que a sociedade necessita“[10], daí recorrer o poder supremo “…ao expediente de recepção ou de delegação do poder de produzir normas (fontes indiretas)“.
O fenômeno da recepção da ordem normativa vigente, sob a égide da antiga Carta e compatível com a nova, dando-lhe nova roupagem ou fundamento de validade, tem por finalidade precípua dar continuidade às relações sociais, sem necessidade de novas leis ordinárias, o que seria, além de difícil e custoso, quase impossível[11]. Os instrumentos normativos de trabalho (poder de negociar) são típicos de delegação de poderes, quer ao Judiciário Trabalhista com suas sentenças normativas, quer às categorias profissional e patronal para que, no âmbito de atuação, estabeleçam as condições de convivência, mantendo-se a reserva para que órgãos produtores de leis, na forma delegada constitucionalmente, edite regras de conduta e imponha sanções. Assim, como fonte supridora, e na forma que dispõe o artigo 8º da CLT, o direito positivo laboral brasileiro é composto da jurisprudência e das disposições pertinentes contidas no direito comparado, em especial, nos convênios internacionais. Nesse sentido, além das convenções da OIT e das regras existentes na CLT quanto às hipóteses de justas causas (princípio de recepção das normas), as leis ordinárias são consideradas úteis à sociedade e surgem com a observância do devido processo legislativo.
Entende-se por motivos justificados que amparam a decisão extintiva do empresário como causas objetivas ou, na terminologia da Convenção 158, da OIT[12], causas relacionadas com a capacidade do trabalhador ou fundadas nas necessidades de funcionamento da empresa e como causas subjetivas, aquelas baseadas na conduta do empregado. No que tange à despedida por justa causa o nosso ordenamento jurídico as prevê, no artigo 482, da CLT, hipóteses [que não foram revogadas ou derrogadas] recepcionadas pela Constituição, mediante compatibilidade dos seus dispositivos. A precisão do nomem dos institutos jurídicos mencionado por Maria Helena Diniz como “qualificação jurídica”[13], não permite pensar em outro sentido da expressão justa causa como definido em nossa ordem jurídica trabalhista. Não existe outra justa causa que não a prevista no artigo 482, da CLT.
No que pertine à despedida arbitrária, sua aplicação é feita há longo tempo. Na Recomendação nº 166, da OIT (1963), aparece sugerindo aos países-membros que os empregadores devem abster-se da despedida arbitrária. Essa Recomendação foi convertida na Convenção 158, da OIT, com o mesmo conteúdo normativo. O surgimento dessa expressão no Direito Internacional ensejou a sua adoção em nosso direito, quando da edição da Lei n.º 6.514, de 22.12.1977, deu nova redação ao capítulo V – Da Segurança e Medicina do Trabalho, da Consolidação das Leis do Trabalho. Fez introduzir o artigo 165 que cuida da garantia do emprego aos integrantes das CIPAs, nos seguintes termos: [Os titulares da representação dos empregados nas CIPA(s) não poderão sofrer despedida arbitrária[14],] entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro. Trata-se, pois, de interpretação legislativa.
Referido dispositivo consolidado vai mais além, ao estipular em seu parágrafo único que, ocorrendo a despedida, caberá ao empregador, em caso de reclamação à Justiça do Trabalho, comprovar [princípio da justificação] a existência de qualquer dos motivos mencionados neste artigo, sob pena de ser condenado a reintegrar o empregado. Ressalta, portanto, que a ordem jurídica interna, o direito positivo pátrio e a prática nacional têm suas regras inspiradas no espírito normativo da Convenção 158, regras aceitas e aplicadas com profusão[15]. Deflui do texto legal e das normas internacionais que a expressão despedida arbitrária consiste na demissão que não se respaldar em motivo técnico ou tecnológico, econômico e financeiro, de funcionamento regular do estabelecimento ou da empresa e disciplinar e de capacitação laboral do empregado. Em outras palavras, a expressão justa causa está bem delineada em nosso direito. Entretanto a expressão despedida arbitrária é consagrada no direito comparado, à luz do conteúdo da Recomendação 166, da Convenção 158, da OIT, e do reforço interpretativo legal constante no artigo 165, da CLT, como aquela que não se funda em motivos disciplinares e de capacitação técnica do empregado; funcionamento regular do estabelecimento e da empresa[16]; econômico, financeiro e tecnológico.
Assim, não é a vontade empresarial, unicamente que determina o motivo da extinção da relação de emprego existindo outras causas, como à extinção por (a) força maior que Sala Franco classifica em ‘própria’ (entende-se o fato involuntário e inevitável que impossibilite definitivamente a prestação de trabalho, ou seja, fatos catastróficos – incêndios, inundações, terremotos etc) e ‘imprópria’ (como a decisão dos poderes públicos – factum principis[17]); (b) o despedimento coletivo; (c) o despedimento por motivo disciplinar e (d) o despedimento por causas objetivas, proporcionam a troca por um sistema geral de garantias mínimas exigidas nos pressupostos em estudo, devendo as hipóteses de força maior, para que produza a extinção das relações de trabalho, ser constatadas pela autoridade administrativa do trabalho. Sala Franco confirma não ser possível a despedida coletiva ou por motivos técnicos, organizacionais, econômicos ou financeiros se não houve comunicação prévia à autoridade do trabalho[18].
Por motivos técnicos, devem ser entendidas as necessidades prementes de a empresa atualizar seus maquinários ou seus processos de produção, ou ainda, o próprio estabelecimento, como ocorre com a aquisição de modernos equipamentos que faz com que haja a diminuição de mão-de-obra, extinção de seções ou departamentos, mudança de local do estabelecimento para onde o empregado não puder deslocar-se etc.
Os motivos financeiros e econômicos estão intimamente ligados e se reservam a situações de manutenção da própria empresa para dar continuidade ao empreendimento e, com isso, manter os contratos de trabalho com os demais empregados. Não basta considerar-se a situação econômica do país, mas apenas a da própria empresa que sofre em decorrência dessa mesma situação coletiva, que deverá ser cabalmente provada em juízo. Não se aceita, todavia, o que for conseqüência do próprio risco da atividade que somente pode e deve ser assumida pelo empregador.
Aplicável aqui, o princípio de direito do trabalho de preservação da atividade empresarial no seu papel de fomentar o emprego. A ordem jurídica prevê para o insucesso empresarial a adoção de procedimentos destinados a amenizar os danos causados a terceiros como o instituto de procedimento legal de recuperação de empresa. No direito do trabalho, há previsão de tratamento diferenciado para a hipótese de força maior, assim considerado todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual não concorreu, direta ou indiretamente (art. 501, CLT), exclusa a imprevidência (§1º).
Nesses casos, são possíveis as despedidas coletivas. A lei, a convenção ou dissídio coletivo poderão fixar um limite máximo de demissões, proporcional ao número de empregados existentes (artigo 14, 2), daí a imediata aplicabilidade dos referidos artigos. É possível que o empregador se encontre diante do dilema: manter os postos de trabalho e sucumbir ou extinguir os postos de trabalho e salvar o empreendimento. Em outras palavras, pode estar diante da necessidade objetiva, de dar fim à relação de emprego com a eliminação de postos de trabalho, para salvaguardar sua capacidade produtiva no desenvolvimento de projeto destinado a reestruturar seu empreendimento, quer em relação ao material (conjuntural e estrutural), quer em relação ao pessoal (desmobilização), imposta por medidas de adequação tecnológica, financeira e econômica (art. 165, CLT), casos em que o empregado poderá ser demitido.
O empregador notificará a autoridade competente (órgão do Ministério do Trabalho) da sua decisão e apresentará às entidades sindicais representativas dos empregados todas as informações relacionadas com essas justificativas de despedimento (Artigo 13, 1, letra “a”), categorias que seriam afetadas e quando seriam procedidas as demissões. Obrigar-se-á, também, a conceder oportunidades para que se adotem medidas capazes de evitar ou limitar as despedidas ou atenuar suas conseqüências (Artigo 13, 1, letra “b”), procurando novos empregos.
Quanto à capacitação do empregado, trata-se de verificar a sua aptidão para a execução das tarefas para a qual foi contratado. Em outras palavras, a inépcia sobrevinda do trabalhador e decorrente da sua possibilidade de acompanhar o desenvolvimento do empreendimento. Em nosso Direito, há previsão de contrato a título de experiência de que deve valer-se o empregador para testar o trabalhador, nos aspectos pessoal e profissional e, caso assim não proceda, ficará impedido de alegar, no futuro, a falta de qualificação para a função. É de suma importância que o empregador, ao valer-se desse permissivo normativo tenha elementos objetivos de avaliação do empregado e demonstre ter esgotado todos os meios possíveis e disponíveis na gestão dos recursos humanos para demitir o empregado, ante as conseqüências sociais que sua deliberação acarretará.
A despedida disciplinar, sem prejuízo do estabelecido em outras exigências formais (convenção ou acordo coletivo), deve ser precedido de notificação do empregado por meio de documento escrito (carta de despedimento) em que deve constar o fato motivador, assim como a data em que se deu[19], como oportunidade para que o empregado se defenda das acusações dentro de um prazo razoável (24 ou 48 horas). O direito de defesa prévia do empregado é condição para o seu despedimento, pois as alegações sobre o comportamento e desempenho afetam a vida profissional e pessoal do empregado. Essa notificação poderá, também, ser feita judicialmente, perante a Justiça do Trabalho ou extrajudicialmente, como medida acauteladora. Podem acontecer situações em que o empregador não tenha essa possibilidade ou em que a gravidade da causa (ilícito penal) justifique a demissão incontinente.
A despedida em razão do desempenho não se justifica, após o período de experiência, uma vez que esse tipo de contrato é previsto em nosso ordenamento jurídico e se destina a analisar o trabalhador no seu potencial de produção. Entretanto é sabido que as situações estáveis no trabalho criam no ser humano a estagnação, o desinteresse ou a desmotivação. A nossa legislação prevê, para a justa causa no despedimento, o comportamento desidioso que é a deliberada postura do empregado, em não dar cumprimento ao contrato que firmou. O absenteísmo, uma vez constatado, é passível de ser punido com a rescisão definitiva do contrato.
Como se pode observar, é um conjunto de normas que fixam diretrizes éticas e de cunho social com o objetivo de revestir de juridicidade o ato demissório do empresário. Não se trata de engessamento da empresa, diz Rubens Tavares Aidar[20], “uma vez que a idéia é que as empresas negociem seus cortes de pessoal com a sociedade, com os sindicatos, mostrem com transparência suas reais necessidades e problemas”. Caberá à Justiça do Trabalho examinar as causas que motivaram o término da relação de emprego e as demais circunstâncias relacionadas com o caso e ao concluir que a dispensa é injustificada, isto é, não se ajusta às hipóteses de despedida não arbitrária, como: a) comportamento indevido, b) capacitação ou qualificação do trabalhador, c) necessidade empresarial devidamente comprovada e d) não foram tomadas as medidas preparatórias para o término da relação de emprego, tais como concessão do aviso prévio e de formulação da defesa pelo empregado, o que não poderá ir além do previsto no artigo 10, do Ato das Disposições Transitórias Constitucionais.
4. Regulamentação infraconstitucional dispensável
Equivocadamente, uma corrente expressiva e respeitada de nosso Direito sustenta que a expressão “nos termos de lei complementar” diz respeito às hipóteses de “despedida arbitrária ou sem justa causa“, motivo pelo qual, para ter eficácia plena, o dispositivo constitucional dependeria de lei complementar. Assim, não poderia ser regulamentado por convênio internacional, decreto do executivo ou do legislativo ou qualquer outro instrumento, diz Magano. Respeitosamente, o texto constitucional depende de lei complementar para que seja explicitado o alcance da expressão [nos termos de lei complementar, que preverá] “indenização compensatória, dentre outros direitos“. Sabe-se que o mais importante e de maior poder de força que a palavra é a intenção de quem afirma[21]. O propósito ou o espírito da lei revelado no pronome relativo na oração é que deve prevalecer, posto que lhe dá vida, seguindo-se a máxima paulina de que a “letra mata, mas o espírito vivifica“[22] (Littera occidit; spiritus vivificat). Na verdade, o dispositivo constitucional, nos seus aspectos teleológicos (fim colimado ou o resultado que a mesma precisa em sua atuação prática, como diz Maximiliano), ao se referir à lei complementar transfere para o legislador infraconstitucional a incumbência de dissecar a matéria relativa à proteção que consistirá, entre outros direitos, de uma indenização compensatória.
A expressão nos termos de lei complementar está, portanto, voltada única e exclusivamente à expressão indenização compensatória, como se extrai do conteúdo que dá interpretação legislativa constitucional ao inciso I, Artigo 7º, ao dispor “Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7º, I, da Constituição: I- fica limitada a proteção nele referida ao aumento, para quatro vezes, da porcentagem prevista no art. 6º, caput e §1º, da Lei. 5.107, de 13 de setembro de 1966″. Fixa provisoriamente, ou seja, em lugar da lei complementar que advirá o montante da indenização compensatória prevista no texto. No inciso seguinte, as disposições transitórias constitucionais vedam a dispensa arbitrária e sem justa causa de empregados eleitos para cargos de direção de comissões internas de prevenção de acidentes e de empregada gestante. Em nenhum momento o legislador constituinte ocupa-se de explicitar, por ser desnecessária, mesmo que provisoriamente, o que seja despedida arbitrária ou sem justa causa.
Indubitável, pois que a previsão constitucional de elaboração de lei complementar destina à regulamentação da proteção prevista na hipótese de despedida arbitrária pelo empregador. Incogitável a substituição da garantia de proteção ao emprego nele expressa, porque a indenização, por si só, não repõe o dano causado pelo arbítrio. Por esse motivo, o próprio texto referiu-se no seu caput a “além de outros [direitos] que visem à melhoria de sua condição social“. O que se extrai, na manifestação social pelo legislador constituinte, é a existência de óbices à indiscriminada movimentação de mão-de-obra ao arbítrio do empregador. A tendência no direito comparado é a promoção da segurança no emprego mediante normas impeditivas da despedida arbitrária ou imotivada, admitidas, somente em razão de atos faltosos praticados pelo empregado e por motivos de ordem tecnológica, estrutural ou econômico–financeira, que atinjam a empresa, coibindo-as por meio de indenização e ordem de reintegração no emprego.
A proteção à relação de emprego está amparada nas possibilidades de indenização compensatória, no restabelecimento do contrato individual do trabalho e em outras hipóteses que a lei ou a convenção ou acordo coletivo de trabalho possam prever. Enquanto não se promulgar a lei complementar para determinar a proteção aludida pelo legislador aplicam-se as hipóteses do artigo 10, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, com amparo no próprio texto, “… além de outros que visem à melhoria de sua condição social.”.
5. Questão fundamental: A Indenização Constitucional Compensatória na rescisão motivada ou na despedida NÂO arbitrária. Hipótese de Não Cabimento
Conhecido que despedida não arbitrária é aquela fundada em razão de atos faltosos praticados pelo empregado (justa causa) e por motivos de ordem tecnológica, estrutural ou econômico–financeira, que atinjam a empresa, uma questão de suma importância é reservada para esse estudo, nestas hipóteses, não é devida, pelo empregador, a indenização constitucional compensatória, correspondente a 40% dos depósitos do FGTS, quando a despedida não for arbitrária. Em outras palavras, as despedidas que se fundarem em motivos de ordem tecnológica, econômica e financeira ou disciplinar, na forma do dispositivo constitucional (art. 7º, inc. I, da CR), não são consideradas arbitrárias, daí não ser devida a indenização compensatória prevista no texto Constitucional.
As demissões anti-sociais, segundo a teleologia da lei complementar prevista (artigo 7º, I, CR) que se entende por despedida arbitrária (segundo interpretação legislativa do artigo 165, da CLT): o que não se fundar em motivos de ordem empresarial, a saber, organizacional (extinção da empresa ou do estabelecimento), tecnológica, econômica e financeira (Convenção 158, da OIT) e os motivos de ordem disciplinar (art. 482, CLT – justa causa do empregado), não resultam no pagamento da indenização compensatória.
Vejamos algumas considerações comparativas com as disposições da Convenção 158, da OIT. No sistema de estabilidade absoluta, nos primeiros dez anos de tempo de serviço, era prevista a indenização no valor correspondente a um salário nominal por ano ou fração superior a seis meses, de contrato de trabalho (artigo 477 e 478, CLT). A partir do décimo ano, o empregado adquiria o direito à estabilidade absoluta no emprego, motivo pelo qual recebia mais um salário por ano de contrato de trabalho. Por essa estabilidade dizia-se que, após o décimo ano, a indenização era dobrada (artigo 497, CLT). No entanto eram duas as indenizações: uma destinava-se ao tempo de serviço e outra, a compensar a estabilidade no emprego que estava sendo quebrada.
A estabilidade decenal ou absoluta foi substituída em nosso Direito pelo sistema de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço. O empregado, após dez anos, normalmente, reduzia sua produção, desmotivado pelos efeitos naturais da degenerescência humana, da possibilidade de não ser demitido e de sua desvinculação dos resultados da empresa. O empregador, por sua vez, no interesse de evitar que o trabalhador completasse o período de estável, exercia o seu direito de demissão, mesmo sem justa causa, antes de ser efetivado o tempo de serviço necessário à garantia da estabilidade. Era a chamada despedida obstativa de direito, referida no § 3º, do artigo 499, da CLT.
Como o empregador tinha interesse na habilidade e na experiência do empregado demitido, readmitia-o numa pretensa nova contratação do que adivinham inúmeras contendas na Justiça do Trabalho, como se pode verificar pela jurisprudência da Justiça do Trabalho.
O sistema de garantia do tempo de serviço surgiu como medida flexibilizadora dos direitos trabalhistas no período pós-Segunda Guerra Mundial. A expansão econômica que avançou pelos quadrantes do globo vindos do hemisfério norte chegou até nós como parte da brisa globalizante dos anos 50. A indústria automobilística que aqui se instalou, no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, pugnava por flexibilização do sistema de estabilidade absoluta, já que nada se conseguiu no governo de Getúlio Dornelles Vargas (2º período – 1950-1955). O governo trabalhista de João Belchior Goulart resistiu às pressões. Com a assunção de o governo militar de Humberto de Alencar Castelo Branco, abriram-se as portas para a flexibilização.
Em 13 de setembro de 1966, a Lei 5.107 (alterada pelo Decreto-lei n° 20, de 14.09,1966), introduzia o sistema de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, com vigência a partir de 1° de janeiro de 1967. Por esse sistema, constituiu-se um condomínio de contas-vinculadas, sob o gerenciamento do Estado que conviveu, concomitantemente, com o sistema de indenização e estabilidade prevista no art. 477 e seguintes da CLT, até 5 de outubro de 1988, quando a Constituição Republicana adotou o modelo vigente e permitiu a consolidação (Lei 8.036, de 11 de maio de 1990, regulamentada pelo Decreto nº 99.684, de 08 de novembro de 1990 e modificada pela Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, com redação dada pela Medida Provisória 2.049-21, de 28 de julho de 2000) das diversas Leis (entre elas n.º 7.839, de 12.10.1989), Normas, Portarias etc. editadas, acolheu experiências ditadas pela Doutrina e fez ajustes recomendados pela jurisprudência.
Com o FGTS, admitia-se a ruptura do contrato de trabalho, mesmo após os dez anos. Em lugar da estabilidade absoluta criou-se a indenização compensatória equivalente a 10% (Lei 5.107/66), depois alterada para 40% (CR 1988) do montante depositado pelo empregador na conta-vinculada do empregado. Admitida a despedida arbitrária com a liberação de cem por cento dos depósitos existentes na conta-vinculada empregado-empregador e mais 10% de seu valor, caso atingisse os dez anos. Não atingidos os dez anos, a vantagem era do empregado que passaria a ser contemplado com a indenização compensatória.
Os depósitos para o FGTS de 8% do salário pago no mês, ao final de 12 meses equivaleriam a um salário por ano trabalhado, ou seja, seriam equivalentes à indenização do estável, conforme Enunciado n.º 98, do TST: “A equivalência entre os regimes do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e da Estabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho é meramente jurídica e não econômica, sendo indevidos quaisquer valores a título de reposição de diferença”. O FGTS substituiu a indenização prevista no sistema anterior para o tempo de serviço, enquanto a estabilidade (pós dez anos) não foi convenientemente substituída pela indenização compensatória prevista na Constituição de 1988 e na Lei 8036/1990. Diante dessa situação, pode-se dizer que a sociedade passou a criar mecanismos de proteção, tais como, a estabilidade relativa provisória, uma situação que durante certo lapso de tempo os distinguia dos demais, a exemplo dos dirigentes sindicais e das gestantes e foram alçados ao nível constitucional pela Carta Magna de 1988, salvaguardando o que era previsto para a estabilidade absoluta, voltados para o interesse coletivo e o interesse social.
6. Conclusão
Na despedida por justa causa é pacífico que a indenização compensatória não é devida e, colocada no mesmo patamar, não será devida quando a despedida não for arbitrária. É o que se extrai do texto constitucional. Vejamos.
a) Nas despedidas com justa causa, não é devida a indenização compensatória, nem mesmo a liberação dos depósitos levados a efeito na conta-vinculada do FGTS, pelo empregado, na constância do contrato individual de trabalho.
b) Nas despedidas sem justa causa, o empregado tem direito a soerguer os depósitos existentes em sua conta-vinculada, bem como a receber do empregador uma indenização correspondente a 40% do montante encontrado desses depósitos.
c) Nas despedidas arbitrárias (imotivadas), igualmente, terá direito aos depósitos do FGTS e à indenização compensatória.
d) Nas despedidas não arbitrárias, o texto constitucional não obriga o pagamento da indenização compensatória de 40% sobre o montante dos depósitos do FGTS. Apenas é autorizada a liberação destes, inclusive na hipótese de força maior, extinção da empresa ou estabelecimento (artigo 20, inc. I e II, da Lei n.º 8.036/90). O §1º, do artigo 18, da Lei n.º 8.036 de 1990 determina o depósito na conta-vinculada do trabalhador, no FGTS, de importância igual a 40% do montante depositado na vigência do contrato de trabalho, somente na hipótese de justa causa, sem qualquer alusão às despedidas não arbitrárias.
O princípio da legalidade (Art. 5º, II, da CR), segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei”, aplica-se à situação em análise, do que resulta não haver obrigatoriedade no pagamento de indenização compensatória (cognominado, pelo laico, de multa do FGTS) quando o empregado for dispensado por justa causa e quando a dispensa se fundar em motivos determinados pela evolução tecnológica, por motivos determinados pela extinção da empresa ou do estabelecimento e por problemas de ordem econômica e financeira que tenham diretamente atingido a empresa.
Na força maior compreende todo (a) acontecimento inevitável e (b) imprevisível, em relação à vontade do empregador, e (c) insuperável, (d) para a realização do qual não concorreu, direta ou indiretamente, (e) que possa provocar efeitos relevantes sobre a situação econômica e financeira da empresa, leciona Batalha[23]. Na culpa recíproca, devidamente reconhecida por decisão judicial, a indenização corresponderá a 20% do total dos depósitos, como normatizado.
As despedidas consideradas não arbitrárias, ou seja, aquelas que tenham fundamento na necessidade empresarial e na deficiência de capacitação ou produtividade do empregado resultarão em:-
(a) indenização por término de serviços ou outra compensação análoga, cuja importância será fixada em função do tempo de serviço, do montante do salário, entre outras coisas. Essa indenização deverá ser paga pelo empregador ou por meio de um fundo (FGTS) constituído por cotizações dos trabalhadores. O sistema de indenização por tempo de serviço foi abolido em nosso Direito pela Constituição Republicana, quando adotou definitivamente o sistema de fundo de garantia do tempo de serviço (Lei 8.036/90 e Decreto n.º 99.684/90) constituído por contribuições dos empregadores. Esse fundo de garantia se ajusta à idéia do artigo 12, letra a, quando se refere a outras compensações análogas, uma vez que se leva em conta o tempo de serviço e o montante do salário, com uma equivalência a um salário anual, porque o somatório de oito por cento mensal, incluso o décimo terceiro salário, supera 100% do salário mensal.
(b) seguro-desemprego, como parte de um sistema de assistência aos desempregados ou de outras formas previstas em previdência social, tais como benefícios por velhice ou por invalidez. O programa de seguro-desemprego é previsto em nosso Direito pela Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990, com a finalidade de prover assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado em virtude de dispensa sem justa causa e auxiliar os trabalhadores na busca de emprego, promovendo ações integradas de orientação, recolocação e qualificação profissional;
(c) uma terceira hipótese é a combinação da indenização e dos benefícios que dependerá de previsão na lei, convenção coletiva de trabalho, dissídio coletivo de trabalho e regulamento da empresa.
A indenização compensatória prevista na legislação do sistema de fundo de garantia (Lei 8.036/90) e no artigo 10, inciso I, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e artigo 9º, §1º, do Decreto n.º 99.684, de 08.11.1990, correspondente a, no mínimo, 40% (quarenta por cento) do montante que se achar depositado na conta vinculada na época do despedimento, não é devida quando a despedida não for arbitrária, uma vez que resulta justificada a dispensa, escapando da figura da dispensa anti-social.
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